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Cenário pandêmico

No fim do ano de 2019, às vésperas das comemorações natalinas e de réveillon, uma doença “nova” surgia em Wuhan, no leste da China, cidade localizada a 1.177 quilômetros de Pequim, capital do país chinês. O surto da doença começou em um estabelecimento que comercializava frutos do mar e animais vivos. O que ninguém esperava é que a enfermidade se tornaria pandêmica em um curto intervalo de tempo e afetaria a população mundial socialmente, economicamente, politicamente, mentalmente, psicologicamente e culturalmente. A Covid-19, vírus SARS-CoV-2, avassalou e amedrontou a classe alta, média e baixa; ricos e pobres; brancos, negros, pardos e indígenas; homens e mulheres; bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos e natos e estrangeiros, em todo planeta. Direta ou indiretamente, ninguém saiu ileso desta pandemia. A Covid-19 é uma Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) que afeta o sistema respiratório do ser humano. Os sintomas são parecidíssimos com os da gripe: febre, tosse,

dor de garganta, dor de cabeça, cansaço e desânimo. Já os sintomas dignos de preocupação são dificuldade para respirar e pressão no peito. Segundo Cavalcante e Dutra (2020), a transmissão da doença ocorre pelo ar, contato pessoal próximo – beijos no rosto, beijos na boca, apertos de mão ou até mesmo conversa olho no olho – e por meio de superfícies e objetos contaminados – talheres, copos, dinheiro, maçanetas, botões de elevadores e corrimões, por exemplo. Pessoas com comorbidades, ou seja, que possuem doenças pré-existentes, são sensíveis e têm maior risco de desenvolver um quadro mais grave da Covid-19. Idosos, fumantes, hipertensos, diabéticos, obesos, asmáticos, renais crônicos, hepáticos crônicos, cardiopatas, portadores de câncer e imunossuprimidos são pessoas do grupo de risco que podem ter complicações no quadro clínico de Covid-19.

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A população sul-mato-grossense ficou assustada quando os primeiros casos de Covid-19 começaram a surgir no estado. Uma mulher de 23 anos e um homem de 31 testaram positivo para a doença, na tarde ensolarada e quente de 14 de março de 2020, sábado, em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. A quantidade de testes positivos aumentava a cada dia, e ao passar do tempo, o medo de pegar a doença foi tomando conta dos sul-mato-grossenses. Não demorou muito e a matança chegou ao Estado. Em 31 de março de 2020, uma idosa de 64 anos, residente no

município de Batayporã, cidade localizada a 309 quilômetros de Campo Grande, morreu de Covid-19. A notícia da primeira vítima em Mato Grosso do Sul foi manchete em jornais online e impressos e o assunto principal em telejonais e radiojornais. Em paralelo, veículos de comunicação internacionais noticiavam que centenas de pessoas morriam vítimas de Covid-19, diariamente, na Itália. Com isso, sul-mato-grossenses tinham medo e receio de sair na rua pelo fato da doença ter a marca de “matar em poucos dias”. Dia após dia, testes positivos e mortes dispararam e o estado entrou em alerta. Como forma de preservar a vida do campo-grandense, medidas de biossegurança passaram a ser adotadas para conter a proliferação do vírus da Covid-19, como uso de máscara, distanciamento social, isolamento domiciliar e higienização das mãos com álcool 70% água e sabão. Outra medida adotada pela Prefeitura Municipal de Campo Grande foi suspender compromissos que aglomeravam pessoas, com o objetivo de incentivar o distanciamento social e a quarentena. Com isso, pessoas tiveram que ficar “presas” em casa, sem frequentar trabalho, escola, faculdade, estágio, comércios, bares, restaurantes, festas e shows.

De acordo com o decreto municipal número 14.189, de 15 de março de 2020, a prefeitura da capital suspendeu aulas; realização de eventos privados e públicos; funcionamento de Centros de Convivência de Idosos, Centros de Referência de

Assistência Social e perícias médicas realizadas pelo município. Portanto, as obrigações diárias, como trabalho, escola, faculdade e estágio passaram a ser ministrados a distância, através da internet. Aliás, internet e tecnologia foram grandes aliadas durante este período. O homeoffice (trabalho em casa, em inglês) e a educação a distância (EaD) se tornaram necessidade do dia para a noite e foram as soluções encontradas para dar continuidade aos estudos e trabalho, mesmo que por trás de um computador. Para evitar aglomerações em espaços abertos ou fechados e barrar a proliferação do vírus, a prefeitura de Campo Grande definiu por meio do decreto número 14.380, de 14 de julho de 2020, a paralisação total de atividades econômicas e sociais, consideradas não essenciais, por dois fins de semana, no período de 18 a 31 de julho de 2020. Com isso, foram fechados aos sábados e domingos bares, restaurantes, lanchonetes, lojas, conveniências, comércio, academias, shoppings, salões de beleza, escritórios, entre outros. A exceção foi para serviços de saúde, farmácias, drogarias, supermercados, mercados, hipermercados, açougues, padarias, feiras, postos de combustíveis, serviço de delivery, funerária, hotelaria, igrejas e atendimento veterinário. A prefeitura da capital também decretou em 25 de março de 2020, o toque de recolher das 20h às 5h no município. Com isso, tornou-se proibida a circulação de pessoas em

estabelecimentos, parques, praças e ruas. Pessoas que desrespeitaram o toque de recolher tiveram seus veículos apreendidos e foram conduzidas de maneira forçada pelas autoridades municipais. O intervalo do toque de recolher foi encurtado a medida em que casos e mortes diminuíram das 21h às 5h, 22h às 5h, 23h às 5h ou 00h às 5h. Com medo da “doença nova”, as pessoas passaram a usar voluntariamente máscara facial, equipamento de proteção individual (EPI) que tampa nariz e boca. Ao decorrer dos dias, com o aumento de casos e de mortes, o uso da máscara passou a ser obrigatório em locais fechados em Campo Grande, de acordo com o decreto n. 14.354, de 18 de junho de 2020, da prefeitura da capital. A exceção foi para prática de atividades físicas, crianças menores de quatro anos e pessoas com deficiência intelectual ou transtornos psicossociais.

Até 25 de outubro de 2022, o vírus infectou 582.005 sul-mato-grossenses. Desse número, 26.689 (5%) têm de 0 a 9 anos; 47.297 (8%) de 10 a 19 anos; 111.409 (19%) de 20 a 29 anos; 130.897 (22%) de 30 a 39 anos; 108.614 (19%) de 40 a 49 anos; 78.918 (14%) de 50 a 59 anos; 46.139 (8%) de 60 a 69 anos; 21.890 (4%) de 70 a 79 anos e 8.632 (1%) de 80 a 89 anos.

Os municípios do Estado com maior número de casos são Campo Grande (330 mil testes positivos); Dourados (53.385) e Três Lagoas (32.226). Em Mato Grosso do Sul, o re-

corde de casos confirmados ocorreu em 1º de fevereiro de 2022, quando 4.902 pessoas testaram positivo em um único dia. O índice de recuperados no Estado foi expressivo. Dos 582.005 contaminados, 570.135 foram curados, ou seja, 97,9% das pessoas se recuperaram em Mato Grosso do Sul. Porém, a Covid-19 tirou a vida de 10.843 pessoas em Mato Grosso do Sul até 25 de outubro de 2022. Desse número, 1% tem de 20 a 29 anos; 5% de 30 a 39 anos; 11% de 40 a 49 anos; 18% de 50 a 59 anos; 22% de 60 a 69 anos; 23% de 70 a 79 anos; 16% de 80 a 89 anos e 4% 90 anos ou mais.

Atualmente e lastimavelmente, são 10.843 famílias que choram a perda de seus entes queridos. O recorde de mortes ocorreu em 12 de junho de 2021, quando 73 pessoas perderam a vida em um único dia. O expressivo número de mortes fez cemitérios organizarem fila de espera para funeral e enterros no primeiro semestre de 2021. O pico de mortes passou, mas famílias vivem o luto da perda de seus entes diariamente. É possível comparar o vírus como um furacão que, por onde passava, deixava caos, destruição, mortes e tristeza. Nos hospitais não foi diferente. Com aumento dos casos, mortes e internações, os hospitais ficaram superlotados. O pico e recorde de internados ocorreu em 8 de junho de 2021, quando 1.339 pessoas encontravam-se hospitalizadas, em um intervalo de 24 horas, em Mato Grosso do Sul.

As equipes médicas, medicamentos e recursos eram insuficientes para atender tamanha demanda de pacientes. Eram muitos pacientes para poucos médicos. Leitos foram duplicados e, mesmo assim, leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ainda tiveram que ser improvisados e a ala clínica se transformou em UTI. Remédios do “kit intubação”, como sedativos, analgésicos e relaxante neuromuscular, estavam em falta nas distribuidoras primeiro semestre de 2021, devido ao uso frequente. O Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS), referência no tratamento da Covid-19, atendeu 7.781 pacientes de 2020 a 2022. Desses, 5.559 receberam alta e 2.219 morreram. Os profissionais da área da saúde que trabalharam no HRMS, na linha de frente em combate a Covid-19, também não saíram ilesos: dos 2.151 servidores infectados, oito faleceram. Na Santa Casa de Campo Grande, maior hospital de Mato Grosso do Sul, dos 222 pacientes atendidos, 45 precisaram de intubação em algum momento do tratamento e 57 perderam a vida para a doença. O ano de 2021 começou com notícias boas e esperança, pois uma luz era vista no fim do túnel: a vacina. Não demorou muito e na tarde chuvosa de 18 de janeiro de 2021, por volta das 15 horas, 156 mil doses da Coronavac desembarcaram do avião da Força Aérea Brasileira (FAB), no Aeroporto Internacional de Campo Grande (CGR).

O “pouso da esperança” foi em homenagem às milhares de vidas perdidas no estado. Foi emocionante e histórico. A vacinação contra Covid-19 teve início no dia seguinte, em 19 de janeiro de 2021. De acordo com dados do vacinômetro, site que divulga números oficiais e em tempo real do processo de vacinação, 88,65% da população sul-mato-grossense está vacinada com uma dose e 79,48% imunizada com duas doses ou mais, até 28 de outubro de 2022. Ao todo, 5.957.708 doses foram aplicadas, sendo 2.259.125 da primeira, 1.970.209 da segunda, 1.181.178 da terceira, 282.922 da quarta e 257.938 da dose única. O avanço na vacinação é responsável pela queda no número de testes positivos, internações e mortes por Covid-19. Aliás, foi impressionante o ‘antes’ e o ‘depois’ dos hospitais, após a vacinação. Após melhora da pandemia, o uso de máscara deixou de ser obrigatório em todos os ambientes abertos e fechados de Campo Grande – inclusive em ônibus, hospitais e unidades de saúde e hospitais –, de acordo com o decreto número 15.357, de 25 de agosto de 2022, da prefeitura da capital. Após a desobrigatoriedade do uso da máscara, o campo-grandense até respirou melhor (literalmente).

Decreto da prefeitura de Campo Grande, número 14.858, de 18 de agosto de 2021, revogou o toque de recolher e fechamento de atividades não essenciais, após a melhora da pandemia.

A intubação é um dos recursos médicos finais no combate à doença. É o procedimento que pode estabilizar o quadro de falência respiratória causada pelo vírus da Covid-19. Segundo Cremonesi e Halpern (1990), o procedimento é considerado de risco e pode trazer complicações clínicas para o paciente, como fraturas ou luxações na coluna cervical, lesões de lábios, ferimentos na língua e nariz, traumas dentários, deslocamento de mandíbulas e lesões e perfurações das vias aéreas e esôfago. Algumas pessoas intubadas com Covid-19 falecem em decorrência do quadro clínico delicado, mas, felizmente, outras são extubadas e sobrevivem ao vírus. Nas páginas a seguir, três pacientes relatam “a volta por cima” após dramas semelhantes vividos durante a pandemia. Teresinha, Arlete e Edgar são a prova viva – literalmente – de que casos dados como irreversíveis são sim possíveis e por isso estão aqui para compartilhar sua experiência quase “morte”. Mais que isso, elas relatam a transformação que a doença trouxe para suas vidas.

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