Cavalo Louco nº 12 - Revista de Teatro da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz

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Jasão é uma figura fraca, o contrário de um herói brilhante. Passividade, fraqueza e medo levam-no a pactuar com o poder. A figura de Medeia, criada por Christa Wolf, é uma Medeia desmistificada, possível. Uma mulher que, na busca pela verdade, vai ao ponto extremo de questionar e modificar a própria imagem, descendo para o lugar mais interno do desconhecimento, a fim de sair do sistema fechado que é o desconhecer. Ela é pacífica, prestativa, justa, mas não se contrapõe ao mal porque não acredita nele. Por sua atitude filantrópica, ela paga no final com a sua expulsão, o assassinato de seus filhos e a perda de quase todas as relações sociais. No seu último monólogo encontramos uma Medeia que, com exceção da própria vida, perdeu tudo o que lhe era caro e valioso, também a esperança, o medo, o amor e a dor. Ela está preenchida de um vazio que ela chama de liberdade. Nesse momento, Medeia faz sua maldição sem precisar do nome de algum deus (como a Medeia de Eurípides), e sim no seu próprio nome. Ela faz a soma, julga e pune.

A tradição ocidental, à qual pertencem as figuras da mitologia helênica, começa no oriente. “Do mar negro passando pelo Peloponeso até Atenas se desenvolve o caminho que, passando por Roma e a Idade Média cristã, leva até nós”. Este é o caminho que Medeia faz “da profundidade dos tempos ao nosso presente”. (Marie-Luise Erhardt em Medeia: Uma figura no limite dos tempos.) O prólogo do romance menciona o termo acronia, definido como “uma época dentro da outra”. A acronia possibilita o encontro desejado entre pessoas de tempos diferentes num espaço sem corpo, num corpo sonoro de vozes em cujo centro vibra a voz de Medeia. É aqui, que “os tempos se encontram” e o “nosso tempo nos atinge/encontra”. (Christa Wolf no prólogo do romance) O diálogo entre posições mitológicas e modernas revelam que o que percebemos como barbárie no mito, ainda hoje é parte de nossa cultura. O tempo que passa não resulta necessariamente numa melhora, numa evolução em direção a mais humanismo. “E eu, para onde irei? Haverá um mundo, um tempo com lugar para mim?” Com essa pergunta, no fim do romance, Medeia abre um horizonte utópico.

*Pascal Berten é ator, bailarino e tradutor.

Anexo Biografia Christa Wolf (nome de nascença: Ihlenfeld) nasceu em 1929 em Landsberg an der Warthe (hoje: Gorzów Wielkopolski, localizado na Polônia). Seus pais eram comerciantes; em 1932 nasceu o irmão Horst. Em janeiro de 1945 a família se refugiou em Mecklenburg (nordeste da Alemanha). Após a conclusão da escola em 1949, ela se afiliou ao SED (Partido Socialista Unificado da Alemanha) e começou seus estudos de germanística (linguística e literatura alemã) na universidade de Jena e Leipzig. Ela casou com Gerhard Wolf e teve duas filhas. Durante sua vida ela trabalhou como revisora, jornalista e autora. Sua obra é influenciada pelas transformações políticas e sociais na Alemanha, as viagens para diversos países da Europa e Estados Unidos e o intenso contato com outros autores. Christa Wolf foi uma pessoa da vida pública que opinava e questionava abertamente em palestras, discussões e publicações. Durante três anos ela foi Informante Secreta do Ministério de Segurança do Estado (1959 – 1962) e durante 24 anos ela e seu marido foram observados e vigiados pelo mesmo órgão (1965 – 1989). Em 2011 Christa Wolf faleceu em Berlim. Lista dos significados dos nomes das principais personagens Agámeda: a superinteligente, superlativo de Medeia Acamante: o infatigável Aretusa: ninfa da ilha Ortígia próximo a Siracusa Arina: deusa do sol e do fogo Glauce: a luzidia, a clara Ídia: aquela que sabe Ifínoe: filha de Preto de Tirinto; enlouqueceu como castigo divino Jasão: aquele que cura

Creonte: o soberano Leucon: o iluminante, o branco, o pálido Lissa: a loba; loucura, fúria; paixão imprevisível Medeia: aquela que dá conselho, que cuida, que reina Mérope: na mitologia é o nome da esposa de Sísifo de Corinto e mãe de Glauco; também esposa de Pólibos de Corinto, que cria Édipo, trazido por um pastor Estro: o furioso, aquele que tem paixão Présbon: o importante, o venerável

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