Cidade em Pauta

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13 Esportes

Academia a céu aberto A ginástica nas praças de Fortaleza ganha cada vez mais adeptos e se torna uma opção para quem não pode freqüentar academias

Universidade Federal do Ceará | Comunicação Social | Jornalismo | 4º Semestre Fortaleza, dezembro de 2006 - Ano III - Nº 11

6 e 7 Cidade Mal o horário comercial termina, outros trabalhadores começam seu expediente Foto: Giselle Soares

O milagre que vem da tilápia

A cidade que não dorme

Foto: Georgia Cruz

15 Cultura

A tilápia ocupa uma posição de destaque no cenário econômico cearense. Acessível, saboroso e saudável, o peixe tem sido alvo de cobiça de consumidores estrangeiros e traz uma alternativa viável no campo do agronegócio para produtores da Capital e do Interior Economia 10 e 11

Na era da música digital, os bolachões recuperam o fôlego e voltam, com força total, aos sebos de Fortaleza

5 Cidade

14 Comportamento

Educação inclusiva

Nem tudo são cores

8 e 9 Entrevista

Ricardo Guilherme

O dramaturgo e ator cearense reflete sobre o fazer teatral na pós-modernidade

A falta de intérpretes qualificados e o despreparo das escolas e dos professores comprometem a educação dos surdos em Fortaleza

12 Saúde

Direito desconhecido Todo estudante da UFC tem direito a assistência médico-odontológica. Porém, muitos desconhecem o serviço

Foto: Vitor Hugo Duarte

Foto: Ciro Figuerêdo / Colaborador

Irreverência, bom-humor e ambigüidade são características marcantes das travestis. Apesar desse estilo de vida, elas enfrentam muitas dificuldades devido à discriminação que sofrem pela sociedade

A volta do vinil


OPINIÃO

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Editorial

Repensar os limites Enquanto jornal laboratório, nossa intenção é repensar a forma de se fazer jornalismo. É óbvio que produzimos como exercício de preparação para a profissão que exerceremos no futuro, o que não nos limita a reproduzir o que se vê no mercado. Buscamos o diferencial, seja em temas pouco abordados, seja na forma de tratar esses temas. Pautas definidas, é hora de sair às ruas. Os alunos se equipam com os instrumentos de trabalho indispensáveis a qualquer jornalista — caneta, bloco de anotações, um gravador e, quando é possível, uma câmera fotográfica. Partem de qualquer jeito (a pé, de ônibus ou, raramente, de carro) para todos os lados da cidade. Como não trabalhamos para um grande veículo, as apresentações são demoradas. É preciso sempre explicar que somos repórteres do Cidade em Pauta, "jornal laboratório dos alunos de jornalismo da UFC". Alguns entrevistados compreendem, outros nem tanto. Algumas entrevistas fluem rapidamente, outras demoram um bocado. Uma reportagem, porém,

foi um pouco mais longe. A matéria que mereceu destaque de capa foi produzida, parte em Fortaleza, parte em Quixeramobim, a 220 quilômetros da Capital. A pauta foi, sem dúvida, inovadora. Dentre outros fatores, o mais positivo foi a experiência. Na hora de pensarmos em pautas para produzir reportagens nas disciplinas práticas do curso de Jornalismo, dificilmente surgem idéias assim, que dependem de um deslocamento maior e, consequentemente, de mais tempo e dinheiro. Fora da cidade, a reportagem descobriu um produto economicamente promissor: a tilápia. Apontada por especialistas como alternativa econômica viável, a espécie de peixe é hoje a mais produzida em cativeiro no Brasil. Esse é o momento do poder público repensar as potencialidades do sertão cearense e investir em atividades que vão além da agricultura e pecuária tradicionais. A plantação de flores, o cultivo da mamona e a criação de abelhas foram exemplos bem sucedidos. Agora é a vez da tilápia.

Expediente Cidade em Pauta – Jornal Laboratório dos alunos do 4º semestre do Curso de Comunicação Social – Jornalismo – Universidade Federal do Ceará Orientação: Professora Naiana Rodrigues - Reg. Profissional CE 01607 JP Monitor Monitor: Marcelino Leal E ditores-chefes: Ivna Bessa, Thiago Mendes e Vitor Hugo Duarte

Editoria de Fotografia: Callenciane Leão e Vitor Hugo Duarte Editoria de Diagramação: Alinne Rodrigues e Giselle Soares Editoria de Arte Arte: Giselle Soares Entre vista: Ivna Bessa, Terezinha Fernandes e Vitor Hugo Duarte Entrevista: Cidade: Diego Silveira, Edwirges Nogueira, Giselle Soares e Lucíola Limaverde Política: Lidiane Pereira e Thiago Mendes Economia: Georgia Cruz, Luís Gustavo de Negreiros e Síria Mapurunga Saúde: Carolina Costa e Edwige Evelyne N'zale Compor tament o: Ana Karolina Cavalcante e Talita Christine Comportament tamento: Cultura: Alinne Rodrigues Esporte: Mara Semyra Ensaio: Callenciane Leão e Edwirges Nogueira Tiragem: 1.000 exemplares Impressão: Gráfica do Banco do Nordeste do Brasil S/A (Av. Paranjana, 5.700 - Passaré) Contatos: 4009-7718 - Coordenação do Curso de Comunicação Social. Av. da Universidade, 2.762, 2º andar - Benfica. Email: cidadempauta@gmail.com

Fortaleza, dezembro de 2006

Vamos parar pra ouvir fforró orró Thiago Mendes As pessoas dizem não gostar de forró por diversos motivos. "Eles não cantam, gritam", explicam uns. "O que tem a ver essa guitarra?", questiona outro. E o que são aquelas acrobacias que deixam no chinelo as dançarinas do Sabadão Sertanejo? (é o novo!), concordaria eu. O que não dá para aceitar é argumentar que não gosta de forró porque as letras são todas iguais ou por que tudo se resume a músicas de duplo sentido. Existem, e isso é inegável, diversas músicas cujos motes são o duplo sentido com conotação sexual. Na verdade, só existe um sentido mesmo nessas letras e é o da "imoralidade", como diria uma velhinha no ônibus. O que os críticos do forró não percebem é que essas

músicas tocam, mas não são maioria, nem fazem o mesmo sucesso das outras. Peguemos o exemplo da banda "Aviões do Forró". Uma de suas primeiras músicas a tocar nas rádios foi a intragável e ótima para se dançar "Não é nada disso que você está pensando". Essa “pérola” do duplo sentido não alcançou nem um décimo do sucesso de "Que tontos, que loucos", hit do volume 3. As músicas dos Aviões, inclusive, têm um diferencial interessante. A voz feminina é sempre a de uma mulher que não tem medo de dizer ao homem o que sente, sem pudores. "Você foi apenas mais um cara que beijei / Na cama só mais um que eu usei", desdenha a vocalista na música “Página Virada”. Se não são versos dignos das páginas dos livros de literatura, uma frase dessas, no mínimo, é pura ousadia, mesmo numa sociedade “pós-

revolução sexual”. Ou será que só a Rita Lee pode quebrar paradigmas? E os preconceitos não param por aí. Marisa Monte cantando "beija eu", é licença poética; um forró começando com pronome oblíquo, é analfabetismo mesmo. Mas grande parte dessas críticas tem a mesma origem: o coro dos que acham que é só repetição. Quem não gosta de forró não pára para ouvir, diz que é tudo igual e estamos conversados. O grupo "Calcinha Preta" vai continuar com seus diálogos telefônicos. Dorgival Dantas continuará por muito tempo embalando romances. A banda "Líbanos" ainda ecoa sua guitarra estridente. Quem ganha é quem rejeita o absolutista conceito de "boa música" defendido pelos cadernos culturais, pára, ouve, gosta ou não. Mas sempre criticando com conhecimento de causa.

Legislativo nosso de cada dia Diego Silveira Deputados bem vestidos e com uma eficiente oratória se dirigem à tribuna do Plenário 13 de Maio. Discursam calorosa-mente sobre temas que vão desde a política agrícola do Estado ao crescimento experimentado pelos Tigres Asiáticos (seja lá qual for a relação entre os dois). O entusiasmo com que o debatedor profere suas palavras não parece, entretanto, despertar interesse nos outros parlamentares. Muitos permanecem alheios à situação, falando ao telefone, conversando com assessores ou lendo os jornais do dia. Uma vez ou outra, quando têm os seus nomes citados, levantam a cabeça e mostram um semblante um tanto quanto impassível. Tudo visto, por quem acompanha as sessões no Plenário, e registrado pelas câmeras da TV

Assembléia, primeiro canal de televisão aberto de uma casa legislativa no Brasil. A TV Assembléia foi criada com a intenção de aproximar os cearenses da política, conferindo-lhes um papel mais ativo, de maior participação dentro do sistema político do Estado. Por meio da televisão, será mais fácil fiscalizar as ações dos deputados, o que dizem ou deixam de dizer, a maneira como agem e os interesses que defendem. Mesmo com pouco tempo no ar, a TV Assembléia já modificou o comportamento de alguns parlamentares, pelo menos o daqueles que têm consciência do poder da televisão e sabem da importância de mostrar serviço ao eleitor-telespectador. Estão sempre se inscrevendo para ter acesso à tribuna, demonstram empenho nos debates, combatem fortemente as críticas dos opositores, enfim,

agem como se estivessem em campanha, olhando, através das câmeras, para o eleitor. Esses deputados mais “antenados” representam, no entanto, a exceção. Grande parte continua ainda com seus discursos vazios e sem fundamento e com a tão conhecida apatia política. Nem a televisão foi capaz de mudar hábitos já tão fortemente entranhados no legislativo do Estado. Se a intenção, ao criar a TV Assembléia, era aproximar a sociedade cearense daqueles que ela elege, pode-se dizer que tal inteção foi cumprida. Por outro lado, se os deputados tinham a intenção de melhorar sua imagem diante dos cearenses, essa meta certamente está longe de ser alcançada e permanecerá distante, pelo menos enquanto o trabalho de “Vossas Excelências” for marcado pela ineficiência e pela falta de compromisso.


Fortaleza, dezembro de 2006

OPINIÃO

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A voz do monitor

Sobre jornalistas e fontes

Procura-se troco Callenciane Leão Por exemplo: você compra R$ 1 , 9 8 de pães e R$ 2,99 de chocolates, mas, a menos que esteja prevenido com moedas de centavos e pague exatamente o valor expresso nas etiquetas dos produtos, dificilmente receberá o troco. Na verdade, poucas pessoas perguntam sobre o troco, seja por vergonha ou por achar que não faz diferença perder essas pequenas quantias. Mas, você já parou para pensar quantos centavos "perdeu" recentemente dessa forma? Já fez as contas de quantas vezes realmente lhe deram o troco correto? E você continua apenas perdendo por preguiça, acomodação ou tenta exigir o que é seu por direito? Se observarmos bem, essa não é uma questão de culpar essa ou aquela empresa, esse vendedor ou aquele trocador de ônibus e topic. Além de outras questões, esse problema envolve negligência e falta de atenção. O artigo 884 do Código Civil brasileiro diz:

"Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferi-do, feita a atualização dos valores monetários." O problema é que nem todo pagamento que fazemos é de forma magnética ou eletrônica, onde o saldo do pagamento poderia ser mais eficiente. Ao pagar com cartão, o valor da compra tem o acréscimo da famosa CPMF - Contribuição Provisória para Movimentação Financeira (0,38%), um tributo cobrado quando se compra a cartão e faz movimentação bancária. Nesse sistema quem gasta mais, paga mais. Considere que alguém queira comprar algo custando R$ 1,97 e pague com cédula de R$ 2,00, deixando de receber os R$ 0,03 na íntegra. Essa pequena quantia corresponde a 1,5% do valor que você não recebe, isto é, 394% mais que o valor do CPMF. Ou seja, comprando a dinheiro, a pessoa acaba tendo um valor maior retirado do seu bolso, pela forma do pagamento escolhido, do que

alguém que opta por usar um cartão de crédito. E, é claro, isso não deveria acontecer dessa forma. Como um direito só funciona quando existe na teoria e na prática, o que está acontecendo nesse caso? Falta de atenção aliada à falta de interesse não costuma dar bons resultados. Uma opção que temos é mudar de estabelecimento, se não é possível receber o troco certo. Em lugares como mercearias, principalmente, eles oferecem compensações por ítens de valor equivalente ao troco de centavos, como bombons. Mas aí também o cliente não é obrigados a aceitar. É importante que todos fiquem atentos. A conscientização sobre esse tipo de cobrança pode ajudar a modificar a postura dos empresários ao determinar preços cujo pagamento implica perda para o freguês, principalmente se considerarmos os indícios de que a Casa da Moeda reduziu a produção de moedas de R$ 0,01 nos últimos anos.

Marcelino Leal Mais um Cidade em Pauta produzido. São 16 páginas de compromisso e aprendizado. O que marca este jornal é a chance de experimentar. Mudam a tipologia das letras, os conceitos de fotografia, a diagramação, mas a essência permanece: a ida dos alunos à rua, para vivenciar situações e obter informações. Sim, há dificuldades. Mas a ousadia supera as limitações. Na rua, a história muda. Agora são “repórteres”. Vão observar, ouvir, prestar atenção nos detalhes. A cobrança é grande e muitas vezes parte deles mesmos, que levam consigo o frio na barriga e as perguntas na cabeça (ou no papel, no caso do famoso “branco”). Mas o repórter sozinho não faz nada,ao contrário do que pensam alguns. Jornalismo é apuração, trabalhar com discursos, opiniões e idéias que, por vezes, podem divergir das do repórter. A caminho da rua, eles pensam em “achar a fonte ideal, o personagem ideal”. Ligar, conversar, pegar informações. Uma boa produção pode diminuir o problema com as fontes, como aconteceu na matéria que aborda a realidade das travestis. Vários contatos prévios e a descoberta de personagens dispostos a falar sobre um mundo que,

segundo as próprias travestis, é carregado de interesse, preconceito e inveja. Às vezes, não bastam apenas telefonemas para se conseguir um bom entrevistado. Na política, por exemplo, qualquer brecha é espaço para palanque. É preciso discernir politicagem de informação relevante, um exercício que pode levar os repórteres às fontes “não-oficiais”, que permeiam a matéria sobre militância comprada desta edição. Quem melhor do que os “militantes” para dizer quanto ganham para “balançar” uma bandeira? Nem mesmo a distância intimida os alunos. De Fortaleza para Quixeramobim. Apesar de ser um jornal local, esta edição traz à tona uma realidade que sai do sertão e ganha o mundo: a tilápia. As fontes? O pescador-criadorengenheiro-administrador, que trata peixe, anota números e nos mostra o futuro da pesca no país. E são os diversos tipos de fontes, aqui esboçados em três exemplos, que ajudam os jornalistas a levarem informações à população. Para além das salas de aula, é na rua que os estudantes aprendem o que ouvir, de quem ouvir e para que ouvir. É o exercício do fazer jornalístico, que pode ser visto nas reportagens que seguem a partir da próxima página.


POLÍTICA

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Fortaleza, dezembro de 2006

Enquanto balançam as bandeiras Diminuição da corrupção, mais empregos, aumento do Bolsa Família. A apatia pode até dominar o semblante das pessoas que trabalham em campanhas políticas, mas debaixo do sol do meio-dia, elas constroem em suas mentes um país diferente Lidiane Pereira e Thiago Mendes

SONHOS DE MUDANÇA Além da remuneração, o sol e as “piadinhas ” são outras dificuldades apontadas pelos ativistas da campanha do tucano. No cruzamento das avenidas D. Manuel e Duque de Caxias, encontramos um grupo de seis pessoas que balançavam bandeiras sem muita empolgação. Todas disseram

votar no tucano - algumas com convicção, outras nem tanto. "O que eu li pelo folheto, eu achei ele um bom presidente", justifica Márcia Oliveira da Silva. A doméstica diz esperar do candidato do PSDB um governo de mudanças. "Eu estou esperando que ele mude tudo. Que não seja igual ao [político] que só promete", explica. Questionada sobre o porquê de votar em Alckmin, a universitária Ana Clara Holanda é objetiva. "Porque ele me ajuda", justifica. Para ela, as pessoas não são influenciadas pelo balançar de bandeiras nas ruas. "Acho que isso não é muito vantajoso", diz. Assim como Ana Clara, a dona-de-casa Gerusa de Souza considera o trabalho nas ruas "complicado", mas o fato de estar desempregada fez com que ela passasse a militar para o PSDB de forma voluntária. Ela afirma, entretanto, que não tem interesse de se filiar ao parti-

para agitar bandeiras nos sinais é desnecessária. "Porque você acaba tipo que obrigando as pessoas a fazerem algo que na realidade elas não acreditam", resume. No PT, o deputado federal eleito José Guimarães confirma ter contratado pessoas para militar em sua campanha, assim como todos os comitês eleitorais, segundo ele. Quanto ao possível fim da "militância voluntária", o parlamentar afirma que isso é coisa da academia. "A militância é decisiva em qualquer campanha. A militância política é a alma da campanha. A militância não acabou não.

Pelo contrário!", ressalta. Já para o deputado estadual reeleito Artur Bruno, a militância é o diferencial dos partidos de esquerda. "Ainda há militância voluntária. Só que em menor grau. É difícil hoje você encontrar pessoas que trabalhem sem ser remuneradas", admite. Posição diferente defende o cientista político Valmir Lopes. Para ele, não se pode dizer que o PT seja, hoje, um partido que tenha militância. Isso se deve, de acordo com o professor, a uma confluência de quatro fenômenos: o envelhecimento dos quadros dos partidos

Foto:Edwirges Nogueira

Adesivos no peito, jingle dos candidatos na ponta da língua, bandeira na mão. A empolgação da campanha de 2002 nem de longe se repetiu na de 2006. Proibidos “showmícios” e distribuição de camisetas e, depois de um período de denúncias de corrupção, a maioria dos fortalezenses foi às urnas sem alardear aos quatro ventos sua opção de voto. As pessoas diretamente responsáveis pelas campanhas são os militantes, simpatizantes e ativistas. Segundo o cientista político Valmir Lopes, militantes são pessoas que tem uma filiação orgânica ao partido e que seguem suas orientações. Os simpatizantes são pessoas que apóiam o partido sem ter ligação direta com as questões internas. Já os ativistas são aqueles que recebem dinheiro para prestar serviços ao partido. De acordo com o coordenador de estrutura da campanha de Lula no Ceará, Charles

Sol quente e baixa remuneração: não é nada fácil ser ativista Gaspar, a campanha majoritária do 1° turno envolveu 700 pessoas, que receberam uma ajuda de custo de R$ 40,00 por mês. No 2°turno, foram 200 voluntários. Na campanha de Geraldo Alckmin, segundo a ativista Márcia Oliveira da Silva, a remuneração foi de R$ 175,00 por 15 dias de trabalho.

do. "Deus me defenda!", enfatiza. DISPOSIÇÃO Risos, conversas e algazarra. Foi o que constatamos ao visitar a sede do PT. A militante Márcia Silva relatou com indignação uma discussão que teve com um passante enquanto bandeirava. “Eu peguei uma briga com um rapaz na Washington Soares. Ele estava teimando comigo, dizendo que a gente não trabalha de forma voluntária. Aí, eu disse que as 120 pessoas que estão aqui trabalham de graça", desabafa. Alguns diziam trabalhar de graça pelo medo de perder os benefícios criados durante o atual governo; outros por acreditar que com a vitória do PSDB o Brasil voltaria a ser dirigido por uma elite injusta. O sonho de mais oportunidades percorre a fala dos militantes petistas, e os escândalos envolvendo o PT parecem não ter ofuscado o brilho do partido.

Onde está a militância? Muito se falou da falta de empolgação estampada nos rostos das pessoas que trabalharam no primeiro turno da campanha eleitoral de 2006. Alguns teóricos chegam a falar do "fim da militância". Tese apocalíptica, balela da academia ou conseqüência inevitável? Militante há 12 anos, a presidente nacional da Juventude do PSDB, Kamyla Castro, afirma que o partido tem trabalhado na mobilização cada vez maior de voluntários. "Quando você deixa bem claro que você tem um compromisso, que você tem

um ideal, que tem uma proposta concreta, as pessoas vão às ruas por pura iniciativa, por pura motivação", ressalta. De acordo com Kamyla, cerca de 5 mil jovens estão envolvidos no Ceará direta ou indiretamente na militância da campanha de Geraldo Alckmin. "Nós estamos realizando visitas às escolas, às universidades, aos points jovens, blitz de rua, onde a gente está realmente conversando com a sociedade no sentido de demonstrar as reais qualidades dos candidatos", explica. Ela avalia, porém, que a contratação de pessoas

de esquerda, cujos membros não podem mais militar por estarem em cargos públicos; a dificuldade de "recrutar" novos militantes nos movimentos estudantis; o fortalecimento das instituições e o aumento da verba partidária. Ou seja, os partidos têm mais dinheiro para contratar pessoas. Ainda segundo o professor, a maioria dos ativistas vem das classes populares e quase sempre é recrutada através de lideranças comunitárias. Já os militantes, em grande parte dos casos, são membros da classe média e dispensam a remuneração pelo trabalho prestado.


Fortaleza, dezembro de 2006

CID ADE CIDADE

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Os desafios da educação inclusiva Mesmo com avanços na área da inclusão, os surdos ainda enfrentam problemas em conseguir uma educação de qualidade Diego Silveira e Lucíola Limaverde pessoas com algum tipo de deficiência. No caso mais específico dos surdos, há um grande número de associações que, além de auxiliarem no desenvolvimento educacional, prestam assistência às famílias, mostrando que a inclusão começa em casa, com o apoio dos pais. É visível também o interesse cada vez maior de aproximar os surdos da educação superior. Atualmente, não há nenhum surdo nas universidades públicas do Estado. Para tentar reverter essa situação, a Universidade Federal do Ceará, em parceria O reduzido número de intérpretes também afeta a educação dos surdos com o Centro de Apoio ao Surdo (CAS), mantém há dois curam resgatar os direitos organizar-se na defesa daanos o Curso Pré-Universitário das pessoas com deficiência. queles que têm direitos e que Ludwig van Beethoven. Diante da incapacidade dos apresentam limitações como Iniciativas como essa pro- governos, cabe à sociedade qualquer outro ser humano. Foto:Diego Silveira

Para a professora doutoA Câmara Municipal encaminhou, em 2000, um proje- ra Vanda Magalhães Leitão, to de lei visando à regulamen- pesquisadora na área de edutação da Língua Brasileira de cação de surdos, não basta Sinais (Libras) em Fortaleza. que os professores se qualifiEm um dos artigos do proje- quem. É importante também to, há claramente a preocu- a adoção de metodologias pação de garantir aos surdos adequadas de ensino, com o acesso à educação bilíngüe intuito de reduzir a defasana rede pública de ensino, gem escolar dos surdos. "A decontribuindo dessa forma fasagem escolar não é pela para uma maior inserção das surdez em si, nem pela incapessoas com deficiência audi- pacidade atribuída aos surdos, mas pela falta de oportiva na sociedade. O projeto não enfrentou tunidades e de metodologias resistência por parte dos par- adequadas que considerem a lamentares, sendo aprovado língua de sinais como mediapor unanimidade. Sete anos dora das interações sociais", depois, no entanto, as idéias explica. defendidas na teoria ainda não foram completamente DIFICULDADES FINANCEIRAS No Centro de Apoio ao postas em prática, fazendo com que os problemas enfren- Surdo (CAS), órgão que dá tados pelos surdos, no que diz formação às pessoas com derespeito à educação, pareçam ficiência auditiva oferecendo cursos de Libras, Português, distantes de uma solução. A falta de professores qua- Redação e Informática, além lificados, as dificuldades fi- de serviço fonoaudiológico, a nanceiras das associações e educação dos surdos acaba sendo comprometio reduzido número da pela falta de verde escolas da rede pública que traba- “A defasagem bas. Apesar do órlham com educação escolar não é gão fazer parte da inclusiva são apenas pela surdez Secretaria de Educação Básica do Esalguns desses proem si, mas tado, é mantido por blemas. De acordo com a pela falta de doações de firmas e coordenadora pe- metodologias recebe ajuda até da Receita Federal. dagógica do InstituA dificuldade fito Cearense de Edu- adequadas” nanceira, no entancação de Surdos (Ices), Rejane da Costa, a to, não é enfrentada apenas educação das pessoas com pela instituição. Os próprios deficiência auditiva acaba alunos encontram dificuldaprejudicada pelos professores des em ir assistir às aulas. A não saberem a língua de si- maior reivindicação dos estunais. "A maior dificuldade dantes é pelo Passe Livre, uma mesmo diz respeito à comu- luta travada há bastante temnicação. Os professores da po com a Prefeitura de Forrede pública que passam por taleza. "Muitos chegam a concurso chegam aqui sem abandonar os cursos por não saber nada de Libras. A gen- poderem pagar todo dia a te vê que não há uma preocu- passagem de ônibus", diz Tepação em qualificar esses pro- reza Liduína, coordenadora fissionais, em fazer com que do CAS. Apesar de todas as dificulas escolas trabalhem com uma educação realmente in- dades, é inegável a preocupação em inserir na sociedade clusiva", afirma.

Quando as mãos falam Dá gosto chegar àquele portão e ver as crianças brincando, jogando bola, os adolescentes conversando, alheios ao mundo que insiste em não os entender e ao preconceito que ronda muitas mentes. Ali, eles parecem se sentir em casa, pois podem se expressar livremente, e conseguem ser entendidos. Se fala Libras no Instituto Cearense de Educação de Surdos (Ices). É uma escola como qualquer outra, onde se estudam matérias como química, biologia, matemática, além de Português e Libras. "A escola se propõe a ser bilíngüe, onde a Língua de Sinais é a primeira língua e o Português, a segunda", diz Rejane da Costa, coordenadora pedagógica do Ices. Lá estudam cerca de

500 alunos, distribuídos nos três turnos. Muitos deles são provenientes de escolas de ouvintes e se mudaram para o Ices depois de descobrir que havia uma escola própria para eles. "Onde eu estudava não tinha intérprete, era difícil, eu não entendia as aulas", diz Mário Sérgio, aluno do Ices há 5 anos, que pensa em ser médico. Por ser uma escola da rede estadual de ensino, os professores que ingressam são provenientes de concursos e não escolhem se vão trabalhar lá ou numa escola de ouvintes. Geralmente eles não têm nenhuma noção de Libras, e aí se dá o problema de comunicação entre professores e alunos. Os docentes costumam procurar um curso de Libras tão logo entram na escola. Para auxiliá-los, há três intérpretes no Instituto, sendo que

cada um cobre um turno. A dificuldade com o Português é grande. Mário diz que a língua dos surdos é a Libras, e que não conhece nenhum fluente em Português. Esse difícil acesso se dá por causa da diferença das estruturas das duas línguas e pelo fato de os surdos não terem contato direto com ela. A fluência na escrita é, portanto, algo raramente conseguido. Única escola no Ceará exclusivamente para surdos, o Ices oferece desde a educação infantil até a 8ª série. Após o término do Ensino Fundamental, os alunos têm que estudar em escolas para ouvintes. Rejane da Costa observa que seria interessante o Ices se ampliar para o Ensino Médio, embora não haja planos, por enquanto.


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CID ADE CIDADE

Fortaleza, dezembro de 2006

Vitor Hugo Duartes

No levantar da noite Fim de tarde significa fim de expediente para a maioria dos trabalhadores. Para outros, é apenas o início. Em Fortaleza, muitas pessoas exercem funções que atravessam a madrugada e modificam seus estilos de vida. Edwirges Nogueira e Giselle Soares “Você também vem da luta?”, perguntou o homem moreno ao se sentar no assento da janela no Grande Circular 2 que acabava de deixar o terminal da Lagoa e dirigia-se ao do Antônio Bezerra. Era uma hora da madrugada e Marcelo Augusto, 33 anos, ia para casa após seu expediente de trabalho como pizzaiolo, profissão que exerce há 8 anos. Os olhos avermelhados denunciavam a cansativa jornada de trabalho, de oito horas diárias. “O horário é complicado, a volta para casa é perigosa”, diz o trabalhador. Ao tentar imaginar como são os terminais de Fortaleza após a meia-noite, é comum pensar em locais estranhos, de pouco movimento. Na realidade, a rotina desses lugares muda após o horário comercial. Os ônibus – chamados corujões – chegam com intervalos variando entre 45 minutos e uma hora, levando para casa vários trabalhadores, numa dinâmica tranqüila. Assim como Marcelo, outros tantos fortalezenses trabalham à noite. O dinamismo e as exigências da cidade, cada vez mais, têm feito as pessoas cumprirem expedientes diferentes daqueles feitos em horário comercial.

Nunca sozinho Uma parte desse dinamismo é facilmente sentida nos espaços em torno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Em um dos bares ali localizados, em meio O barman Rony perdeu 3 kg na alta estação por conta do trabalho a agitação dos freqüentadores, encontramos Rony tem direito a uma folga por cuidar do filho pequeno e Abreu, 29 anos, 4 deles como semana e a um domingo livre dividir as tarefas de casa barman de um estabe- por mês. com a mulher. Apesar de lecimento na Praia de O barman começou a tantos afazeres, ele brinca freqüentar um curso su- afirmando que a única Iracema. p l e t i v o , m a s coisa que o cansaço não o Rony mora com não o concluiu. impede de fazer é jogar o filho de três anos “ F i c a v a bola com os amigos. e a esposa no bairro “Há dias em Antônio Bezerra. A única reclamação dele cansado e com que você Ele sustenta a preguiça. Além é sobre a alta estação, come bem e d i s s o , f a l t a v a quando sente necessidade família com os R$ 550 reais que em outros não incentivo para de tomar energéticos para continuar a continuar com o mesmo ganha por mês come quase estudar”, diz. ritmo de trabalho. Durante para trabalhar durante todo o nada. Não há período, Rony Uma das esse insatisfações de adquiriu tendinite nos dois período noturno, horário de ony é o braços devido à correria. que vai de 19h às refeição certo certo”” R d e s e n c o n t r o Ele chegou a fazer sessões 5h da manhã, com com a mulher. d e f i s i o t e r a p i a , m a s direito a uma hora “Quando eu chego em casa a c a b o u l a r g a n d o . N a de folga. Apesar do salário re- de volta do meu trabalho, mesma temporada, Rony lativamente baixo para ela está saindo para o perdeu 3kg, pois não tinha tempo de se alimentar sustentar uma família, Rony dela”, conta. Pa r a a p r o v e i t a r a s corretamente. “Há dias em tem privilégios que muitos companheiros de expediente h o r a s v a g a s , R o n y i n - que você come bem e em não dispõem, como carteira gressou em uma academia, outros não come quase de trabalho assinada e plano mas não faz exercícios nada. Não há horário de dentário opcional. O barman regularmente, pois tem de refeição certo. Você vive para o trabalho”, afirma.

Fé em primeiro lugar Ainda nas redondezas da Praia de Iracema, perto do local de trabalho do barman Rony, Dona Maria Marques, 64 anos, chega à noite com seu isopor carregado de bebidas. Acostumada com o trabalho noturno, ela nem lembra mais quando começou. Além do trabalho com bebidas, Dona Maria também é fiscal dos jardins do Centro Cultural Dragão do

Mar (CDMAC) durante as manhãs e ganha R$ 150 por mês por esse serviço. Ela troca o sono tranqüilo pelo trabalho. “Só tenho tempo de me deitar”, afirma. Sempre demonstrando fé, Dona Maria diz nunca ter sofrido nenhum tipo de violência ou ameaça no trabalho, mas conhece gente que já foi vítima de ataques. “Minha segurança é só aquele lá de cima”.

Sobre sua saúde, ela afirma sentir dores de cabeça esporádicas e pontadas no peito, mas nunca foi ao médico para descobrir as possíveis causas . “Não gosto de médico. Eu deveria ter feito uma cirurgia para retirar pedras da vesícula há quatro anos, mas acabei desistindo por medo. Tomei babosa com mel de jandaíra e nunca mais senti essas dores”.


CID ADE CIDADE

Ociosidade nunca do trabalho. Ele dorme apenas cerca de duas horas por dia e às vezes nem chega a dormir. Para ele, a noite é melhor que o dia por ser mais ventilada. Seu Luís é diabético e hipertenso. Ao contrário de Dona Maria, a vendedora de bebidas, ele se preocupa com a saúde e toma remédios diariamente, além de ir ao médico com freqüência. Ele afirma não gostar de ociosidade. “A gente tem que se virar como pode. O trabalho alegra a gente. Se eu ficar sem fazer nada, fico mais doente ainda. Ficar parado é muito ruim”, afirma .

N a própria pele O expediente dessas pessoas tem início, geralmente, ao pôr-do-sol. No entanto, a lei considera noturno o trabalho executado entre 22h de um dia e 5h do dia seguinte. É o que explica Eudes Gomes, auditor fiscal do trabalho da Delegacia Regional do Trabalho – DRT. Além da carga horária reduzida em uma hora, o trabalhador tem direito ao adicional noturno, uma porcentagem de 20% sobre o salário. Apontando para um exemplar da Consolidação das Leis do Trabalho, ele mostra que, neste período, a hora de trabalho noturno é contabilizada de maneira diferente: uma hora de um expediente comercial equivale a 52 minutos e 30 segundos, somando sete horas por dia.“Embora trabalhando uma hora a menos, o funcionário ganha por oito. Acredito que essa decisão foi tomada por conta de o trabalho noturno ser penoso”, diz Eudes.

“2 4 horas no ar” “24 Em um hospital de grande porte como o Instituto Dr. José Frota (IJF), que recebe a maioria das emergências de Fortaleza, é difícil solicitar tempo para conversar com Romel Araújo, chefe da Emergência do hospital. Trabalhando no Instituto e também no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), ele cumpre um expediente de doze horas diárias, de domingo a domingo, e faz quatro plantões semanais de mesma carga horária. “Quando se trabalha na área médica, não há folga. Eu fico 24 horas no ar”. Nos raros momentos de folga, Romel continua se dedicando à Medicina: ele é professor associado da Universidade Estadual do Ceará. Raramente o médico esquece um pouco da própria saúde para se dedicar à dos outros. Ele quase não tem tempo para se alimentar e dormir – são apenas 4 horas de sono por dia. “A qualidade de vida do profissional de saúde é muito ruim. A alimentação é irregular e muito pesada – tem muitos carboidratos e poucas frutas e verduras”. Outro fator destacado por ele, que influi na má qualidade de vida dos profissionais dessa área, é a falta de vínculo com uma só instituição. “O ideal seria trabalhar em um só lugar que propiciasse diversas oportunidades ao profissional, como pesquisas, publicaçõs de trabalho, entre

outros. Não ter um vínculo tira a auto-estima e a vontade de se dedicar”, revela. Além disso, ele ressalta os riscos dotrabalho nos plantões: o deslocamento de casa para o hospital ou de um hospital para outro durante a madrugada, que o deixa vulnerável a assaltos.

Sempre alerta

Mudando as horas Regina Lúcia de Andrade Nobre, médica do trabalho do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, vive a situação sobre a qual fala. Ela conta que, desde a época do vestibular, não consegue dormir mais que quatro horas diárias. “Meu organismo já se acomodou, mas há pessoas que não conseguem e têm problemas com isso ”. De acordo com Regina, a doença que atinge, preferencialmente, as pessoas que exercem trabalho noturno é o estresse, que reúne sintomas como fadiga, cansaço mental, dor de cabeça e tensão muscular. Mas ela explica que o organismo tem capacidade de se acostumar ao ritmo avesso. “Ele vai se moldando à rotina”. Todavia, a médica salienta que a qualidade do sono diurno não equivale ao do noturno. “A noite é o período normal para se ter um sono bom. O dia tem muito barulho, muita luz – o sono é menos tranqüilo ”.

Romel Araújo faz quatro plantões por semana

Giselle Soares

Ao lado da famosa estátua do poeta Patativa, o vendedor Luis Moraes, 51anos, oito desses nas madrugadas de Fortaleza, busca seus clientes exibindo produtos que variam desde bombons a maços de cigarro. Seu Luís, que já trabalhou como garçom e cobrador, está há sete anos nos arredores do Dragão do Mar ligado ao projeto Galera do Dragão, promovido pela Academia da Polícia Civil em parceria com o CDMAC. O vendedor chega em casa às quatro horas da manhã e come qualquer coisa. Seu Luís não reclama

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Foto: Edwirges Nogueira

Fortaleza, dezembro de 2006

O trabalho de Milfont exige que ele fique 24 horas acordado

O perigo constante faz parte da vida de Milfont, do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate). Há 15 anos na Polícia Militar, 8 deles no Gate, o cabo passa 24 horas acordado, preparado para ocorrências de grande porte, como assaltos a banco, rebeliões e seqüestros. “É um trabalho estressante, cansativo, mas já estou acostumado”, afirma. A cada 24 horas de trabalho, Milfont tem direito a 72 horas de folga, mas nem sempre é possível descansar, pois há dias em que ele é chamado para cumprir escala extra. Mesmo de folga, ele mantém o hábito de dormir pouco (de três a quatro horas por dia). Os momentos de lazer são poucos, resumindose a idas a jogos de futebol, restaurantes ou à praia, programas incertos, pois sempre há a possibilidade de ser escalado.


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ENTREVIST A ENTREVISTA

Fortaleza, dezembro de 2006

Uma poética da pós-modernidade O Cidade em Pauta revisitou as raízes do Teatro Radical para descobrir o que é e como funciona essa vertente da dramaturgia, onde o mais importante não é o efeito, mas o conflito Ivna Bessa, TTerezinha erezinha FFernandes ernandes e Vitor Hugo Duarte Eram cinco pras sete quando subimos a escada de madeira do Sesc-Senac Iracema, ao lado do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Foi aí que conhecemos, finalmente, Ricardo Guilherme. A primeira impressão não foi boa, ele estava orientando um ensaio e demonstrou não gostar da interrupção. Descemos a escada e esperamos. Poucos minutos depois, desce, então, um outro Ricardo Guilherme, simpático e solícito. “Nenhum entrevistado é tão pontual quanto eu, nenhum”. Eram sete horas, o horário marcado. Ricardo Guilherme, assim como tantos outros nomes influentes de Fortaleza, passou pelo curso de Comunicação Social da UFC. Hoje, ele é professor do Curso de Artes Dramáticas (CAD), também da UFC, e um dos atores e diretores teatrais mais conhecidos do estado. Foi com a voz pausada e bem articulada e os gestos de quem conta uma boa história que Ricardo Guilherme conversou com o Cidade em Pauta sobre o Teatro Radical Brasileiro, poética nascida por suas mãos, e sobre o modus faciendi do ator. De repente, as luzes se apagaram e a entrevista acabou. “Minha peça já vai começar.” Cidade em Pauta – Como o senhor definiria o Teatro R adical Brasileiro? Ricardo Guilherme – Teatro Radical é uma poética criada por mim em 1988 e desenvolvida por um grupo que foi constituído dez anos depois, em 98, que é a Associação de Teatro Radicais Livres. Na verdade, ele implica uma poética, que tem embutida em si uma ética, quer dizer, um olhar sobre o mundo, sobre o teatro, e que dessa poética derivam várias estéticas. O Teatro Radical é um teatro que é sintético e dialético, ou seja, ele olha a peça, a encenação, não pelo o que ela repercute, pelas suas situações, ele não dramatiza as situações em si, mas os conflitos fundamentais, o conflito radical que está na raiz de todas as situações. É radical nos dois sentidos. Radical no sentido de raiz, de que vai procurar as raízes do teatro, as raízes daquela peça, a raiz daquele conflito. E é radical também no sentido de radicalismo, quer dizer, de que o teatro deve ser a arte do ator, a arte da relação do ator com o espectador, sem outros aparatos, uma coisa meio na contramão da pós-modernidade. A pós-modernidade reclama a interação de todas as linguagens, e o Teatro Radical propõe a especificidade do teatro. Claro, compreendendo o teatro como uma arte transdisciplinar, onde já tem música, já tem dança, já tem literatura, já tem artes plásticas pelo corpo do ator. Quer dizer, o teatro faz uma

transubstanciação de todos esses meios, mas sendo o teatro. Seria também uma valorização maior da palavra? Não necessariamente, pode existir no teatro radical... esse conflito pode ser expresso sem palavras, só com o corpo. A valorização do ator, não é? A valorização do ator sim. O que motivou a criação do Teatro Radical? O que me motivou foi exatamente essa compreensão de que a pósmodernidade entendia o teatro como uma junção de todas as artes, mas fazia com que o teatro fosse uma espécie de aglutinação dessas artes. Então é compreender que o ator tem música, que o ator é plástico, e que os problemas são duais, é a compreensão de que as situações dramáticas são apenas o reflexo de algo mais profundo, elas são efeito. O teatro radical é um teatro causal, que vai à procura das causas e não dos efeitos. E o que me motivou foi, respondendo sinteticamente, se é que é possível, foi essa tendência da pósmodernidade de amesquinhar o teatro, de achar que o teatro precisaria das outras linguagens para ser algo impactante. Mas tem outras motivações, a motivação de que é preciso criar uma imagem que fomente na cabeça do espectador outra imagem, criar a fabulação do

espectador, porque o espectador contemporâneo está acostumado a ver todas as imagens, a ser convocado para todas as imagens possíveis e imagináveis e a imaginação tá sendo embotada.

diretores, cada um com um olhar específico, com as suas estéticas. Há algum movimento similar ao Teatro Radical no Brasil e no Mundo? O próprio Teatro Radical não é algo à parte de uma determinada tendência. Eu diria que hoje no mundo contemporâneo nós temos aí duas tendências. Uma tendência de ir a um teatro multidisciplinar, que é esse teatro onde tudo é possível, você põe raio laser, você põe animais, você põe telas, telões, Internet. E uma outra tendência que é essa tendência transdisciplinar, que compreende o teatro como uma arte que já tem em si todas as disciplinas, que não precisaria aglutinar as outras.

Seria fazer com que o espectador fosse convocado a também atuar no palco? Não. Isso aí já foi feito desde que o mundo é mundo. Há um erro de achar que o espectador é passivo, não existe um espectador passivo. Se ele é um espectador, ele já tem uma ação, que é a ação de espectar, de olhar, de compreender e de fabular, é isso que nós queríamos, que achamos que a pós-modernidade estava embotando no espectador: a capacidade de fabular, porque tudo lhe era muito dado, já mastigado, já pronto. É E como o senhor analisa a preciso criar uma cena em que o importância do CAD para o espectador imagine, se projete na teatro cearense? cena e imagine, uma palavra que O Curso de Artes Dramáticas da enfim, um gesto que seja Universidade Federal do repetido e que, à medida Ceará foi criado em 60. Um que ele for sendo repetido, “O teatro deve curso de mais de quarenta ele vai criando novos anos, tem quarenta e seis ser a arte da anos. Responsável pelos sentidos. relação do princípios básicos da Quais foram suas formação intelectual e ator com o principais influências? de toda essa espectador” artística O Teatro Radical tem uma geração nesses quarenta influência do Bertolt anos. Foi até bem pouco Brecht [dramaturgo tempo, até um ou dois anos alemão], que afinal de contas esse atrás, o único espaço acadêmico olhar dialético [é] do teatro formal, reconhecido pelo MEC, para brechtniano. E, do ponto de vista da a formação na área de teatro. É um Antropologia, tem a ver com os nossos curso livre. E isso tem vantagens e antropólogos, o Roberto da Matta, o desvantagens. A grande vantagem é Darcy Ribeiro, pra ficar em dois. E a incrementação, a possibilidade de tem a ver também com Grotowski mexer, de mudar, de se adequar. E, [dramaturgo polonês] , quando ao mesmo tempo, a desvantagem é Grotowski propõe, num livro porque não te dá a graduação, ele não chamado “Em busca do teatro te permite a pós-graduação. Mas nós pobre”, que a cena seja explicitada pelo já estamos dando um passo nesse ator. O Teatro Radical é um teatro sentido, estamos em processo para a antropocêntrico, ligado ao homem, criação de um curso de terceiro grau. ligado só à figura humana e à sua Um curso de teatro em terceiro grau, em nível universitário realmente. atuação no espaço. Deverá ficar ligado à Faculdade de Hoje o Teatro R adical tem Educação e, no CAD, deverá ser espaço na cena do teatro formado um laboratório, um centro de experimentação, ainda como cearense e brasileiro? Na cena do teatro cearense sim e, Extensão. Assim, mesmo tendo um pontualmente, no Brasil e fora do curso superior e tendo toda uma linha com mestrado, Brasil também. Já há algumas peças, acadêmica, já há muitas peças eu diria, que doutorado, é importante manter um pensam a proposta do Teatro Radical, centro de excelência, uma espécie de a absorção dele por outros vários laboratório, uma espécie de proveta


Fortaleza, dezembro de 2006

ENTREVIST A ENTREVISTA

Foto: Vitor Hugo Duarte

qualificada pra fazer esse centro de excelência. Mas como estamos na Universidade, como a Universidade tem uma hierarquia, nós optamos por esse curso formal, reconhecido, de terceiro grau. É preciso que a formação seja superior, mesmo que o curso não seja reconhecidamente de nível superior, entende?

Ricardo Guilherme acredita que o teatro é uma arte transdiciplinar, que já tem em si todas as disciplinas onde os alunos possam experimentar, onde a gente possa fugir das amarras acadêmicas e experimentar. É uma licenciatura o curso? É uma licenciatura que nós estamos pensando em fazer. E por que essa escolha por uma licenciatura e não por um bacharelado? Porque é inovador o processo. Nós já temos o bacharelado, que é o bacharelado tecnológico do Cefet. E precisaríamos ter um diferencial, um outro tipo de público. E também porque, historicamente, foi a sensibilidade da professora Ana Iório [Pró-Reitora de Graduação] e da professora Ângela Linhares, que é a líder desse processo, juntamente com o professor Ghil Brandão e eu. Agora o nosso projeto é um projeto onde nós teremos “licenciados bacharelantes”, digamos assim, entre aspas. É pra fazer com que sejam artistas pesquisadores, artistas professores. É dá um respaldo aos artistas pra que eles possam compreender o processo pelo qual eles passam e sistematizar isso intelectualmente e repassar isso formalmente. É uma licenciatura que tem uma especificidade. Há uma demanda de mercado nesse sentido? Também, muito grande. Os professores de arte, porque não tiveram uma formação de teatro, foram provisoriamente fazendo teatro e viraram professores de arte. Nós temos artistas ótimos que, por imposição do mercado, tiveram que se transformar em professores. Então é para resolver esse impasse entre

artistas que não têm a formação mais rigorosa em relação à pedagogia do seu próprio trabalho e professores que não têm a vivência do processo artístico e a reflexão sobre o processo artístico. E a previsão é que ele seja implementado quando? A previsão, por uma questão de agenda da Universidade é vestibular aberto em 2008 [que as aulas comecem em 2008], porque para 2007 não há tempo viável, tempo hábil. E por que demorou tanto? A responsabilidade é partilhada por todos da Universidade. Eu posso dizer que já houve, ao longo desses 40 anos, várias tentativas de transformação, de criação de um curso superior. A idéia é antiga? A idéia é antiga, já houve projetos, já houve reuniões, mas nunca houve uma sensibilidade maior. Enfim, houve problemas históricos, interpessoais, institucionais que não propiciaram, que criaram obstáculos ao êxito dessa idéia. E a educação formal é primordial? A educação formal é primordial, é fundamental, é uma atividade intelectual. O artista de teatro tem uma cultura humanística, tem que ter uma postura de inteligência emocional, de alteridade, de se colocar no lugar do outro. Pra resumir, eu diria que eles têm uma cultura humanística e têm que ter o domínio da sua própria arte, mesmo que não seja necessariamente em um curso superior. Poderíamos ter aqui um centro de excelência, sem ser curso superior, mas com gente

9 vão ser o “rame-rame” do lead. Eu não posso dizer que é um dom específico, de iluminados. É um dom humano, do ser humano. O jornalista se faz assim como o ator, permanentemente. Não escreve redação, não lê, não estuda, não vai ao teatro, não vai ao cinema, não lê livros, ou então só lê determinados livros, não tem curiosidade com o mundo, não gosta de gente, não gosta da sociedade, não sabe nada da sociedade, então vai ser jornalista medíocre. Não conhece Filosofia, Sociologia, vai ter um textinho ralo [risos].

Saindo um pouco da Universidade, qual é o perfil de um bom ator, o que é necessário para ser um bom ator? Para um bom ator, é necessário sensibilidade e conhecimento. Sensibilidade e inteligência emocional, eu diria assim. Saber se Como está o mercado cearense colocar no lugar do outro, alteridade. de teatro? O senhor acha que Compreender o humano, com- ainda há oportunidade para preender que ele é o laboratório do novos artistas? Ele está em humano. Portanto, ele tem que ter expansão? inteligência emocional e cultura Está em expansão. O teatro não humanística: Psicologia, História, morre. Todo tempo tem gente jovem Ciência da Comunicação. fazendo, interessados em História é fundamental, inovar, em inventar a Sociologia, mas, sobre“ Todos nós pólvora. E é importante tudo, inteligência emoque seja assim. E são esses representacional. que mantêm e que mos, todos nós jovens se expandem. Todo ano o fazemos um É preciso ter um Curso de Artes Dramáticas talento inato? Um tem cento e tantas pessoas papel. Logo, dom? Ou isso pode ser se inscrevem, no Cefet não seríamos que aprendido? também, por aí, uma gente se não Eu acho que, assim como centena, em outros, a comunicação é de todos, Princípios Básicos de tivéssemos eu acho que é um Teatro, no Teatro José de brincado de patrimônio da humaAlencar. Há um interesse faz-de-conta. nidade a capacidade de enorme nessa comucomunicação, a capacinicação humana, a Faz parte da dade de interpretar o necessidade desse encontro formação do mundo. Todos nós interpessoal que só o humano representamos, todos nós teatro dá. O teatro está na fazemos um papel. Logo, contramão de tudo não seríamos gente se não porque, veja, à medida que tivéssemos brincado de faz-de-conta. os recursos tecnológicos forem no Faz parte da formação do humano sentido de fazer com que a brincar. Aliás, o verbo brincar é comunicação seja mediada e sinônimo de representar. É porque em intermediada por uma máquina, um português já não é mais, já não é tão computador, um telefone ou a usado, mas é verdade. Brincar é televisão interativa ou o e-mail, isso representar e nós representamos o vai evoluindo, mais e mais o homem mundo. Assim como também a tem necessidade desse contato que só estética não é privilégio dos artistas, o teatro dá. Então, pode a Internet se a estética é de todos nós. Então, não desenvolver, pode a TV digital vir com viveríamos, o humano não viveria sem toda a interatividade que há. Pode a estética. Então, respondendo holografia chegar, pode chegar tudo, objetivamente, eu diria que é possível mas o homem jamais vai prescindir a qualquer um. Agora, uns com maior desse contato humano, desse contato ou menor dificuldade. Isso se aprende, interpessoal, “pessoalizado”, que é isso se exercita? Se exercita, mas os uma sala escura, com o público resultados são diferentes, assim como olhando, vendo o ator se transformar as pessoas são diferentes. Assim como nessa situação. Entende? [as luzes se as pessoas passam por um curso de apagam] Vai começar a peça. Comunicação Social, de Jornalismo e não saem iguais. Uns vão ser Duas perguntinhas: o que falta jornalistas medíocres e outros vãos ser no teatro cearense e o que falta... excelentes jornalistas, geniais. Uns Não vou poder falar agora. Minha vão ser os pensadores, renovadores peça já vai começar... da Ciência da Comunicação e outros


ECONOMIA

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Fortaleza, dezembro de 2006

O peixe que multiplica oportunidades Apontada como o agronegócio do momento, a tilapicultura alcança status importante nas exportações cearenses e leva desenvolvimento econômico e social para o Estado

criadores. O baixo custo operacional e as vantagens climáticas do estado explicam esse número. Estudos da Universidade de Auburn Alabama consideram a nossa região o “melhor lugar do planeta para o cultivo de tilápias”, devido ao solo rico em calcário, que evita oscilações no nível de acidez das águas. Para Airton Rebouças, “a tilápia caiu na graça do consumidor cearense”. O peixe pode ser encontrado em supermercados, pesquepagues ou estabelecimentos especializados na venda do peixe vivo. Consumidores de todas as classes sociais têm aprovado o produto em virtude do preço baixo. Nos restaurantes de bairros nobres da capital, os subprodutos podem surgir com sofisticação. Depende apenas da criatividade. Da tilápia, aproveita-se quase tudo. Segundo Airton Rebouças, a partir do peixe pode-se produzir óleo para cosméticos, Ômega-3 para produção de cápsulas, almôndegas, caldo de peixe, além do couro e do filé, que se destacam pela valorização no mercado internacional. Para se ter idéia, o preço do filé no mercado externo se iguala ao do camarão, importante na pauta de exportações cearenses. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o embarque de filés frescos para os Estados Unidos, o maior importador do produto brasileiro, e para o Canadá deve alcançar 2.100 toneladas, com faturamento próximo a US$ 15 milhões. No ano passado, cerca de mil toneladas exportadas renderam US$ 6,6 milhões. Segundo o professor do curso de Engenharia de Pesca

Criação de tilápias na fazenda Canafístula, nas proximidades de Quixeramobim da UFC, Marcelo Sá, o cultivo da tilápia está se expandindo em todo o Brasil e, no Nordeste, a criação é maior. Muito pode ser produzido e vários problemas sociais podem ser resolvidos, pois “se em 10% dos açudes cearenses fosse cultivada a tilápia, haveria uma redução drástica da pobreza”, enfatiza o professor. Airton Rebouças compartilha dessa opinião e completa, afirmando que a “a tilápia é o frango da água doce. Não adianta remar contra a maré”. Por esse motivo, o DNOCS tem investido muito na tilapicultura, e os resultados já começam a ser vistos. Hoje, o órgão administra dois centros de pesquisa e quatro unidades demonstrativas de piscicultura no estado, em contato permanente com a comunidade. Para o professor Marcelo Sá, “os políticos têm de entender que é muito difícil para nós termos alternativas no campo da agropecuária”. A

tilapicultura, a apicultura, a produção de flores ornamentais e o plantio de mamona têm transformado o panorama atual e impulsionado

perspectivas econômicas e sociais no estado, tão historicamente ligado à criação de gado e à monocultura.

Pescador do futuro Tudo começou há dois anos na mesa de um bar no município de Quixadá. De uma conversa descontraída entre quatro membros da família Carneiro, veio a sugestão: “meninos, descobri um negócio pra pagar a faculdade de vocês: criar tilápias. O negócio é 40% de lucro.”

Foto:Síria Mapurunga

Produzir algo novo, rentável, barato, acessível e saboroso parece ser o sonho de qualquer empreendedor na área de agronegócios. Ter tudo isso, acompanhado de condições climáticas favoráveis e de um mercado consumidor crescente em todas as classes sociais, pode parecer milagre, mas é o que está acontecendo com a criação de tilápias no Ceará. Apesar de ser apontada por alguns criadores como o peixe que Jesus multiplicou no famoso milagre, por conta da enorme capacidade de reprodução e pela abundância da espécie no rio Jordão, a tilápia tem muitos motivos não bíblicos para figurar como um produto de enorme potencialidade econômica e desenvolvimento social no nosso estado. A tilápia é o segundo peixe mais cultivado no planeta e o mais produzido em cativeiro no Brasil. É resistente a doenças e à escassez de oxigênio que possam existir em seu habitat. A espécie mais comum no Brasil é a Tilápia Nilótica, que veio da África em 1972, segundo dados do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). Este tipo de Tilápia possui poucas espinhas, gordura reduzida, carne saborosa e se reproduz rapidamente, sem exigir muita tecnologia. O que mais atrai na tilapicultura é o lucro médio, que varia de 30% a 40%. A criação em tanques-rede, ou “gaiolas”, é a mais comum e pode ser feita na maior parte dos açudes, não exigindo um investimento muito alto. Só no Ceará, segundo o engenheiro agrônomo e membro da Coordenação de Pesca e Aqüicultura do DNOCS, Airton Rebouças Sampaio, há cerca de mil

Foto: Síria Mapurunga

Georgia Cruz, Luís Gustavo e Síria Mapurunga

Rafael Carneiro [ foto], estudante de Engenharia Elétrica, levou o projeto a sério e, em parceria com o primo, Victor Carneiro, e o apoio financeiro do pai e do tio que deu a idéia, começou a criação. O primeiro passo foi a aquisição dos tanques-rede ou “gaiolas”, como são popularmente conhecidos. No início, eram apenas 16, instaladas no açude da Fazenda Livramento, em Quixeramobim. Devido ao alto preço, o jovem de 17 anos, na época, desenvolveu uma “gaiola” feita de cano de PVC, reduzindo o custo para R$200,00. O PVC logo deu lugar ao ferro, com gasto


ECONOMIA

Fortaleza, dezembro de 2006

Um peixe em que tudo se aproveita Caldo, hambúrgueres, nuggets, mortadela, salsicha e almôndegas: com grande aceitação, a carcaça é processada, transformando-se em polpa usada na merenda escolar.

A pele é transformada em couro, que é cotado em centavos de dólar. Não precisa de autorização para ser comercializado e é um dos subprodutos mais valorizados do peixe.

O ômega 3 é retirado da gordura do peixe e pode ser eficiente na prevenção de enfermidades, como hipertensão, arteriosclerose e problemas do coração.

Macio, tenro e pouco gorduroso, o filé é muito valorizado, sendo exportado para vários países. Dos restos da filetagem, também é produzida uma farinha acrescida à ração das tilápias.

adicional de apenas R$50,00. Passados alguns meses, os primos receberam a confiança dos pais, e o dinheiro que antes serviria apenas como capital inicial, passou a significar investimento. “Os velhos viram que o negócio ia dar certo e entraram na sociedade”, brinca o estudante. O custo inicial foi de quase R$ 10 mil, com equipamentos, salário de um funcionário e a compra dos alevinos. O negócio cresceu em torno de 500% e conta hoje com 84 “gaiolas”, produzindo por mês entre 6 e 8 toneladas de tilápia, o equivalente a uma renda média de R$20 mil. Nos dois anos de criação, alguns episódios trouxeram preocupações ao estudante. O

primeiro incidente foi a morte de aproximadamente 4 mil peixes. Fruto da inexperiência, o transtorno foi solucionado com a diminuição do número de peixes por tanque-rede e com a mudança na posição delas a partir do monitoramento do nível de oxigênio da água. A segunda perda foi mais grave. Desta vez, 13 mil kg de peixe foram perdidos em razão das condições climáticas ocasionadas pela calmaria. O problema, de acordo com o estudante, “não é a chuva, é o nublado, que diminui a fotossíntese das ‘algas’”. Para evitar surpresas, Rafael está desenvolvendo um projeto para a automati-

zação da produção através de sensores espalhados no açude. Segundo ele, “em vez de ter um rapaz medindo a temperatura, o pH e o oxigênio, as informações serão coletadas pelo computador, lançando gráficos diários, mensais e anuais, inclusive fazendo projeções de rendimento.” Projetos assim não são raros na vida do estudante; os interesses, desde a infância, mudaram bastante. Hoje, a tilapicultura é mais do que um meio para pagar a faculdade. “Quando a tilápia começar a atrapalhar meus estudos, eu paro de estudar.” brinca o jovem empreendedor.

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Mil e uma utilidades Não é preciso andar muito para constatar a grande oferta de tilápia em Fortaleza. Por todas as partes da cidade, é possível encontrar anúncios de venda do peixe, seja fresco ou em pratos prontos. A explicação para tamanha oferta está na grande aceitação da tilápia, que se deve, dentre outros fatores, ao sabor agradável da carne, aos baixos índices de gordura (0,9 g/100 g) e ao baixo valor calórico (172 kcal/100 g). Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2002-2003), a tilápia é o pescado de água doce mais consumido no Ceará, e o terceiro peixe mais consumido entre pescados de modo geral no Estado. Com grande potencial de aproveitamento, a tilápia tem conquistado cada vez mais espaço em diversos mercados, como o da moda e do artesanato. Além desses segmentos, o pescado entrou na disputa de outros setores, como é o caso da culinária japonesa. Silvia Fontes, gerente de um restaurante japonês, diz que a tilápia já é utilizada como

opção "no preparo de sushis e sashimis". Ela explica queuma das vantagens é o rendimento e a facilidade para compra, "já que pode ser tilápia de viveiro". Proprietário de restaurante e criador de tilápias, Nailton Mota afirma que, dentre os peixes de água doce, "nenhuma qualidade de peixe concorre com ela (a tilápia) não". Nailton chega a servir 400 kg de tilápia por semana.

Francisco Laelcélio Lima, mais conhecido como Célio, é um dos que apostaram no peixe e não se arrependem. Trabalhando há 16 anos no Mercado São Sebastião, Célio vê muitas vantagens em comercializar o pescado, uma delas é a independência financeira. "Sempre gostei de vender tilápia porque aqui a gente é dono e patrão, não tem que trabalhar pros outros". O peixe, que custa em média R$ 5,00 por quilo, é, segundo Célio, o preferido dentre os de água doce pelos consumidores. "A tilápia é disparada, não tem concorrência, não", afirma o peixeiro que vende em média 500 kg/semana do pescado. Ele explica ainda que as vendas estão mais difíceis do que no mesmo período de 2005, "Eu vendia em dois dias o mesmo tanto de tilápia que passo, hoje, uma semana inteira pra vender", observa. A tilápia também vem sendo aproveitada para a produção de embutidos e produtos processados, como é o caso do DNOCS de Pentecoste e do Programa Produzir de Jaguaribara, que produzem filé, lingüiça, carne moída, dentre outros produtos do ramo alimentício. No que diz respeito à utilização do peixe na confecção de roupas, calçados e acessórios, a estudante de moda, Mayanna Serqueira, explica que a pele de tilápia conquistou o segmento por ser de fácil obtenção, "muito mais barata", além de possuir "uma textura suave e ser muito resistente à manipulação", servindo como opção "às de crocodilo e de cobra". Em matéria de artesanato, Mayanna diz que em Jaguaribara há artesãs que usam a pele/ couro do peixe para produzir peças, e as vísceras dos peixes para fazer sabão. "Em Jaguaribara o pessoal está até empalhando o peixe, não se estraga nada da tilápia", conclui a estudante.


SAÚDE

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Fortaleza, dezembro de 2006

Sobram direitos, falta divulgação Está no Manual do Estudante. Todo aluno da Universidade Federal do Ceará tem direito a “receber assistência à saúde através da Divisão Médica e Odontológica (DMO) administrada pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis”. Mas você conhece a DMO? Carol Costa e Edwige N’Zalé A Divisão Médica e Odontológica (DMO) é um órgão ligado à Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, que tem como dever dar a assistência necessária aos estudantes da universidade. A DMO presta, gratuitamente, assistência à saúde de todos os alunos e servidores da UFC. Apesar da facilidade no acesso, o relatório de 2005, apresentado pela própria DMO, mostra que o número de estudantes que utiliza os serviços é pequeno. No ano passado foram realizadas 2282 consultas médicas, 1971 consultas odontológicas e apenas 415 atendimentos pela enfermaria. Deve-se levar em conta que a UFC tem aproximadamente 23 mil estudantes. Os serviços, além de acessíveis, são diversos. Na área médica, a DMO oferece consultas com clínicos gerais, perícia médica para emissão de laudos e abono de faltas, licença-gestação e tranca-mento total de matrícula, além do encaminhamento ao Hospital Universitário Walter Cantídio, se necessário, para consultas clínicas espe-cializadas e atendimentos de emergência. Já a Odontologia, serviço restrito à comunidade estudantil, realiza diversos tipos de tratamentos, com exceção do tratamento de canal e a colocação de aparelhos e próteses. Segundo o diretor da Divisão Médica e Odontológica, José Inácio Parente, o reduzido número de procura é re-

sultado da falta de verba para a divulgação dos serviços: "Um gasto com divulgação é uma luva que falta para o doutor atender o paciente". Já o Pró-Reitor de Assuntos Estudantis, João Batista Arruda Pontes, afirma que há sim a divulgação de todos os serviços oferecidos aos estudantes. De acordo com o PróReitor, o site da universidade, a Revista Universidade Pública, que é bimestral, e o Jornal da UFC, mensal, são responsáveis pela divulgação. Além disso, o professor João Arruda enfatiza que divulgação não é o problema, pois, "quem realmente precisa acaba sabendo", garante ele.

PESQUISA Uma rápida pesquisa com 100 estudantes do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará, feita pelo Cidade em Pauta, comprova o desconhecimento. Dos entrevistados, 62% não sabem que têm direito à assistência médico-odontológica gratuita, 24% já ouviram falar, mas não conhecem os procedimentos para obter o atendimento, nem a localização da DMO e apenas 14% conhecem os serviços e já chegaram a utilizá-los. O que chama a atenção é que dos 38 alunos que têm algum conhecimento dos ser-

viços da DMO, nenhum teve acesso às informações através dos meios de divulgação da própria universidade. Dois dos entrevistados são residentes universitários e um é estrangeiro e obtiveram essa informação diretamente da PróReitoria, assim como a estudante do 4º semestre de Publicidade e Propaganda, Auriane Costa. "Quando entrei na UFC, não sabia que tinha esse direito. Só depois da seleção para residente é que fui orientada quanto aos programas da Pró-Reitoria", afirma Auriane. Já o aluno do 2º semestre de História, Raimundo Junior, representa os demais, 35, que tomaram conhecimento através de colegas que já haviam utilizado os serviços ou de membros dos C.A.s de seus cursos. “Eu ouvi de um amigo meu que a gente tem esse direito, mas não sei direito como é, por isso nunca fui atrás”, diz o estudante. SERVIÇO Para ter acesso a esses serviços, o aluno deve comparecer a DMO, na Av. da Universidade, 2536, Benfica, com a carteira de estudante ou algum documento que possa identificálo como aluno da UFC. No caso de uma consulta médica, será atendido no mesmo dia, por ordem de chegada. Na odontologia, é necessário o agendamento da consulta. Todos os serviços estão disponíveis de segunda à sexta-feira, das 8 às 17 horas.

Conheça seus direitos A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis oferece vários serviços de assistência aos estudantes da UFC. Entre eles, estão o Programa de Residências, a Bolsa Assistência, o Restaurante Universitário e o Programa de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da UFC (PAPEU). O Programa de Residências atende, preferencialmente, estudantes do interior do Ceará, podendo receber também alunos de outros estados e países. Conta com 260 vagas divididas em 14 residências universitárias. O residente tem direito a três refeições diárias, inclusive nos fins de semana e feriados. A Bolsa Assistência é reservada a alunos com dificuldades financeiras e dispõe de 360 vagas. Os selecionados receberão uma bolsa de R$180,00 por 20 horas semanais de serviços, geralmente administrativos, prestados à Universidade. O critério utilizado

para a seleção dos alunos nos dois programas é a condição econômica, ou seja, serão selecionados os que mais precisam. Já o Restaurante Universitário é direito de todo estudante e oferece mais de 2200 almoços diariamente, no Campus do Pici e na Avenida da Universidade, ao preço de R$1,10. O PAPEU, também estendido a qualquer aluno, é um programa para estudantes que precisam de apoio psicopedagógico. Com a disposição de três profissionais, oferece os serviços de psicanálise, psicopedagogia e aconselhamento psicológico. Para ter acesso aos programas, o aluno deve se inscrever na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, localizada na rua Paulino Nogueira, 315 - bloco III 1° andar. SERVIÇO Para outras informações ligue: (085)3366-7440 ou 3366-7442.


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ESPORTE

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Ginástica invade praças de Fortaleza Já faz algum tempo que as praças de Fortaleza ganharam ares de academia. Através da iniciativa de órgãos públicos e privados as mais diversas comunidades ganharam o hábito de praticar exercícios físicos. Mara Semyra mico (SDE). A proposta do projeto é que, por meio da prática regular de uma atividade física, haja uma melhora significativa na qualidade de vida da população, principalmente das comunidades mais carentes. De acordo com o Esporte e Lazer da SDE, o “Academia na Comunidade” tem como obje-tivo oferecer à população de baixa renda esse tipo de servi-ço para que no futuro a pre-feitura se beneficie com menos gastos na saúde públi-ca, através da prevenção de problemas ligados ao seden-tarismo. Um agente comunitário trabalha na mobilização da comunidade. Essa figura é responsável pela divulgação do programa no bairro, pela mobilização e o cadastro dos interessados. No Conjunto Polar, quem ocupa este cargo é Manoel Nazareno do Santos. Ele é morador do local e isso facilitou o contato com as pessoas. Segundo Nazareno, a receptividade do programa foi muito satisfatória.

Atividade física popularizada O gosto pelo exercício ao ar livre está ganhando cada vez mais força em Fortaleza. Fatores responsáveis por esse hábito são inúmeros projetos que trabalham com essa perspectiva: oferecer à população em geral orientação e incentivo para a prática da atividade física, com qualidade e de forma gratuita. As práticas espalhadas pelas praças, parques e até estacionamentos de estabelecimentos privados, vão desde a aeróbica até o Tai Chi C’huan. No Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, as

aulas de relaxamento através do método chinês acontecem três vezes por semana na Praça Verde. Outro programa da prefeitura é o “Esporte na Comunidade”. Através da iniciativa, profissionais de educação física ministram aulas de futebol, futsal, handebol, vôlei, basquete, ginástica, natação, caratê, judô e capoeira. O programa tem 54 núcleos em funcionamento desde janeiro de 2006. Empresas privadas também estão disponibilizando seu espaço e contratando

O agente comunitário diz que o fato de as aulas serem abertas para todas as idades facilitou muito a adesão à iniciativa da prefeitura. “Temos desde crianças até idosos participando das aulas. Além disso, temos um aluno com Síndrome de Down que vem sempre se exercitar”, conta o agente. O núcleo da Barra do Ceará conta com 250 pessoas cadastradas, mas a ex- Praças de Fortaleza viram academias e conquistam cada vez mais adeptos pectativa é que esse número chegue a 400. O “Academia na Comutamos batalhando uma parNo total, estima-se que nidade” iniciou suas atividaceria com a Saúde. É prová4.800 pessoas estejam par- des em agosto de 2006, com vel a criação de outros 10 núticipando das atividades do dez núcleos de execução do cleos (somando assim 30 póprograma, nos dez núcleos programa. Segundo a los) diretamente ligados a em funcionamento. Supervisora do Programa, hospitais e postos de saúde”, Danusa Studart, o progradiz a supervisora do “Academa ainda é considerado mia na Comunidade”. piloto, mas a criação de mais O professor Yuri Gondim dez pólos, que estarão diz que a prefeitura tem se esprofissionais para oferecer funcionando até o final do forçado para atender as neatividade física à comuniano, solidifica o programa, cessidades do projeto, mas que dade. Algumas redes de suque já se tornou indisainda faltam alguns detalhes permercados oferecem aulas pensável para a população. para um melhor rendimento gratuitas de ginásticas para A estudante Ana Paula das aulas. “Equipamentos a população e não é necesRodrigues, 19 anos, é frecomo bastões e colchonetes sário ser cliente para qüentadora assídua das facilitariam muito o trabalho. participar. aulas de ginástica na Praça A prefeitura já se comproO “Programa Saúde” do do Polar e diz que já emagremeteu em disponibilizar e nós Corpo de Bombeiros é um dos ceu 4 kg com os exercícios e estamos esperando”, diz Yuri. pioneiros nas praças de Foras orientações que recebe do Para se inscrever, procure taleza, são aqueles rapazes instrutor. o agente comunitário do nú“vermehinhos” que vemos de Além das aulas de gináscleo mais perto da sua casa, manhã cedo se exercitando. O tica, o programa oferece orié preciso fornecer nome e teleprograma é direcionado para entação de caminhada e fone. Aulas têm duração de pessoas da terceira idade e avaliação física. Um convêduas horas e ocorrem no possui vários núcleos nio com instituições ligadas turno da manhã e da tarde, espalhados em Fortaleza e no à saúde também está nos plaos horários variam de acordo Interior do Estado. nos de Danusa Studart. “Escom o local Foto:Mara Semyra

São 4 da tarde na praça do Conjunto Polar, na Barra do Ceará, periferia de Fortaleza. Em cima de um mini-palco de alvenaria o professor de educação física, Yuri Gondim, prepara a caixa de som à espera dos alunos. Aos poucos eles começam a chegar, são de todas as idades e tipos físicos. Às 16h30, hora marcada para o início da aula, já estão todos lá, de tênis, com garrafinha de água e toalha em punho. “Eles são pontuais e dedicados. Cumprem à risca todos os exercícios”, diz o instrutor formado pela UFC. Qualquer semelhança com uma academia de ginástica convencional não é mera coincidência. A aula de ginástica a céu aberto acontece de segunda à sexta, no Conjunto Polar, nos períodos da manhã e da tarde, e faz parte do projeto “Academia na Comunidade”, da prefeitura de Fortaleza. O programa é uma iniciativa da Célula de Esporte e Lazer da Secretaria de Desenvolvimento Econô-


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COMPORT AMENT O COMPORTAMENT AMENTO

Fortaleza, dezembro de 2006

Entre o brilho e a escuridão Talita Christine e Karolina Cavalcante As travestis são conhecidas pela irreverência e pelo bom-humor, mas, muitas vezes, essa “capa colorida” oculta pessoas infelizes e em conflito com a sociedade. Uma das maiores dificuldades que enfrentam é conseguir vagas no mercado formal de trabalho. Sem estudo e sem apoio da família, a maioria delas encontra na “pista” (prostituição) a única saída para sobreviver. Em Fortaleza, há vários pontos onde as travestis costumam “bater porta”. De acordo com Tina Rodrigues, presidente da Associação de Travestis do Ceará (Atrac), os preços dos programas variam de 5 a 30 reais, podendo chegar a 50 ou 100 reais para o “pessoal de fora”. Em áreas nobres da cidade, onde o programa é mais caro, a disputa se estabelece. As travestis jovens são mais procuradas pelos clientes, por isso têm de pagar uma espécie de pedágio às mais velhas, porque estas vão deixando de ganhar. Muitas travestis vão se prostituir em outras cidades e até países, imaginando, com isso, alcançar um padrão de vida melhor. “Elas vêem as meninas indo para São Paulo, para a Europa e chegando com muito di-nheiro: compram casa, apartamento, compram tudo. Então, elas se iludem com aquilo”, avalia Tina. Ela explica que a vida lá fora nem sempre é tão fácil: “você vai ter que sofrer, como aqui a gente sofre na rua. Leva pedrada, chute, a polícia corre atrás, extorque. É um verdadeiro mundo do crime”. Lulu é um exemplo de travesti que tentou ganhar a vida em outro lugar. Ela conta que viajou para São Paulo, mas prefere trabalhar aqui, pelos riscos nas ruas

serem menores. Lulu é Devido ao consumo excessivo costureira, porém, às vezes, de drogas e álcool, além das faz programas à noite, doenças sexualmente transgarantindo, assim, uma missíveis que normalmente “renda extra”. “Faço porque contraem, grande parte das gosto e pelo dinheiro”, travestis têm vida curta. afirma. A violência física e moral é um fator presente no ambiente de convívio das travestis. Elas sofrem, mas também agridem. Há algumas que roubam os clientes, desacatam autoridades e expõem partes íntimas em locais públicos. Tina Rodrigues afirma que não é condizente com atos criminosos cometidos pelas travestis e que a Atrac não oferece apoio nessas horas. “ Q u a n d o acontece violência, elas mandam me chamar, en-tão eu vou e falo A maioria das travestis ganha a vida “na pista” com o agressor. Mas quando são elas que Para contribuir com a cometem crimes, eu não melhoria da qualidade de vida vou”. Ela ainda ressalta que das travestis, a Atrac as travestis precisam se dar desenvolve alguns projetos. respeito para evitar a Atualmente, dois estão sendo violência: “todo mundo tem um executados: “Educação, conceito da gente, então a Prevenção e Cidadania na gente tem que mudar isso”. Pista”, para a redução do As drogas também fazem índice de infecção pelo HIV/Aids parte do universo das e outras DST’s, e “Prevenção travestis, que fazem uso Faz a Diferença”, um alerta dessas substâncias para sobre as hepatites virais. A suportar as dificuldades do entidade trabalha ainda com dia-a-dia. “Muitas consomem campanhas de redução de para se manter em pé, danos causados por drogas e porque elas passaram o dia silicone e com a distribuição com fome”, explica Tina. gratuita de preservativos.

De lagartas a borboletas conservador. Perla só não Ele ou ela? Corpo e é considerada travesti, comportamento de porque não toma mulher, mas identidade hormônios e não se civil e órgão sexual de “bomba” (coloca homem. Isso é o que silicone) devido a caracteriza uma travesti: problemas de saúde. a ambigüidade. Elas Porém, ela diz que, se gostam de ser chamadas pudesse, já teria se e vistas como mulheres, “transformado”. mas, diferente dos Já Lulu conta que transexuais, não toma hormônios desde os querem fazer a 12 anos e que começou a cirurgia de adapse vestir como mulher tação do sexo e, aos 17, mas não teve muitas vezes, problemas com a família. nem podem fazêEla aplicou silicone nos la, já que seu órseios na casa de uma gão é, também, amiga, sem a orienuma ferramenta tação de especialistas e de trabalho. materiais adequados “Não faço a ci(usou esmalrurgia para te de unhas ser tran“Nenhum para vedar). sexual. Eu gosto de ser casal hétero é “Dividi meio totalmente copo (de assim”, diz Lulu, tra- feliz, imagine s i l i c o n e líquido) com vesti que “se um uma amiga. descobriu” aos 12 anos. homossexual” Eu sabia dos riscos e até Alexandre (Perla) hoje sinto Fleming, prodores”, lembra ela, que fessor de Antroagora pretende aplicar pologia da UFC nos quadris. que tem como objeto de estudo RELACIONAMENTO as travestis, Relacionar-se afeexplica que elas tivamente com uma fazem uma travesti não é fácil. dissociação entre Assumir um namoro gênero e sexo e ainda é raro por conta do que, portanto, preconceito da sociedade. feminilidade e “O namoro entre homosmasculinidade não sexuais é muito difícil, são características ligadas rola muito interesse e somente ao fator preconceito”, avalia anatômico. É na fase da Perla. A amizade entre infância ou da adolescência elas, às vezes, é um que se descobre que é pouco conturbada, pois travesti, mas elas só existe inveja e disputa, costumam assumir depois principalmente em relade algum tempo, por medo ção à beleza física e ao de preconceito e rejeição da status social. “Eu não família. acho que as travestis são Perla Menescau, que é unidas. Se você estiver drag queen (pessoas que morta de fome, elas não se veste como o sexo te dão um prato de oposto), é um exemplo comida Há muito recaldisso, pois só revelou sua que, inveja e despeita”, sexualidade após a morte opina Lulu. do pai, que era muito Foto:Ciro Figuerêdo/ Colaborador

Cores, plumas e paetês. Não é só isso que marca uma travesti. Estereótipos à parte, elas enfrentam inúmeros problemas, nos quais estão incluídos: preconceito, violência, drogas e prostituição


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CUL TURA CULTURA

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Na contramão da tecnologia Há mais de 50 anos no Brasil, o disco de vinil continua tendo um grande número de adeptos e um mercado ativo e valorizado de raridades e esquisitices Alinne Rodrigues

De 1900 a 1960, os discos de 78 rotações foram os mais populares. Com dez polegadas de diâmetro e feitos de cera, eram pesados, frágeis e comportavam somente três minutos de música de cada lado. A partir de 1948, a cera foi substituída pelo vinil, um material plástico mais flexível e resistente, que começou a ser utilizado na fabricação de LPs e compactos. Com uma velocidade de 33 rpm, os LPs (sigla para long playing)

tos caçadores de raridades procuram os sebos e executam um verdadeiro trabalho de garimpo em busca da materialização do virtual: como muitos álbuns ainda não foram relançados em CD, é nos vinis que eles encontram refúgio. MERCADO Nos países desenvolvidos, a indústria e o mercado do vinil têm lugar reservado. Grupos de hip hop e rock, além de rappers e DJs de música eletrônica ainda lançam, nesse suporte, álbuns inéditos. Seguindo o exemplo estrangeiro, a Monstro Discos, produtora, distribuidora e selo independente de Goiânia, lança, em forma de compactos, em média, oito artistas por ano desde 98. São prensadas 300 cópias de cada um deles em disquinhos de sete polegadas: “os CDs saem com mil cópias e, às vezes, com 500. A idéia é de os compactos serem limitados mesmo, souvenir”, disse Leo Bigode, sócio do selo. No Brasil, apenas uma prensa continua em atividade, a Poly Som, no Rio de Janeiro. O DJ de hardtechno Felipe Fil, membro, do coletivo eram maiores e comportavam até 30 minutos por lado. Os de 45 rotações eram os compactos, que tinham apenas sete polegadas. Outra característica marcante é o tamanho do oficío central: maior, era comumente utilizado em jukeboxes. O formato foi uma alternativa para novos artistas e músicas inéditas, pois, com apenas uma faixa de cada lado, poderia-se medir a popularidade das canções antes de lançá-las de fato.

Undergroove desde 2000, explica a importância desse suporte na discotecagem: “pra quem usa vinil, a técnica de mixagem é tão importante quanto o repertório. No house, no drum’ n’bass, techno, os DJs ainda persistem no vinil por conta Na Discos Augusto, no Centro, um LP dos Beatles custa, em média R$7,00 da técnica. Pra quem toca eletrohouse ou eletro-rock, o imporO encontro de gerações tante é ter repertório. Por pratici-dade, eles usam CD ou Aos 30, Marquinhos, DJ nho centenas ou mil”. arquivo digital, até porque é Além de muito rock dos do projeto Farra na Casa difícil mixar músicas que osAlheia, diz ser um colecio- anso 60 e 70, a coleção de cilam dentro de uma escala nador patológico de vinil. Firmino traz muita esquiside bpm [batidas por minuto] “Meu pai sempre teve uma tice. “Eu adoro discos exómuito grande. Tem melodia, coleção de discos fenome- ticos, bizarros e de figuras tem vocal, não faz nem sennal, e eu comecei a curtir estranhas, tipo Raimundo tido [usar vinil]”. com ele. É neurose de famí- Soldado, Billy Barba. Não Como a indústria de vinil, conhece Billy Barba? Então lia”, admite. no Brasil, é estagnada, os DJs O DJ possui cerca de mil não conhece o brega. Tenho têm de importar mensalmenLPs: “para cada CD, tenho também um disco de médite vários LPs. Porém, fora o entre 5 e 10 vinis. O som é cos compositores muito inpreço unitário, eles ainda armelhor, as freqüências de teressante", orgulha-se. cam com uma taxa de imporAo final da tarde, Firmino grave são bem mais definitação de 60% do valor de cadas. Tem aquele chiadinho já me havia contado tantas da vinil, impostos e mais que todo mundo reclama, histórias que eu não teria US$ 10,00 de tarifa alfandemas que eu, particularmen- como escrevê-las todas aqui. gária. te, acho maravilhoso”, con- Eis a mais interessante: “Às A AME, Amigos da Músita. Na conversa, ele me in- vezes, os discos voltam às ca Eletrônica, está na “Camdicou o sebo do seu Augusto, minhas mãos como um panha Contra a Supertaxaque visita sempre que pode. bumerangue. Eu comprei, ção do Vinil Importado”, pois Lá na Discos Augusto, no em 77, uma coletânea do o pouco que ainda é produziCentro, “tem de tudo: forró, Velvet Underground. Eu cosdo no Brasil não contempla brega, rock, samba, blues, tumo assinar nos meus diso estilo. Por não constituir orquestra, Jovem Guarda”, cos (na parte interna, nunconcorrência ao produto naafirma o proprietário. Dia- ca na capa, claro). Comprei cional, o sentido da taxação riamente, fanáticos por vi- esse disco, passei pro meu cai por terra. nil passam pela loja em bus- primo, e ele carimbou: ‘este Mesmo tendo de investir ca de novidades. disco pertence a F.C. Holanalto na profissão, Fil declaFirmino Holanda, histori- da’. Aí ele vendeu pra uma ra-se um amante dos bolaador e cineasta de 51 anos, pessoa, que tem lá o nome chões: “sinto um prazer treconfessa visitar o seu Augusto na capa. Essa pessoa venmendo discotecando com vitoda sexta-feira. Em meio a deu pro Leontino, que tem nil. A história da textura, do milhares de LPs, ele me con- a loja, e ele assinou dentro chiadinho, de você olhar o vitou de seu relacionamento e passou pro Laerte, e tá lá, nil e ver a música desenhacom a música: “gosto de mú- no rótulo, o nome do Laerda. Até mesmo do cheirinho sica, sobretudo. Sou jovem te. São pessoas que eu codo vinil quando ele chega, da há muito tempo, e desde ado- nheço, e esse disco voltou, há [eletricidade] estática quanlescente, comecei a comprar uns cinco anos, às minhas do você encosta no braço. Da discos e nunca me desfiz de- mãos com esse pedigree capa ser maior, ter uma arte, les. Adoro CD também, te- todo”. uma imagem maior”, avalia.

Foto:Alinne Rodrigues

Desde 1988, seu Leontino tem um sebo de discos em casa. Quando inaugurou, trabalhava com vinil, o principal suporte para música à época. Em meados dos anos 90, com a chegada do CD, ele e muitos comerciantes de discos da cidade desfizeramse dos bolachões e dedicaram-se exclusivamente à venda dessa nova tecnologia. A partir de janeiro de 2006, entretanto, seu Leontino começou a perceber um aumento na demanda pelos discos de vinil, vinda não só de “quarentões nostálgicos”, mas também de jovens. “O negócio pegou fogo mesmo este ano. Tem gente de 15, 20 anos que vem aqui porque via os LPs dos pais e teve a curiosidade de comprar também. A procura está bem maior, e não só eu, mas meus amigos que vendem, estamos pegando vinil de novo”, disse. Com a facilidade da internet, é possível baixar para o computador pessoal toda sorte de esquisitice: a discografia completa da fase psicodélica (e obscura) de Ronnie Von e discos de Raimundo Soldado. Mas, mesmo tendo acesso aos arquivos digitais, mui-


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ENSAIO

Fortaleza, dezembro de 2006

É na Barra onde o sol se põe Callenciane Leão e Edwirges Nogueira Uma tarde na Barra. Sábado. A visão dos barcos e dos banhistas, do trânsito à beira mar e das transformações trazidas pela urbanização naquele pedaço de litoral. Tudo isso e a conhecida tensão, o perigo iminente da vida de periferia, dos olhares atentos e dos passos rápidos. Tudo isso... e a vontade de rever conceitos, fazer fotos para um jornal e ser surpreendido. Porque ali, naquele trecho de encontro entre o mar e a faixa de asfalto, atravessar pela ponte e não olhar para baixo nem para os lados é uma perca de tempo, uma falta de juízo! Olhe para a Barra, seja um pedaço daquele chão, daquelas águas, daquela gente. Um sol de rachar e um céu tão azul... Impressões que vão além do preto e branco. Os contrastes da vida, de um povo que corre, trabalha, não pára, mas não fica rico da noite pro dia. Vida difícil. Parece que só a alegria vem de graça. E viver ali, perto da Barra, não é privilégio de poucos nem de muitos, mas é o espaço que o lado Oeste de Fortaleza vem tendando desenvolver há muito tempo apesar das dificuldades.

Pouco tempo para fazer as fotos, menos de uma hora. Subimos a Ponte, uma visão de encanto. Nesse mesmo dia, Regina Casé gravava o “Central da Periferia”, programa da Rede Globo, ali pela praia, onde não paravam de chegar pessoas...

Na faixa que separa o asfalto do mar, as pessoas passeiam tranquilas, donas de si e de seu lugar. O Brasil e suas diversidades.


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