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Entendendo a morte

Dos processos emocionais do ser humano, o luto é um dos mais particulares. Embora solitário no sentir, sua superação vem de uma rede de apoio. No caso de jovens, o suporte emocional da família e dos amigos é ainda mais importante. Para entender como funciona o luto em jovens e crianças, conversamos com Ana Lúcia Naletto, psicóloga especialista em luto e coordenadora do Centro Maiêutica, em São Paulo.

Texto:

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Débora Sander

TAG – Quais são as particularidades do luto na criança?

Ana Lúcia Naletto – Acredito que, antes de tudo, é importante dizer que a criança vive, sim, o luto. Muitas pessoas acham que não por esse processo ser diferente na criança e no adulto. Em geral, reconhecemos alguém de luto como uma pessoa visivelmente triste e chorando. Se a criança não fica desse jeito, entendemos que ela não está de luto, mas isso não é verdade. Se ela tinha um vínculo importante com quem morreu, ela vai viver o luto. A forma como isso vai se manifestar varia conforme o contexto e a idade. A passagem do tempo para ela é algo muito diferente do que é para nós. O próprio conceito da irreversibilidade da morte é algo que as crianças menores não têm muito claro. Para elas, “nunca mais” é uma coisa muito abstrata. Na criança, o luto pode se manifestar como um comportamento mais arredio, arisco, irritadiço, apático. Outra manifestação muito comum é que ela fique mais apegada, grudada, querendo saber onde o

adulto está, a que horas volta, querendo dormir junto. Às vezes elas ficam com raiva da pessoa que morreu, porque é quase um abandono. Elas não entendem que a morte não é uma escolha.

Quais são os principais desafios que os adultos encaram ao lidar com o luto infantil, quando eles mesmos estão, muitas vezes, enlutados?

Quando os adultos que estão acolhendo a criança também estão de luto, existe uma tendência a acolher o núcleo mais frágil. As pessoas costumam se voltar para quem elas acham que está mais ferido, ou para quem está demonstrando mais. Então, se há uma criança de luto, muitas vezes o adulto suprime a própria dor para tentar dar conta da criança. É comum quando morre um dos genitores, por exemplo: morre a mãe, aí o pai se preocupa em dar aquela força para os filhos, mas na verdade ele está de luto também. Eu costumo dizer que, em uma família, quando acontece uma morte, são vários feridos. Todos estão machucados, cada um de um jeito.

Como agir quando a criança se recolhe a ponto de não querer falar? Até onde se deve respeitar esse limite que ela coloca, ou, por outro lado, como estimular que ela fale sem desrespeitar seu direito ao silêncio?

Nesse aspecto, acho muito importante que o profissional que acolhe uma criança que passou por uma situação de perda seja alguém com formação nos estudos do luto, porque às vezes a dor da pessoa é tão intensa que ela não tem condições de falar. Como terapeuta do luto, eu tenho que entender que dar conta disso é importante. Para ela ser tratada, não precisamos necessariamente falar sobre o assunto. E aí se constrói a confiança de saber que ela pode estar com alguém que olha para ela sem essa sombra de tudo o que ela viveu. Tem muito luto que não dá para mexer

diretamente, que leva tempo, e a pessoa tem que sentir que há espaço para isso. Ter o seu desejo de não falar respeitado já é terapêutico em si. De qualquer forma, é importante abrir o canal de comunicação com a criança para ela saber que pode falar, que os adultos aguentam aquele assunto.

Qual é a melhor forma de falar sobre morte com crianças? É importante conversar sobre o assunto mesmo antes de que alguém próximo morra, para que ela esteja preparada?

Preparado, mesmo, ninguém está. Mas, quando o assunto não é tabu, isso é mais bem digerido, mais bem tratado, a dor do luto é mais bem cuidada. Uma família que fala abertamente sobre o assunto ajuda a criar um ambiente mais saudável para uma eventual situação de perda. Se ela for poupada do tema da morte até o momento em que viver uma situação mais pesada, vai ser uma carga muito maior para processar. E os adultos acham que precisam florear um pouco a questão da morte, então, em vez de dizerem que uma pessoa morreu, dizem que foi morar com o papai do céu, que virou estrelinha etc. Isso não faz bem para a criança. Ela precisa da concretude, da palavra “morrer”. Se disser que foi morar com o papai do céu, ela pode achar que foi uma opção, pode se sentir abandonada. O que a gente orienta é sempre usar a palavra “morreu” e explicar que a pessoa não volta mais. Depois, você pode dar um sentido mais espiritual, religioso, simbólico.

Você acredita que a literatura tem um papel no processo de luto? Mergulhar em obras que falem sobre essa dor, escrever sobre essa dor, seriam ferramentas relevantes para lidar com uma perda?

A arte e a vida psíquica deveriam caminhar juntas, porque a arte é uma forma de a gente dar contorno

às nossas experiências emocionais, inclusive a dor. Na terapia de luto, usamos muito a literatura infantil sobre o assunto, seja direta ou indiretamente. É uma forma de acessar a situação com conforto, como se você colocasse um travesseiro para não deitar direto no chão. Quando a pessoa está lendo um livro, ela se permite experimentar com segurança as sensações do personagem, porque não é ela que está vivenciando aquilo de fato. A gente também sugere que a pessoa em luto produza, escreva. A escrita é uma via de expressão, e dentro do processo de luto a expressão é fundamental. Eu achar um jeito de por a minha dor para fora é imprescindível para eu não adoecer, física ou emocionalmente. Tem gente que não chora facilmente, por exemplo, e o choro é uma forma de expressão, mas não é a única. Então, essa pessoa pode se expressar escrevendo, lendo, criando. Há muitas pessoas que pedem leituras que ajudem a compreender o luto, mas essas não são leituras técnicas, e sim histórias de pessoas que passaram por isso. A literatura pode ser também uma distração dessa dor: a pessoa pode ler um livro sobre alguém que viaja, vive várias aventuras que não têm nada a ver com o luto e a morte. Enquanto ela está lendo aquele livro, ela não está em contato com a dor. Nesse sentido, a leitura pode ser tanto um jeito de entender o luto quanto uma maneira de fugir dele – assim como o cinema, a música e as artes no geral, que também desempenham esse papel.

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