[cemiteriodoslivros02]o jogo do anjo carlos ruiz zafon

Page 99

PDL – P ROJETO D EMOCRATIZ AÇÃ O

DA

L EITUR A

— Mandei pedir, mas a editora não enviou nenhum. Deixe eu ver direito. Foi até o balcão onde consultou um de seus colegas, que negou. — Tinha que chegar ontem, mas o editor diz que não tem mais. Sinto muito. Se quiser, posso lhe reservar um quando chegar... — Não se preocupe. Passarei outro dia. E muito obrigado. — Sinto muito, cavalheiro. Não sei o que aconteceu, pois já deveria ter algum... Ao sair da livraria, procurei uma banca de jornais que ficava na entrada da Rambla. Lá comprei quase todos os jornais do dia, desde La Vanguarda até La Voz de Industria. Sentei no café Canaletas e comecei a folhear suas páginas. A resenha do romance que tinha escrito para Vidal estava em todas as edições, em página inteira, com títulos enormes e um retrato de dom Pedro em que ele parecia pensativo e misterioso, exibindo um terno novo e saboreando seu cachimbo com estudado desdém. Comecei a ler os diferentes títulos e o primeiro e último parágrafo das resenhas. O primeiro que encontrei começava assim: "A Casa das Cinzas é uma obra madura, rica e de grande alcance, que nos reconcilia com o melhor que a literatura contemporânea tem a oferecer." Outro jornal informava ao leitor que "ninguém escreve melhor na Espanha que Pedro Vidal, nosso mais respeitado e reconhecido romancista", e um terceiro sentenciava que a obra era "um romance capital, de feitura magistral e extraordinária qualidade". Um quarto diário apontava o grande sucesso internacional de Vidal e sua obra: "A Europa se rende ao mestre" (embora o romance tivesse acabado de sair na Espanha e, até ser traduzido, não seria publicado em nenhum outro país antes de um ano). A matéria se estendia num comentário prolixo sobre o grande reconhecimento e o enorme respeito que o nome de Vidal suscitava entre "os mais notáveis especialistas internacionais", embora, que eu soubesse, nenhum de seus livros tenha sido traduzido em língua alguma, à exceção de um romance cuja tradução para o francês o próprio dom Pedro tinha financiado e que vendeu 126 exemplares. Milagres à parte, o consenso na imprensa era de que "havia nascido um clássico" e que o romance marcava "o retorno de um dos grandes, a melhor pena de nossos tempos: Vidal, mestre indiscutível". Na página oposta de alguns daqueles jornais, num espaço mais modesto de uma ou duas colunas, encontrei também uma ou outra resenha do romance do tal David Martín. A mais favorável começava assim: "Obra bisonha e de estilo rústico, Os Passos do Céu, do novato David Martín, evidencia desde a primeira página a falta de recursos e de talento de seu autor." Uma segunda estimava que "o principiante Martín tenta imitar o mestre Pedro Vidal sem conseguir". A última que consegui ler, publicada em La Voz de la Industria, abria


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.