Sistema Nacional de Integridade

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5 Importa olhar a corrupção como um problema de natureza essencialmente política que, no limite, não deixa de tocar questões mais vastas e complexas próximas do debate em torno dos próprios modelos social, económico e, naturalmente, também político

resultados conseguidos se mostrará sempre desfavorável aos últimos – e fazendo-a incidir privilegiadamente sobre os fatores que dão causa ao fenómeno e sobre o «ambiente» social, cultural, económico e político onde ele este germina e se desenvolve. É certo que jamais poderá abrandar-se na reclamação de efeitos visíveis no desempenho do sistema de Justiça no seu todo, desde a investigação criminal e o exercício subsequente da respetiva ação penal, até ao desempenho eficaz por parte dos tribunais. Do mesmo modo que do sistema político, em sentido estrito, não será possível deixar de esperar outra «vontade», outra qualidade na feitura das leis e uma mais evidente coerência no conjunto das medidas sucessivamente adotadas. Aí se situa, evidentemente, grande parte do esforço no combate a empreender. Importa porém não perder de vista a evidência de que, antes do combate, decorre a própria prática da corrupção. E é aí que urge atuar, não apenas em sede de prevenção, mas por forma a fazer regressar o desvio à natural dimensão de exceção que justifica a atuação do sistema repressivo com vista à reposição da «norma», ao invés de reclamar deste que, transformado aquele de exceção em problema social generalizado, venha ainda assim a responsabilizar-se pela sua resolução. Por tudo isso, importará olhar a corrupção como um problema de natureza essencialmente política que, no limite, não deixa de tocar questões mais vastas e complexas próximas já do debate em torno dos próprios modelos social, económico e, naturalmente, também político. A relação entre democracia e corrupção atinge no seu cerne o campo lógico e psicológico da confiança, fundamental para dar sentido, por sua vez, a uma saudável relação entre cidadania e política. Daí que importe valorizar o papel de uma informação fiável e oportuna e garantir, também por essa via, a transparência necessária ao envolvimento responsável de todos. E, então, uma vez aqui chegados, será a vez de convocar para análise a política formal e, com ela, as instituições e os partidos políticos. Num país como Portugal, onde apenas há duas décadas se esboçou uma primeira e hesitante lei de combate à corrupção e se criminalizou o branqueamento de capitais, urge agora, após outras experiências mais ou menos bem sucedidas, e com um mais aprofundado conhecimento, nomeadamente em direito e práticas comparadas, buscar uma visão de consenso entre instituições, partidos políticos e cidadãos e traçar, para uma pluralidade de campos de intervenção, uma estratégia comum, comprometida com objetivos e aberta a

avaliações regulares, quer internas, quer externas. A despeito dos «esforços no sentido de melhorar o combate e a prevenção da corrupção», a avaliação dos efeitos permanece negativa e muitas das medidas adotadas mostram-se «viciadas à nascença, com graves defeitos de conceção e formatação». Ora, este Relatório, que, embora numa análise mais global do fenómeno e, por isso, não detalhada, «visa avaliar o desempenho e as bases legais das mais importantes instituições no âmbito do combate à corrupção», fica a constituir um contributo notável, ainda que não isento de avaliação crítica, para a elaboração daquela visão estratégica e para a determinação das medidas a adotar em conformidade. Nele se elencam as principais causas da corrupção, se descrevem as mais relevantes opções ao longo das duas últimas décadas e se avalia os resultados delas derivados. E, se em geral se sublinha o grau deficitário do «sistema», não deixa de salientar-se a evolução que este vem demonstrando, ainda que frágil e, sobretudo, carecida de estratégia e de planificação. Por outro lado, aqui se procura também delinear o perfil político-institucional, socio-cultural, socio-político e socioeconómico do país, cruzando-o com áreas e competências, como as próprias do setor empresarial, da comunicação social e da sociedade civil em geral, que intercedem, por sua natureza, com a temática da corrupção e com a urgência de a combater. De particular relevo são, entretanto, as recomendações formuladas. Assentes numa bem elaborada síntese conclusiva e baseando-se numa política de «transparência total» e de «tolerância zero», dirigem-se simultaneamente aos setores político, público e da Justiça, ao setor privado, à sociedade civil e à comunicação social, delas se retirando um substantivo elenco de propostas em torno das quais cumprirá reunir todos e cada um destes principais destinatários. Sabendo-se que sem uma consciência coletiva eticamente comprometida e «sem vontade política e um aparelho de Justiça capaz e resoluto, não pode haver um combate eficaz à corrupção», bem poderá este constituir um novo passo, porventura mais consistente, para que possa superar-se a «avaliação negativa do desempenho dos sucessivos governos em matéria de combate à corrupção» e vencer-se, no mesmo domínio, o sentimento instalado de «descrédito na Justiça». Um passo que nos cumpre saudar vivamente. Álvaro Laborinho Lúcio Coimbra, abril de 2012 http://integridade.transparencia.pt


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