A garota de papel - Guillaume Musso

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A campainha tocou. Luca se debruçou na janela e percebeu a silhueta arqueada da mãe. Desceu para falar com ela, mas, quando abriu a porta, ela havia desaparecido, contentando-se em deixar um grande envelope na caixa de correspondência. Ele franziu as sobrancelhas e abriu o envelope sem demora. Continha exatamente as fotografias e os documentos que ele pretendia pedir ao irmão! Como ela adivinhou? Subiu de volta ao ateliê e esparramou sobre a bancada de trabalho as lembranças de uma época remota. Verão de 1980: o ano de seus dezoito anos, o encontro com Stella, seu primeiro amor, filha de um pescador de Porto Venere. Seu passeio pelo porto em frente à confusão de casinhas estreitas e multicoloridas que davam para o mar; os banhos de mar vespertinos na pequena baía. Natal do mesmo ano: Stella e ele passeando pelas ruas de Roma. Um flerte de férias que resistiu ao verão. Primavera de 1982: a nota de um hotel de Siena, a primeira noite de amor do casal. 1982: todas as cartas que haviam escrito um para o outro aquele ano. Promessas, planos, entusiasmo, um turbilhão de vida. 1983: um presente de aniversário dado por Stella, uma bússola que ela comprara na Sardenha, gravada com a seguinte inscrição: “Para que a vida o traga sempre para mim”. 1984: primeira viagem aos Estados Unidos. Stella de bicicleta na Golden Gate. A neblina no ferry para Alcatraz. Os hambúrgueres e milk-shakes do Lori’s Diner. 1985: risadas, mãos se estendendo... um casal protegido por um escudo de diamantes... 1986: ano em que vendeu sua primeira tela... 1987: Vamos ter um filho ou esperamos um pouco mais...? As primeiras dúvidas... 1988: a bússola perdendo o norte... Uma lágrima silenciosa escorreu pela face de Luca. Porra, só falta se mijar todo. Tinha vinte e oito anos quando rompera com Stella. Uma fase sórdida, em que tudo desandara em sua vida. Não sabia mais que sentido dar à sua pintura e fora seu lar que sofrera as consequências disso. Uma manhã, se levantara e ateara fogo em suas telas, como acabava de fazer naquele dia. Depois, fugira como um ladrão. Não explicara nada, agindo por impulso, só pensando nele e em sua pintura. Encontrara refúgio em Manhattan, onde mudara seu estilo, deixando de lado o figurativo para depurar seus quadros ao extremo até pintar apenas monocromáticos esbranquiçados. Casara-se então com uma esperta galerista, que soubera promover seu trabalho e lhe


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