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Entrevista a Hugo Santos Mendes - Secretário de Estado das Infraestruturas

Investimentos nos portos e na ferrovia reforçam competitividade na Península Ibérica

Em entrevista à Revista APAT, Hugo Santos Mendes, secretário de Estado das Infraestruturas, faz o ponto da situação dos investimentos previstos e em curso nos portos e na ferrovia para alargar o hinterland dos portos e das empresas e aumentar a sua competividade, desde logo, na Península Ibérica.

APAT - Por causa da crise, mas não só, outros países europeus, e desde logo Espanha, anunciam programas de apoio à modernização dos transportes e de promoção à transferência modal das cargas, da rodovia para a ferrovia e para o transporte marítimo. O Governo tem planos nesse sentido?

Hugo Santos Mendes - Tanto as Administrações Portuárias dos portos comerciais quanto a Infraestruturas de Portugal (IP) têm vindo a trabalhar de forma integrada no sentido de garantir, não só a manutenção mas também a evolução tecnológica e o aumento de capacidade instalada ao nível das nossas infraestruturas para potenciar o transporte por meios menos poluentes e mais eficientes, com foco claro na transferência modal.

O Plano Ferroviário Nacional, que esteve até há pouco tempo em discussão pública, é um dos instrumentos de planificação particularmente importantes nesta temática.

Ao mesmo tempo, temos vários investimentos em curso ao nível ferroviário que, em conjugação com o que estamos a fazer ou já temos projetado nos nossos portos, nos permitirá fazer comboios de maiores dimensões, a usar vias mais seguras, fiáveis e resilientes, beneficiando de uma nova situação na infraestrutura que os tornará economicamente mais

competitivos, ao alargar a área de influência dos nossos portos e empresas.

Assim, Leixões está a avançar com o projeto do Porto Seco da Guarda, que arrancará definitivamente logo que as obras na Linha da Beira Alta estejam concluídas. Por outro lado, passará a gerir o terminal da IP junto a Leixões, uma infraestrutura que irá melhorar também significativamente a eficiência da operação de transferência modal em Leixões. A isto devemos somar os projetos de construção de um novo terminal em Leixões, devidamente integrado com a ferrovia e que, mais a médio prazo, irá permitir a Leixões reforçar o seu relevo, em particular, no centro-norte da Península Ibérica.

Já o Porto de Aveiro conseguiu um apoio muito importante, através de uma candidatura bem sucedida junto da Connecting Europe Facility que viabilizará, juntamente com recursos próprios do porto, a implementação do seu terminal Intermodal, num investimento total de cerca de €16 milhões. Este projeto permitirá aos operadores do porto construírem comboios de 750 metros, aumentando significativamente a capacidade da operação, tornando-o comercialmente mais interessante, e colocando Aveiro como uma opção válida para servir o país, mas também a região central da Península Ibérica. Por outro lado, em Setúbal estamos a avançar com a modernização e reforço da ligação ferroviária, que irá permitir que o Porto de Setúbal aumente a quota de tráfego por via ferroviária e oferecerá mais uma opção fiável e eficiente para movimentação de cargas.

Mais a sul, o Porto de Sines irá beneficiar de forma muito expressiva de todos os investimentos em curso no corredor internacional sul, projetando-se que a viagem de mercadorias até Espanha seja encurtada em cerca de três horas, o que, juntamente com os investimentos de expansão da capacidade ferroviária dentro do próprio porto, constituirão uma alteração muito favorável da sua competitividade a nível ibérico.

Finalmente, no PT2030 temos destinados €118 milhões para os Portos do continente, abrangendo vários investimentos centrados na transferência modal. Um dos mais emblemáticos será um investimento que orçará globalmente em cerca de €45 milhões e que irá garantir a navegabilidade do Estuário do Tejo até Castanheira do Ribatejo, com construção de um terminal de granéis a montante, e que constituirá, na prática, uma nova via navegável (já reconhecida na proposta recente da Comissão Europeia no âmbito da revisão da Rede Trans-Europeia de Transportes (RTE-T)). Esta via permitirá retirar muitos camiões das estradas, com a redução de emissões de gases de estufa e do risco de sinistralidade. Mas poderia ainda citar o investimento na Estação Intermodal de Leixões, nas novas acessibilidades no Porto da Figueira da Foz ou na Zona Leste do Porto de Sines.

Quanto ao futuro Terminal Vasco da Gama (…) Temos tudo pronto: as peças legislativas, o caderno de encargos, os termos de avaliação das propostas. A decisão está estritamente dependente da identificação do momento ideal…

APAT - A concretização do Ferrovia 2020 está atrasada. A atual crise ameaça mais derrapagens em termos de prazos e de custos. O que é o que o Governo tem previsto para garantir a conclusão do plano o mais rapidamente possível e com o mínimo de prejuízos para o transporte de mercadorias? A Linha da Beira Alta estará encerrada nove meses...

Hugo Santos Mendes - O impacto da atual crise na execução dos projetos em curso e nos que se perspetivam é uma preocupação grande do governo. Tanto assim é que no conselho de ministros do passado dia 12 de maio o governo estabeleceu um regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos. Este diploma procura criar condições para que aumentos excecionais dos custos com matérias-primas, materiais, mão-de-obra e equipamentos de apoio não comprometam a execução dos contratos nem criem extensos períodos de renegociação ou de litigância entre as partes.

Por outro lado, como referi, os nossos Portos estão focados, por exemplo, em antecipar o dia seguinte ao da retoma sem restrições da operação na Linha da Beira Alta. Uma das formas de reduzirmos o tempo entre o investimento e os seus reflexos passa precisamente por reforçar a coordenação e planificação integrada. É por isso que vamos avançar com o terminal intermodal de Aveiro, e é por isso que atribuímos recentemente a gestão do terminal ferroviário da Guarda ao Porto de Leixões para o capacitar para implementar o Porto Seco da Guarda, que deverá ganhar expressão precisamente quando a IP libertar o seu estaleiro de apoio à obra da Linha da Beira Alta.

Por outro lado, não sendo o ideal, houve o cuidado de alinhar o início da obra na Linha da Beira Alta com a conclusão da modernização da Linha da Beira Baixa, que supletivamente será uma alternativa disponível e fiável durante o período de restrições a norte.

APAT - O que falta para ser lançado o concurso para o segundo terminal de contentores de Sines? Outros portos vizinhos continuam a aumentar a sua capacidade...

Hugo Santos Mendes - Mas Sines também está a aumentar a sua capacidade: está em curso a obra de expansão do Terminal XXI, conforme articulado com o respetivo concessionário, a PSA, um dos maiores operadores portuários do mundo. Falamos de um investimento que irá quase duplicar a capacidade de operação de carga contentorizada, de 2,3 milhões de TEU/ano para 4,1 milhões de TEU/ano, algo muito relevante, não só à escala de Sines mas à escala nacional.

Por outro lado, muito recentemente, a APS atribuiu a concessão do TMS, por 20 anos, após concurso público (tendo havido vários operadores interessados na sua exploração, o que atesta o interesse manifestado). Até aqui conhecido pelo terminal do carvão, este terá necessariamente um modelo de negócio e de operação muito diferente daqui para a frente.

Quanto ao futuro Terminal Vasco da Gama, sabemos que este implicará um compromisso mais significativo e volumoso por parte do futuro investidor, situação que exige prudência na procura do momento ideal para colocar a concessão no mercado. Temos tudo pronto: as peças legislativas, o caderno de encargos, os termos de avaliação das propostas. A decisão está estritamente dependente da identificação do momento ideal que, convenhamos, dificilmente é aquele que coincide com o início de uma guerra no continente europeu e em cima de um contexto ainda muito desafiante ao nível do transporte marítimo e de toda a cadeia logística.

Como é público, após uma primeira tentativa em boa medida penalizada pela pandemia, atualizámos os termos da concessão no sentido de dar maior flexibilidade ao futuro concessionário para melhor adaptar o ritmo de expansão da concessão à realidade económica, reduzindo as obrigações de investimento e dilatando prazos. Estamos a avaliar em permanência o clima internacional para este tipo de negócios e atentos às indicações que vamos obtendo junto dos operadores internacionais quanto à predisposição de investimento face ao atual cenário de especial incerteza.

APAT - Para quando o lançamento do concurso para o terminal de contentores de Leixões?

Hugo Santos Mendes - De momento, o que posso garantir é que a Administração do Porto de Leixões está ativamente empenhada em criar as condições para o lançamento do novo terminal de contentores de Leixões, munindo-se de informação crítica para a tomada de decisão, desde estudos de procura, identificação de opções alternativas para o modelo de negócio, obtenção de declaração de impacte ambiental, entre outros. O processo está a avançar ao ritmo que uma boa decisão exige.

Na região de Lisboa contamos apostar no desenvolvimento de uma nova zona logística de apoio à atividade portuária em Castanheira do Ribatejo, completando o desenvolvimento da via navegável.

APAT - Dada a importância dos portos secos e plataformas de articulação com os portos, a ferrovia e o hinterland, o Governo pondera revisitar o programa Portugal Logístico?

Hugo Santos Mendes - Referi há pouco o que o Porto de Leixões está a fazer e irá implementar na Guarda, e já referi alguns dos vários investimentos na expansão portuária associados à intermodalidade, como em Aveiro, também em Leixões. Setúbal está a modernizar e reforçar a capacidade ferroviária do seu porto, estando a conseguir captar para a sua área de influência alguns dos maiores investimentos nacionais na área da transformação e energia – só possível pelas valências, conectividade e interoperabilidade disponíveis. Posso acrescentar que em Sines, além do impacto que o investimento na ferrovia terá inevitavelmente na expansão do seu hinterland, estamos a desenvolver esforços para podermos receber nas estruturas atuais, mas também em novas áreas de expansão, os vários investimentos que se projetam para a região e que terão no Porto de Sines a peça estruturante.

Na região de Lisboa contamos apostar no desenvolvimento de uma nova zona logística de apoio à atividade portuária em Castanheira do Ribatejo, completando o desenvolvimento da via navegável.

Do ponto de vista digital, a Janela Única Logística, já muito próxima da implementação global em todos os Portos, é hoje uma das fontes de melhor articulação e gestão eficiente para os mais variados operadores que têm atividade portuária sendo já um motivo de atratibilidade da oferta logística nacional. E a cada momento as administrações portuárias, em articulação com os agentes de mercado, estão atentas ao mercado em que se inserem e em busca de oportunidades de expansão.

Com isto quero dizer que fará sempre sentido ir aferindo da coerência global e incutir um sentido de cooperação e reforço da competitividade face ao exterior, bem como de reforço da resiliência da oferta da operação logística nacional. A execução e os projetos estão aí para o demonstrar. Destaco ainda que, desde 2013, essa reflexão tem vindo também a ser patrocinada a nível europeu, no seio da RTE-T, e que se encontra atualmente em revisão com a natural participação de Portugal e demais estados-membros. O Corredor Atlântico da RTE, de que Portugal faz parte, oferece uma coerência e uma interligação internacional crítica para conferir sustentabilidade e sucesso a muitos dos investimentos na infraestutura logística e no desenvolvimento económico nacional.

APAT - Face às dificuldades que se multiplicam, e que impactam não apenas nos transportes mas em toda a economia, o Governo está disponível para acolher a proposta da APAT de criação de um grupo de trabalho para estudar e implementar cadeias de abastecimento mais resilientes?

Hugo Santos Mendes - O Governo tem demonstrado sempre o interesse e a disponibilidade para auscultar e construir caminho com todos os agentes públicos e privados envolvidos na economia nacional. A APAT tem sido um desses interlocutores, especialmente relevante no âmbito das competências do Ministério das Infraestruturas e Habitação, pelo que estamos disponíveis para definir a melhor forma de articulação para abordarmos os desafios da resiliência das cadeias de abastecimento.