A Corte no Brasil e o Processo da Independência

Page 1

A Corte no Brasil e o Processo da Independência Luís Araújo* *Historiador

Invasões francesas No início do mês de Novembro de 1807 crescem comentários sobre os possíveis acontecimentos políticos que ameaçam e abalam o império Português. Surgem comentários que as forças francesas encontram-se junto à fronteira de Espanha, esperado a qualquer momento ordens para invadir Portugal. Desde a assinatura do Tratado entre França e Rússia, em Julho de 1807 a situação agrava-se e os franceses começavam voltar a sua atenção para a Península Ibérica. Depois de algumas negociações entre Portugal e França, o fracasso motiva os franceses a invadir Portugal. Assim perante o perigo iminente, na madrugada de 25 de Novembro o Conselho de Estado decidiu a retirada da corte portuguesa com destino ao Brasil. Segundo o historiador brasileiro Luís Norton, Martim Afonso de Souza provavelmente terá sido um dos primeiros a aconselhar ao monarca para retirar-se para a América do Sul, esta situação não era nova na história visto que o Padre António Vieira teria aconselhado D. João IV a transferir-se para o Rio de Janeiro, procurando um lugar mais seguro e distante das pretensões espanholas. Outra situação semelhante estudada por Marquês de Pombal no ano de 1792 quando o exercito espanhol invadiu Portugal. Marquês de Pombal chegou mesmo a preparar naus para conduzir a Família Real ao Brasil caso o inimigo conquista-se Lisboa, e por fim em 1801 o Marquês de Alorna aconselha D. João e sua família real a retirar-se para o Brasil,1 o que acontece também mais tarde em 16 de Agosto de 1803, por Rodrigo de Sousa Coutinho.2 Portugal sofria pressão da parte do governo francês em travar guerra com Inglaterra, no entanto D. João garantiu à Inglaterra que não iria acatar exigências francesas, mas reconhecia que não tinha capacidade de enfrentar forças coligadas de França e Espanha a não ser que tivesse o apoio dos ingleses.

1 2

Lima, Manuel de Oliveira, 1996 D. João VI no Brasil (3ª.ed). Rio de Janeiro: Topbooks, p.46. Pereira, Ângelo, 1996 D. João Príncipe e rei (4 volume). Lisboa: 1953-1958


Os “afrancesados” apercebendo-se que a Corte preparava uma saída estratégica de Portugal, enviam uma delegação ao encontro de Junot para que Napoleão Bonaparte prepara-se uma constituição e um rei para Portugal que segundo esta delegação, a Corte tinha deixado Portugal sem rei e sei lei.

Embarque da Corte Com a chegada das tropas de Junot em Portugal, no dia 27 de Novembro de 1807 a Família Real inicia o seu embarque e no dia 29 de Novembro de 1807 comandada pelo vice-almirante Manuel da Cunha Souto Maior3 junto com uma frota inglesa, a frota portuguesa composta de oito naus, quatro fragatas, dois brigues e uma escuna largava ferro levando consigo cerca de 7 mil a 15 mil levanta âncora em Lisboa. Aqueles que não conseguiram lugar nas naus, seguiram em mais 30 navios mercantes. A cidade de Lisboa ficou para trás cheia de pessoas com lágrimas4 e com medo de que brevemente seriam atacados pelos franceses, exército inimigo que deveria ser tratado como amigo segundo as ordens do regente. A bordo das naus a vida não era fácil, a confusão reinava, a água durante a viagem ia faltando os alimentos estragavam-se e as condições de higiene eram deploráveis. As pessoas dormiam amontoadas e as grandes vagas causavam pânico. Os piolhos propagavam-se de tal maneira que D. Carlota Joaquina e as suas quatro filhas que viajavam com ela sujeitaram-se a raparem cabelo. Os ventos oceânicos causavam estragos nos barcos. Desembarque Em 22 de Janeiro de 1808, Príncipe Regente desembarcou em Salvador da Baía depois de quase dois meses de uma viagem castigadora. Era a primeira vez que um soberano europeu pisava território americano. O povo corria para ver ao vivo a corte portuguesa e desembarcar.Já no território brasileiro D. João recebe as autoridades locais e todos aqueles que desejassem falar com o príncipe regente, ele estava disponível para ouvir a todos. A carta régia de 28 de Janeiro de 1808 colocava fim ao velho sistema colonial. O regente passou a consultar os interesses locais iniciando uma acção política concebida já como brasileira. 3

Sepúlveda, Cristóvão Aires de Magalhães, 1932 História Orgânica e Politica do Exercito Português – provas, volume XVII, Invasão de Junot em Portugal. Coimbra: Impressa da Universidade, p.130-131 4 Barreto, José Trazimundo Mascarenhas (dom), 1926 Memórias do marquês de Fronteira e d’Alorna. Coimbra: Imprensa da Universidade, p. 30-33.


Depois de quase um mês de festejos a comitiva régia viaja para o Rio de Janeiro onde novamente são recebidos em pompa e circunstância. D. Maria é transportada numa cadeirinha acompanha pela família. A aclamação de D. João na América reforçava a ascendência do Rio de Janeiro sobre o restante do país, assim como o peso politico da parte brasileira no interior do império. No entanto a chegada de tantas pessoas ao território português causou problemas de aumento populacional, pois a cidade não estava preparada para receber tanta gente ainda mais pessoas nobres e distintas, onde a sua acomodação não poderia ser simples. Para isso foram disponibilizados edifícios públicos e particulares enquanto os seus proprietários foram desalojados como o caso dos frades carmelitas, que se viram despejados da casa que haviam construído e habitavam durante séculos. D. João preferiu como residência a Quinta da Boa Vista, alguns nobres preferiram estabelecer-se nas cercanias da cidade. Desenvolvimento joanino O Rio de Janeiro torna-se assim a capital do império português. Inicia-se o processo de desenvolvimento, com a construção civil, ergueram-se igrejas, palácios, casas, lojas e armazéns, abriram-se novos arruamentos. Passaram a desenhar praças e jardins, fundam-se hospitais, escolas e instituições de cultura. Inicia-se também processo do desenvolvimento na área da agricultura com a difusão de conhecimentos assim como mineralogia, indústria e comércio. A cultura também sofre um progresso acentuado com a criação de bibliotecas e de academias. D. João inicia a constituição de um novo governo, criando diversos organismos como apoio ao novo governo e também para a ligação com o conselho de Regência, em Lisboa, como o caso do Conselho Supremo Militar e de Justiça, a Intendência - Geral da Policia, a Mesa da Consciência e ordens, o Desembargo do Paço, Casa da Suplicação, e a Junta Geral do Comércio. Em 13 de Maio inaugura-se a Gazeta do Rio de Janeiro por altura do aniversário do príncipe regente. Para garantir a economia do país cria-se o Banco do Brasil com o objectivo em alargar os benéficos do banco nacional a todas as capitanias levando assim a abertura de filiais em outras cidades do Brasil. No sentido de formar pessoal qualificado para as funções bancárias necessárias, D. João cria uma cadeira de Economia Politica no Rio, e estabelecimentos de ensino público.


Em 19 de Fevereiro de 1810 D. João assina o Tratado de Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação com a Inglaterra e abre os portos à Inglaterra para aumentar o poder comercial da colónia. Portugal perante a situação de dependência relativamente à Inglaterra, não se encontrava em condições em reagir a um acordo que prejudicava os seus interesses comerciais e manufactureiros. Assim as mercadorias britânicas pagariam taxas aduaneiras mais baixas do que os portugueses e as restantes nações amigas5, assim seria o fim do pacto colonial. A esposa de D. João, D. Carlota Joaquina opôs-se o casamento da sua filha mais velha, D. Maria Teresa, com o D. Pedro Carlos de Bourbon e Bragança que vem a morrer por causa da sua vida débil. No entanto D. João por manter as boas relações com Espanha logo procura com que as suas filhas casem com outros homens da família de Bourbon. D. Carlota Joaquina deseja acompanhar as suas filhas a Espanha, mas com a morte da sua sogra isso não vai acontecer. Perante a morte de D. Maria I em 16 de Março de 1816, só ou fim de 2 anos em 1818 é que D. João foi aclamado como rei. As dificuldades começam bem cedo a surgir a D. João VI com as revoltas que surgem em Pernambuco chefiada por Gomes Freire Andrade. Em 1816, D. João VI cria o Reino Unido, passando a designar nos seus documentos como «Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves». Assim, Brasil passaria de uma condição colonial para receber maiores privilégios o que causaria uma onde de contestação em Portugal.6 Volta do rei a Portugal e fim do Império Luso-Brasileiro De Inglaterra os jornais publicavam comentários que o rei deveria voltar para Portugal. D. João VI evitava a todo o custo que isso acontecesse, pois achava que a presença da corte no Brasil seria a única solução para defender a população portuguesa dos perigos da Europa. Para que isso acontecesse era necessário que funciona-se um poder organizado em Lisboa. Mas a revolta liberal que ocorreu, era necessário o rei voltar para evitar a anarquia existente. Em Agosto de 1820 ocorre no Porto a revolução liberal, revolução que era organizada por adeptos das ideias liberais.

5 6

Silva, Maria Beatriz Nizza da(coord.),1986 O Império Luso-Brasileiro 1750-1822, Editorial Estampa, Lisboa: p.384 Ibidem, p.384,385


No mês de Setembro a Junta Provisória de Governo obriga a todos os portugueses a jurarem uma constituição provisória, baseada na construção Cádis. Em Janeiro de 1821, Portugal dá inicio às cortes gerais extraordinárias e constituintes para formar uma nova constituição.7 D. João VI em Fevereiro ordena que deputados do Brasil, Açores, Madeira e Cabo Verde participem nessa assembleia. Os portugueses exigiam agora que os benefícios concedidos ao Brasil findassem e a restauração imediata da normas do antigo pacto colonial. Para isso exigiam a volta do rei D. João VI para que tais reformas fossem legitimadas. Perante esta situação preocupante para D. João VI e com o receio de perder o seu titulo nobiliárquico, o rei apressa-se a retornar a Portugal deixando no Brasil o seu filho D. Pedro, como príncipe regente do território brasileiro.8 Com a ida de D. João VI para Portugal, as elites brasileiras aperceberam-se que o processo revolucionário português poderia por em causa os benefícios outrora conquistados. A partir deste momento vários proprietários de terra bem como comerciantes começam a expressar o seu apoio a uma possível independência brasileira. Mas as elites brasileiras não concordavam com uma revolta popular ou sua participação dando origem a uma república que não seria de agrado a estas elites. Em resposta a esta situação que se tornava ameaçadora para tais, estas elites apoiaram um projecto de independência conservador liderado por uma monarquia dirigida por D. Pedro I. Assim D. Pedro I deu maior autonomia às autoridades militares nacionais e exigiu que todas as medidas régias vindas de seu pai de Portugal fossem analisadas atempadamente. D. Pedro inicia naquela época uma aproximação de figuras políticas importantes no sentido de instaurar o processo de independência. Estas medidas que o príncipe regente estava a tomar desagradavam imensamente ao governo de D. João VI, isto porque impedia novamente um projecto «recolonização» do território brasileiro. Para abortar tal processo de independência do Brasil, as cortes portuguesas exigiam o retorno imediato de D. Pedro para Portugal. Mas essa não era a vontade do príncipe regente e muito menos das elites que o apoiavam politicamente. Perante esta situação D. João VI ameaça enviar tropas caso D. Pedro não regressa-se. 7 8

Silva, op. cit., p.387 Ibidem, p. 387-388


D. Pedro não vendo outra solução para o problema, proclama 7 de Setembro de 1822 a independência do Brasil junto às margens do rio Ipiranga. Apesar de alguns conflitos com as tropas de Portugal apoiadas pelos ingleses, D. João VI acreditava que ainda era possível uma reconstituição do Reino Unido de Portugal e Brasil, mas isso não mais aconteceria, e por fim o divórcio ocorre em 1822. Doravante Brasil e Portugal haveriam de percorrer caminhos distintos. Conclusão D. João VI foi o primeiro rei com coragem que atravessou o Atlântico. A transferência da capital do Império Português para o Brasil fez com que Brasil passa-se de colónia em 1808 para império. Para Napoleão, a sua grande frustração foi Portugal, e reconheceu em exílio que tudo mudou quando invadiu Portugal. Para D. João VI Brasil foi o seu grande amor, isto foi reflectido ao preparar o Tratado de separação em que exigiu a seu filho D. Pedro uma cláusula que reconhecia como Imperador Titular do Brasil.


Bibliografia:

BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHUM, Kirti (Dir.) História da Expansão Portuguesa, Volume IV, O processo da independência do Brasil, Lisboa: Circulo dos Leitores, 1998 COUTO, Jorge (Dir.) Rio de Janeiro. Capital do Império Português (1808-1821): Lisboa, Tribuna da História, 2010. LIGHT, Kenneth, et al., A Transferência da Capital e Corte para o Brasil, Lisboa: Tribuna da História, 2007. PEDREIRA, Jorge e COSTA, Fernando Dores, D. João VI, Lisboa: Circulo dos Leitores, 2006 SERRÃO, Joaquim Veríssimo, História de Portugal, Vol.VII, A Instarauração do Liberalismo (1807-1832), Lisboa: Verbo, 1984 SERRÃO, Joel e MARQUES; A.H Oliveira (Dir.), O Império Luso-Brasileiro (17501822), Da revolução de 1820 à independência brasileira, Lisboa: Editorial Estampa, 1986


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.