Relatório Final SNI (2ª Edição)

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comunicação social ou a neutralidade das entidades públicas durante eleições. Estes tipos de infrações têm uma aplicabilidade reduzida na realidade eleitoral. O problema da compra de votos é hoje uma prática residual, embora possa vir a ganhar algum significado com o crescendo de dificuldades económicas. Este tipo de crime não inclui a promessa de emprego camarário, de casa social ou a atribuição de cheques de ação social. Também não inclui o pagamento de quotas por terceiros a membros de um partido durante as eleições primárias. A neutralidade das entidades públicas é impraticável em eleições autárquicas. O facto de os presidentes de câmara se poderem constituir candidatos em exercício de funções tem conduzido a alguns abusos, nomeadamente o uso de informação privilegiada da câmara por parte do candidato, assim como as habituais inaugurações em plena campanha eleitoral ou ainda o uso indevido de funcionários e meios da câmara para fazer campanha. A atuação da CNE tem-se resumido ao exercício de ações pedagógicas e à emissão de pareceres e recomendações, exercendo fundamentalmente uma mera função consultiva, não fazendo um acompanhamento de suspeitas e indícios de crime a remeter para o Ministério Público. Ao nível da Administração Pública, a independência é o maior problema. Apesar de legalmente considerada neutra e imparcial, a Administração Pública continua a preencher os seus quadros através de práticas pouco transparentes e meritocráticas: seja pela nomeação política dos cargos dirigentes, o famigerado fenómeno de jobs for the boys, isto é, a legalização da partidarização da Administração Pública (conforme o disposto na lei) através de critérios discricionários e muitas das vezes baseados em relações de clientelismo partidário (situação idêntica no setor empresarial do Estado); seja pela possibilidade de adaptação dos concursos públicos para melhor servir candidatos previamente escolhidos, um fenómeno bastante comum na administração local, onde é recorrente fazer-se política às custas da gestão da promessa de emprego camarário. Não obstante o atual Governo ter assumido no seu programa o compromisso de estabelecer um sistema independente de recrutamento e seleção dos titulares de cargos de direção superior, com o objetivo de promover o mérito, «despartidarizar» o aparelho do Estado e assegurar as efetivas condições de igualdade e liberdade no acesso a tais cargos e o respeito pelos princípios da competência, imparcialidade e transparência, na prática ficou-se por um mecanismo de recrutamento que continua a garantir o controlo político na definição dos perfis de candidatura, na formatação dos júris de seleção e na decisão final. O atual Governo adotou recentemente uma nova lei de recrutamento de dirigentes da Administração Pública (Lei 64/2011 de 22 de dezembro que altera a Lei 51/2005). A lei alarga o concurso a todos os cargos de direção superior, exige uma licenciatura há pelo menos 12 anos e estende o período de nomeação até cinco anos, para evitar a decapitação em SISTEMA NACIONAL DE INTEGRIDADE

massa que se verificava em cada mudança de Governo. Ainda é demasiado cedo para aferirmos os efeitos desta nova lei. Importa porém sublinhar que a iniciativa do procedimento concursal cabe ao membro do Governo com poder de direção ou de superintendência e tutela sobre o serviço ou órgão em que se integra o cargo a preencher e que o procedimento concursal em si é efetuado por uma comissão dita independente, mas que funciona junto do ministro responsável pela Administração Pública. O processo de seleção conclui-se com a designação de três candidatos, competindo depois ao membro do Governo com poder de direção ou de superintendência e tutela escolher um dos três. Não estamos certos que este seja o procedimento mais adequado para garantir um recrutamento meritocrático e a despartidarização dos cargos de direção da Administração Pública, mas estaremos atentos à sua implementação. O importante é que após o próximo ciclo de recrutamento se elabore um relatório de avaliação independente de modo a aferir os aspetos positivos e negativos da reforma. Seja como for, o certo é que a bondade desta tentativa de despartidarização do setor público colide com uma sucessão de casos em que foram oferecidos «tachos» a autarcas em limite de mandatos (Sapage, 2012) ou nomeados gestores públicos em pleno conflito de interesses9. Fiscalizar a gestão do dinheiro público que é utilizado em todo este sistema político e administrativo é incumbência do Tribunal de Contas, cuja independência não está totalmente assegurada, dada a nomeação política do seu presidente pelo Executivo. O desempenho do Tribunal de Contas tem vindo a consolidar-se ao longo dos anos e apresenta-se hoje como o órgão que melhor cumpre o seu papel no arquétipo institucional do SNI português, servindo como ponto de ancoragem para futuras reformas no domínio de prevenção e deteção de ilegalidades e irregularidades na gestão de dinheiros públicos. Contudo, existe espaço para aumentar a sua eficiência operacional. A metodologia de trabalho do Tribunal de Contas tem assentado sobretudo na auditoria financeira das contas públicas e menos na boa gestão. Isto é, centrase na integridade da gestão pública e na legalidade das operações subjacentes e não no seu mérito e substância, que visa verificar se a gestão dos dinheiros públicos respeita ou não os critérios da economia, eficiência, eficácia, equidade intergeracional e sustentabilidade. A incapacidade de imputação de responsabilidades financeiras aos responsáveis pela má gestão de dinheiros públicos apresenta-se também como um entrave à efetivação do seu trabalho. Embora a atuação pedagógica do Tribunal de Contas, através da elaboração de recomendações e observações às entidades visadas, tenha por objetivo criar um incentivo para a alteração de métodos e práticas de gestão no sentido de uma utilização mais transparente, eficaz e sustentável dos dinheiros públicos, acaba na prática por não atingir o fim pretendido, visto que muitas dessas recomendações e observações não são acatadas pelos agentes


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