14 Indicação do Mês
Entrevista: Sérgio Rodrigues O que você diria ao nosso associado, que se encontra agora com Desonra em mãos, prestes a lê-lo? Diria que ele tem nas mãos um dos maiores romances do século 21. Essa posição, se não é exatamente uma unanimidade na crítica internacional, chega tão perto disso quanto possível. Desonra não é um romance de entretenimento. Deixa-se ler com facilidade, nada tem de difícil na superfície, mas engana. É um livro estranho, incômodo, que fica ecoando por muito tempo na cabeça do leitor. Quais são, para você, as maiores qualidades da obra e do autor? Coetzee é o maior investigador de dilemas éticos da literatura contemporânea. Mantém um olhar firme, implacável, quase frio, sobre cenas e situações diante das quais a maioria dos escritores desvia os olhos. Ao mesmo tempo é um escritor muito inteligente e muito sutil, que trata da violência sem jamais ser apelativo e busca o sentido humano - embora isso nada tenha de redentor, pelo contrário - por trás das maiores atrocidades. Desonra narra o processo de decadência e aniquilação de um professor universitário na África do Sul pós-apartheid. Esse homem orgulhoso e meio antiquado se vê de repente esmagado entre duas engrenagens históricas imensas: a ascensão do ambiente politicamente correto na universidade e a confusão sociopolítica que se instala em seu país com o fim do regime racista. A frase inicial do livro é emblemática, seca, sem rodeios: “Para um homem de sua idade, cinquenta e dois, divorciado, ele tinha, em sua opinião, resolvido muito bem o problema de sexo”. Acha que esse início ilustra o estilo de escrita de Coetzee, tanto em Desonra quanto em outros livros? Sim, é uma amostra perfeita. A prosa de Coetzee, na maioria de seus livros, é seca e sem enfeites. Ele usa palavras simples e construções diretas, vai logo ao ponto. Também não tem muita afinidade com o humor, ou melhor, o humor existe, mas é tão seco e ácido que quase não o percebemos. A complexidade da sua literatura se instala abaixo da superfície do texto. Está sobretudo na dimensão ética da história, a das escolhas que um ser humano faz - ou se recusar a fazer - diante das sinucas que o mundo lhe aplica.