para todos aqueles que se conectam com o mar e o rio de janeiro
A primeira vez que vi o
mar,
fiquei besta.
Quando o táxi que me levava a Botafogo entrou na avenida Beira-Mar, meus olhos de treze anos quase choraram,
esse quase-lágrimas que é uma das mais deslumbrantes e plenas sensações de viver.
Prendi-me, desde então, à baía de Guanabara. A caminho do trabalho, ou a caminho de casa, ponho meus olhos no mar e deixo que suas imaginações
palpitem em mim.
Uma vez, há uns três anos, em uma tarde úmida,
aconteceu o
milagre.
Eu vinha em um lotação e olhava o mar, quando
surgiu das águas um estranho animal, enorme, muito maior do que poderia ser uma arraia ou um boto, deu um salto e voltou às profundezas.
Mas isso eu conto com reservas, por medo de passar por mentiroso.
Por que não dizer logo?
Sempre guardei no coração a incorruptível esperança de ver uma baleia. Já vi, sim, perto das Cagarras, um tubarão repousando,
solene, à superfície da água.
Não perdi de todo os confusos e absurdos pensamentos que me vieram em meus primeiros dias de contato com o mar. A minha impressão é de que aquilo - o mar era um engano da natureza, era uma coisa boa e bela demais,
um excesso de perfeições e grandezas.
Morar perto do mar, vê-lo a todo momento que nos desse vontade disso,
senti-lo, era um privilégio, uma dádiva que não merecíamos.
espantava-me que as pessoas em torno se preocupassem muito com outros assuntos que não fossem o mar.
doía-me,
como ingratidão feita a mim,
que o mar ocupasse tão pouco tempo na conversa dos outros.
Quando alguém, por acaso, se referia à sua beleza, eu me sentia mais ou menos citado nessa referência e agradecido a quem a fizesse. Eu e o mar,
profundamente sensibilizados, agradecemos -
era o que eu tinha ímpeto de dizer.
Mas não dizia.
Incorporei mais esse
segredo à minha vida,
entre os meus deslumbramentos, os meus amores, os instantes em que surpreendi o misterioso coração do mundo.
Um mundo de usuras e mesquinharias, em que o mar, o mar mais belo do que catedrais, como disse o poeta,
éo
maior espetáculo a que podemos assistir, e de graça.
Todos os direitos reservados © Este livro foi desenvolvido durante a disciplina DSG1031 — Projeto de Comunicação Visual do curso de Design da PUC-Rio no período de agosto a dezembro de 2021. Professoras Evelyn Grumach Fabiana Prado Suzana Valladares Orientação Suzana Valladares Texto Paulo Mendes Campos. Originalmente publicado no periódico Diário Carioca, coluna: Primeiro Plano, em 10 de janeiro de 1954. Fotografia e Projeto Gráfico Tereza Lumo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Campos, Paulo Mendes {1954} / Fotografias Tereza Lumo. A Primeira Vez — 1ª edição — Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2021. ISBN: 978-85-325-3121-6 1. Crônica — 2. Fotografia — 3. Campos, Paulo Mendes 4. Lumo, Tereza.
Fontes Lucida Bright, Rage Italic Papel Couchê matte 150g/m² Gráfica Trio Gráfica Digital