Trocados n.2

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N Ã O T E N H O B O C A , E P R E C I S O G R I TA R

tas. Peguei outra lança e saltei em cima dele, que ainda respirava, e cravei a lança direto na garganta. Seus olhos se fecharam ao penetrar da lança gélida. Ellen devia ter percebido o que eu decidi fazer, ainda que o medo a dominasse. Correu até Nimdok com uma lança curta, enquanto ele gritava, e o acertou dentro da boca, a força do impacto fez o resto. Sua cabeça se contorceu agudamente como se tivesse sido pregada à crosta da neve atrás dele. Tudo num único instante. Houve um pulso de eternidade, de antecipação muda. Eu conseguia ouvir AM respirar. Seus brinquedos lhe tinham sido roubados. Três estavam mortos, não podiam mais ser ressuscitados. Ele podia nos manter vivos, através de sua força e talento, mas não era Deus. Não era capaz de trazê-los de volta à vida. Ellen olhou para mim, seus traços de ébano contrastando com a neve que nos cercava. Havia medo e súplica em sua expressão, no modo como ela se mostrou pronta. Eu sabia que tínhamos apenas um momento antes que AM nos impedisse. A lança de gelo a atingiu e ela caiu contra mim, o sangue transbordando na boca. Eu não consegui ler o sentido da expressão no seu rosto, a dor tinha sido grande demais, contorcendo seu rosto; mas pode ser que tenha sido um “obrigado”. Pode ser. Por favor.

Alguns séculos devem ter se passado. Sei lá. AM tem sido engraçado com o tempo, acelerando e retardando meu senso temporal. Eu vou dizer a palavra agora. Agora. Levei dez meses para dizer agora. Sei lá. Acho que faz uns séculos. Ele ficou furioso. Não me deixou enterrá-los. Não fazia diferença. Não havia como abrir um buraco entre as chapas de ferro. Secou toda a neve. Baixou a noite. Urrou e soltou gafanhotos. Não adiantava nada; eles continuaram mor126


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