Corregedoria em Foco

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Corregedoria em Foco O veículo eletrônico de comunicação da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Saiba porque a edição do Provimento nº 18/2012 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo está mudando a vida de muita gente no Interior do Estado

Fórum João Mendes Júnior

A MÚSICA VENCEU Projeto social de musicalização na periferia das grandes cidades altera o destino de jovens talentos

Escritor Ignácio de Loyola Brandão escreve carta aos servidores do TJ Homenagem aos Ex-Corregedores Marcio Bonilha e Sylvio do Amaral Número 3 ▪ Junho a Agosto de 2013


Editorial

SUMÁRIO 3

Corregedoria a serviço de todos

Acontece Regularização Fundiária - Um novo horizonte para os menos assistidos

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Uma jóia do Interior

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Saiba porque a edição do Provimento nº 18/2012 da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo está mudando a vida de muita gente no Interior do Estado O novo Fórum da Comarca de Botucatu

O Conhecimento que liberta

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Remição de pena pela leitura de obras literárias, aos presos do Estado de São Paulo

Uma obra-prima na periferia

A Música Venceu - Projeto social de musicalização na periferia das grandes cidades altera o destino de jovens talentos

Por Dentro De Educartório - Educação Continuada de Cartórios

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Conheça este projeto que reúne força-tarefa, seminários regionais, cursos de iniciação, debates, sites informativos e CDs de consulta, entre outras iniciativas

Perfil dos Ex-Corregedores Perfil do ex-corregedor Sylvio do Amaral Perfil do ex-corregedor Márcio Martins Bonilha

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Boas Práticas O segredo é o bom atendimento

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Arteterapia - Expressão criativa contra o estresse

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Cartórios extrajudiciais apostam no bom atendimento como fórmula para o sucesso A terapia pela arte

Juiz, quem tem por função ministrar a justiça

Flor do Lácio Penso no trabalho de vocês

Escritor Ignácio de Loyola Brandão escreve carta aos servidores do TJ

Espaço Cultural Nosso Palácio da Justiça completa 80 anos

Saiba como o Museu do Tribunal elaborou a exposição sobre o aniversário do Palácio

Imagens Exposição ‘80º aniversário de Inauguração do Palácio da Justiça’

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EDITORIAL CORREGEDORIA A SERVIÇO DE TODOS

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veículo eletrônico de comunicação “Corregedoria em Foco” chega à terceira edição com a certeza de cumprir com o dúplice objetivo de informar e de convidar à reflexão sobre os temas do dia-a-dia da Corregedoria Geral da Justiça e dos funcionários do TJSP. Esta edição inicia-se com a matéria relacionada à regularização fundiária. A moradia é direito fundamental social prestacional de todo cidadão. Morar é essencial à dignidade da pessoa humana. Uma vez fracassado o planejamento estatal voltado à universalização da moradia, emerge o direito à regularização fundiária. Como já disse Pierre Joseph Proudhon (1809-1863), o povo deve ser bem alojado “pois ele é soberano e rei”. A edição do Provimento nº18/2012 pela Corregedoria teve o objetivo de conferir o maior grau de efetividade aos instrumentos da Lei Minha Casa Minha vida por meio da alteração das normas de serviço que orientam os cartórios de Registro de Imóveis de São Paulo. Os reflexos do Provimento na vida dos cidadãos podem ser observados no expressivo número de regularizações fundiárias empreendidas neste último ano. A regularização é um passo que deverá ser complementado e integrado por outras medidas igualmente essenciais, aptas a conferir a efetivação do princípio da dignidade humana. Outras questões ocupam as demais páginas deste veículo eletrônico, como o belíssimo trabalho social encetado pelo maestro e pianista João Carlos Martins sob o nome “A música venceu”, que transformou a vida de milhares de crianças e jovens em cidades do interior e bairros periféricos das capitais. Em seguida, destaca-se o projeto que implantou a educação continuada dos funcionários das serventias extrajudicias, o “Educartório”.

Não poderiam ser olvidadas as homenagens prestadas a dois ex-corregedores que muito honraram o Tribunal de Justiça Bandeirante a partir de suas brilhantes atuações: o desembargador Sylvio do Amaral e o desembargador Márcio Martins Bonilha. A disseminação das boas práticas dos funcionários conta com dois artigos, um sobre a importância do atendimento ao público externo e outro sobre o necessário combate ao estresse do trabalho cotidiano pela arteterapia. Há, por fim, o depoimento do desembargador Renzo Leonardi na matéria “Juiz, quem tem por função ministrar a justiça”. Com o propósito da continuidade na política de valorização dos funcionários do Tribunal de Justiça por meio do aperfeiçoamento intelectual e motivacional, recebemos o escritor Ignácio de Loyola Brandão, no dia 18 de abril no simpósio “Qualidade de Vida no Serviço Público”. O ilustre membro da Academia Paulista de Letras nos brindou com a palestra “Como as pessoas se tornam personagens?”. Após o evento, o erudito contista enviou um texto dedicado a nós, do Poder Judiciário, ora publicado neste veículo em primeiríssima mão. Esta edição é finalizada com artigo e imagens que celebram a exposição sobre o 80º aniversário da inauguração de nosso Palácio da Justiça. Muitos foram os atores, construtores e idealizadores de nosso tribunal bandeirante. A sociedade civil organizada, as organizações setoriais, a Universidade, todos estão dispostos a falar a mesma língua e somar esforços para que tenhamos um Poder Judiciário adequado ao porvir.

Desembargador José Renato Nalini Corregedor Geral da Justiça

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ACONTECE

Um novo horizonte para os menos assistidos

Lar, doce lar

...legalizado

“Todo dia o sol da manhã vem e lhes desafia traz do sonho pro mundo quem já não o queria palafitas, trapiches, farrapos, filhos da mesma agonia E a cidade, que tem braços abertos num cartão postal, com os punhos fechados da vida real, lhes nega oportunidades mostra a face dura do mal” (Alagados – Paralamas do Sucesso - Hebert Viana / Bi Ribeiro / João Barrone) A dura realidade descrita no trecho da música da banda Paralamas do Sucesso está se modificando. Desde a metade do ano passado, a adoção de medidas por parte da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo tem provocado a mobilização de Prefeituras, Associação

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de Moradores e Cooperativas, em todo o Estado de São Paulo, no sentido de promover a regularização de loteamentos irregulares ao redor das áreas urbanas de várias cidades. O drama que assola certa parte do povo paulista, ao viver em loteamentos

não regularizados e, portanto, sem acesso à estrutura urbana das cidades, sem segurança jurídica ou, como diz a expressão popular: sem eira nem beira, está com os dias contados. As mudanças começaram com a edição da Lei Minha Casa Minha Vida


(11.977/09), feita pelo Governo Federal. A nova lei apresentou um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que rompeu paradigmas relativos à regularização dos assentamentos irregulares, tendo como foco garantir o direito social à moradia, visando solucionar o problema habitacional surgido com a explosão de ocupações irregulares ao longo dos anos, que fez com que centenas de núcleos habitacionais se estabelecessem de forma precária e incorreta por todo o país. Contudo, os oficiais de registro de imóveis não vinham aplicando a lei na sua integralidade, sob o argumento de que havia a necessidade de regulamentação no âmbito das normas de atuação dos cartórios extrajudiciais. A Lei Federal diz o que pode ser feito, mas não diz como. Por esta razão, a atual gestão da Corregedoria Geral da Justiça editou o Provimento nº 18/2012, para alterar as Normas de Serviço que orientam os Cartórios de Registro de Imóveis do Estado de São Paulo, com o objetivo de extrair o máximo de efetividade dos instrumentos da Lei Minha Casa Minha Vida. O Provimento introduziu a seção VIII, no Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, intitulado “Da Regularização Fundiária”. Buscou abandonar regras rígidas existentes, que impediam qualquer formalização de regularizações já consolidadas há anos. O Provimento acentua a premissa empreendida pela atual gestão da Corregedoria de aprimorar os serviços da Justiça paulista visando à facilitação do seu uso pela população. Como resultado, desde junho de 2012, mês da edição do Provimento, até 31 de janeiro de 2013, foram efetuados 234 cadastros de regularizações fundiárias no Estado de São Paulo, segundo a Associação dos Registradores Imobiliários do Estado de São Paulo (fonte: www.arisp.com.br).

parceladas antes da Lei 6.766/79, a abertura de matrícula para a área pública em parcelamento não registrado, a abertura de matrícula de imóvel do Estado e a regularização dos conjuntos habitacionais não registrados. Também se aprofundou no exame da demarcação urbanística e da legitimação de posse. Sempre visando à celeridade e à simplicidade dos procedimentos, fixou procedimento único para a regularização fundiária de interesse social e de interesse específico, e dispensou o reconhecimento de firma para os requerimentos e projetos apresentados pelos Municípios, Estado e União. Na segunda fase, ocorre a regularização de cada lote, casa a casa. O Provimento permitiu que os ocupantes dos lotes registrassem o domínio das unidades mediante a apresentação dos compromissos de compra e venda quando acompanhados da prova de quitação, independente

Morador de São José do Rio Preto recebe a escritura de seu imóvel das mãos do Secretário Renato Goes

de escritura definitiva. Nesta segunda fase, a regularização tem que ser verificada caso a caso pelos agentes públicos, pois os proprietários possuem, via de regra, vários tipos de documentos referentes aos seus imóveis: precários contratos de gaveta, escrituras de fração comum, todos irregulares. Alguns não têm documento nenhum. Esses imóveis geralmente são adquiridos de loteadores que agem à revelia da lei.

COMO A REGULARIZAÇÃO ACONTECE NA PRÁTICA Na primeira fase, ocorre a regularização do núcleo habitacional. Ela se inicia no âmbito do Executivo Municipal e termina no Registro Imobiliário. As diversas espécies de regularização foram acolhidas no Provimento nº 18/2012, como a de condomínios de frações ideais, de glebas urbanas

Participação do Corregedor Geral da Justiça, José Renato Nalini, durante o Seminário Estadual de Regularização Fundiária, realizado no dia 25 de setembro de 2012, no Palácio dos Bandeirantes - Capital/SP, onde o tema foi discutido por representantes da maioria dos municípios paulistas

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Antes

Depois TUDO COMEÇOU EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

alterar as Normas da Corregedoria Geral Em junho de 2012, foi editado da Justiça de São Paulo, pois estavam o Provimento nº 18/2012. conflitando com a legislação federal. Então, Renato Goes informou que, de 2009 Em entrevista concedida à revista foi encaminhada consulta à Corregedoria. até julho de 2012 o município havia Corregedoria em Foco, o Secretário de Ao final de 2011, encerrou-se o mandato conseguido registrar três projetos de Habitação de São José do Rio Preto, do corregedor anterior e o atual corregedorregularização fundiária. Dada a edição Dr. Renato Goes, contou que tudo geral assumiu. Por coincidência, tratava-se do Provimento, até o dia 15 de abril começou com uma nota devolutiva de do desembargador relator do processo deste ano foram registrados 26 projetos um Cartório de Registro de Imóveis que tramitava no Conselho Superior da de regularização. Todos frutos do sobre um primeiro projeto para tentar Magistratura, Dr. José Renato Nalini. Provimento. As matrículas dos imóveis, implementar a regularização fundiária que descreviam, em regra um sítio, Oriundo deste processo, foi publicado no município, no Residencial Jéssica, casas, pomar, pés de café, passaram a um loteamento clandestino. Segundo o primeiro acórdão do CSM sobre a descrever quadras, lotes e sistema viário. o Secretário, havia 108 loteamentos aplicação da Lei 11.977/09 e, antes mesmo irregulares na cidade, onde residem de responder a consulta encaminhada Inclusive sistema viário público, com aproximadamente 40.000 pessoas. pelo município de São José do Rio obrigação de o município cuidar e manter. Com a regularização desses A nota devolutiva, que é a negativa Preto, o novo corregedor baixou uma portaria para se iniciarem estudos para loteamentos, o impacto social foi enorme do registrador de imóveis em registrar o projeto, tinha vários itens. O município a alteração das Normas da Corregedoria. em São José do Rio Preto. Mudou a estava com dificuldades para atender as exigências. Decidiram encaminhar o caso para o juiz corregedor da região, para encontrar uma solução. Foi feita a primeira suscitação de dúvida, comparando as exigências do cartório à Lei Minha Casa Minha Vida. O juiz corregedor concordou com o município, tendo em vista que a legislação havia mudado e a lei tinha que ter efetividade. Desta forma, deu ordem para registrar o projeto. O promotor discordou e apelou para o Conselho Superior da Magistratura. O relator do processo foi o desembargador José Renato Nalini. Em abril de 2011, foi realizado em paralelo em São José do Rio Preto um evento que reuniu magistrados de todo o Brasil para discutir a normatização da Prefeituras têm se mobilizado para implementar a regularização de loteamentos clandestinos. Lei Minha Casa Minha Vida. Durante este Na foto acima, reunião da equipe técnica multidiciplinar, formada pela Secretaria de evento, foi discutida a necessidade de se Habitação de São José do Rio Preto, visando cumprir todas as fases da regularização fundiária

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autoestima daquela população, pois de São Paulo, e nada indica que esse A emergência da quando leem em um jornal que o bairro em número tenha diminuído nos 4 anos que que vivem está regularizado, sentem-se regularização fundiária separam a matéria do tempo presente. cidadãos, habitantes legítimos da cidade. Pensar na concretização do direito social Diversos problemas, de maneira à moradia, insculpido no caput do art. 6º isolada e combinada, concorrem Antes da regularização, os serviços públicos não iam até os loteamentos da Constituição da República Federativa para esse diagnóstico: a rápida e clandestinos. Não havia limpeza urbana, do Brasil exige, como etapa preliminar, desorganizada urbanização que o país coleta de lixo, asfaltamento, iluminação, compreender e lançar mão da ferramenta enfrentou desde meados dos anos 50 transporte público. Essa população se denominada “regularizaçãofundiária”. do século XX, a inação estatal no que sentia renegada. Se precisasse fazer um Mas no que consiste a regularização tange ao exercício do poder de polícia crediário em uma loja e lhe pedissem fundiária? administrativa, a precariedade dos um comprovante de residência, a pessoa De acordo com a dicção do art. 46 instrumentos regulatórios, articulados não tinha. As ruas não tinham nome, da Lei nº 11.997/2009, que instituiu o de forma coordenada há menos de não havia contas de luz ou de água. Sem Programa Minha Casa, Minha Vida, trata- 25 anos, a especulação imobiliária policiamento, sem creches, sem escolas, se do “conjunto de medidas jurídicas, (existente tanto na “cidade legal” quanto sem postos de saúde. Sem saneamento urbanísticas, ambientais e sociais que visam à na “cidade ilegal”), a espoliação urbana básico, sem fornecimento de água potável. regularização de assentamentos irregulares (movimento provocado pela especulação “A prefeitura já criou núcleos dentro e à titulação de seus ocupantes, de modo a que expulsa os mais pobres para áreas dos loteamentos, onde existe creche, garantir o direito social à moradia, o pleno mais distantes do centro), entre outros. escola e lazer. A infraestrutura está desenvolvimento das funções sociais da Além disso, o drama social sendo criada. Em vários loteamentos, propriedade urbana e o direito ao meio representado pelo contingente de as ruas já têm nome e as casas já têm ambiente ecologicamente equilibrado”. pessoas que não têm garantido seu número. Está sendo implantado serviço Simples leitura da normatividade direito à moradia e fazem das ruas sua de fornecimento de água, esgoto, de regência é suficiente para extrair casa só não sensibiliza aqueles imbuídos iluminação, asfalto. As pessoas estão que a regularização fundiária é um dos da indiferença em relação ao semelhante. recebendo as contas, a partir do momento elementos informadores da função social Sujeito a diversas formas de violência, em que o serviço está implantado em da propriedade urbana. Não haveria que as pessoas em situação de rua estão suas casas. E as pessoas gostam disso. Se se falar em pleno exercício do direito à desprovidas dos direitos de cidadania sentem dignificadas, pois sabem que não moradia sem atentar para essa dimensão, mais básicos e padecem de vergonhosa recebem nada ‘de mão beijada’. Estamos que lhe serve de fundamento. Do contrário, invisibilidade social, corolário da recebendo representantes de municípios estar-se-ia diante de um “meio direito”, reificação (coisificação) do ser humano de todos os cantos do país, interessados acometido pela insegurança na posse. em sua feição contemporânea. em conhecer o trabalho que está sendo Tais entraves são a raiz de múltiplas O tema ostenta enorme atualidade. De feito na cidade”, concluiu Renato Goes. acordo com o censo de 2010 do IBGE, 84,4% consequências, que afetam a qualidade O juiz Osni Pereira, titular da Vara dos brasileiros moram nas cidades. Notícia de vida nas grandes cidades (e cada vez da Infância e Juventude de São José do jornal Folha de S. Paulo de 17 de maio de mais nas médias e pequenas): os gargalos do Rio Preto, declarou que os casos de 2009 informava que 6 milhões de pessoas na mobilidade urbana, a poluição em delinquência juvenil já tiveram redução viviam em áreas irregulares no Estado todas as suas interfaces, a violência acentuada no município, e ele identifica como causa a transformação social promovida pela urbanização dos loteamentos clandestinos: “As pessoas estavam desassistidas pelos órgãos públicos, não tinham crédito, não tinham endereço regular. Agora, fazem parte da comunidade, exercem a cidadania. Nestas condições, a autoestima melhora, e o reflexo disto é sentido no ambiente familiar. Os jovens e adolescentes têm uma nova perspectiva, um A população que vive em loteamentos recém regularizados tem recebido informações novo futuro. Daí, a e esclarecimentos necessários quanto aos seus direitos e deveres. Para a maioria, queda na delinquência”. pagar a conta da água, da luz, da iluminação pública e do asfalto é motivo de orgulho.

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urbana e a distribuição dos equipamentos públicos (escolas, hospitais, praças). Sem contar a (má) relação que se estabelece entre a cidade e seus habitantes, com efeitos ainda mais nefastos. Não é o que pretendia o legislador originário. Recordar é imprescindível: a inclusão dos arts. 182 e 183, que compõem o Capítulo II (Da política urbana) do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) do Pacto Republicano de 1988, representou um dos momentos mais eloquentes da Assembleia Constituinte. Fruto de emenda de iniciativa popular ao projeto constitucional, coordenada por vários atores e movimentos sociais ligados à reforma urbana (advogados, arquitetos e urbanistas, assistentes sociais, educadores, engenheiros, igrejas, mutuários, sindicatos), representou uma conquista haurida através de legítimo exercício democrático e participativo. Novidade alvissareira, que sofreu (e ainda sofre) com a ação inclemente daqueles que, embora não titularizem o melhor interesse público, fazem valer sua força política e/ou econômica. Atenta a esses problemas, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo editou o Provimento nº 18/2012, que simplificou os procedimentos da regularização fundiária junto às serventias extrajudiciais de registro de imóveis. E, desde o início do ano, tem ouvido representantes das secretarias de habitação dos municípios, do Ministério Público, da Defensoria

Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério das Cidades, das universidades, dos institutos de pesquisa, a fim de aperfeiçoá-lo. Tudo destinado a restabelecer a dignidade de milhões de paulistas, que poderão, efetivamente, ter um singelo comprovante de endereço que lhes permita ter um emprego, contrair empréstimos e matricular seus filhos em instituições de ensino. Contudo, a solução dos problemas fundiários exige uma ampliação no esforço reflexivo de todos os interessados na questão urbana. Ela não passa pelo aumento de sofisticação das normas referentes ao direito de construir e tampouco pelo estímulo ao laissezfaire urbanístico, que torna a cultura da ilegalidade e a especulação imobiliária faces distintas de uma mesma moeda. Pelo contrário: o caminho a ser seguido deve se fundar na certeza de que a cidade é um “algo a mais”, para além da dicotomia direito público versus direito privado, a abarcar temas como o afeto, a alteridade (a relação com o outro), o bem-estar urbanístico, a esfera pública, a memória, a segurança para além da cidade de muros, o sentimento de pertença, a tolerância. O direito à cidade é muito mais amplo do que o direito à moradia. As pessoas precisam se sentir bem na cidade, para que ela deixe de ser o espaço da degradação, do medo, da promiscuidade, da sujeira. É necessário que o Poder Público desperte para essa realidade. Do transporte público à construção de casas

populares, passando pela conservação das praças e demais equipamentos de uso comum, todo planejamento das cidades deve levar em consideração o conforto dos habitantes. Ônibus cheios, barulhentos, sem a devida climatização, que transitam por ruas esburacadas, são tão responsáveis pela (má) relação das pessoas com o lugar que elas vivem quanto a visão de que quem é pobre não dispõe de senso estético e pode morar em uma casa igual a milhares de outras, com pintura de gosto duvidoso, em loteamentos sem presença arbórea, coberta com telhas de amianto (material tóxico) que ampliam as sensações térmicas nas estações. Aliás, lúcida a análise do engenheiro civil e especialista em transportes e tráfego José Luiz Portella, publicada na Folha de S. Paulo, ao discorrer sobre os novos pontos de ônibus na capital paulista. Ao contrário do que faz crer a singeleza de seus projetos arquitetônicos, “São gelados no frio e quentes no calor. Aumentam a sensação térmica desagradável, seja qual for o momento. Não têm proteção lateral nem frontal. Chove de lado, chove de frente” . Em suma, são bonitos para quem passa por eles, mas não são úteis para quem os utiliza. A proximidade dos megaeventos acende o alerta para a questão da regularização fundiária, porque sua dinâmica impõe o recurso a remoções de populações, o que quase sempre se traduz em situações traumáticas. Do outro lado, o Brasil já conta com uma de suas mentes lúcidas à frente da Relatoria da Organização das Nações Unidas (ONU) pela Moradia Adequada: a professora Raquel Rolnik, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A posteridade, principal destinatária intergeracional de cidades mais justas, não pode esperar. A prevalecer a inação e em breve todos se verão presos em seus automóveis blindados, circundados por medonha paisagem de muros pichados, em meio ao mega congestionamento final.

Wilson Levy Braga da Silva Neto é assistente jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo e co-organizador da obra coletiva “Regularização Fundiária” (Rio de Janeiro: Editora Forense, 2013)

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FOTO

Uma Jóia do Interior Bons ares, bom vento. O significado da palavra ‘Botucatu’, no tupiguarani, coincide com as novidades que o Judiciário tem apresentado àquele município. O novo Fórum da Comarca de Botucatu, inaugurado em 04 de dezembro de 2012, é o melhor exemplo. Atender melhor à população e proporcionar ambiente de trabalho mais adequado a magistrados, integrantes do Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil e servidores. Esse foi o principal objetivo da construção do novo Fórum de Botucatu, pois a Comarca não contava com um edifício sede para o Poder Judiciário há, aproximadamente, uma década. As instalações estavam espalhadas em seis prédios no município. Após sua inauguração, o acesso à justiça, na prática, melhorou, pois agora o cidadão sabe onde irá solucionar todas as suas questões ligadas à justiça. O contato entre juízes, promotores e advogados ficou simplificado, uma vez que todos

convivem no mesmo espaço. A imagem da justiça local foi renovada. Nessa região, num futuro breve, será construída a nova sede da Câmara Municipal. A avenida que dá acesso ao local foi construída e inaugurada quase junto com o prédio do Fórum. A construção do fórum, a cargo do Poder Executivo com auxílio da Prefeitura local, levou cerca de três anos e tem área total de 20 mil m². Coube ao Tribunal de Justiça de São Paulo providenciar todo o mobiliário, a escolta armada e a terceirização do serviço de copa e de copiadoras. Está em fase de licitação a compra do ar condicionado central. O Fórum está abrigando todas as unidades judiciárias atualmente existentes

na Comarca, com a possibilidade da criação de mais quatro Varas. Conta hoje com três varas Cíveis, duas Criminais, um Serviço Anexo das Fazendas (SAF) e uma Vara do Juizado Especial Cível. Atualmente, são 165 funcionários para 48.390 processos em andamento (dados de dezembro/2012). Botucatu, que integra a 3ª Região Administrativa Judiciária, é sede da 23ª Circunscrição Judiciária, à qual também pertencem as Comarcas de Conchas e São Manuel. Botucatu, localizada na região centro-sul do Estado, distante 235 km da Capital, é uma cidade com clima de pé-de-serra, de verão agradável e inverno rigoroso. A população é de 127.328 habitantes (Censo 2010),

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grandes advogados e a OAB local é muito atuante. Isto faz com que o magistrado que atua aqui procure manter-se sempre informado, preparado e em procura de novas capacitações, para dar a melhor prestação ao jurisdicionado, daquilo que está sendo solicitado”, afirmou Dr. Josias. O processo de falência da CAIO, empresa de construção de ônibus, considerado o maior processo de falência havido no Brasil, tramitou na 2ª Vara Cível no Fórum de Botucatu. A Câmara Municipal de Botucatu outorgou ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, o título máximo da municipalidade, entregue pelo presidente da Câmara, André Rogério Barbosa, durante a cerimônia de inauguração do Fórum. “É um orgulho muito grande.

A beleza do Fórum de Botucatu se impóe, no alto de uma colina, próximo à área urbana da cidade. A sala do Juri, de frente espelhada, se destaca

com renda per capta anual de R$ 19 mil reais. É uma região rica, com boas escolas e bom serviço de saúde pública e privada. Terra de muitas universidades, como a Unesp, a Faculdade de Direito de Botucatu e a Unifac, possui uma grande população de estudantes, proporcionando um ar jovem para a cidade. Também existe uma circulação significativa de pessoas que vão à cidade à procura da assistência oferecida no Hospital das Clínicas de Botucatu. Segundo o juiz diretor do Fórum, Josias Martins de Almeida Júnior, a procura pela justiça na Comarca é grande, pois o bom nível de educação formou uma população cônscia de seus direitos. Além disso, o alto poder aquisitivo possibilita que tanto empresas como particulares assumam o custo da representação por advogados. E ainda, segundo o magistrado, a região conta com advogados muito bem preparados, que procuram a atualização e o estudo constante. “Botucatu é uma Comarca centenária, que já abrigou grandes juízes,

O presidente Ivan Ricardo Garisio Sartori e o juiz diretor do fórum Josias Martins de Almeida Júnior, na cerimônia de inauguração

Foto: o corregedor José Renato Nalini, o juiz diretor do Fórum, Josias Martins de Almeida Júnior, os juízes José Antonio Tedeschi, Alfredo Gehring Cardoso Falchi Fonseca, Marcus Vinicius Bachiega, Érica Marcelina Cruz e Marcelo Andrade Moreira e os promotores Paulo Sergio Abujamra, Cláudia Rodrigues Caldas Lorenção, Luiz Cláudio Davansso, Eduardo José Daher Zacharias e Marcos José de Freitas Corvino

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Agradeço também pelo fato de os senhores digníssimos vereadores abrirem mão de fazer a solenidade de entrega no recinto da Câmara. Muito me orgulho por ser cidadão dessa cidade e sei que quem recebe esse título tem que se sentir muito gratificado”, disse o presidente do TJ. O Corregedor Geral da Justiça, desembargador José Renato Nalini, realizou visita ao Fórum no último mês de março. A respeito desta visita, o juiz Josias Martins de Almeida Júnior afirmou que “a Corregedoria está de parabéns em fazer estas incursões pelas Comarcas do Interior, conhecer a realidade de cada magistrado, de cada fórum, de cada Comarca, de cada povo, porque isto nos deixa umbilicalmente ligados e sabedores que temos uma Corregedoria que não atua apenas para punir, mas principalmente, para atuar como instrumento de orientação do magistrado. O Corregedor e todos os seus juízes auxiliares estão de parabéns”.


A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo publicou minuta de portaria que estabelece regras para a remição de pena pela leitura de obras literárias, aos presos do Estado de São Paulo. Num período de 12 meses, o preso terá a possibilidade de remir até 48 dias de sua pena.

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stá em vigor, desde 30 de junho de 2011, a Lei nº 12.433/2011, que garante o direito à remição de pena por estudo, aos presos, preenchendo assim antiga lacuna da Lei de Execução Penal, pois, até então, somente poder-se-ia remir tempo de pena pelo trabalho. Contudo, diante da impossibilidade, por ora, de estender o acesso de todos os presos ao ensino, devido ao atual quadro estrutural do sistema penitenciário, os órgãos da execução penal buscaram meios de construção de conhecimento diversos daqueles previstos em lei (atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional). Ganhou corpo o fomento à leitura como atividade de estudo, dada a sua capacidade de formação e transformação social do indivíduo. É pela leitura que a pessoa aprende e compreende as ideias alheias, o que lhe permite fazer uma análise mais crítica de seus próprios pontos de vista, conscientizando-se de seus deveres e direitos. Além disso, a remição de pena por meio da leitura combaterá a ociosidade nas prisões, inibindo, consequentemente, potenciais conflitos nos estabelecimentos penais. O artigo 1º da Lei nº 7.210/84 preconiza que: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições Para acessar a Minuta, acesse o link: https://www.tjsp.jus.br/Download/ Corregedoria/Pdf/MinutaDePortariaRem icaoPelaLeitura.doc Ou utilize o caminho: Página inicial do site do Tribunal de Justiça / Aba nº 6 – Institucional / Corregedoria / Saiba Sobre – Execuções Criminais / Minuta de Portaria – Remição pela Leitura.

para a harmônica integração social do condenado e do internado”. A Constituição da República dispõe em seu artigo 205, que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Num primeiro momento, alguns Juízos, isoladamente, passaram a conceder, com suporte no artigo 126 da Lei nº 7.210/84, a remição de pena pela leitura. Os bons resultados levaram a Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional a criar, no ano de 2012, pela Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012, o “Projeto Remição pela Leitura”. O Estado do Paraná já instituiu a prática em seus estabelecimentos carcerários. Seguem o mesmo caminho os Estados de Goiás e Santa Catarina. E para implementar a remição de pena pela leitura no Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral da Justiça publicou no site do Tribunal de Justiça a “Minuta de Portaria – Remição pela Leitura”, estabelecendo regramento geral, passível de complementação de cada Juízo, dadas as especificidades do ambiente carcerário A Secretaria de Estado da Justiça do Piauí, em parceria com a Corregedoria Geral da Justiça, lançou, no mês de março de 2013, o “Projeto Pipa Literária”, com o objetivo de proporcionar aos detentos o acesso à cultura, além de também oferecer o benefício da remição de pena através da leitura, naquele estado.

na Comarca, no qual se desenvolverá a prática. O texto estabelece que a seleção dos presos e a orientação das atividades serão feitas por comissão, nomeada e presidida pelo Diretor da unidade carcerária. Cada preso receberá um exemplar de obra literária, clássica, científica ou filosófica, dentre outras, de acordo com as obras disponíveis na Unidade. O participante terá o prazo de 30 dias para leitura, apresentando, ao final deste período e no prazo de 10 dias, resenha a respeito do assunto. A contagem de tempo para fins de remição será feita segundo os critérios estabelecidos na Portaria Conjunta nº 276, de 20 de junho de 2012, do DEPEN, à razão de 4 dias de pena para cada 30 dias de leitura. O participante, no prazo de 12 meses, terá a possibilidade de remir até 48 dias de sua pena. A Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo e o Poder Judiciário como um todo acreditam na leitura como método factível para o alcance da reinserção social dos presos e para a restauração de sua autoestima, preconizando um sistema penitenciário orientado a promover, estimular e reconhecer os avanços e progressões dos sentenciados, contribuindo para o objetivo principal da execução de pena.

Ao lado, Dr. Jayme Garcia dos Santos Junior e Dr. Paulo Eduardo de Almeida Sorci, juízes assessores da Corregedoria

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Uma obra-prima na periferia

Giovana de Oliveira, 14 anos, aluna da 8ª série do ensino básico da Escola Estadual Jussara Feitosa Domschke , de Suzano: “A música te anima, te bota pra cima. Até a matemática começa a ser legal. Música tem matemática. A gente ama a música, a música é a nossa vida”. Lindsei Lima, 15 anos, aluna do 1º ano do ensino médio da mesma escola: “Vou fazer faculdade de engenharia química, mas antes, vou fazer bacharelado em música. Não posso abandonar a música. Todas as boas bandas de rock têm músicas que, quando tocadas com instrumentos clássicos, ficam lindas. Aí a gente se apaixona ainda mais pelo rock e pela música clássica. Pela música, enfim. Tá tudo ligado”. André Luiz Ferreira da Fonseca, 14 anos, aluno da 8ª série do ensino básico da mesma escola: “Meu desempenho nos estudos melhorou, no sentido de ter mais atenção, de ser mais responsável, de ter compromisso com as coisas. Saber que, se eu não ensaiar, vai afetar tanto a mim quanto aos outros. A música é tudo.”

No ano de 2006, o maestro e pianista João Carlos Martins constituiu a Fundação Bachiana Filarmônica em conjunto com um grupo de músicos e empresários brasileiros que alimentavam os mesmos objetivos de apoiar, incentivar e promover

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o desenvolvimento de atividades de excelência e referência na formação musical e cultural, especialmente nas artes clássicas e educação musical. Sob a coordenação do maestro João Carlos Martins, a Fundação Bachiana

iniciou trabalho de musicalização para crianças e jovens em cidades do interior e bairros das grandes capitais, sob o título A MÚSICA VENCEU. No Estado de São Paulo, este trabalho é realizado em escolas públicas, nos polos de


Jaraguá, Suzano e Guarulhos, além do polo da comunidade de Paraisópolis. O foco principal do projeto é o ensino da música. Pretende, através da musicalização, aproximar um novo público ao universo da música clássica. Muitas crianças e jovens poderão vir a ter a música como uma forma de expressãol, sem que isso seja, ainda, um ofício ou profissão. Num momento seguinte, espera formar, profissionalmente, jovens e crianças que terão a música como meio de vida. Finalmente, e tão importante quanto qualquer das situações anteriores, pretende descobrir talentos musicais que trarão muito orgulho ao País. Para dar suporte e apoio a este projeto desenvolvido pela Fundação Bachiana Filarmônica, dentre outros, foi desenvolvido o programa de incentivo cultural destinado às ações de complementação e suporte das atividades de musicalização. Geralmente, quem escolhe a região e o local onde o projeto irá atuar é o patrocinador. Atualmente, são patrocinadores privados que escolhem locais próximos às suas sedes ou filiais importantes. Com a formalização da parceria que criou a Orquestra Bachiana filarmônica SESI-SP, os próximos projetos

diante de uma grande audiência, na mais moderna casa de espetáculos do país, voltada para a música clássica. Durante a apresentação, Leonardo Mello de Oliveira executou um lindíssimo solo de violino, para deleite e admiração da plateia. No trabalho nos polos de musicalização, é elaborado um plano de ação para atender o máximo de alunos possíveis. Os professores selecionam os alunos para os instrumentos conforme a idade, a vocação e a vontade do aluno, além de ir descobrindo os talentos locais, como é o caso do jovem Leonardo da escola do Jaraguá. O programa dura até o aluno concluir o curso regular na escola ou até o aluno conseguir, por conta própria, ingressar nas escolas de música públicas. Geralmente, as aulas acontecem duas vezes por semana.

Escola Jussara Feitosa Domschke , de Suzano A musicalização está na escola de Suzano há quatro anos. A empresa Clariant, indústria multinacional de produtos químicos, tem uma unidade na rua da escola e patrocina o projeto. A direção escolar gostou tanto da parceria que adaptou o funcionamento da escola para o projeto ter espaço. Os cursos são de percussão,

fala na escola, todos a associam ao projeto A Música Venceu. Os alunos que ingressam na escola já sabem que terão a oportunidade de frequentar a aula de música. Somos procurados por alunos de outras escolas que querem participar do projeto. Nós os atendemos após termos dado a oportunidade aos nossos alunos’, disse Maura. Sobre o impacto do projeto na vida escolar, acrescentou: ‘O sentimento de satisfação dos alunos e dos pais é notório. Os alunos sentem orgulho de estudar nesta escola porque sabem que se trata de uma referência na região. Estamos sempre envolvidos em apresentações na cidade e a mídia local está sempre divulgando nosso trabalho. A presença do maestro João Carlos Martins também traz um peso e uma visibilidade muito grande para o projeto. Tudo isto faz com que a escola se destaque das demais. Foi resgatada a identidade da escola. Os alunos precisavam se sentir pertencentes a um bom ambiente. Não existe depredação e não tem pichação nem do lado de fora da escola’. O bairro em que se encontra a escola pertence à periferia de Suzano e apresenta todas as carências já conhecidas de regiões similares na grande São Paulo. Sobre isso,

Alunos dos polos de musicalização das escolas de Suzano e Jaraguá participaram de apresentação da Orquestra Filarmônica Bachiana SESI-SP, na Sala São Paulo. Nas fotos acima, momento do ensaio, antes da apresentação, e durante o espetáculo.

a serem implantados serão desenvolvidos coral e cordas. Para frequentar o curso, em escolas do SESI, nas periferias. o aluno tem que apresentar boas notas. Sala São Paulo Os alunos já fizeram várias apresentações em Suzano, num teatro local, em dezembro No dia 27 de abril de 2013, um grupo de 2012 e, junto com a escola de Jaraguá, de jovens alunos das escolas Jussara no evento da Sala São Paulo. Feitosa Domschke de Suzano e Friederich Von Voith de Jaraguá, se apresentaram Maura Andréia Prado, Professora na Sala São Paulo abrindo o evento Coordenadora da Escola e responsável em que se apresentou a Orquestra pelo projeto de musicalização, afirma Filarmônica Bachiana SESI-SP. Para que o projeto já faz parte da identidade todos foi a primeira experiência artística da escola. ‘Aqui na região, quando se

Maura declarou: ‘Nossos alunos ficavam ociosos na rua, quando não tinham nenhum tipo de atividade fora do horário de aula. Estavam suscetíveis a todo tipo de abordagem. Com o projeto, além de você expor este aluno a uma nova dinâmica de disciplina, com ênfase na concentração e na responsabilidade, você dá a ele uma nova perspectiva de vida. Tiramos o aluno da ociosidade da rua. Quando estudam de manhã ou à noite, têm aula de música à tarde. Ficam ocupados boa parte do dia’.

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Mais de cem alunos integram o polo de musicalização de Suzano. Na foto maior, momento da apresentação na Sala São Paulo, onde se apresentaram com alunos do polo de Jaraguá. Nas fotos em sequência, aula ministrada pelo professor Anderson Lacerda

E Maura finalizou: ‘Tudo isto reflete na sala de aula. Houve melhora nas notas de todos os alunos, inclusive dos que não fazem parte do projeto. Ainda que não façam parte das aulas, se sentem parte do processo que ocorre dentro da escola. O clima da escola mudou. Existe uma parceria entre os professores de música e os professores das classes. Existe comunicação. O aluno da musicalização se torna uma referência para os outros alunos e é cobrado neste sentido. Ele acaba rendendo mais do que renderia normalmente’. ‘Para esses jovens, é a descoberta de um patamar de cultura muito diferente do que eles conhecem’, disse Anderson Lacerda, professor de musicalização e violinista da Orquestra Bachiana Filarmônica SESISP. ‘Esperamos que os jovens, quando saírem da escola, já estejam tocando em outros grupos e com preparo para ingressar em cursos públicos avançados de música, e até mesmo que possam se manter na profissão de músicos. Acho que

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a maioria vai conseguir. É um grupo que se dedica muito. Porém, o principal foco do projeto é formar cidadãos. Trabalhar com esses jovens, valores como respeito e organização’. E acrescentou Anderson: ‘Acompanhamos as notas dos boletins e fazemos “acordos” com os alunos, para que melhorem suas notas, se o caso, para serem mantidos no projeto. Também ficamos de olho na disciplina dentro da sala de aula, no relacionamento do grupo com todos, colegas, professores e funcionários’. Anderson trabalhou em projetos sociais na cidade de Ribeirão Preto por seis anos. Quando a Fundação Bachiana iniciou os polos de musicalização, ele foi convidado a participar do projeto. Ele falou sobre seu envolvimento com a musicalização de jovens: ‘Apesar de ser musicista e ter muita satisfação em tocar na orquestra, a emoção que sinto aqui, no trabalho junto aos alunos, ao presenciar a dedicação e o amor que eles demonstram pela música é diferente. Veja, o aluno traz para você ouvir uma música que gravou. E você escuta, pela

milionésima vez, a 5ª sinfonia de Bethoven. Contudo, você olha nos olhos do aluno e vê que ele está emocionado, vibrando ao descobrir a beleza daquela música. Esta é a recompensa. Alguns musicistas não gostam de dar aula ou participar de projetos como este. Preferem se dedicar à orquestra. Mas eu acho que é importante, tanto como artista como cidadão, fazer a diferença na vida de outras pessoas. Amanhã, estes alunos serão chefes de família e, graças a este projeto, estamos mudando o destino dessas famílias. Com o aprendizado aqui

Maura Andréia Prado


adquirido, com o nível de sensibilidade atingido, mesmo que não se tornem músicos profissionais, serão bons pais, boas mães, bons maridos e esposas. Tudo que ele decidir fazer na vida, fará com qualidade, com dedicação. Isto é fazer a diferença. Não adianta reclamar e dizer que o mundo está perdido. Temos que fazer alguma coisa para melhorálo. Por isto, esta é a área que escolhi’. Além de Anderson Lacerda, que ministra aula de violino e viola, fazem parte do projeto em Suzano os professores Sheyla Yassue Yatsugafu (violino e viola), Renato de Sá (violoncelo), Helvio Mendes (percussão), Dyane Rosa (coral), o Coordenador Pedagógico da Fundação, Eduardo Maueski e o produtor David Yu.

Com a palavra, o maestro O envolvimento e a seriedade com que os jovens alunos encaram as aulas, o talento demonstrado e a rápida evolução musical, surpreenderam o maestro? Costumo dizer que uma rápida evolução no desempenho do músico é graças à disciplina de atleta aliada à alma de poeta. É a dedicação do atleta e a inspiração do poeta. Quando isto é desenvolvido com crianças, elas atingem um desenvolvimento técnico acima do esperado. Isso é fruto de uma metodologia que levou entre três e quatro anos para ser desenvolvida. Basicamente, fazemos com que a criança aprenda a tocar violino como se aprende a andar de bicicleta. Quando ela se dá conta, já está tocando violino. Este método já foi delineado e escrito. Está à disposição das escolas de música brasileiras. Existem vários métodos de ensino musical, mas acredito que este que utilizamos é um dos melhores. A Coordenadora da escola Jussara Feitosa Domschke , de Suzano, Sra. Maura Andréia Prado, informou que melhorou o desempenho de todos os alunos da escola após a implantação do projeto de musicalização. Até mesmo dos alunos que não fazem parte do projeto. Isto prova a efetividade do poder da música como instrumento pedagógico nas escolas? Estudos na Europa mostram que vacas que escutam música clássica dão mais leite. Mulheres que escutam música clássica durante a gravidez têm filhos mais calmos. Este é o poder transformador da música. Ela une uma comunidade, une uma nação e une os

povos. A música ajuda a formar cidadãos. Quando a Fundação Bachiana foi criada, não tinha um direcionamento específico para trabalho em escolas. Com o sucesso dos projetos de musicalização, agora tem? Inicialmente, estávamos focados na procura pela excelência musical, e pretendíamos auxiliar na formação de jovens músicos nesse sentido. Depois, aliamos a esse trabalho a responsabilidade social. Quem sabe, colocaremos em prática o sonho de Villa Lobos de unir o

Brasil em um único coração musical? Quem sou eu perto de Villa Lobos, mas ele não tinha a seu dispor os meios de comunicação de hoje, nem a internet. A ideia de realizar um trabalho de cunho social sempre esteve presente ou surgiu somente após o início da carreira de maestro? Tive experiências pontuais, ao longo de minha carreira. Hoje, esta é minha meta, meu programa de vida. O legado de minha carreira será uma obra de cunho social.

Em visita à escola Jussara Feitosa Domschke, no dia 27 de maio de 2013, a revista Corregedoria em Foco ouviu aqueles que são os verdadeiros interessados do projeto. O testemunho desses jovens evidencia o sucesso do projeto A Música Venceu.

decidi ir. Comecei a tocar violino e me apaixonei pelo instrumento e pela música clássica. Faz um ano que estou tocando. André Luiz, há quatro meses no projeto: Quando comecei, não tive certeza se iria conseguir, pois o violino é um instrumento difícil e eu não conseguia tirar muito som. Comecei direto no violino porque minhas primas, que já tocam aqui, me ensinaram um pouco. Eu já tocava violão e teclado. Lindsei: Estudo em casa de duas a três horas por dia. De manhã, ajudo em casa, à noite, vou à escola, e à tarde, estudo violino. Minha mãe gosta de cantar e adora meus ensaios em casa. A família toda interage. Às vezes, estou ensaiando e minha vó chega com o violão: ‘vamos fazer uma música’, e a gente toca. É muito bom. Meu pai é músico e toca de tudo. Ele sabe quando estou desafinando e isso ajuda muito. A família toda é ligada à música, mas nunca ninguém tocou violino. Giovana: Meu tio toca contrabaixo acústico, minha prima, piano, meu primo bateria e guitarra, e outra prima toca flauta doce. Meu pai toca teclado, guitarra e violão. Às vezes, ensaio com meu pai. Quando a família toda se junta, é uma festa. André Luiz: Ensaio em casa quatro horas por dia, exceto nos dias que venho

Giovana, há dois anos no projeto: Quando entrei na escola, o projeto já existia, mas de início, não me interessei. Depois, com 12 anos, vendo os outros alunos ensaiando, me interessei e entrei na aula de percussão. Mais tarde, passei para o violoncelo. Planejo, sei lá, trabalhar numa orquestra, talvez. Tenho muitos sonhos. Lindsei, há três anos no projeto: Comecei na percussão porque, desde pequena, sempre gostei de bateria. Gostava de brincar na bateria da igreja que frequento. Nunca pensei que iria tocar violino. Gostava de violão, mas não gostava de música clássica. Nos ensaios, comecei a gostar do som do instrumento. Conheci músicas de Bethoven, de Mozart, mas, mesmo assim, não pensava em tocar. Depois de dois anos na percussão, amando as aulas, minha mãe me perguntou por que eu não ia para o violino, para tocar em orquestra. Fiquei na dúvida e

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para o ensaio do coral, onde também participo. Planejo seguir na carreira de musicista, tanto na orquestra, como para me tornar professor de música. Lindsei: Sempre quis ser engenheira química. Mas a música afetou o meu futuro. Vou fazer a faculdade de engenharia química mas antes, vou fazer bacharelado em música. Não posso abandonar a música. Todas as bandas de rock têm músicas que, quando tocadas com instrumentos clássicos, ficam lindas. Aí a gente se apaixona ainda mais pelo rock e pela música clássica. Pela música, enfim. Tá tudo ligado. Giovana: No desempenho escolar, sinto que as aulas me ajudaram, principalmente, no que se refere à concentração, e também na leitura. Aprender música não é fácil e, quando você percebe que consegue aprender, consegue acompanhar qualquer outra matéria da escola. O professor de música cobra bastante o

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boletim das notas da escola. É ‘direto’ isto. André Luiz: Meu desempenho nos estudos melhorou, no sentido de ter mais atenção, de ser mais responsável, de ter compromisso com as coisas. Saber que, se eu não ensaiar, vai afetar tanto a mim quanto aos outros. Lindsei: Nós, para a escola, somos motivo de orgulho. Então, comecei a me dedicar mais ainda. Não posso ser boa só na orquestra e não na escola. Tenho que ser boa nos dois, para mostrar que, aquele que estuda música, se dedica e melhora mesmo. Tem dois colegas na minha classe que querem entrar para o projeto, eu digo a eles: ‘querem entrar?, então comecem a estudar, melhorem suas notas’. Giovana: Um projeto como este muda a nossa vida. Temos novos horizontes. Você vai para um lugar que, se não fosse através da música, você nunca iria. A Sala São Paulo, por exemplo. Poucos músicos

conseguem tocar na Sala São Paulo. Lá é um lugar muito grande e distante do nosso mundo. Então, muda o seu jeito de pensar, de medir o seu horizonte. Lindsei: Este projeto já mudou muitos futuros, aqui na escola. Sempre sonhei em ser engenheira química, mas, se não tivesse entrado na orquestra, me empenhado tanto, não seria a pessoa que sou hoje. Eu nunca imaginei tocar violino na minha vida. Descobri um potencial que não sabia que tinha. Giovana: A música clássica, para mim, antes do projeto, era ‘grego’. Sempre gostei de rock. Depois que conheci Mozart e Bethovem, percebi que você pode tocar rock com instrumento clássico e fica muito legal. A música te anima muito, te bota pra cima, até a matemática começa a ser legal. Música tem matemática. A gente ama a música, a música é a nossa vida. André Luiz: A música é tudo.


POR DENTRO DE

EDUCARTÓRIO

adotados nas atividades de serventias Extrajudiciais, bem como estreitar o relacionamento com o Judiciário. O 1º Curso de Iniciação na Atividade Registral e Notarial do Estado de São Paulo Conheça este projeto de grande porte realizou-se nas dependências da EPM, em que reúne força-tarefa, seminários agosto de 2009. A segunda edição ocorreu regionais, cursos de iniciação, debates, em maio de 2010, nas dependências do sites informativos e CDs de consulta, Auditório do Prédio dos Gabinetes dos Desembargadores da Seção de Direito entre outras iniciativas. Público. A terceira edição ocorreu em outubro de 2011, na EPM, e a quarta edição foi realizada recentemente, nos dias 6 e 7 de junho, no auditório do GADE MMDC. Foi na gestão do Corregedor José Mario Além dos encontros regionais e das Atualmente, a Coordenação do projeto Antonio Cardinale que, durante uma visita visitas empreendidas pela força-tarefa, Educartório tem à frente o desembargador correcional, o juiz Luís Paulo Aliende verificou-se a necessidade de divulgar Ricardo Henry Marques Dip. Ribeiro teve a ideia de selecionar um grupo o conhecimento técnico formado no Café com Jurisprudência de servidores para amparar e impulsionar conjunto dos trabalhos e apresentações O projeto Café com Jurisprudência o desenvolvimento das serventias das feitas nos Seminários. Foram criados nasceu em setembro de 2003 nas Comarcas de Jacupiranga e Eldorado. os “Cadernos de Prática Registral”, dependências do 5º Registro de Imóveis No ano de 2006, a primeira equipe se condensando rotinas básicas de serviços da Capital, na Biblioteca Medicina Animae. formou conforme portaria baixada pelo em formatação simples, com modelos Posteriormente, o projeto foi acolhido pela Desembargador Gilberto Passos de práticos, que servem de apoio geral e EPM. A partir da ação da juíza Tania Mara Freitas, tomando a denominação de força- orientação a todas as serventias do estado. Ahualli, Coordenadora das atividades tarefa. O objetivo seria implantar medidas Ainda dentro do projeto Educartório, acadêmicas da EPM relacionadas ao de auxílio com vista ao aprimoramento foi criado um site com conteúdo Extrajudicial, o projeto entrou em técnico dos funcionários das unidades. jurisprudencial das decisões e arestos da plena atividade, no final de 2010. Sucessivas forças-tarefa foram a cabo, Corregedoria e do Conselho Superior da São debates informais entre produzindo minuciosos relatórios. Então, Magistratura, com o adendo das decisões estudiosos do Direito e de outras para aproveitar esse conteúdo, verificou-se mais importantes das Varas de Registros estruturados sobre a oportunidade de organizar um encontro Públicos de São Paulo. Recebeu o nome disciplinas, temas de direito notarial e registral, com os registradores e notários de cada de Kollemata. Posteriormente, foi criado região, além daqueles que estavam um CD contendo a íntegra de todas as e com incursões em matérias como ligados às serventias objeto das forças- decisões do acervo da internet, para filosofia, religião, sociologia e história. Para armanezamento de todas as tarefa. Surgiu daí o projeto Educartório. distribuição a magistrados, registradores informações concernentes ao Café Realizou-se o I Seminário de Direito e notários e para conhecimento geral. com Jurisprudência, criou-se o site Notarial e Registral em maio de 2006, na Existem versões referentes ao conteúdo w w w. c a fe c o m j u r i s p rudencia.com. cidade de Registro. Ao longo dos anos, dos períodos de 2010, 2011 e 2012. br. Já o site www.medicinaanima. foram realizados 17 encontros regionais Realizou-se também o Seminário no estado de São Paulo, distribuídos entre Luso-Brasileiro de Direito Registral com.br reúne seções dedicadas a várias Comarcas, e sempre coincidentes Imobiliário e a Bienal de Jurisprudência assuntos variados, para pesquisa de fontes do direito notarial e registral. com as visitas correcionais. Luso-Brasileira, ambos em outubro de 2008, na Escola Paulista da Magistratura - EPM, com o objetivo de reunir juristas para debater aspectos práticos relacionados com a atividade registral e notarial. A segunda edição da Bienal ocorreu em novembro de 2010. No ano de 2009, nasceu a ideia de realizar cursos de iniciação na atividade registral e notarial, com o objetivo de fornecer bases para um maior Desembargador Ricardo Henry Marques Dip, conhecimento sobre a estrutura jurídica Juíza assessora da Corregedoria, e os principais procedimentos práticos Coordenador do projeto Educartório Tânia Mara Ahualli

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PERFIL DOS EX-CORREGEDORES Sylvio do Amaral

A

cada dia no exercício da Corregedoria Geral da Justiça aprendo a reverenciar a memória do Desembargador SYLVIO DO AMARAL, a quem tive a honra e privilégio de servir como Juiz Assessor, no biênio 1986/1987. Isso porque Sylvio do Amaral foi um homem que se antecipou àquilo que só aconteceria muito tempo depois. Já concebia as atribuições correcionais como orientação, aconselhamento, apoio e amparo, antes da feição punitiva que o órgão assumiu ao longo dos anos. Compreendia o drama pessoal de cada ser humano vocacionado ou não a julgar seu próximo. Comovia-se, condoía-se, aceitava explicações. Era magnânimo e justo. Sem perder a firmeza e atuar compenetrado e consequente com as responsabilidades que recaíam em seus ombros. Era um profundo conhecedor do vernáculo e não foram poucas as vezes em que sugeriu modificação nos textos submetidos à sua aprovação, mas sempre com elegância e profundo respeito pela opinião alheia. Despiu-se de vaidade ao fazer mera referência ao parecer do assessor nos votos por este elaborados para os processos de dúvida. Não se aproveitava do trabalho alheio para torná-lo próprio, embora essa fosse a praxe tradicional. O assessor serve para assessorar. Mas para ele, todos tinham direito ao brilho e ao reconhecimento. Sua fama era alardeada e passou para a mitologia judiciária como lenda. Integrava o Ministério Público e, na condição de Curador na Comarca de Campinas, foi convidado a ingressar no Tribunal de Justiça pelo Quinto Constitucional. Analogamente ao que acontecera com o legendário Ministro Manoel da Costa Manso, que do primeiro grau em Casa Branca foi estimulado a integrar a Segunda Instância Paulista. Sylvio do Amaral estudou nos Estados Unidos após conquistar bolsa por mérito, em tempos difíceis. Não havia a facilidade das viagens atuais. Poucos os que usufruíam dessa experiência de morar no Exterior. Ele tirou todo o proveito desse estágio e trouxe uma noção de eficiência e correção

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muito superior à cultura predominante nas esferas estatais. É inacreditável se recusasse a perceber diferenças salariais que não fossem as estabelecidas em lei, mas resultassem de interpretações sobre as quais pudesse pairar o mínimo resquício de tangenciar com a mais absoluta ética. Primoroso ao redigir, escrupuloso ao normatizar, técnico irrepreensível na ciência jurídica e em matéria correcional. Sabia ouvir e cedia à argumentação dos subalternos. Nunca se satisfazia com a primeira versão daquilo que escrevia. Era um perfeccionista e enxergava longe. Conviver com ele representou uma pósgraduação valiosa. Sua equipe ganhou várias vezes ao assessorálo. A convivência com um espírito superior modifica e transforma quem está aberto a assimilar boas influências. Inicialmente permaneci junto à Equipe temática do setor extrajudicial, já a ocupar dependências do vigésimo andar do Fórum João Mendes Júnior. Com ele aprendi a respeitar essa parceria excepcional de delegados que, por sua conta e risco, exercem atividades estatais sem contar com o Erário. E eram tempos anteriores à Constituição de 1988, que consagrou a fórmula do artigo 236 hoje ainda vigente. Quando era chamado a esclarecer algum ponto de parecer posto sob sua apreciação, primeiramente era acometido de temor reverencial - sentimento hoje inexistente - e, com o passar do tempo, antevia as lições que dele receberia. Posteriormente fui aquinhoado com a assessoria direta, junto a seu gabinete. E pude me aproximar do ser humano inefável, generoso, solidário, terno e amigo. Tempos felizes em que convivi com ele e D. HERMENGARDA, que se tornaram familiares escolhidos. Repito com frequência que recebi na vida muito mais do que meus méritos. E um dos prêmios mais valiosos foi servir e compartilhar da amizade com o Desembargador Sylvio do Amaral, paradigma de magistrado e de homem. Daqueles para os quais não há substituto. Mas que souberam multiplicar, por uma vida profícua e operosa, reta e eticamente irrepreensível, as esperanças de que a humanidade ainda tem salvação e que, de quando em vez, a Providência a contempla com primícias singulares. Prova de que nem tudo está perdido, enquanto os exemplos de SYLVIO DO AMARAL ecoarem na Justiça de São Paulo e encontrarem vocações dispostas a perfilhá-los.

Corregedor-geral José Renato Nalini


Márcio Martins Bonilha

São

Paulo se rendeu a um paranaense. Não se vê como melhor iniciar a apresentação do Desembargador Marcio Martins Bonilha, Corregedor Geral da Justiça no biênio 1996/1997. Nascido em Jacarezinho, norte do estado vizinho, iniciou sua vida jurídica na gloriosa Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde se formou em 1957. Retornou a seu estado, ali ingressou na carreira do Ministério Público, onde permaneceu por quase três anos. Voltou a São Paulo, ingressou na magistratura no concurso de 1961, dedicando a partir de então sua vida à carreira, na qual exerceu todos os cargos que poucos têm oportunidade de exercer. Depois de sua passagem em Comarcas do interior, das quais se destaca Piracaia (no dizer comum, sua “menina dos olhos”), Vara de Fazenda Pública e extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil, chegou ao cargo de Desembargador em 1981. E a brilhante carreira, construída com a profundidade de suas decisões, mereceu o reconhecimento dos paulistas e de seus pares, o que se externa nos mais altos cargos da magistratura que exerceu. Foi Corregedor e Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, foi Direitor da Escola Paulista da Magistratura e, por fim, Presidente do Tribunal de Justiça, eleito em duas oportunidades: uma para completar gestão em 1999, e outra para o mandato pleno, no biênio 2000/2001. Voluntariamente aposentouse como Decano do Tribunal, em 1º de agosto de 2002. Sobre sua capacidade e seriedade no trato da coisa pública durante os cargos que exerceu, qualquer aditivo seria desnecessário. Sobre a qualidade das decisões, em várias áreas jurídicas, menos ainda. Mas sobre o homem que dedicou sua vida à carreira, muito há a lembrar. A expressão de seriedade – de todos conhecida escondeu o homem simples e de coração largo. Voltado para a vida familiar antes de tudo, e com o incansável apoio de sua esposa Sônia, cultiva valores morais hoje algo esquecidos pela sociedade atual. E assim conduziu sua gestão, atualizando normas e procedimentos, aprimorando a prestação do serviço judicial e extrajudicial, jamais pactuando com o erro deliberado, que sempre buscou coibir.

Em sua gestão, significativas mudanças da legislação processual e extraprocessual ocorreram, de sorte a influenciar o conteúdo administrativo de certo modo já sedimentado, a exigir a pronta e rápida solução. Paralelamente, nesse mesmo período, iniciou-se, verdadeiramente, a informatização do Tribunal de Justiça, com a implantação e início de funcionamento do sistema de automação, cuja observância passou então a ser obrigatória para os serviços judiciais. Sem qualquer exagero, pode-se dizer que esse passo foi fundamental para que a automação do judiciário paulista pudesse empreender marcha – e a partir de então – sem possibilidade de regredir. E não já sem tempo, estagnada que se encontrava até então. O pioneirismo dessa postura traduziu talvez o passo mais importante para o avanço tecnológico. A então desvinculação no campo da informática do Poder Judiciário a órgãos do Poder Executivo representou o maior passo à independência da automação, só atrasada por pequeno período posterior de regresso não compreendido. Certamente mais avançado esse processo estaria do que hoje se encontra. Magistrado dedicado exclusivamente à carreira, ressalte-se, homem voltado à família e com visão de futuro - a permitir mudanças fundamentais para a melhor prestação jurisdicional, em quaisquer das áreas do direito – sem o entrave que até então se via, caracterizam sua personalidade. Sem abrir mão de princípios, mas sempre pronto à modernidade e a compreender o futuro da instituição, que sempre preservou, certamente levou os paulistas a se renderem. São Paulo se rendeu ao cidadão paranaense, que o adotou como comandante das melhores práticas de gestão. Por mérito próprio, e não por singela antiguidade.

Desembargador Vito José Guglielmi 19


BOAS PRÁTICAS

O SEGREDO É O BOM ATENDIMENTO

Cartórios extrajudiciais apostam no bom atendimento como fórmula para o sucesso Não importa se o cartório está situado numa área nobre ou carente da cidade, se é novo na região ou muito antigo. O segredo do sucesso é o bom atendimento. “Não podemos fazer propaganda na mídia, nosso único meio de divulgação é o ‘boca-a-boca’ que as pessoas fazem”, argumenta Paulo Henrique Merola, Oficial Substituto do 24º Cartório de Registro Civil do Subdistrito de Indianópolis - Capital. Um bom exemplo disso é o 2º Cartório de Registro Civil de Guarulhos. Situado onde reside boa parte da população carente do município, ele está há pouco tempo na região. Foi instalado em 2008. A Oficial Flora Maria Borelli Gonçalves decidiu investir na preparação

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dos funcionários para prestar um bom atendimento à população. Elaborou um manual intitulado: ‘Normas Internas dos Funcionários’. Nele, existem orientações quanto ao comportamento individual, como por exemplo: aparência, assiduidade, respeito aos horários. Também explica como utilizar e cuidar dos equipamentos, dá dicas de postura para o atendimento ao público e de como se relacionar com os demais funcionários, entre outras orientações. Segundo Flora, as ‘Normas’ são constantemente atualizadas. “Elas servem para ensinar, educar os funcionários para o bom desempenho de suas funções”, e acrescentou: “O comentário entre a

população é de que aqui eles têm um atendimento diferenciado. O serviço mais procurado pela população local é o casamento. Muitos querem se casar aqui, mesmo não morando na área do cartório, pois já acompanharam o casamento de parentes aqui e gostaram”. “Faço questão de contratar funcionários que residem na região, que é muito carente, para, de certa forma, fazer alguma diferença para esta população. Se estamos aqui, é para melhorar a região”, concluiu Dra. Flora. O cartório possui plano de carreira para os auxiliares e escreventes, que estabelece diferentes níveis de funções e atribuições. “É mais um


A Oficial Flora Maria Borelli e o manual ‘Normas Internas dos Funcionários’, criado para orientar a equipe dos funcionários quanto ao bom desempenho das funções, no 2º Cartório de Registro Civil da Comarca de Guarulhos

incentivo para os funcionários. Eles gostam quando lhes confiamos mais responsabilidade”, afirmou o 2º Substituto da Oficial, Fábio Eduardo Braz. Ao final de cada mês, são sorteados entre os funcionários, dois almoços no melhor restaurante da região. Para isso, não podem faltar sem justificativa, nem terem tido a atenção chamada por falha na execução do trabalho, descumprimento das Normas ou mau atendimento a cliente, durante o mês. O cartório oferece gratuitamente café da manhã aos funcionários e paga o estacionamento mensal para quem possui automóvel. Concede, também, uma folga a mais por mês, além das folgas regulamentares. “Com tudo isto, todos gostam de trabalhar aqui e eu consigo fazer com que o cartório preste um bom atendimento ao público”, explica a Dra. Flora. Já a nova aposta do 24º Cartório de Registro Civil de Indianópolis, na Capital, situado em área nobre da cidade, é a implantação de um sistema eletrônico de qualidade, cujo resultado vem recebendo muitos elogios. Trata-se do ‘Sistema de Sintonia de Qualidade’, desenvolvido pela PRODESP, que possibilita o monitoramento dos atendimentos prestados pelos funcionários do cartório, de acordo com a satisfação dos cidadãos. A pessoa avalia como foi atendida, ao término do serviço prestado pelo cartório, pressionando um botão em uma caixinha. Estas caixinhas estão localizadas em cada ponto de atendimento dentro do cartório e possuem quatro botões de cores diferentes (verde, azul, amarelo e vermelho). Para cada cor, um tipo de avaliação: ótimo, bom, regular ou ruim.

À esquerda, telas do sistema ‘Sintonia de Qualidade’, utilizado pelo 24º Cartório de Registro Civil da Capital. À direita, caixinha utilizada pelo público, para avaliar o atendimento, ao término do serviço prestado

Salas para a realização de casamentos, em Guarulhos. Esmero na decoração, para agradar aos noivos

Se um cidadão selecionar a opção “regular” ou “ruim”, o funcionário que o atende não conseguirá finalizar o atendimento em seu computador. Neste caso, abre-se uma tela em seu micro, onde será necessário informar dados para contato deste cidadão insatisfeito (telefones e e-mail). Ao mesmo tempo, o sistema irá permitir a visualização, no “terminal” do administrador, que ocorreu uma avaliação regular ou ruim.

...visando à qualidade dos serviços prestados ao cidadão, para o atendimento de pessoas que possuem deficiência física ou dificuldade de locomoção, os funcionários dirigem-se até o carro onde elas se encontram e realizam o atendimento ali. O terminal do administrador possui um mapa onde aparecem todos os pontos de atendimento que se encontram online. A avaliação ruim ou regular aparece imediatamente neste mapa, e mostra em qual ponto esta avaliação ocorreu. Desta forma, o administrador pode se dirigir ao local e conversar com o cidadão insatisfeito, entender o que ocorreu e sanar a insatisfação. Se o administrador não estiver disponível no momento, identificará este atendimento que gerou a avaliação negativa por meio de relatórios que o sistema

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gera e entrará em contato com o cliente posteriormente, por intermédio dos dados para contato, previamente informados no sistema. O terminal do administrador também apresenta um mapa com o tempo decorrido em cada atendimento. Além disso, o cliente também pode, se desejar, preencher um formulário disponível em todos os pontos de atendimento, fazendo críticas, elogios e dando sugestões, e depositálo em uma urna. A análise destas manifestações é feita semanalmente. E ainda, visando à qualidade dos serviços prestados ao cidadão, para o atendimento de pessoas que possuem deficiência física ou dificuldade de locomoção, os funcionários dirigem-se até o carro onde elas se encontram e realizam o atendimento ali. São utilizados notebooks com câmera e com aparelho de biometria portáteis, caso necessário. Também foi elaborada uma Cartilha de Qualidade de Atendimento para os funcionários, com dicas de postura e procedimentos.

“Como estou aqui há 50 anos, o povo da cidade me conhece. Param-me na rua: ‘a senhora fez o meu casamento!’ outro: ‘registrou meu filho!’ Eu quero bem esta ‘meninada’ daqui”.

Caixa para depósito de formulários preenchidos pelos clientes, com sugestões, críticas e elogios, no 24º Cartório de Registro Civil. A análise das manifestaçãoes é feita toda semana

Mas, investir no bom atendimento ao público não é uma receita nova. Há mais de 50 anos, essa é a fórmula do Cartório de Registro Civil de Mauá. Dona Virginia de Souza Lima Galindo veio para o cartório de Mauá como escrevente em 1963. Depois, quando foi criada a Comarca de Mauá, assumiu a delegação do cartório de Registro Civil. O cartório contava com dois funcionários: ela e um ajudante. D. Virgínia constata que a cidade cresceu muito desde então. Porém, acrescenta que o número de casamentos diminuiu. Na década de 70, chegou a efetuar mais de 100 casamentos por final de semana. Hoje, com população maior, a média não

ultrapassa 80 casamentos. “E, naquela época, era tudo ‘datilografado”, lembrou a atual Oficial, Gilce Galindo de Lima, filha da D. Virginia. “Na época, já ajudava minha mãe aqui. Eu adorava datilografar aquelas pilhas de documentos”. “Como estou aqui há 50 anos, o povo da cidade me conhece. Param-me na rua: ‘a senhora fez o meu casamento!’, outro: ‘registrou meu filho!’. Eu quero bem a ‘meninada’ daqui”. Hoje mesmo, veio ao cartório um antigo conhecido que se mudou para o interior de São Paulo. Quando soube que eu ainda estava aqui, como juíza de casamentos suplente, quis me ver. Eu lhe disse: já sei, pensou que eu

O novo prédio do Cartório de Registro Civil de Mauá foi construído com a preocupação de não ter ‘estilo de cartório’. Com bela decoração, espaços amplos e bem arejados, o prédio conta ainda com moderno sistema de captação da água da chuva, tornando-o ecologicamente correto

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A Oficial Virginia de Souza Lima Galindo e sua família são testemunhas vivas do crescimento da Comarca de Mauá. Cuidando do serviço de Registro Civil mesmo antes da emancipação política do município, Dona Virgínia está ali há mais de 50 anos e relatou parte desta experiência de vida em um livro de memórias intitulado “Caminhos pelos quais passei”. Acima, posou com seus filhos Solange, Gilce, Silvana e Gilberto, em dois ambientes do cartório: o arquivo e uma das salas para casamentos

“Se existe um setor que levou a eficiência a sério foi o das delegações extrajudiciais. Notários e registradores estão à frente de seu tempo!” tinha morrido, não é?”, brincou D. Virginia. “Mauá é uma cidade grande, mas ainda guarda um aspecto de cidade do interior”, disse Gilce. “As pessoas ainda se conhecem”. Por ser muito conhecida na cidade, as pessoas querem, insistem, para que D. Virgínia celebre o seu casamento no cartório. Por esta razão, mesmo com idade avançada, ela ainda celebra muitos casamentos. O novo prédio do cartório foi construído com a preocupação de não ter ‘um estilo de cartório’. “Minha mãe sempre teve esta preocupação. Mesmo quando era um local pequeno, no primeiro prédio, havia ali um capricho ‘feminino’. Colocávamos cortinas, mobília confortável, as pessoas se sentiam bem”. Disse Gilce. “Há vários casos em que ficou bem demonstrado o carinho que a população tem pela minha mãe”, disse Solange Galindo de Lima, irmã de Gilce e Oficial Substituta do cartório. “Certa vez, num dia 23 de dezembro, ela ganhou um galo de uma senhora muito simples que queria agradecer a atenção que havia recebido aqui no cartório. Eu estava qualificando as testemunhas de um casamento e ela se aproximou com um galo ‘vivo’, embaixo do

Em Mauá, o cartório possui um espaço infantil destinado aos filhos dos funcionários e, para cuidar da memória histórica desta serventia extrajudicial, foi reservado espaço onde se encontra o ‘museu’ do cartório

braço. ‘D. Virgínia está? Eu trouxe este galo para ela comer no natal”, completou Gilce. Solange concluiu: “Realizamos muitos casamentos naquele dia e colocamos o galo numa salinha anexa. Durante todo o dia ele cantou, e seu canto ecoava por todo o cartório. Como nossa família tem por filosofia não maltratar animais, o galo sobreviveu ao natal. Ele ficou em nossa casa por muito tempo e morreu de velhice”. “Uma vez, atendi uma senhora muito simples, que veio registrar os netos. Naquela época, ela teria que ir à delegacia para tirar o Atestado de Pobreza a fim de não pagar as taxas. Mas eu percebi que ela era muito pobre e não tinha dinheiro sequer para a passagem de ônibus para ir à delegacia. Eu fiz os registros para ela, sem o atestado. Passado um tempo, ela veio aqui e me presenteou com uma

pedra redonda. Talvez, tenha encontrado aquela pedra em algum lugar, achado bonita e, sem nenhuma outra coisa para me dar, entregou a pedra para mim: ‘é para a senhora segurar os papéis’, me disse. Tenho tanto amor naquela pedra como se fosse um diamante”, disse D. Virgínia emocionada. Assim como nos exemplos acima, o corregedor-geral da Justiça, José Renato Nalini, tem percebido durante as visitas que regularmente faz a estas serventias, o empenho, a dedicação e a competência dos cartórios extrajudiciais de todo o Estado de São Paulo em prestar um atendimento cada vez melhor à população. “Se existe um setor que levou a eficiência a sério foi o das delegações extrajudiciais. Notários e registradores estão à frente de seu tempo!”, disse o Corregedor.

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ARTE TERAPIA Expressão criativa contra o estresse “Era madrugada, quando acordei e tive um surto de ansiedade. Comecei a chorar desesperadamente. Resolvi, então, procurar tratamento psiquiátrico e comecei a tomar antidepressivos. Por coincidência, pouco tempo depois, fiquei sabendo do início do ‘Projeto Camomila’, um projeto de Arteterapia, direcionado para o estresse ocupacional e realizado em um fórum do Tribunal de Justiça, na Capital. Participei do projeto, que me ajudou a superar esta fase difícil de minha vida. Faço acompanhamento psiquiátrico até hoje, porém não preciso mais do remédio”. Este depoimento faz parte do trabalho que a terapeuta Ana Lúcia Hernandes Soares apresentou, resultante do estágio final do seu curso de Arteterapia. Para este estágio, ela elaborou um projeto piloto nas dependências do Fórum Regional de Santana – Capital, durante o período de abril a setembro de 2011. Segundo a Wikipedia, a Arteterapia é um processo terapêutico que se serve do recurso expressivo a fim de conectar os mundos

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interno e externo do indivíduo, através de sua simbologia. É a arte livre unida ao processo terapêutico, que transforma a Arteterapia em uma técnica especial. (ver matéria na página 25). Ana Lúcia é escrevente da 6ª Vara Cível do Fórum de Santana. “Para concluir o curso, precisava do estágio. Então, apresentei o projeto, prontificando-me a executar estas atividades fora do meu horário de trabalho. Expliquei que seria importante a sua realização dentro do Tribunal, pois o projeto era direcionado para o combate ao estresse no ambiente de trabalho. Consegui o estágio e implantei o projeto no Fórum de Santana. Foi doada uma sala pela administração do prédio”. O estágio foi batizado de Projeto Camomila. “A camomila (matricaria recutita) possui a propriedade calmante, além de ser uma florzinha linda. Tem uma beleza delicada e sutil, mas carrega internamente um poder consigo”, explicou Ana Lúcia. “Não sei ao certo se partiu de mim ou das participantes, mas


algumas começaram a me chamar de camomila e eu também, passei a me referir a elas como camomilas. Por isto, todas viraram Camomilas. Ressalto que os grupos não eram só de mulheres. Havia um homem corajoso que participou”. Foram formados quatro grupos, que ao todo somaram dezoito pessoas, com sessões uma vez por semana. Ana Lúcia providenciou todo o material utilizado no projeto. “Fiz a decoração com cadeiras, tapetes, ventilador, aparelhos de som, flores. Tentei deixar o local bem aconchegante”, disse ela. Cada sessão se iniciava com um período de relaxamento e de meditação, por aproximadamente quinze minutos. Em seguida, eram feitos exercícios básicos, simples, de ginástica laboral e automassagem. Depois se fazia sensibilização com vídeo, leitura ou música e, então, partia-se para as técnicas expressivas através da arte. Os encontros duravam de uma hora e meia a duas horas. Em cada sessão era desenvolvido um tema específico, como raiva e agressividade, autoestima, trabalho em equipe, novas perspectivas, crenças negativas. “A raiva e a agressividade fazem parte do ser humano, cabe-nos conduzílas de forma adequada e trabalhá-las de forma a serem direcionadas para criação de trabalhos artísticos ou esportes, por exemplo. Existem muitas outras formas sadias. A raiva, muitas vezes, nos impulsiona a tomar novos caminhos e a nos mover dentro de situações difíceis. Na manifestação artística, podemos canalizar e exprimir nossa agressividade de uma forma controlada, como uma espécie de catarse das emoções. Nesta sessão, trabalhei com argila. Há uma condução específica o tempo todo, enquanto manipulam a argila, lembrando que a arteterapia não

Trabalhos manuais realizados pelos participantes do Projeto Camomila. A expressão criativa aflora e o estresse começa a deixar lugar para o equilíbrio emocional

tem como base a estética em si, mas tem como objetivo o processo terapêutico e de autoconhecimento. De todas as atividades voltadas para estresse, essa é a preferida da maioria das pessoas com quem já trabalhei este tema”, explicou Ana Lúcia. Outro tema abordado foi o de ‘crenças negativas’. Ana Lúcia continuou: “Desde a infância, em nossas relações interpessoais, somos criticados por coisas que não fizemos, acusados de sermos inferiores de alguma forma, e mesmo sabendo no íntimo que não somos assim, tomamos aquilo como verdade. Isto se torna uma ‘crença negativa’. Infelizmente, arrastamos estas crenças pelo resto da vida e carregamos muitas mágoas. Nesta sessão, pedi para as pessoas esculpirem em um sabão de coco”. O projeto piloto de Arteterapia, desenvolvido no Tribunal, mexeu com a saúde dos envolvidos. E para melhor.

Na sessão em que trabalharam com sabão de coco, os participantes refletiram sobre suas mágoas e frustações, enquanto exercitaram sua criatividade de forma lúdica

A melhora na saúde e no bem estar foi evidenciada em cartas que cada Camomila escreveu ao final, sem precisar se identificar. Foram apontadas: melhora na qualidade do sono, na disposição, no controle da ansiedade, aumento da produtividade, diminuição de dores no corpo e melhora

“Conheci uma moça que era bailarina, dançou por 12 anos. Mas o estresse a levou a não poder dançar mais. Ela se sentia exausta, com fraqueza crônica e tonturas. A carga emocional era tão grande que ela apresentava ‘bruxismo’ e travava os dentes, mesmo de dia”.

As ‘camomilas’ descobriram que expressar os seus sentimentos de forma artística contribui para o aprofundamento do autoconhecimento e para a melhora do equilíbrio físico e mental

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Tesouras, cola, papel, micangas, tinta, todos estes materiais foram a matéria prima da terapia. Através destes utensílios, os participantes se expressaram livremente

‘Camomila’ em terapia: pintando, colorindo, fazendo arte, deixando o estresse de lado

Apesar da aparência simples, os trabalhos revelaram muito sobre o estado emocional dos participantes e de como eles enxergavam a sim mesmos

no relacionamento interpessoal. Quando aplicada nas empresas, o foco da Arteterapia é o trabalho em equipe, assertividade e resiliência, além do estresse. Por exemplo, quando uma empresa é comprada por outra empresa, tudo se modifica de repente. Muitos são demitidos e os que permanecem têm que se adaptar à nova estrutura. O estresse gerado nos funcionários tem que ser equacionado, pois pode levar a inviabilizar a atividade da empresa. E o resultado da terapia é rápido, pois o que as pessoas não conseguem externar verbalmente, acabam exprimindo no trabalho artístico. Em uma clínica de São Paulo, houve um famoso caso relatado cientificamente, em que a Arteterapia foi aplicada a um paciente esquizofrênico autofágico. Qualquer objeto que ele pegava, enfiava nos olhos, pois dizia que havia um homenzinho lá dentro e ele queria tirá-lo. Ele foi levado a trabalhar com pintura. Começou a pintar quadros. Certo dia, a terapeuta pediu para que ele pintasse o homenzinho numa tela. Ele concordou. Pintou um olho enorme e

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desenhou o homenzinho dentro dele. Ela então lhe disse: “Você notou que agora o homenzinho está aí na tela, não está mais dentro do seu olho. Ele continua lhe incomodando?” Ele repondeu: “Não, agora ele ficou ali na tela. Foi embora”. O paciente expressou-se, transferindo sua angústia para a pintura. Daquele dia em diante, esqueceu o homenzinho do seu olho. Para elucidar o poder do tratamento, Ana Lúcia costuma contar o caso de uma paciente: “Conheci uma moça que era bailarina, dançou por 12 anos. Mas o estresse a levou a não poder dançar mais. Ela se sentia exausta, com fraqueza crônica e tonturas. A carga emocional era tão grande que ela apresentava ‘bruxismo’ e travava os dentes, mesmo de dia. Chegou ao ponto de perder as articulações e ter que se submeter a uma severa intervenção cirurgica no maxilar. O surpreendente é que ela não percebia que tudo isto era consequência do estresse. Além disso, ela tinha labirintite crônica e pressão sanguínea muito baixa, pois o bombeamento do sangue não era

suficiente, o que tornou necessário um tratamento cardiológico. Tudo relacionado ao estresse. Se tivesse prestado atenção antes aos sinais que o corpo mostrava, não teria chegado ao ponto que chegou. Após passar por muitos médicos, finalmente foi encaminhada por um neurologista para terapia. Foi aí que ela buscou a Arteterapia. Procurou saber o que era e até fez um curso a respeito. Finalmente ela se encontrou. O tratamento que fez durante o curso - pois no curso você passa por todo o processo terapêutico - a resgatou para a vida. Ela ressurgiu. Trilhou um novo caminho. Esta pessoa sou eu”. Ana Lúcia é Graduada em Letras/ Licenciatura e Tradução/Inglês pela Faculdade Ibero Americana. Pós Graduada em Arteterapia e está cursando pósgraduação em Psicoterapia Junguiana. É docente na Pós Graduação da Turma de Psicopedagogia da Faculdade Paschoal Dantas. Também é artista plástica e Professora de artes pelo SASF (Serviço de Assistência Social à Família) unidade Jaçanã.

Ana Lúcia Hernandes Soares


A Terapia pela arte A Arteterapia promove um diálogo entre o consciente e o inconsciente do indivíduo. É transformadora do autoconhecimento, por intermédio de processos terapêuticos ligados a livre expressão artística (pintura, música, modelagem, dança), que permitem, através dos conteúdos simbólicos, identificar o que precisa ser trabalhado na esfera do “consciente”, permitindo alcançar harmonia na vida do paciente, ensinando-o a lidar com o meio em que vive de forma plena. Segundo a Associação Brasileira de Arteterapia, é um modo de terapia que utiliza a linguagem artística como base da comunicação paciente-terapeuta. Sua essência é a criação estética e a elaboração artística em prol da saúde. Algumas linhas da psicologia adotam a Arteterapia com o nome de “psicoterapia expressiva”. O psiquiatra Carl Jung aplicou a psicoterapia expressiva, que na época não era chamada desta forma, nem de Arteterapia. No parágrafo 400, capítulo 8, do livro ‘Natureza da Psique’, ele descreve como trabalhou com seus pacientes e como isso o ajudou em sua pesquisa. Ele aproveitava uma imagem onírica ou uma associação do paciente e dava a ele uma tarefa a fim de elaborar ou desenvolver estas imagens permitindo que a fantasia fluísse livremente e de acordo com os dotes e gostos de cada um. O paciente podia dramatizar, escrever,

mostrar de forma visual ou acústica ou dançar, pintar, desenhar ou modelar. Jung descreveu que esse método causou efeito terapêutico notável. Uma das atividades terapêuticas mais utilizadas no setting terapêutico, inclusive pelo

Mandala feita por Projeto Camomila,

participante do de Arteterapia

Dando vazão à criatividade, o participante da Arteterapia resgata o equilíbrio e a harmonia interior

próprio Jung, foi a construção de mandalas A palavra mandala (substantivo masculino) quer dizer ‘círculo’. Na terapia, pede-se para o paciente desenhar um círculo e trabalhar nele da maneira que bem entender. O mandala é feito de acordo com o que ele está vivendo no momento. Se fizer um novo mandala no dia seguinte, já será diferente. Neste desenho, o paciente exprime conteúdo para a sua observação própria, e também do terapeuta, que não o interpreta, mas permite que o próprio paciente o sinta, analise e interprete. Ao iniciar esta tomada de consciência do seu ‘interior’, se autoconhecendo, retira um pouco da pressão exercida pela sua psique inconsciente. O Homem possui um potencial de criação muito grande, mas com a tecnologia atual e as facilitações do dia a dia, ele deixa de exercitar essa criatividade, que começa a ser cerceada já na infância. Com isso, há um distanciamento das pessoas com seu eu interno. Se a pessoa não pode se expressar, começa a adoecer. Como uma caixa d’água cheia. Se a água ficar parada, sem dar vazão, não entrará água nova, e o conteúdo apodrecerá. O contato com a Arte traz equilíbrio, quando bem utilizado. Quando se cria, o ‘eu interno’ se harmoniza com o ‘eu externo’. Não dá para falar em Arteterapia sem mencionar Nise da Silveira (1905/1999), famosa psiquiatra brasileira, contrária aos tratamentos que eram impostos aos

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pacientes psiquiátricos em seu tempo. Quando Nise da Silveira entrou em contato com Jung, este se interessou muito pelo trabalho que ela realizava com pacientes esquizofrênicos e se encantou com o projeto precursor que ela desenvolveu, ao montar dezesseis oficinas de arte dentro de um hospital psiquiátrico, modificando a ideia de terapia ocupacional existente. Os pacientes apresentaram uma significativa melhora em suas condições. Os dois psiquiatras mantiveram contato por um tempo e Jung incentivou que Nise da Silveira apresentasse os trabalhos realizados por seus pacientes em uma exposição feita em Zurique, em 1957, com o título “A Arte e a Esquizofrenia”. No Brasil, temos a Arteterapia como pós-graduação, com cursos de dois ou três anos. Ela pode ser aplicada em hospitais, escolas, creches, orfanatos, asilos, empresas privadas e prédios públicos. (Fonte: Wikipedia e depoimento da terapeuta Ana Lúcia Hernandes Soares)

Vários mandalas criados pelos participantes do Projeto Camomila. O mandala é feito de acordo com o que a pessoa está vivendo no momento. Neste desenho, ele exprime conteúdo para a sua observação própria, e também do terapeuta

O Tribunal de Justiça conta com o Serviço de Atendimento Psicossocial aos Funcionários do Tribunal de Justiça de São Paulo (magistrados e servidores) há 18 anos. Seu objetivo é propiciar atendimento clínico relacionado às questões da Saúde Mental, contribuindo para a humanização do Tribunal de Justiça. Com uma estrutura moderna, o Serviço se fundamenta na procura espontânea por parte do funcionário e o sigilo absoluto (nenhuma informação sobre o usuário é reportada à administração ou à área de Recursos Humanos do TJ). Seu atendimento é gratuito e permite evitar que situações de crise emocional venham a tornaremse crônicas, comprometendo a vida pessoal ou profissional do funcionário. Existem programas de psicoterapia individual e em grupo, terapia de casal e familiar, grupos temáticos de maturidade,

de atividades corporais, entre outros. A equipe é formada por 54 pessoas (20 psicólogos, 19 assistentes sociais e 15 administrativos). Atualmente, ele conta com dez unidades no Estado. Já realizou mais de 246 mil atendimentos. Na Capital, ele se localiza na Rua Tabatinguera, 140, 1º andar – Centro. Telefones (11) 3106-2636 e (11)3241-5098. No Interior, ele se encontra nos endereços abaixo relacionados: Campinas: Rua Conceição, 233, 22º andar, sala 2209 - Telefones (19) 32346688 / (19) 3512-8203. Marília: Avenida Rio Claro, 33 - salas 21 e 22 - Cascata – Telefone (14) 34332707. Piracicaba: Rua Samuel Neves, 1773 – Jardim Europa - Telefone (19) 34338111.

Ribeirão Preto: Avenida Presidente Kennedy, 1760 – Nova Ribeirania – Telefone (16) 3617-1719. Bauru: Rua Marcondes Salgado, 4-59 – Centro - Telefone (14) 3232-2241. São José do Rio Preto: Rua Redentora, 2351 – Vila Nossa Senhora da Paz Telefone (17) 3222-3238. São José dos Campos: Rua Major Francisco de Paula Elias, 239 - São Dimas - Telefone (12) 3923-9465. Sorocaba: Rua Angelina Parolina Zocca, 43 – Jardim Santa Rosália – Telefone (15) 3211-3912. Araçatuba: Rua João Cruz e Souza, 594 – Jardim Nova Iorque - Telefone (18) 3621-3255. O Atendimento também é oferecido às Comarcas vizinhas dos endereços acima, que pertencem à mesma Circunscrição Judiciária.

Queremos ouvir o leitor ! Esta é a nova linha de comunicação da Corregedoria do TJSP com a comunidade. Aproveite e dê sua opinião sobre ela. Comente e faça sugestões: corregedoriaemfoco@tjsp.jus.br

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JUIZ,

QUEM TEM POR FUNÇÃO MINISTRAR A JUSTIÇA Naquela manhã de novembro de 1978, o juiz de 1º Grau, Dr. Renzo Leonardi, titular do Fórum da Comarca de Poá, ainda estava em sua casa quando o telefone tocou e, do outro lado da linha, o chefe de gabinete do Corregedor Geral de Justiça informou que o Desembargador Humberto de Andrade Junqueira queria lhe falar. Naquela época, se um juiz era intimado a comparecer à Corregedoria, era “encrenca”. Mas, de certa forma, ele esperava receber aquele telefonema, pois o que tinha feito no dia anterior poderia lhe acarretar sérios problemas.

Dois dias antes, ao sair do Fórum com destino à sua casa, por volta de 19hs, percebeu que havia um papel preso ao para-brisa do seu carro. Era o bilhete de uma mulher que pedia ajuda para conseguir reaver seu filho, um menino, que estava preso no Recolhimento Provisório de Menores de Poá desde o dia 7 de abril, ou seja, há mais de seis meses. Dr. Renzo foi para sua casa, mas não conseguiu dormir, intrigado com aquele bilhete. Sua intuição lhe dizia que algo de muito ruim estava acontecendo. No dia seguinte, verificou que não havia

nenhum expediente sobre o fato no Fórum. Procurou o Dr. Paulo Ortigoza, promotor que atuava na cidade e que era seu amigo. “Paulo, meu carro já está conhecido na cidade, preciso que você me empreste o seu carro para algo que eu tenho que fazer”. “Onde você vai?” “Vou ver o Recolhimento Provisório de Menores de Poá.” “Não vá lá, amigo, você vai se aborrecer.” Numa época em que os limites existentes entre o arbítrio e a atuação legal do Estado eram avaliados

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de acordo com a opinião e o grau de poder da autoridade que os observava, o conselho do promotor era pertinente. Mas, insistindo na necessidade daquela visita, Dr. Renzo convenceu o promotor a acompanhá-lo, juntamente com um escrevente do Fórum. O local ficava no alto de um morro, muito distante da cidade. Até pouco tempo antes, servira como local de aprisionamento de presos políticos. No meio do trajeto, Dr. Renzo avistou uma loja de artigos fotográficos. Pediu para parar o carro, entrou na loja e pediu uma máquina fotográfica exposta na vitrine. “O senhor vai comprar?”, perguntou o vendedor. “Não, estou requisitando.” Tirou a carteira de juiz e mostrou ao rapaz, informando que iria devolvêla ainda naquele dia. Pagou por dois filmes e continuou a viagem.

...no quintal havia duas celas. Na primeira, duas meninas, na segunda, cinco meninos. O cheiro era insuportável. Depois de longo e acidentado percurso, chegaram ao local. Havia uma casa no alto de uma colina, muito bonita, como uma casa de campo, cercada por muros. O grupo dirigiu-se à porta. Dr. Renzo bateu e, de dentro, um PM perguntou o que queriam. Dr. Renzo se identificou e pediu para abrir a porta. O PM, então, falou que só abriria a porta com a ordem do Comissário de Menores de Poá.

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“Ou o senhor abre ou eu vou arrombar a porta.” Dono de excelente porte físico, fruto da juventude ligada ao esporte, quando jogou basquete no quadro principal do Corinthians, Dr. Renzo não ficou só na ameaça. Ao ver que a porta não seria aberta, a arrombou. O PM o atacou e, num breve embate corporal, foi desarmado pelo juiz. Retiradas as balas do “38”, este foi devolvido ao policial. No quintal havia duas celas. Na primeira, duas meninas, na segunda, cinco meninos. O cheiro era insuportável. As crianças estavam assustadas e debilitadas. Dr. Renzo retirou os menores das celas, tirou várias fotografias do lugar e pediu ao escrevente para certificar oficialmente que as fotos foram tiradas no Recolhimento de Menores. Voltou ao Fórum e ordenou que localizassem os processos relativos ao recolhimento dos menores, no cartório da cidade. Apurou então que o Comissário de Menores era conhecido por ser pessoa ligada a uma determinada religião e, amparado por suposta “autoridade espiritual”, ele apreendia meninas e meninos pobres que estavam perambulando pelas ruas ou efetuando pequenos delitos, como roubo de frutas nas feiras, informava os pais que as crianças estavam “possuídas pelo demônio” e que tinham que ficar detidas aos “cuidados dele”. O que acontecia depois... No processo de cada menor, registrado: “Recolham-se os menores e arquive-se”. Dr. Renzo soltou os menores imediatamente, com termo de entrega para as famílias. Naquele mesmo dia, baixou a primeira Portaria de sua vida. Descreveu que encontrou as crianças em condições semelhantes aos campos de concentração


nazistas e lacrou o Recolhimento Provisório de Menores de Poá. O Promotor Paulo Ortigoza, ao ler a Portaria recém-escrita, alertou: “você vai arrumar problema para si, Renzo”. “Se não fizer isto, não sou um juiz”, disse Dr. Renzo. Por esta razão, no dia seguinte, ao receber a intimação para comparecer ao Gabinete do Corregedor Andrade Junqueira, não estranhou a convocação. O corregedor era um homem rígido. Temendo pela repercussão da sua atitude, mas com a consciência limpa, Dr. Renzo levou consigo os documentos que tinha recolhido sobre os menores e as fotos que tirou no local. As 10 horas da manhã já estava na antessala da Corregedoria. Ao entrar, o corregedor lhe perguntou, alterado: “Como é que

o senhor me fechou o Recolhimento Provisório de Menores de Poá?” “Pode parecer estranho, desembargador, mas veja estas fotos que tirei no local onde encontrei os menores.” Dr. Renzo retirou-as de um envelope de papel pardo e mostrou ao Corregedor. Ele olhou-as atentamente, levantouse, passou a mão na cabeça, olhou para o Dr. Renzo e disse: “Isto acontece a oitenta quilômetros de São Paulo? ...o senhor prestou um grande serviço para a magistratura.” No mês seguinte, Dr. Renzo Leonardi foi convidado para fazer parte da equipe da Corregedoria. Ao narrar esta estória para a reportagem da Revista Corregedoria em Foco, Dr. Renzo confessou: “Quando falo sobre isto, me sinto bem.”

Desembargador Renzo Leonardi

VOCÊ, ESCRITOR TALENTOSO QUE TRABALHA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA OU NOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS, PREPARE A CANETA E AQUEÇA OS DEDOS... EM BREVE SERÁ REALIZADO O 1º CONCURSO DE CRÔNICAS DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA. FIQUE ATENTO AO FACEBOK DA CORREGEDORIA PARA NOVAS INFORMAÇÕES (http://ptbr.facebook.com/CorregedoriaJa)

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FLOR DO LÁCIO O escritor Ignácio de Loyola Brandão participou, recentemente, da 12ª Etapa do “Simpósio: Qualidade de Vida no Serviço Público”, realizado no dia 18 de abril, no Fórum João Mendes Júnior - Sala do Servidor. No encontro, proferiu a palestra “Como as pessoas se tornam personagens?”. Dias depois, agradecido pela simpática acolhida proporcionada pelos magistrados e servidores que participaram do evento, encaminhou um texto endereçado aos servidores do Tribunal. Este texto é reproduzido abaixo:

Penso no trabalho de vocês Penso no trabalho de vocês, atendendo gente. Não um, nem dois, dezenas, centenas. Um trabalho repetitivo, parecendo igual, igual. E vocês precisando manter a cara boa, o humor, a atenção mesmo diante do chato, do violento, do que insulta, briga, reclama, protesta, ironiza. Não deve haver dois iguais por semanas, meses, anos. Minha mãe dizia: cada um de nós carrega sua cruz. Precisamos apenas torná-la mais leve ou mais pesada. Depende de nós. Lembram-se ontem quando disse que cada um carrega dentro de si uma poesia, uma loucura, um imaginário, uma fantasia, um sonho? Por que não ficar olhando a cada um à sua frente pensando nisso: O que ele (ela) faz? Sabe que é feio? Isso é problema? Sabe que é bonito? Isso o torna cheio de si? Esse machão não será gay?

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E esse caolho? Como vê o mundo? Tudo entorta como os olhos dele? E esse que tem um tique esquisito? Por quê? É de criança? Foi um trauma? E o salto dessa aí com 20 cm? Ela se acha uma gostosa? Sedutora? Ou é insegura? E esse anão que nem alcança o balcão? Gostaria de ser o Brad Pitt? E esse que tem um sapato cambaio, velho, aos pedaços, mas engraxadíssimo? Qual o problema dessa perua com uma bolsa Vuitton pirateada, que ela comprou por 20 reais no viaduto do Chá? Se acha grã-fina? Imagino a gama imensa de seres humanos que passam a frente de vocês. Ah, eu gostaria de ficar um dia ali perto olhando. (Um dia ou dois, antes de pirar) Uma vez, em Roma, vi Federico Fellini, que foi um dos maiores diretores de cinema do mundo, entrevistando


centenas e centenas de pessoas. Ao mesmo tempo ele conversava e desenhava. Era um grande caricaturista, começou a carreira como humorista em jornal. No final, tive direito a fazer uma pergunta. Disse: O senhor escolheu alguém? E ele: “Já tenho todo o elenco. Só estou olhando as pessoas para captar detalhes. Um olho, um nariz, uma boca torta, um tique, etc. Um personagem é composto pelos detalhes de muitas pessoas”. Para mim foi uma lição de técnica, a de montar personagens. Imagino Fellini atrás dos balcões. Saibam que mesmo no calor da batalha (o trabalho diário) dá para quebrar o cansaço, a chateação, a irritação? É ir fantasiando, imaginando cada um a frente de vocês em situações insólitas. O gostosão no banheiro fazendo força. A perfumada soltando um pum alto na frente de todos. O arrogante escorregando e caindo de bunda. O bem falante transformado em gago. Diante do mal educado, grosseiro, insuportável, pensar: “E a mãe dele na zona dando duro, dando conta de tantos fregueses, coitado!” Ou já pensam isso?

Por que não imaginam nas situações? Pequenas vinganças? Como: Todo ouvidor, corregedor, juiz, seja lá o que for, devia por lei passar dois dias aqui para saber o que é a realidade? Devíamos gravar tudo o que nos dizem e enviar a todos os graúdos deste Palácio de Justiça. E por lei todos seriam obrigados a ouvir. Besteirinhas para aliviar. Ou pensar: esse aí dá uma crônica? Dá um conto. Dá um poema. Dá um esquete para televisão. E exercitar. Não sabem como é fácil e gostoso escrever. Tentem.

Do Ignácio de Loyola para vocês do Judiciário.

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ESPAÇO CULTURAL

NOSSO PALÁCIO DA JUSTIÇA COMPLETA 80 ANOS Patrimônio do povo paulista, o Palácio da Justiça completa, neste ano, 80 anos de sua inauguração. O museu do Tribunal de Justiça elaborou uma exposição que conta a história da construção e de fatos importantes, ocorridos no interior deste monumento histórico de São Paulo. E a revista Corregedoria em Foco conta como foi elaborada esta exposição.

A exposição celebra a data de 2 de janeiro de 1933, primeira inauguração do Palácio. Segundo Bruno Bettine de Almeida, supervisor do Museu do Tribunal, a exposição está sendo elaborada desde 2012. Já é praxe o Museu organizar comemorações quando dos aniversários do Tribunal de Justiça e já houve uma comemoração quando o Palácio completou 70 anos. O Museu planejou a exposição tendo como linha condutora alguns momentos históricos relevantes. Ela se inicia fazendo referência à fundação do Tribunal da

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Relação de São Paulo e Paraná (nome inicial do Tribunal de Justiça de São Paulo), instalado em 1874, contando um pouco como era e onde se localizou a sua primeira sede, na Rua Boa Vista, nº 20. O Tribunal possuiu várias sedes, alugando casarões precários no centro da cidade, até construir sua sede definitiva, o Palácio da Justiça. A exposição retrata também a opulência da cidade de São Paulo no início do século XX. Demonstra que a riqueza produzida pelo café, o ‘ouro verde’, está presente na arquitetura do Palácio, através de simbologias em pinturas,

adereços e muitos detalhes de ornamento. Bruno explicou que a elaboração da exposição começou a tomar forma mediante a verificação, junto ao acervo, do material que melhor iria ajudar a contar a história pretendida pela equipe do Museu. Também foram realizadas pesquisas para apuração do conteúdo de documentos oficiais existentes no arquivo do Tribunal, que poderiam integrar a exposição. Referências bibliográficas quanto à história da construção também ajudaram na elaboração do conteúdo. O famoso


‘livro dourado’ – “Palácio da Justiça - São Paulo”, elaborado quando das comemorações do aniversário de cem anos do Tribunal, cuja edição teve participação fundamental do atual corregedor-geral da Justiça, desembargador José Renato Nalini, foi uma fonte muito importante. Muitos artigos do desembargador Emeric Levai também foram utilizados. Foram feitas pesquisas na Internet, tendo como critério a obtenção de três fontes de informação distintas, para confirmação da autenticidade de um fato histórico. Quando foi preciso localizar um determinado documento ou objeto no acervo, foi utilizado software desenvolvido para este tipo de verificação, disponível à equipe do Museu. Ao se concluir a fase de elaboração dos textos, elencadas as fotos, os documentos e os objetos que seriam expostos, partiuse para a fase de elaboração do layout da exposição e da confecção dos banners. Para os banners, pensou-se no tamanho, na disposição, na cor, nas letras, enfim, foi um trabalho detalhado e bastante técnico. O supervisor Bruno contou ainda como foram levantadas informações sobre os locais de funcionamento do Tribunal do Júri, antes de sua transferência para o Palácio: “Recebemos, em 2012, a doação/ transferência do mais antigo crucifixo do Tribunal de Justiça já localizado. Ele foi repassado ao Museu pelo desembargador Luiz Toloza Neto. Trata-se do primeiro crucifixo a ser reconduzido ao Plenário do Júri, então localizado à Rua Riachuelo, em 1912. Junto com ele, veio um livreto que conta a história da sua trajetória, inclusive os prédios da Justiça pelos quais passou. Ou seja, conseguimos contar uma parte da história do Tribunal do Júri através de um único objeto, que faz parte do nosso acervo”. O apego à conservação e à preservação da história é recente em nossa sociedade. Por esta razão, infelizmente, o acervo do Museu é menor do que deveria ser. No âmbito do Tribunal de Justiça, a primeira portaria que abordou a preservação histórica é datada de 1975. O Museu do Tribunal foi criado em 1994, sendo instalado no ano seguinte, portanto, vinte anos depois. Então denominado mini museu, era compreendido por uma única funcionária, Cecília Pine que, por dois anos, sob a coordenadoria do Desembargador Prestes Barra, procedeu à montagem preliminar do Museu. Desde sua criação, o Museu tem por principal função a catalogação, exposição,

preservação e divulgação da história do Tribunal de Justiça Paulista, pelo seu acervo, existente em todo o Estado de São Paulo. Desde 2005, o Museu do Tribunal tem por Coordenador o desembargador Alexandre Moreira Germano.

TEMPLO DE THEMIS

A expressão ‘Templo de Themis’, utilizada para designar o Palácio da Justiça de São Paulo, foi mencionada, pela primeira vez, pelo desembargador Emeric Levai, coordenador do Museu no período de 1997 a 2004. Justifica-se a expressão diante do fato de que a Deusa Themis é a representação da Justiça, enquanto

prédio teria, quando da sua ocupação, principalmente em prédios públicos. No caso do Palácio da Justiça, embora Ramos de Azevedo tenha se inspirado no Palácio da Justiça de Roma, de Calderini, sua construção obedeceu ao estilo eclético, onde estão presentes traços neoclássicos e renascentistas com cunho barroco. Dentre a ‘brasilidade’ inserida no projeto, está o madeiramento nacional, utilizado na confecção dos lambris e dos móveis, estes últimos, elaborados com madeira de lei pelo Liceu de Artes e Ofício, do qual Ramos de Azevedo foi diretor. Merecem destaque também, as colunas de granito vermelho, oriundo de Itu, pesando 15 toneladas

A elaboração do layout, a confecção dos banners, e até mesmo o trabalho braçal de montagem da exposição fazem parte do trabalho da equipe do Museu do Tribunal

que o Palácio da Justiça é o local onde são tomadas todas as decisões jurídicoadministrativas mais importantes do Poder Judiciário de São Paulo. Vale salientar também o fato de a arquitetura do prédio nos remeter à cultura greco-romana. O projeto inicial para a sua construção foi realizado pelo escritório do arquiteto Ramos de Azevedo, em 1911. Era característica dos projetos elaborados por Ramos de Azevedo, a apresentação de traços arquitetônicos e decorativos que identificassem a função que o

cada uma, que ladeiam o hall central do prédio – ‘Sala dos Passos Perdidos’, e servem de sustentação aos pavimentos superiores. Sim, elas não são meramente decorativas, mas, de fato, fazem a sustentação de quatro andares do Palácio. A inspiração no Palácio da Justiça de Roma não se deveu apenas à sua beleza arquitetônica, pois há outros Palácios da Justiça belíssimos ao redor do mundo, mas sim pelo fato de o Direito brasileiro ter por base o Direito romano. Nas alegorias presentes em sua

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arquitetura, convivem pacificamente figuras da mitologia greco-romana e símbolos repletos de nacionalidade, como as Deusas Themis e Diqué; as tochas, que nos remetem às olímpicas, símbolos da eternização da crença e da execução da Justiça; brasões de armas estadual e federal; e, principalmente, ramos de café. Historicamente conhecido como o ‘ouro verde’, responsável pela opulência paulista, nós já deparamos com ramos de café ao adentrarmos no Palácio da Justiça, pois estes decoram o portal principal, de seis toneladas de ferro batido, confeccionado no Liceu de Artes e Ofícios. Ao percorrermos suas dependências, o encontraremos nos entalhes dos lambris de madeira, nas pinturas à seco, de Antonio Venccitori e nos vitrais, da empresa Conrado. Na decoração da sua fachada externa poderemos notar inúmeras esculturas de rostos humanos, que não homenageiam pessoas específicas, mas, com suas barbas e ar severo, representam simbolicamente filósofos e juristas do passado. O melhor exemplo disto são dois medalhões que ladeiam a parte superior do portão principal. Ali estão, solenemente, os rostos de duas pessoas, cujas vestes remetem a figuras do passado.

Crucifixo do 1º Tribunal do Júri, para lembrar o maior erro judiciário já ocorrido na história

A Sala dos Passos Perdidos, cuja denominação traz aos cidadãos certa curiosidade mística, já foi motivadora de uma polêmica. Ela já consta no projeto inicial de Ramos de Azevedo com este nome. Por muito tempo, se afirmou que o nome ‘passos perdidos’ era devido ao fato de que, por se tratar de um local central, muitas pessoas circulavam por ali e, na época, os sapatos com solado de couro faziam ecoar o som dos passos pelo

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O livro ‘Palácio da Justiça - São Paulo’, elaborado quando das comemorações do aniversário de cem anos do Tribunal, com texto do atual corregedor-geral da Justiça, desembargador José Renato Nalini, foi importante fonte de pesquisa para a equipe do Museu

enorme vão da sala e por todo o prédio. Outra versão, utilizada posteriormente, é a de que, por ser um local sem finalidade específica, as pessoas transitavam por ali aleatoriamente. Porém, a versão defendida pela atual Coordenadora do museu, Maria Cristina Maia de Castro, é no sentido de que a denominação ‘Sala dos Passos Perdidos’ não é um privilégio do Poder Judiciário paulista. Esta denominação é atribuída a espaços similares existentes em diversos prédios públicos ao redor do mundo. Podemos citar, dentre outros, o Palácio da Justiça de Roma, Lisboa, Bruxelas, e até mesmo o Congresso Nacional da Hungria, não guardando este último qualquer relação com a Justiça. Lembra Maria Cristina que, nos templos maçônicos, existe uma sala denominada ‘Sala dos Passos Perdidos’, cujos detalhes arquitetônicos têm por inspiração o Templo de Salomão. Trata-se de um amplo espaço que antecede a sala de iniciação, local onde será dada a ‘luz do conhecimento da filosofia maçônica’ às pessoas. Aqui, no Palácio da Justiça, a sala dos passos perdidos dá acesso ao Plenário do Tribunal do Júri que, quando da construção do Palácio, era o principal local, visto que o 5º pavimento, destinado a abrigar os gabinetes do presidente e membros do Conselho Superior da Magistratura, só ficaria pronto em 1942. Enfim, pode-se afirmar, filosoficamente, que a Sala dos Passos Perdidos é um espaço destinado à permanência das pessoas que estão se preparando

para adentrar a um local importante, que definirá suas vidas, tratando-se portanto de um local para reflexão. Vale lembrar a grandeza do ambicioso projeto de Ramos de Azevedo. Se nos remetermos ao início do século XX e levarmos em conta que não havia guindastes modernos, poderemos dimensionar as dificuldades vivenciadas por aqueles que se aventuraram na construção do Palácio da Justiça. A confecção e o transporte das colunas de granito por carroças de ferro, e cujos içamentos foram feitos por acordoamentos e roldanas, dão a exata medida de uma construção de dimensão ‘faraônica’. O prédio foi o pioneiro em utilizar estruturas metálicas em seu corpo, no Estado de São Paulo. Ramos de Azevedo encarregou o arquiteto Domiziano Rossi como chefe da equipe que trabalhou na construção do Palácio. Artista completo, foi artífice do Liceu de Artes e Ofícios, sendo ele o artesão dos capitéis de bronze existentes nas colunas que ladeiam a sala dos passos perdidos. Além de grande arquiteto, ele dominava a arte da escultura, uma curiosidade, nos dias de hoje, mas muito comum à época da construção. Em 1911, o projeto é apresentado e aprovado pelo Secretário de Obras do Governo, futuro Governador do Estado e Presidente da República, Washington Luís. No terreno em que hoje se encontra o Palácio, existia o antigo quartel da cavalaria da polícia. O próprio Ramos


de Azevedo supervisionou a demolição do quartel e o preparo do terreno para a construção da fundação do Palácio. Em 1920 foi assentada a pedra fundamental no centro do terreno. Ali foi enterrada uma arca contendo documentos e objetos que se destinariam a guardar a memória da construção do prédio e da sociedade paulista de então. Importante: Há uma diferença entre pedra fundamental e cápsula do tempo. No caso da cápsula do tempo, uma arca é enterrada com objetos de um determinado período e lugar para ser reaberta muitos anos depois, a fim de se verificar como viviam as pessoas que a criaram. Ela costuma ser enterrada em um local identificável para poder ser reaberta (geralmente a data da reabertura é pré-definida). Já a pedra fundamental é feita para não ser desenterrada ‘propositalmente’. Ela existe para que, num futuro muito longínquo quando não mais existir vestígios do prédio que ali um dia foi construído, arqueólogos possam identificar que ali houve, em um tempo, uma determinada construção, feita por um determinado povo, em uma determinada época. Ela não está num local facilmente definível, para jamais ser violada propositalmente, mas se encontra, sempre, no terreno da obra. No caso da pedra fundamental do Palácio, estão ali as réplicas das plantas do projeto de construção, um exemplar do diário oficial noticiando o assentamento da pedra fundamental, selos, moedas e cédulas da época. Está na exposição, a colher de pedreiro que assentou a pedra fundamental.

Na última virada cultural, quase três mil pessoas visitaram o Palácio da Justiça.

O prédio começou a ser utilizado em 1927, ano em que foi inaugurado o Plenário do Tribunal do Júri, no seu 2º pavimento. Desde essa data até 1988, ocorreram ali os grandes julgamentos dos crimes que abalaram a opinião pública da cidade, além de ter sido palco de atuação dos melhores promotores e advogados criminais da Justiça Paulista. Ainda em 1927 são instaladas Varas Criminais. Em 1928, falece o arquiteto Ramos de Azevedo. O escritório Severo e Villares sucedeu a execução do projeto do Palácio. Ainda em 1928 é celebrada missa para o ‘solenidade da entronização do Cristo no Júri’. O significado desta cerimônia,

organizada para a instalação do suntuoso crucifixo que está até hoje ali, além do óbvio conteúdo cristão, comum ao poder público da época, também serviria para lembrar aos jurados que ali se encontrariam durante os futuros julgamentos, o maior erro judiciário já ocorrido na história da humanidade, quando Cristo foi julgado e considerado culpado, para que não cometessem o mesmo erro da omissão, tão bem representada no gesto de lavar as mãos, de Poncio Pilatos.

da Magistratura, e o 6º pavimento, este só para setores administrativos. Em 1965 é criado o 2º Tribunal do Júri. Na época, além dos crimes dolosos contra a vida, ali se julgavam crimes contra e economia popular e relacionados à Lei de Imprensa. Hoje, no local, está a sala de consulta da biblioteca do Tribunal. Em 1981, o Palácio da Justiça foi tombado pelo CONDEPHAAT, como patrimônio histórico-arquitetônico paulista, por ser o primeiro prédio construído para abrigar

Dois medalhões que estão na parte superior do portão principal do Palácio : pessoas cujas vestes, barbas e ar severo, representam, simbolicamente, filósofos e juristas do passado

Em 1931, ocorre o julgamento do famoso ‘crime da mala’. Em 1932, a instalação do TRE de São Paulo é feita no Palácio. Ainda em 1932 ocorrem os famosos pronunciamentos do promotor Ibrahim Nobre, ao longo de julgamentos ocorridos no Júri, ocasiões em que, por intermédio de discursos inflamados, defendeu os ideais paulistas e o movimento constitucionalista, durante a Revolução de 32. Por esta razão, ficou conhecido como o ‘Tribuno da Revolução’. Também o então presidente do Tribunal, Manoel da Costa Manso, utilizou a Tribuna para proferir discursos que, divulgados nas rádios, davam força à revolução que resultaria na Constituição de 1934. Enfim, em 2 de janeiro de 1933 é inaugurado oficialmente o Palácio da Justiça pelo seu presidente, Ministro Manoel da Costa Manso. À época funcionavam nas suas dependências o Tribunal do Júri, Varas e Setores de primeira instância. Em 25 de janeiro de 1942 é realizada a derradeira inauguração, com a inclusão do 5º pavimento, destinado a salas de julgamento de 2ª instância e gabinetes do presidente e do Conselho Superior

o Poder Judiciário paulista, por suas características arquitetônicas e por ser o primeiro a utilizar estruturas metálicas em sua construção. Na última virada cultural, em 18 de maio, quando inúmeros shows musicais e atrações de todos os tipos se espalharam pela cidade, quase três mil pessoas visitaram o Palácio da Justiça. Desde a apresentação do projeto inicial de construção, em 1911, o Poder Judiciário, assim como todo o Estado de São Paulo, cresceu e se agigantou, mas, ainda hoje, o Palácio da Justiça é a casa que melhor representa e dignifica o maior Tribunal de Justiça Estadual do Mundo, o Tribunal de São Paulo. “Conhecendo a magnitude de sua construção e a sua rica simbologia, ao assimilar a filosofia e a história existentes por trás de cada detalhe da arquitetura, a pessoa que entra neste prédio, não vê somente mais um prédio público bonito e suntuoso, mas vê, sim, aqui, o Templo de Themis”, finalizou Maria Cristina Maia de Castro. A exposição ‘80º Aniverrsário de Inauguração do Palácio da Justiça’ permanecerá na Sala dos Passos Perdidos até o dia 14 de junho.

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IMAGENS A Exposição ‘80º Aniversário de Inauguração do Palácio da Justiça’ está aberta para visitação no Salão dos Passos Perdidos - 2º pavimento do Palácio, entre 9h00 e 18h00, de segunda a sábado, até o dia 14 de junho.

Dez painéis contam a história do Palácio da Justiça e detalhes do seu projeto arquitetônico. A exposição apresenta objetos e documentos originais e confirma a importância do Palácio na arquitetura paulista. Primeiro imóvel construído para abrigar a sede do Poder Judiciário Paulista, o Palácio reflete as grandes transformações ocorridas no Estado, no início do século XX

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Colher de pedreiro com a qual foi assentada a pedra fundamental do prédio, em 1920. Ali foi enterrada uma arca contendo documentos e objetos que se destinariam a guardar a memória da construção do prédio e da sociedade paulista de então

Ata da solenidade de entronização do Cristo no Júri, em 1928, organizada para a instalação do suntuoso crucifixo que está até hoje no plenário do 1º Tribunal do Júri

Objetos utilizados pelo ministro Manuel da Costa Manso, presidente do Tribunal de Justiça quando da inauguração oficial do Palácio da Justiça, em 02 de janeiro de 1933

Acima, o Colar do Mérito Judiciário, principal honraria concedida pelo Poder Judiciário Paulista. À direita, o inventário de Washington Luís. Com mandatos de Presidente da República e Governador do Estado, o político paulista foi o Secretário de Obras do Governo que, em 1911, autorizou a construção do Palácio da Justiça


Corpo Diretivo Corregedor-geral da Justiça – desembargador José Renato Nalini Juiz Assessor do Gabinete – Antonio Carlos Alves Braga Júnior Juiz Assessor da Equipe Judicial – Ricardo Felicio Scaff Juíza Assessora da Equipe Extrajudicial – Tânia Mara Ahualli Juíza de Direito – Carolina Nabarro Munhoz Rossi (5ª Vara Cível da Comarca de Guarulhos) Corpo Técnico Denis Cassettari (dcassettari@tjsp.jus.br) Dicler Rodrigues Antonio (dantonio@tjsp.jus.br) Sávio Ibrahim Viana (savioiv@tjsp.jus.br) Wilson Levy Braga da Silva Neto (wilsonlevy@tjsp.jus.br) Equipe da Corregedoria Geral da Justiça: Gabinete Juiz Afonso de Barros Faro Júnior (Coordenador) Juiz Airton Vieira Juiz Antonio Carlos Alves Braga Júnior Juíza Luciana Biagio Laquimia Juiz Roger Benites Pellicani Equipe das Correições Judiciais Juiz Durval Augusto Rezende Filho (Coordenador) Juiz Jayme Garcia dos Santos Junior Juíza Maria Fernanda de Toledo Rodovalho Juíza Maria de Fátima Pereira da Costa e Silva Juiz Mario Sérgio Leite Juiz Paulo Eduardo de Almeida Sorci Juiz Ricardo Felicio Scaff Juiz Ricardo Tseng Kuei Hsu Equipe das Correições Extrajudiciais Juiz Alberto Gentil de Almeida Pedroso Juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão (Coordenador) Juiz Luciano Gonçalves Paes Leme Juiz Marcelo Benacchio Juíza Tânia Mara Ahualli Apoio técnico Associação Paulista de Magistrados – APAMAGIS Diretoria do Departamento de Informática: juiz Edison Aparecido Brandão Rogério dos Santos Souza Josimar Ferreira Fotos: Matéria “Uma jóia do Interior” - pág. 10 (David José Devidé - Escrevente Comarca de Botucatu) ; matéria “Uma obra-prima na periferia” - pág. 14 e 15 (Fundação Bachiana) ; matéria “Educartório” - pág. 17 (www.flick.com/photos/iacominvs) ; site de imagens www.sxc.hu Foto da capa: Antônio Carreta / TJSP Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo Praça da Sé, s/nº - CEP 01018-010 - São Paulo (SP) - 5º andar, Sala 519 - Telefone: (11) 3107-0531 Fórum João Mendes Júnior, 20º andar, Sala 2027 - Telefone: (11) 2171-6300 E-mail: dicoge@tjsp.jus.br


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