Revista Traços nº 41 / Ano 5 - Julho 2020

Page 42

O combate ao vírus invisível e feroz dura quase tanto quanto o próprio treino – este, por sinal, adaptado à pandemia: há que se domar os instintos, não voar tão alto, minimizar os riscos, evitar as manobras aéreas mais perigosas e, mais do que nunca, temer a queda, porque em caso de acidente não haverá ninguém para prestar socorro.

Celebração da vida Difícil medir a altura do tombo. A pandemia atingiu o Instrumento de Ver num dos melhores momentos de sua história. Depois de quase duas décadas encantando plateias com espetáculos como Meu chapéu é o céu, O que me toca é meu também e Porumtriz (aplaudidos por mais de 16 mil pessoas de 70 diferentes cidades brasileiras), e ajudando a formar uma nova geração de artistas de circo por meio de cursos e oficinas, e participando de mostras e festivais pelo Brasil e o mundo afora, era a hora de voar ainda mais alto. Não fosse o vírus, o coletivo estaria agora na França, numa residência artística de dois meses para, em 2021, realizar o sonhado tour francês com o espetáculo 23 fragmentos desses últimos dias. Como se não bastasse, Julia, Maíra, Beatrice e Bela viram também cancelados o musical Brasília, veja você, homenagem de Oswaldo Montenegro aos 60 anos da cidade, no qual o Instrumento de Ver teria papel central, e o espetáculo ÓTIMOMÁXIMO, que seria encenado a convite do CCBB. 42

“Estávamos com um monte de projetos. De repente não tem mais nada, não tem dinheiro, foi tudo cancelado. Imagina isso na cabeça de uma pessoa. Ficamos todas bem baqueadas no início”, Julia conta. “Mas em momento nenhum a gente parou nesse discurso de ‘ai, tadinha da gente’. Pelo contrário. Um dos papeis da arte, talvez o principal, é produzir sentido. Então a gente continua produzindo outros sentidos, outros mundos, criando possibilidades de futuro. Quando a pandemia passar, vamos continuar de onde paramos. A gente tá superviva, se reconstruindo, entendendo a arte como celebração da vida.” O mais importante e bonito é que o Instrumento de Ver nunca esteve sozinho na celebração da vida. Sem dinheiro, sem contrato, sem patrocínio, sem editais à vista, Maíra, Julia, Beatrice e Bela recorreram à parceria, carinhosamente tecida ao longo do tempo ­com o público. O pedido de apoio veio em forma de um texto publicado nas redes sociais do coletivo, logo no início da pandemia:


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.