Madeira na Arquitetura Moderna Brasileira, Taís de Moraes Alves

Page 25

A experiência construtiva também demonstrou que os edifícios em madeira resistem relativamente bem aos tufões e terremotos observados com certa frequência no Japão. Como explica Kiyosi Seike (1990, p. 12), uma casa em madeira tem um período de reverberação curto, o que evita que a construção entre em ressonância com as ondas de reverberação de um tremor de terra. Além disso, a fricção entre as conexões em madeira absorve a energia de grande amplitude que ocorre no começo de um terremoto.

Para Lévi-Strauss (2012, p. 85-86), a simetria entre a cultura japonesa e a europeia as uniria na medida em que as opõem, pois “Elas parecem a um só tempo semelhantes e diferentes, como a imagem simétrica de nós mesmos, refletida por um espelho (...)”. A seguir, Lévi Strauss aventa que seria justamente essa simetria que permitiria “(...) melhor compreender a profunda razão pela qual, em meados do século XIX, o Ocidente teve a sensação de se redescobrir nas formas da sensibilidade estética e poética que o Japão lhe propunha”.

Apesar de todos esses fatores fazerem da madeira um material extremamente adequado para a construção no Japão, na opinião de Kiyosi Seike (1990, p. 12) o prematuro surgimento de projetos de reflorestamento no Japão, cujas primeiras experiências datam da segunda metade do século XVII, estaria mais ligado à crença no kodoma, ou espírito da árvore, do que a motivações econômicas e políticas.

Esse texto de Lévi-Strauss talvez forneça elementos para que compreendamos a importância da arquitetura tradicional japonesa para a obra de arquitetos modernos como Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, tanto em termos gerais, quanto em relação ao tratamento dado à madeira. As especificidades da arquitetura japonesa com madeira também iria influenciar o uso desse material por arquitetos brasileiros como Lucio Costa, Oswaldo Bratke, Severiano Porto e Marcos Acayaba, como veremos mais adiante.

Seria justamente o significado particular que a cultura japonesa atribui à árvore e à construção com madeira que explicariam, para Klaus Zwerger (2012, p. 32), a razão pela qual a maior e a mais antiga estrutura em madeira do Budismo – um dos templos de Todai-ji e o complexo de templos Horyu-ji, construído no século VII − ainda estão em boas condições. Na opinião do estudioso, a ideia de transitoriedade de todas as coisas, tema fundamental do budismo, e a consequente aceitação da suscetibilidade da madeira ao tempo teria feito com que os antigos japoneses desenvolvessem procedimentos, rituais e técnicas que permitiram contornar o caráter perecível da madeira, aumentando, ironicamente, a durabilidade de seus edifícios. O modo particular como a arquitetura japonesa faz uso da madeira é mais um aspecto, entre tantos outros, que diferenciam sua cultura daquela que chamamos ocidental. Lévi-Strauss comenta em seu texto Domesticar a Estranheza (2012, p. 83-84) a ideia de que de que os japoneses fariam muitas coisas de modo exatamente contrário ao que os europeus consideram conveniente: “(...) as costureiras japonesas enfiavam suas agulhas empurrando o buraco pelo fio ao invés de empurrar o fio pelo buraco (...) os japoneses montavam a cavalo pela direita, contrariamente a nosso costume(...)” e ainda hoje “(...) o visitante estrangeiro se espanta que o marceneiro japonês serre puxando a ferramenta para si e não empurrando-a”.

A Arquitetura Tradicional Chinesa A despeito da relevância da arquitetura tradicional japonesa para a arquitetura moderna ocidental, não podemos deixar de comentar a experiência com madeira da arquitetura tradicional chinesa, na qual esse material, embora não exclusivo, era predominante (Zwerger, 2012, p. 266). Infelizmente, poucos monumentos em madeira da arquitetura tradicional chinesa resistem até os dias de hoje, sendo necessário preencher certas lacunas históricas a partir da pesquisa da influência da cultura arquitetônica chinesa em edifícios japoneses (Zwerger, 2012, p. 266). Segundo Klaus Zwerger (2012, p. 266), a destruição de grande parte desse patrimônio poderia ser explicada por guerras, incêndios, pela chamada perseguição aos budistas e, mais recentemente, pela Revolução Cultural. Roland Schweitzer (in Herzog et al., 2008, p. 27) cita ainda o costume de que cada nova dinastia destruísse os palácios e vilas construídos por aquela que a havia precedido. De qualquer modo, podemos encontrar na China pré-industrial tanto edifícios construídos com toras, como com o chamado sistema poste-e-viga, o qual, com estrutura independente de pilares e vigas, constituía o modo de construir com madeira mais difundido nessa região (Zwerger, 2012, p. 268).

21


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.