Construindo a Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho

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A Experiência na Indústria da Construção Pesada no Estado de São Paulo

Construindo a Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho JOSÉ CARLOS DO CARMO


Riba Dantas

José Carlos do Carmo (Kal) é auditor fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo, médico sanitarista e do trabalho graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, mestre em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e autor de livros na área de saúde pública e do trabalhador, como A Inserção da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho - O Resgate de um Direito de Cidadania, em parceria com a auditora fiscal do trabalho Lucíola Rodrigues Jaime, bem como de artigos e capítulos de livros sobre estes temas.


Construindo a Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho

A Experiência da Indústria da Construção Pesada no Estado de São Paulo


Autor José Carlos do Carmo Projeto Editorial Áurea Editora Coordenação Dirceu Pereira Jr. Administração ACCB - Associação Civil Cidadania Brasil Edição Milton Bellintani Design Suzana Coroneos Reportagens José Carlos do Carmo,

Milton Bellintani, Silvia Marangoni e Dirceu Pereira Jr. Coordenação e Análise Andréia De Conto Garbin de Grupos Focais e Lúcia Fonseca de Toledo Revisão Silvia Marangoni Fotos José Carlos do Carmo, Dirceu Pereira Jr.

e Milton Bellintani Tratamento de Foto Fátima Moreira Impressão Corset Gráfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carmo, José Carlos do Construindo a inclusão da pessoa com deficiência no trabalho : a experiência da indústria da construção pesada no Estado de São Paulo/José Carlos do Carmo. – São Paulo: Áurea Editora, 2011. 1. Deficientes - Direitos civis 2. Deficientes - Inclusão social 3. Deficientes - Trabalho 4. Empresas - Responsabilidade social 5. Indústria da construção 6. Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) I. Título.

11-01126

CDD-331.59098161

Índices para catálogo sistemático: 1. São Paulo: Estado: Indústria da construção pesada: Deficientes: Inclusão no trabalho: Economia 331.59098161 2. São Paulo: Estado: Indústria da construção pesada: Portadores de deficiência: Inclusão no trabalho: Economia 331.59098161


Agradecimento Este livro ĂŠ dedicado a todos aqueles que constroem a inclusĂŁo no dia a dia


Sumário 20

O contexto da inclusão da pessoa com deficiência Histórico; a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência das Nações Unidas.

6

Apresentação Carlos Lupi, Ministro do

30

A Lei de Cotas

Trabalho e Emprego.

43

A Ação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego

10

Apresentação

em São Paulo

José Roberto de Melo,

Histórico; Legislação;

Superintendente da

O Programa da SRTE/SP.

Superintendência Regional

Implicações do não

do Trabalho e Emprego

cumprimento da Lei de

em São Paulo (SRTE/SP).

Cotas; Benefícios da inclusão (alinhamento com a legislação vigente; construção da

14

Prefácio

visão de desenvolvimento

Izabel Maior, Secretária

sustentável pela empresa;

Nacional de Promoção

construção de vínculos

de Direitos da Pessoa com

da empresa com as

Deficiência (2009/2010).

comunidades onde ela atua).


50

Diagnóstico da Indústria

126

Trabalhadores:

da Construção Pesada

Histórias de vida

em São Paulo

Depoimentos

A palavra da SRTE/SP;

dos profissionais

A palavra do SINICESP-SP;

com deficiência

A palavra do SINTRAPAV-

incluídos no setor.

SP; Avaliação de discussões monitoradas por psicólogos em 5 grupos focais: gestores de RH; trabalhadores com deficiência; chefes imediatos, colegas de mesmo nível

168

Para a inclusão avançar

hierárquico; familiares de

Avanços verificados

profissionais com deficiência

no setor e impasses

incluídos na construção

no caminho indicam

pesada (o que mudou

capacitação como

na vida da família com

ponto crítico a resolver.

a empregabilidade).

96

O Pacto Coletivo pela Inclusão na Indústria da Construção Pesada

180

Diálogo e resultados:

em São Paulo

a afirmação

entre o SINICESP-SP,

de um caminho

o SINTRAPAV-SP e a

Lições e aprendizados

Superintendência Regional

do processo de

do Trabalho e Emprego

inclusão no setor

em São Paulo.

da Construção Pesada.



Apresentação Carlos Lupi Ministro do Trabalho e Emprego


A inclusão é um requisito para o desenvolvimento sustentável do Brasil

O

aumento da empregabilidade da pessoa com deficiên-

cia é uma das prioridades da agenda de desenvolvimento do Brasil. Trata-se de um requisito indispensável para a construção de um modelo econômico sustentável, e, portanto, inclusivo. De acordo com o IBGE, um em cada sete brasileiros tem deficiência ou mobilidade reduzida. No Ministério do Trabalho e Emprego, acreditamos que o Brasil não pode abrir mão de 14,5% de sua força produtiva – percentual da população com deficiência e mobilidade reduzida (Censo 2002, IBGE). Criar condições para que este público exercite a cidadania passa por reconhecer sua capacidade produtiva e enfrentar as barreiras que impedem que participe da economia formal em condições de igualdade com os demais trabalhadores. Essas barreiras são de ordem estrutural e cultural. Assim, é preciso melhorar a acessibilidade do ambiente de trabalho e também atualizar o conceito de competividade da força de trabalho, entendendo que a existência de limitações físicas, sensoriais ou intelectuais não constitui impeditivo para que trabalhadores com tal condição sejam produtivos e contribuam para a prosperidade de suas famílias e a produção de riqueza das empresas e do País.


A inserção laboral é parte essencial da inclusão social da pessoa com deficiência. Ela integra o conjunto de direitos previstos na Constituição Brasileira, que garante a todo cidadão o acesso à educação, à saúde, ao lazer e ao trabalho. A responsabilidade da atenção à pessoa com deficiência não é exclusiva das famílias e dos próprios indivíduos com essa condição. Ela também diz respeito aos governos, à sociedade e às empresas, uma vez que o desenvolvimento sustentável que almejamos só será viável em um modelo baseado em compromissos e fortemente participativo. Momento favorável Vivemos um momento extremamente favorável à empregabilidade. A recuperação econômica tirou o País de uma esinfraestrutura a um patamar condizente com o potencial de desenvolvimento brasileiro está gerando novas oportunidades de negócios. Nesse ambiente, a inclusão do trabalhador com deficiência é mais que uma questão de responsabilidade so-

Apresentação

tagnação de quase três décadas. O desafio de elevar a nossa

balho para construir e consolidar o nosso crescimento. O Ministério do Trabalho e Emprego, através de suas Superintendências Regionais, vem aumentando a eficiência da fiscalização a fim de garantir o cumprimento da Lei 8.213/1991 – a Lei de Cotas. Ao mesmo tempo em que faz isso, para proteger direitos inalienáveis dos trabalhadores com deficiência, aposta no diálogo com as empresas e os sindicatos a fim de encontrar formas de viabilizar a inclusão. Este livro prova que esta estratégia produz resultados.

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cial: significa entender que é preciso otimizar a força de tra-



Apresentação José Roberto de Melo Superintendente da SRTE/SP


A inclusão da pessoa com deficiência é um direito fundamental que impacta positivamente toda a sociedade

A

inclusão da pessoa com deficiência no mundo do tra-

balho é um direito fundamental cujo exercício tem impacto na vida de todos. Ao conseguir um emprego, ela não só abre caminho para a conquista de crescentes graus de autonomia, como ganha um novo papel na família e na comunidade. Ao atuar de forma produtiva, demonstra que a possibilidade de superar os limites impostos por sua condição depende também de que lhe sejam oferecidas oportunidades iguais às dos demais cidadãos. Como regra geral, a sua capacidade de resposta tem superado as expectativas e oferecido aprendizagens importantes ao ambiente corporativo. A experiência da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE/SP) revela que a empresa que inclui muda para melhor. A presença do profissional com deficiência contribui para dar consistência às políticas de responsabilidade social, nas empresas que já assumem novos papéis na sociedade, e sensibilizar as que não o faziam para criar vínculos novos com as comunidades onde atuam, com os familiares de seus empregados e com os trabalhadores. Em uma palavra, o ambiente de trabalho se humaniza. Não apenas porque a atenção inicial da chefia e colegas que a pessoa com deficiência incluída requer para desempenhar suas tarefas influencia uma atitude colaborativa, mas principalmente porque o seu desenvolvimento estimula uma nova


atitude coletiva frente ao trabalho. Quem incluiu, confirma: a produtividade aumentou. A SRTE/SP tem observado que é possível eliminar os entraves à inclusão. A Lei 8.213/1991, a Lei de Cotas, tem funcionado como ponto de partida para colocar a inclusão na agenda de prioridades das empresas. A fiscalização quase sempre é o cartão de visitas que demonstra para o empregador que não é mais possível adiar o cumprimento da lei. Algumas situações paralelas têm contribuído para dar escala à inclusão. Entre elas o fato de o direito fundamental ao trabalho, previsto na Constituição Brasileira de 1988, hoje fazer parte da pauta de ações prioritárias das Nações Unidas e de outros 130 países que aprovaram a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência; o fortalecimento das ordeficiência e, finalmente, a articulação das políticas públicas de defesa dos direitos deste público, estimado em 27,6 milhões de brasileiros (14,5% da população). Como consequência, a cultura da sociedade está mu-

Apresentação

ganizações sociais de promoção dos direitos da pessoa com

miliar com deficiência. A expectativa de que todos tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento pessoal, que só podem ser viabilizadas pela educação universal e o trabalho sem fronteiras, deixou de ser uma exigência individual para ser uma demanda coletiva. Este livro, que retrata a experiência inclusiva em um dos setores que muitos julgavam inviável para realizar a inclusão, a construção pesada, confirma que o primeiro passo para mudar é ter vontade de fazê-lo.

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dando rapidamente. Um em cada sete brasileiros tem um fa-



Prefácio Izabel Maior Secretária Nacional de Promoção de Direitos da Pessoa com Deficiência (2009/2010) e Titular da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (2002/2009)


Nesta obra, o acadêmico, o gestor de política pública, o defensor dos Direitos Humanos e o ativista acham informações sobre a inclusão na construção pesada

A

ssociar pessoas e trabalho é o mesmo que falar de au-

toestima, realização pessoal, contribuição para o bem-estar coletivo, dignidade e felicidade. É desse modo que desejo abordar a importância do trabalho, que, na maioria das vezes, é apresentado com ênfase no direito, nas relações trabalhistas entre empregadores e empregados, em seu aspecto de economia de mercado, no fator tempo revertido em remuneração e tantas outras maneiras com as quais já nos acostumamos. “Construindo a Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho” traz um diferencial importante tanto na forma de recolher e transmitir resultados (mediante grupos focais representativos de cinco atores diferentes) como no fato de retratar a pessoa com deficiência em um cenário inusitado. Este livro mostra o trabalhador com deficiência em uma “Experiência na Indústria da Construção Pesada no Estado de São Paulo”. É produto de desafio e comprovação de possibilidade.


Nesta obra, o leitor acadêmico, o gestor de política pública, o operador do direito, o defensor dos Direitos Humanos, o auditor fiscal do trabalho e o ativista do movimento de inserção social da pessoa com deficiência vão interagir com informações reais surgidas do monitoramento do Pacto Coletivo para Inclusão de Pessoas com Deficiência no Setor da Construção Pesada, iniciativa firmada em abril de 2008, sob os auspícios da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo (SRTE/SP). Compromisso pela inclusão Como coordenadora geral da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência – CORDE, do fim de 2002 a 2009, e como Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência – SNPD, até 2010, órgãos sidência da República – SDH-PR, pude acompanhar as ações intersetoriais para a promoção e proteção dos direitos de 27,5 milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros com deficiência e

Prefácio

que se sucederam na Secretaria de Direitos Humanos da Pre-

Uma das principais iniciativas desenvolvidas foi a Agenda Social e o Compromisso Nacional pela Inclusão das Pessoas com Deficiência (Decreto n° 6.215/2007), que envolveu nove ministérios, dentre os quais o do Trabalho e Emprego – MTE, sob a coordenação da SDH. Assim, entre 2007 e 2010, foi estimulada a adesão de estados, do Distrito Federal e dos municípios para que os governos dessem prioridade ao tema, envolvendo maior parceria com a União, repasse de recursos, capacitação das equipes gestoras e cumprimento de metas.

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mobilidade reduzida, de acordo com o Censo IBGE, 2000.


A Convenção da ONU explicita que as barreiras à realização das pessoas com deficiência devem ser removidas

No âmbito do trabalho, os resultados da série da RAIS e da inserção de aprendizes com deficiência demonstram que houve avanços significativos na ocupação dos postos de trabalho reservados pela chamada Lei de Cotas (Lei n° 8.213/1991) e ainda a presença de empregados com deficiência nas empresas fora da obrigatoriedade. Entretanto, é inequívoca a relevância da política de ação afirmativa como instrumento a ser cumprido e fiscalizado, fortalecido como responsabilidade social, garantindo a entrada das pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal. A ação conjunta do MTE e do Ministério Público do Trabalho permite tanto a fiscalização e sanção das empresas como termos e pactos que ensejam mudança de atitude do mundo empresarial, dos sindicatos e do próprio governo para aprimorar o recrutamento, a seleção, admissão, manutenção e ascensão profissional dos trabalhadores com deficiência.


Em suma, com todas as medidas de não discriminação e de oportunidades iguais com os demais trabalhadores. O que diz a ONU O advento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 2006 e ratificada pelo Brasil, de forma inédita, com equivalência de emenda constitucional (Decretos n° 186/2008 e 6.959/2009), assegura “o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência”. Os Estados Partes salvaguardarão... ”que adaptações razoáveis sejam feitas no local de trabalho.” (Artigo 27) A Convenção introduz acessibilidade como um direito e as pessoas apresentam, mas sim o resultado que as barreiras existentes podem provocar à convivência, realização e qualidade de vida das pessoas com deficiência. A sociedade como

Prefácio

no Artigo 1°, explicita que deficiência não é a limitação que

desses obstáculos.

* Izabel de Loureiro Maior, docente mestre da Faculdade de Medicina da UFRJ, integrante da carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, foi Secretária Nacional de Promoção de Direitos da Pessoa com Deficiência (2009/2010)

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um todo tem a seu encargo a função de desconstruir cada um



O Contexto da Inclusão: ação global para um mundo menos desigual envolve governos, empresas e a sociedade


A valorização da diversidade se tornou um valor universal baseado em oportunidades iguais para todos

D

entre os aspectos marcantes da primeira década do ter-

ceiro milênio destaca-se a aprovação pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência – o primeiro tratado internacional de direitos humanos deste século – para proteger e reforçar os direitos e as oportunidades de cerca de 700 milhões de pessoas com deficiência no mundo. Reafirmam-se os direitos fundamentais do indivíduo, presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU, em 1948, tendo como responsáveis governos preocupados em reconstruir, em novas bases, um mundo traumatizado por duas grandes guerras globais. A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada em 13 de dezembro de 2006, conta com a participação de novos atores sociais: as organizações da so-


ciedade civil, que ao longo das décadas que se seguiram aos horrores da II Guerra Mundial foram, no contexto da luta pela aceitação e valorização da diversidade, as primeiras a erguerem a bandeira dos direitos para todos, sem exclusões, além das próprias pessoas com deficiência que passam a ser protagonistas da sua história adotando o lema “nada sobre nós, sem nós” (“nihil de nobis, sine nobis”, criado pelos ativistas sul-africanos com deficiência Michael Matusha e William Rowland, nos anos 1990). Direitos Humanos bém na criação do Pacto Global, em 2000 – que favorece o diálogo de empresas, sindicatos e organizações sociais com o intuito de estimular a reponsabilidade social empresarial –, e, nesse mesmo ano, do compromisso das nações com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – um conjunto de oito metas aprovadas para combater as causas da desigualdade e alavancar o desenvolvimento sustentável.

O Contexto da Inclusão

A contribuição da ONU, como articuladora, verificou-se tam-

graves desigualdades e injustiças entre as nações, com acirramento de sentimentos de xenofobia, hegemonia dos interesses do capital financeiro e ingerência de países militarmente mais fortes sob o pretenso argumento de defesa de valores democráticos e humanitários, em âmbito internacional, a responsabilidade social das organizações de todos os setores avança em temas como direitos humanos, direitos das minorias e dos grupos discriminados, direitos do trabalho, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

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Apesar de nesta era de globalização ainda se observar


Uma das evidências de que algumas questões estão mudando para melhor é o movimento pela inclusão das pessoas com deficiência. Não é preciso de esforço para lembrar que até recentemente as crianças que nasciam com limitações sensoriais como surdez, baixa visão, cegueira e deficiência intelectual eram segregadas, na escola, do convívio com as demais, assim como as que tinham deficiência física resultante de poliomielite, malformação de pernas, braços e mãos, ou paralisia cerebral. Como consequência, muitas tinham o desenvolvimento escolar comprometido ou suas famílias desistiam de que continuassem os estudos. Despreparadas para uma vida com autonomia e mal capacitadas para disputar uma vaga no mercado de trabalho, boa parte delas era condenada à tutela de familiares, ao subemprego e à informalidade. Essa situação se reproduziu por séculos. No Brasil, começou a mudar com a Constituição “Cidadã”, de 1988, estabelecendo que o direito à educação, à saúde, ao lazer e ao trabalho é de todos os brasileiros, sem exceção. No passado, a omissão do poder público, do setor privado e da sociedade fizeram crer que o custo da atenção à pessoa com deficiência deveria recair somente na família. Hoje, há que se colocar como nova bandeira, a convicção de que o desenvolvimento é um compromisso de todos, e que somente será viabilizado e tornar-se-á sustentável ao longo do tempo se resolver os problemas que impedem o acesso aos benefícios do progresso a grandes camadas da população mundial. Um marco histórico na inclusão das pessoas com deficiência se deu com a aprovação da chamada Lei de Cotas, na verdade um artigo da Lei 8.213, em julho de 1991, que es-


tipula a obrigatoriedade da contratação de profissionais com deficiência para empresas com 100 ou mais empregados, em percentuais que variam de acordo com o número total de empregados. O Decreto nº 60/501, de 14/03/1967, já obrigava a reserva de vagas: de 2% a 5% para os beneficiários reabilitados em todas as empresas com 20 ou mais empregados. A Lei de Cotas foi a principal responsável para que a presença de pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho passasse a ser percebida como regra e não exceção. Ao contrário do que pensam alguns, ela não é uma invenção

A cota em outros países Grande parte dos países em desenvolvimento tem legislações específicas para estimular a contratação de pessoas com deficiência. Os países emergentes seguiram o modelo, adaptando-o à sua realidade. Hoje, apenas para citar alguns exemplos além do Brasil, têm leis que obrigam ou estimulam a empregabilidade de pessoas com deficiência a Alemanha, Argenti-

O Contexto da Inclusão

brasileira.

França, Holanda, Honduras, Irlanda, Itália, Japão, Nicarágua, Panamá, Peru, Portugal, Reino Unido, Uruguai e Venezuela. Nos Estados Unidos, embora não exista cota legalmente fixada, há registros de inúmeras decisões judiciais baseadas no ADA - The American with Disabilities Act (Ato dos Americanos com Deficiência) motivadas pela falta de correspondência entre o número de pessoas com deficiência existentes em uma comunidade e a contratação de empregados com essa condição por empresas que atuam localmente.

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na, Áustria, Bélgica, China, Colômbia, El Salvador, Espanha,


A legislação de muitos países desenvolvidos e emergentes prevê cotas para pessoas com deficiência, como aqui

Por tudo o que foi dito neste capítulo, defendemos a manutenção da Lei de Cotas e nos opomos às tentativas de se derrubá-la que têm sido perpetradas, à surdina ou abertamente, junto ao legislativo e executivo federais. Algumas dessas iniciativas podem parecer corretas e tentadoras à primeira vista, pois defendem a troca da obrigatoriedade da contratação por apoio a instituições voltadas para as pessoas com deficiência. Ninguém, é óbvio, pode colocar-se contra esse tipo de apoio, mas a questão de fundo a ser garantida com a manutenção da Cota, é o direito de acesso ao mercado formal de trabalho, dando a possibilidade de realização profissional e convívio social para as pessoas com deficiência. Felizmente, o mundo mudou e o Brasil junto com ele. Hoje a capacidade de crítica da sociedade diminui cada vez mais os espaços para empresas descomprometidas com


o futuro das comunidades em que atuam. Existem inúmeras pesquisas que mostram que os consumidores valorizam e preferem marcas comprometidas com causas sociais. A empregabilidade da pessoa com deficiência quase sempre é apontada como a mais importante das ações socialmente responsáveis, como foi mostrado em recente estudo dos institutos Akatu e Ethos. Entre as onze práticas prioritárias de responsabilidade social empesarial enumeradas pelos consumidores, as duas primeiras têm relação direta com a temática da inclusão: 1) Manter programas de contratação, capacitação e promoção de mulheres, negros e pessoas com deficiência, com 2) Metas para reduzir as desigualdades de gênero, raça e em relação a pessoas com deficiência, visando diferenças de salários e benefícios. A ousadia de cumprir a Lei A SRTE/SP, há alguns anos, assumiu como uma de suas prioridades de ação a fiscalização do cumprimento da Lei 8.213/1991.

O Contexto da Inclusão

igualdade de oportunidades.

nal, mas porque acreditamos que a questão da inclusão se insere num contexto mais amplo de luta pelo respeito aos direitos humanos e pelo direito ao trabalho digno e decente. Pela complexidade do objeto dessa ação, sem desrespeitar e, ao mesmo tempo, sem fazer uma leitura burocrática dos regulamentos e normas da auditoria do trabalho, tivemos de ter a ousadia de cumprir os diplomas legais maiores, como a Constituição Federal e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A necessária articulação social, combinada com a fiscalização de rotina, tem

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Fazemos isso não apenas por ser esta uma obrigação institucio-


25% das contratações são de empresas com menos de 100 empregados

trazido resultados que nos estimulam a continuar aprimorando o caminho escolhido. Em julho de 2001, tínhamos formalmente empregados apenas 601 trabalhadores com deficiência em todo o Estado de São Paulo. No final de 2010, o nosso sistema de registro dos resultados diretos das fiscalizações realizadas em São Paulo, mostrava que, desde então, foram contratados 116.610 trabalhadores para integrar a cota legal. Outro dado animador, a mostrar uma mudança de postura do empresariado paulista, foi a verificação no CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) de setembro de 2010, que 25% das pessoas com deficiência registradas eram empregadas de empresas com menos de 100 empregados, portanto, desobrigadas legalmente de as contratarem. Graças ao aumento da fiscalização e à adoção de uma estratégia de pactos setoriais pela inclusão, envolvendo as


empresas, suas entidades de representação e os sindicatos de trabalhadores, temos buscado não apenas alcançar as metas de contratação, mas também garantir os aspectos qualitativos do processo de inclusão, melhorando as condições de acessibilidade, a capacitação profissional dos trabalhadores com deficiência, e diminuindo o desconhecimento e preconceito com relação a eles. Marco legal Como costuma acontecer com leis de caráter afirmativo, o artigo 93 da Lei 8.213 foi uma medida de emergência, nesocial que se arrastava historicamente. Trata-se de uma lei que nasceu sob a convicção de que um dia não será mais necessária. Quando a inclusão for uma realidade e a contratação de pessoas com deficiência se incorporar à prática e aos valores das empresas, sem nenhum tipo de preconceito, a Lei de Cotas será apenas um marco legal na história de nosso país. A experiência inclusiva na construção pesada comprova

O Contexto da Inclusão

cessária para provocar a mudança de um quadro de exclusão

faz aprendendo com situações novas todos os dias, marcadas por avanços e retrocessos, aliando o sonho de um mundo melhor ao pragmatismo da execução de ações concretas para a transformação do mundo do trabalho. Para os que julgavam ser impossível ter um trabalhador com deficiência atuando – e sendo produtivo – num canteiro de obra, os relatos, as imagens e as opiniões expressas por todos os envolvidos no processo de inclusão na construção pesada mostrados neste livro dizem exatamente o contrário.

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que a realização deste objetivo é uma tarefa complexa, que se



A Lei de Cotas


A Lei de Cotas completou 20 anos de sua criação, mas seus resultados vêm aparecendo só na última década

A

Lei 8.213/1991 completou 20 anos de existência em

24 de julho de 2011. Mais conhecida como Lei de Cotas, ela integra um conjunto de leis de atenção à pessoa com deficiência que é considerado internacionalmente um dos mais completos do mundo. O fato de o Brasil ser um dos países signatários da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2006, e de este tratado ter sido ratificado pelo Congresso Nacional e aprovado pela Presidência da República, ampliou a garantia aos direitos fundamentais desse segmento da população já incluídos na Constituição Federal de 1988 (como o direito à saúde, à educação, ao lazer e ao trabalho). Dada a importância nuclear do trabalho em qualquer sociedade, a inclusão profissional é condição para o acesso aos demais direitos previstos na legislação brasileira.


A aprovação da Lei de Cotas apenas três anos depois de promulgada a Constituição pós-ditadura demonstra que o debate travado na sociedade e na Assembleia Nacional Constituinte produziu resultados concretos. Após 21 anos de autoritarismo, o Brasil reinaugurava a era dos direitos da cidadania – tendo sensibilidade para ampliá-la a setores da população tradicionalmente excluídos, como as pessoas com deficiência. Apesar do avanço na esfera legislativa, demorou para a sociedade se organizar e cobrar dos governos a garantia de muitos desses direitos. O acesso ao trabalho entre eles. Papel das ações afirmativas Assim como no caso específico das pessoas com deficiência, o tório em favor de minorias. São as chamadas ações afirmativas, definidas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Benedito Barbosa Gomes, como “um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntá-

A Lei de Cotas

governo brasileiro criou outras medidas de caráter compensa-

de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.” A razão dessa e de outras ações afirmativas implementadas pelo governo é corrigir defasagens histórico-culturais e zelar para que os cidadãos tenham seus direitos fundamentais garantidos, pois a forma de organização da sociedade não permite, geralmente, que as minorias ou grupos discrimina-

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rio, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial,


dos – população negra, homossexuais, pessoas com deficiência e também as mulheres, que numericamente já superaram os homens em termos percentuais –, sejam capazes de usufruir plenamente seus direitos. No que diz respeito às pessoas com deficiência, indicadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que elas ainda vivem em condições inferiores de escolaridade e empregabilidade. Portanto, em desigualdade social. A única forma de mudar esse quadro em curto prazo é garantindo a implementação de ações afirmativas, como a Lei de Cotas, no mundo do trabalho, e do decreto nº 3.956, que explicita o conceito da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de que não se pode privar o acesso do aluno com deficiência ao ensino regular. No Brasil, os baixos níveis de contratação de pessoas com deficiência pelas empresas eram justificados por uma suposta baixa qualificação da mão de obra e até mesmo incapacidade do trabalhador com essa condição de desempenhar tarefas produtivas com a mesma qualidade dos demais. Os empregadores se eximiam de responsabilidade para com esse público, culpando o governo por não resolver a equação: acesso à educação + boa formação = oportunidade de emprego. O raciocínio era que se o governo não tomava medidas eficientes para garantir que as crianças e jovens com deficiência tivessem acesso à educação e, consequentemente, à capacitação para o trabalho em níveis competitivos, não seria obrigação do mundo corporativo promover a justiça social. Hoje, no entanto, reconhece-se que essa obrigação não se esgota nas ações estatais, pois os princípios da equidade e igualdade têm caráter horizontal e estendem-se às relações


particulares. Assim, toda a sociedade é responsável por favorecer a concretização dos direitos fundamentais do cidadão. Cada um tem de fazer a sua parte: os indivíduos, as famílias, a comunidade, as empresas e os diferentes níveis de governos. Cota variável Como é sabido por todos que atuam na gestão de empresas, a Lei de Cotas prevê que as empresas devem obedecer a um percentual mínimo de contratações de empregados com deficiência ou reabilitados – variável de acordo com o número de empregados obtido pelo somatório de todos os seus estabelecimentos (matriz e filiais, não importando onde estejam localizadas), nas seguintes proporções:

• De 201 a 500 empregados: 3%. • De 501 a 1.000 empregados: 4%. • Acima de 1.000 empregados: 5%.

A Lei de Cotas

• De 100 a 200 empregados: 2%.

Cotas, a atitude mais comum das empresas era buscar formas de escapar ao seu cumprimento. Hoje, muitos gestores concordam que se desperdiçou um tempo precioso negando tal obrigação. E admitem que se as empresas tivessem buscado conhecer as características de cada deficiência e as boas práticas corporativas de países socialmente menos desiguais, em vez de resistir a assumir sua parcela de responsabilidade, teriam percebido há mais tempo que a inclusão profissional não só é viável, como traz impactos positivos ao ambiente profissional como um todo.

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Na primeira década que se seguiu à aprovação da Lei de


O capítulo Trabalhadores: Histórias de Vida deste livro traz depoimentos de profissionais incluídos que apresentam diferentes perfis de deficiência: física, sensorial e intelectual. Em comum, eles demonstram no dia a dia que são capazes de executar as tarefas para as quais foram contratados, apesar das limitações de mobilidade, audição, visão e cognição que possuem. A experiência inclusiva apurada no setor até o momento mostra que é preciso conhecer a caracterização das deficiências a fim de não restringir as contratações a deficiências “leves”. Alguns trabalhadores demonstraram que mesmo deficiências que acarretam limitações maiores não os impedem de trabalhar bem. Nesse sentido, ficou claro que o foco da contratação deve estar na capacidade demonstrada pelo candidato ao emprego e não na limitação que se supõe ser impeditiva devido à deficiência. Sem paternalismo, mas também sem preconceitos que levam à exclusão “a priori” e tiram da pessoa a possibilidade de comprovar, ou não, a sua capacidade. Tipos de deficiência A caracterização de pessoa com deficiência apresenta dificuldades técnicas e metodológicas em todos os países. No Brasil, apesar de hoje ocorrer um amplo debate sobre este tema na busca de um consenso que melhor atenda aos interesses dessas pessoas e facilite a definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas específicas dirigidas a esse público, a legislação vigente – ainda baseada na Classificação Internacional de Doenças – valoriza as lesões e não a funcionalidade, além de apresentar erros conceituais e de não considerar o contexto social e econômico em que a pessoa está inserida.


Na SRTE/SP, adotamos como referência legal o Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta as leis números 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Além dele, quando necessário um maior detalhamento, usamos o Anexo III do Regulamento da Previdência Social, naquilo em que este não contraria o referido decreto. Muitas vezes as empresas nos apresentam casos de pessoas que não se enquadram no conceito legal de pessoa com deficiência. Também trabalhadores e seus familiares nos procuram buscando conseguir ser aceitos nesta condição pelas óbvias razões de situações em que essas pessoas pertencem a grupos que são vítimas de discriminação quando buscam um emprego, mas, ainda que sensibilizados com sua situação, orientamos para que busquem outras formas de combate à discriminação pois, sob pena de nos des-

A Lei de Cotas

maior facilidade de se conseguir emprego por meio da cota. Há

da como panaceia para todas as injustiças do mundo do trabalho. Ao mesmo tempo em que buscamos ser rigorosos na caracterização da deficiência, não temos uma visão burocrática e sempre orientamos para que os laudos elaborados pelos profissionais de saúde caracterizem claramente o comprometimento da função – condição para que o auditor possa aceitar o caso. Considera-se pessoa com deficiência a que possui limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade e se enquadra nas seguintes categorias:

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viarmos do seu objetivo maior, a Lei de Cotas não deve ser entendi-


Conhecer a caracterização de cada deficiência é básico para o gestor saber como interagir com empregados com esta condição

Deficiência física É a alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. Características dos diferentes tipos de deficiência física: • Amputação: perda total ou parcial de um determinado membro ou segmento de membro.


• Paraplegia: perda das funções motoras dos membros inferiores. • Paraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores. • Monoplegia: perda total das funções motoras de um só membro (inferior ou superior). • Monoparesia: perda parcial das funções motoras de um só membro (inferior ou superior). • Tetraplegia: perda total das funções motoras dos membros inferiores e superiores. • Tetraparesia: perda parcial das funções motoras dos membros inferiores e superiores. • Triplegia: perda total das funções motoras do indivíduo em três membros. • Triparesia: perda parcial das funções motoras do indiví• Hemiplegia: perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo (direito ou esquerdo). • Hemiparesia: perda parcial das funções motoras de um hemisfério do corpo (direito ou esquerdo).

A Lei de Cotas

duo em três membros.

tura, óstio) na parede abdominal para adaptação de bolsa de coleta; processo cirúrgico que visa à construção de um caminho alternativo e novo na eliminação de fezes e urina para o exterior do corpo humano (colostomia e ileostomia: ostoma intestinal; urostomia: desvio urinário). Também é considerada a traqueostomia. • Paralisia Cerebral: lesão de uma ou mais áreas do sistema nervoso central, resultando em alterações psicomotoras, podendo ou não causar deficiência intelectual.

39

• Ostomia: intervenção cirúrgica que cria um ostoma (aber-


• Nanismo: caracterizado pela baixa estatura decorrente de insuficiência endócrina ou desnutrição crônica. Na literatura encontram-se diferentes valores para o que seria a altura máxima da pessoa com nanismo. Em “O Tratado de Pediatria Nelson” é citado até 1,45 m para homens e 1,40 m para mulheres. O nanismo congênito típico é normalmente acompanhado de acondroplasia, com as extremidades relativamente mais curtas do que o tronco, cabeça grande e braquicefálica, espinha nasal afundada, mãos atarracadas e, frequentemente, cifose dorsal. Cabe ao médico, à luz do quadro clínico, fechar o diagnóstico. O nanismo nutricional é reflexo da desigualdade social e da fome crônica cujo enfrentamento tem sido prioridade das políticas públicas federais nos últimos anos, sendo evidente que a deficiência decorre de questões socioambientais e não apenas de características individuais. Deficiência auditiva É a perda bilateral, parcial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. Assim, os deficientes auditivos são caracterizados como sendo pessoas surdas (isto é, apresentam perda total de audição) ou pessoas com baixa audição. Chamar alguém com perda auditiva total de surdo, portanto, não é ofensivo (quando se tratar de descrição do comprometimento auditivo e não de adjetivo com conotação de juízo de valor).


Deficiência visual Conceitua-se como deficiência visual: • Cegueira: acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica. • Baixa Visão: significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica. • Os casos nos quais o somatório da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º. • Ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.

TABELA DE EQUIVALÊNCIA DAS ESCALAS USADAS decimal

% de visão

20/20

1,0

100

20/22

0,9

98,0

20/25

0,8

95,5

20/29

0,7

92,5

20/23

0,6

88,5

20/40

0,5

84,5

20/50

0,4

76,5

20/67

0,3

67,5

20/100

0,2

49,0

20/200

0,1

20,0

20/400

0,05

10,0

41

Snellen

A Lei de Cotas

NA AVALIAÇÃO DA ACUIDADE VISUAL PARA LONGE


Deficiência intelectual Funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: • Comunicação. • Cuidado pessoal. • Habilidades sociais. • Utilização da comunidade. • Saúde e segurança. • Habilidades acadêmicas. • Lazer. • Trabalho. Deficiência múltipla Conceitua-se como deficiência múltipla a associação de duas ou mais deficiências. Outros casos Também podem ser consideradas outras situações em que a deficiência permanente limita o desempenho funcional, como as citadas no Anexo III do Regulamento da Previdência Social, referentes ao aparelho de fonação, alterações articulares, redução da força e/ou capacidade funcional dos membros, desempenho muscular e a outros aparelhos e sistemas (segmentectomia pulmonar e perda do segmento do aparelho digestivo), respeitados os graus de comprometimento previstos no próprio regulamento.


s primeiros doze anos de vigência da Lei 8.213/91,

a Lei de Cotas, foram praticamente inócuos no que tange à empregabilidade de pessoas com deficiência no Estado de São Paulo. O número de registros de contratação era irrisório. Nessa época, era notório que muitas empresas acreditavam que ela estava fadada a ser mais uma lei brasileira feita para “não pegar”, como virou costume dizer em nosso país para referir-se à legislação que, embora vigente, acabava não sendo respeitada devido a um conjunto de motivos.

43

O

A Ação da SRTE/SP

A ação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo


No caso da Lei de Cotas, é justo dividir a razão da ineficácia de sua aplicação na primeira década. O Ministério do Trabalho e Emprego só normalizou seus procedimentos para sua fiscalização em 2001 e talvez acreditasse que a força da Lei e sua fiscalização de rotina seriam suficientes para garantir o cumprimento da obrigação legal. As empresas, por sua vez, ou não se preocupavam com seu cumprimento ou apresentavam níveis altos de exigência de qualificação para contratar pessoas com deficiência que, na prática, inviabilizam o preenchimento das vagas pretensamente oferecidas. O livro A Inserção da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho - O resgate de um direito de cidadania, que a auditora fiscal Lucíola Rodrigues Jaime e eu escrevemos em parceria, em 2005, apresentou alguns exemplos de anúncios publicados em jornais da grande imprensa. Dois deles merecem ser resgatados: Anúncio 1 “Empresa de grande porte procura pessoa com deficiência para trabalhar e exige: curso superior completo, 2 idiomas fluentes, mestrado e experiência de dois anos.” Anúncio 2 “Empresa com ISO 9000 procura pessoa com deficiência para trabalhar e exige: boa aparência, 2º grau completo, experiência mínima de dois anos, disposição para viajar e carteira de motorista.”


Em um quadro de baixa empregabilidade de pessoas com deficiência, como era então, a exigência de experiência anterior de ao menos dois anos transformava a seleção, na prática, em uma busca de casos excepcionais. A maioria dos candidatos não atendia ao requisito. No caso do primeiro anúncio, exigiase ainda fluência em dois idiomas e mestrado. Embora haja pessoas com deficiência que preenchem essas exigências, é sabido que o percentual desse perfil da população no ensino superior ainda é ínfimo se comparado à população sem deficiência. Por trás de tantas exigências, estava claro, se queria usar a justificativa de que não era possível contratar porque os candidatos que se apresentavam não tinham a qualificação necessária. em São Paulo (SRTE/SP), a experiência pregressa da Dra. Lucíola Rodrigues Jaime na região de Osasco, município da região metropolitana de São Paulo, mostrou que o desafio da inclusão requeria a formação de um amplo leque de alianças de atores sociais interessados em mudar o cenário de exclusão social. As dificuldades encontradas para fazer a Lei 8.213

A Ação da SRTE/SP

Na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego

envolver organizações não governamentais, universidades, as prefeituras, os sindicatos – de trabalhadores e também os patronais –, além das próprias empresas, em um grande fórum de debates com vistas a transformar essa realidade. No dia do 12º aniversário de criação da Lei de Cotas, 24 de julho de 2003, a então Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo (DRT/SP), atual SRTE/SP, realizou o I Encontro sobre Promoção de Igualdades de Oportunidades - Mercado de Trabalho para Pessoas com Deficiência, que contou com

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ser cumprida nos fizeram ter certeza de que seria necessário


Em 2001, havia 601 registros de contratação de pessoas com deficiência. Em 2010, passaram de 100 mil

a participação de 1 mil pessoas. À época, a lenta evolução das contratações lançou dúvidas sobre a eficácia dos procedimentos adotados para obrigar as empresas a cumprirem a Lei de Cotas. Em 2001, apenas 12 empresas com mais de 100 empregados no Estado de São Paulo possuíam registros de contratações, totalizando 601. Quando da realização daquele encontro histórico, os números fechados de 2002 apontavam para 2.051 contratações em 86 empresas. Nos meses que se seguiram, um dos motivos para o baixo número de contratações ficou claro. Após serem notificadas, as empresas tinham o prazo de 120 dias para regularizar a situação, segundo as normas do Ministério do Trabalho e Emprego. Boa parte delas recorria ao Ministério Público do Trabalho - MPT, comprometendo-se a cumprir a Lei desde que lhes fossem concedidos prazos maiores. Sensível ao argumento de que quatro meses eram insuficientes para a empre-


sa adequar os postos de trabalho, treinar as chefias e sensibilizar os colegas do profissional com deficiência a ser inserido, o MPT firmava com elas termos de ajustamento de conduta (TAC), que eram respeitados pelos auditores fiscais. O Programa de Inserção A publicação da Portaria GD/DRT/SP Nº 700 pelo Delegado Regional do Trabalho, em 10 de setembro de 2004, criou o Programa de Ação Interinstitucional, com o objetivo de promover a proteção do trabalhador por meio de ações conjuntas e priorizando resultados efetivos. Esta portaria nos permitiu desenvolver o Programa de Inclusão das Pessoas com Defiresultados a curto prazo. Primeiro, as ações a serem seguidas em todo o Estado de São Paulo foram normalizadas. Além disso, grupos de auditores fiscais foram treinados em todas as Subdelegacias com o objetivo de fiscalizar o cumprimento da Lei de Cotas, os formulários de trabalho foram padronizados, a relação das empresas com 100 ou mais empregados foi dis-

A Ação da SRTE/SP

ciência no Mercado de Trabalho, em bases que produziriam

se o programa de registro de contratações, análise e controle das informações em âmbito estadual. Ao final do primeiro semestre de 2005, o número de registros de contratações de pessoas com deficiência no Estado de São Paulo subiu para 28.815 em 3.525 empresas. O Programa de Inclusão baseava-se em dois aspectos principais: realização de evento sobre o tema nos municípios sede de Subdelegacias (hoje, Gerências Regionais), para o qual se convidavam organizações representativas da socieda-

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ponibilizada para toda a equipe, e, finalmente, informatizou-


de, com o propósito de apresentar os objetivos do programa, informar, sensibilizar e estabelecer parcerias; e convocação de grupos de 30 a 50 empresas para apresentação da Lei de Cotas e de como, a nosso ver, ela poderia ser viabilizada. No encontro com as empresas, eram apresentadas palestras de empregadores com experiências de inclusão bem-sucedidas, de especialistas no tema, sindicatos dos trabalhadores, organizações patronais e depoimentos de pessoas com deficiência. Ao final, as empresas eram notificadas a cumprir a Lei de Cotas no prazo inicial de 80 a 90 dias – prorrogáveis caso demonstrassem real interesse de contratar pessoas com deficiência – e recebiam a oferta de ajuda e parceria da DRT/SP. Paralelamente a isso foi estabelecido um acordo entre o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho. O MTE não fiscalizaria empresas cujos TACs estivessem em vigência, enquanto o MPT não celebraria novos termos de ajustamento de conduta com aquelas notificadas por nós. E, finalmente, eram entregues relações de entidades que possuem cadastros de pessoas com deficiência capacitadas para o trabalho e que também provêm a orientação sobre a correta forma de incluí-las no ambiente profissional. Os pactos setoriais pela inclusão Nos últimos cinco anos, o programa ampliou-se com a definição de metas por setor da economia, com resultados diferenciados que refletem o estágio da inclusão profissional de pessoas com deficiência em cada um deles. O programa manteve as bases com que foi criado e reforçou a estratégia de diálogo baseada em compromissos com


a inclusão. Dela resultou a assinatura de pactos coletivos para inclusão de pessoas com deficiência, como o que foi assinado com o setor da Construção Pesada, em 2008. Cada pacto estabelece uma série de medidas a serem implementadas no ato de sua assinatura e outras ao longo de sua vigência, em geral de dois anos, com vistas a promover o aumento das contratações de pessoas com deficiência pelas empresas e aproximar o setor da meta definida pela Lei de Cotas. O monitoramento do cumprimento dos termos do acordo é feito pelos auditores da SRTE/SP. Uma das cláusulas prevê que as empresas signatárias do pacto que não cumprirem as metas e contrapartidas estabelecidas serão excluídas do acordo, volEssa estratégia elevou significativamente o número de registros de contratações de pessoas com deficiência no Estado de São Paulo. Em julho de 2010, elas ultrapassaram 100 mil – ou mais de 1/3 dos registros de contratação de trabalhadores com deficiência em todo o Brasil. Número que, contudo, não é sinômino de total de trabalhadores atualmente empregados, pois

A Ação da SRTE/SP

tando à condição inicial de descumpridoras da Lei 8.213.

lo, dados do RAIS (Relatório Anual de Informações Sociais) do Ministério do Trabalho e Emprego revelam que o Estado possui potencial para a contratação de cerca de 110 mil pessoas com deficiência, considerando apenas as empresas obrigadas por lei a reservar vagas para estes trabalhadores. Como efeito colateral do debate acerca da inclusão, o mesmo relatório mostra que mais de 20% das contratações no Estado de São Paulo foram feitas por empresas com menos de 100 empregados – desobrigadas, portanto, de contratar profissionais com deficiência.

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contratação não significa manutenção do emprego. Em São Pau-



Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada em São Paulo


A palavra da SRTE/SP

José Carlos do Carmo, na visita ao canteiro de obra da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia


É

consenso entre os signatários do Pacto Coletivo para a

Inclusão da Pessoa com Deficiência na Indústria da Construção Pesada – o SINICESP-SP, o SINTRAV-SP e a SRTE/SP – que ele foi fundamental para mudar a postura das empresas, pascausa da inclusão, ainda que com críticas à legislação vigente. Esta mudança, no entanto, não ocorreu de imediato e só foi construída ao longo do processo. De início houve demora das empresas para implementar programas de contratação de trabalhadores com deficiência, principal objetivo do Pacto, devido a diferentes razões. Algumas subestimaram a importância do compromisso assumido e, aparentemente, trataram de ganhar tempo esperando que uma eventual mudança de rumo as desobrigasse de seguir a legislação. A ampliação dos prazos pactuados para o cumprimento da cota, reforçada pelo hábito de protelar, deixando para amanhã o que já deveria ter sido feito ontem, provocou uma certa acomodação. Diante da pouca ação do setor, a pressão da SRTE/SP au-

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

sando de céticos e contrários à Lei de Cotas para parceiros da

da obrigação institucional de fiscalizar o cumprimento da Lei 8.213, éramos fiadores do Pacto pela Inclusão. Além da ação da SRTE/SP, foi de fundamental importância para a mudança de postura a articulação dos representantes das empresas, que reunidos no SINICESP-SP passaram a integrar um grupo de discussão e acompanhamento, em que compartilhavam experiências e buscavam soluções para o cumprimento da cota e demais contrapartidas assumidas no Pacto. Já outras empresas esbarraram em dificuldades de seus gestores para obter o apoio das

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mentou. Nossa responsabilidade havia sido dobrada, pois além


Trabalhadores da Usina HidrelĂŠtrica de Jirau


diretorias e também dos acionistas para fazer a inclusão sair do papel. Isso ficou claro no subcapítulo Grupos Focais deste livro, que fecha este capítulo do Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada. Os gestores que participaram das discussões monitoradas por psicólogas concordaram que as contratações só passaram a acontecer depois de se transformarem em política da empresa, e

com a experiência bem-sucedida de outras empresas.

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

Parceiros da inclusão

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não mais circunstacialmente, a partir do momento em que os conselhos de administração e os sócios avalizaram as recomendações apresentadas pelos departamentos jurídico e de recursos humanos e gestão de pessoas. Essas empresas perceberam que a decisão de incluir seria apenas o primeiro passo para viabilizar as contratações. Para darem certo, era preciso buscar parceiros que as orientassem quanto ao desenho da inclusão: na sociedade civil, enfocando a capacitação da mão de obra com deficiência; na administração pública – prefeituras, governos estaduais e órgãos do governo federal –, disponibilizando informações sobre onde encontrar esses profissionais; e, finalmente, no próprio setor privado, aprendendo

As dificuldades enfrentadas nesse período mostraram que a solução para essa questão depende de as empresas ampliarem a sua visão dos temas sociais, entendendo que têm, sim, um importante papel a desempenhar para transformar a realidade. Não existe política de responsabilidade social consistente que não passe pela costura de parcerias entre o setor privado, o setor público e as organizações da sociedade civil. Aos poucos, empresas de ponta do setor que são signatárias do Pacto estão se dando conta


disso. O que tem produzido resultados importantes, como mostra o número de trabalhadores com deficiência contratados. Nosso sistema registra que, de 2008 a 2010, o número de pessoas com deficiência contratadas pela Construção Pesada aumentou 96%, enquanto que, em média, nos demais segmentos econômicos o aumento foi de 23%. Ainda que na comparação com outros setores a Construção Pesada ocupe um dos últimos lugares, a sua evolução é a das que mais se destacam. Características do setor As características da atividade da construção pesada explicam em parte a resistência das empresas para contratar trabalhadores com limitações funcionais. Até recentemente, a deficiência era vista como um fator intransponível para um profissional desempenhar suas funções. Especialmente nos canteiros de obra, com duração temporal limitada e ambiente marcado por uma gama enorme de fatores de risco. Os escritórios e os alojamentos são provisórios, dimensionados para o tempo que dura a obra. Por isso, precisam permitir uma montagem e desmontagem rápida e ser facilmente transportáveis. Em boa parte delas, esses verdadeiros acampamentos móveis têm mais de 20 anos de vida. Foram projetados em uma época em que o conceito de desenho universal era incipiente. Assim, a circulação nos espaços edificados é prejudicada para pessoas com mobilidade reduzida, como cadeirantes, ou que necessitem de sinalização especial, como cegos e pessoas com baixa visão. O sucesso da inclusão exige que os canteiros de obra do futuro sejam necessariamente acessíveis. Soluções nesse sentido vêm sendo adotadas por algumas empresas, como a dupla sinalização de segurança nos canteiros – visual, para alertar


os surdos, e sonora, como aviso para os demais, incluindo quem não enxerga. A melhoria da acessibilidade não é, no entanto, o fator mais difícil de resolver – especialmente se considerarmos a experiência do setor em encontrar soluções estruturais e arquitetônicas. Se problemas de seu próprio espaço físico. Já uma outra característica da atividade do setor exige um esforço maior: a desmobilização. Diferentemente das empresas com operação fixa, em que a seleção de trabalhadores é feita em regiões conhecidas, cada obra em um local novo obriga a uma busca de profissionais com deficiência. E em muitos municípios as dificuldades de contar com apoio para fazer a seleção é concreta, ou porque a administração pública não conta com programas de atendimento a pessoas com deficiência ou porque a organização da sociedade civil ainda engatinha. Em algumas regiões, como verificamos pessoalmente, o número de pessoas com deficiência, com ou sem qualificação, que desejam trabalhar é insuficiente para o cumprimento da cota legal.

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

o faz, e bem, para seus clientes, nada mais natural que solucione

obra desmobilizada muitas vezes desanima o gestor. Este foi um dos tópicos mais discutidos em nossas conversas nos últimos oito meses. A SRTE/SP não subestima o problema, mas entende que o compartilhamento de experiências pode apontar saídas. Exemplo: muitos trabalhadores com deficiência não são aproveitados em novas obras das construtoras em outros estados. Se o setor criasse um banco de currículos próprio, a seleção de pessoal poderia usá-lo como ponto de partida para encontrar a mão de obra adequada em regiões em que a construção pesada já atuou.

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A percepção de que se terá de recomeçar do zero a cada


A palavra do SINICESP-SP

Marlus Dall’Stella, presidente do SINICESP-SP (2008-2011)


O

presidente do SINICESP-SP (Sindicato da Indústria

da Construção Pesada do Estado de São Paulo), Marlus Renato Dall’Stella, tornou-se um enfático defensor da inclusão de pessoas com deficiência no setor. “Hoje, estou completadeficiência é possível, viável e também um bom negócio. É importante retransmitir essa ideia para as empresas, mostrando que promover a inclusão não é fazer caridade. Estamos falando de um modelo de negócios que dá certo.” Ele próprio admite que nem sempre pensou assim. “Antes, quando vinha o Ministério do Trabalho, a gente mostrava aos auditores fiscais um recorte de anúncio de vagas para pessoas com deficiência que publicávamos nos jornais e dizíamos: ‘veja, eu coloquei este anúncio e ninguém apareceu’. Isso acabou, felizmente. Conseguimos avançar muito, SINICESP e Ministério do Trabalho. Ultrapassamos a questão do tem ou não tem.” Dar o exemplo

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

mente convencido de que a contratação de profissionais com

cato e dirigente de uma das grandes empresas do setor, a S.A. Paulista, dá a ele mais responsabilidade e cobra coerência entre as práticas que defende para a construção pesada e o que aplica em sua companhia. “Se eu prego uma coisa e faço outra, como posso dar o exemplo?”, diz. O líder do SINICESP-SP acredita que o momento é favorável à ampliação da inclusão no setor. “Acho que hoje é muito mais fácil transmitir o conceito da inclusão profissional do que na época em que surgiu a Lei (1991). Percorremos um

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Segundo Marlus Dall’Stella, o fato de ser presidente do sindi-


Obra de construção de Pequena Central Hidrelétrica em Sete Quedas, no Mato Grosso


caminho enorme, mas ainda falta muito para atingir a meta de incluir plenamente. Por isso, defendo a existência das cotas, as cobranças do Ministério do Trabalho, e também as multas. Por mais que se tenha caminhado na questão social, o bolso continua sendo uma área muito sensível para o ser humano – Para Dall’Stella, a inclusão profissional é um valor que as empresas estão começando a incorporar à sua política de responsabilidade social. “Mas ainda não vejo divulgação disso como a que se faz para questões ambientais, por exemplo. Hoje, não se encontra um relatório social ou um folheto institucional sequer que não traga alguma imagem relacionada à responsabilidade social. Todos têm ou uma folhinha verde, um copinho d’água, um riozinho passando. Por menor que seja a construtora, vemos que ela já incorporou a ideia de sustentabilidade. A foto de capa do relatório não é mais de um trator, não é o presidente, mas sim algo verde. Falta incorporarmos a questão da inclusão dessa mesma forma.” Segundo ele, é crescente o número de empresas do se-

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

e, claro, também para os empregadores.”

nal com deficiência em seu quadro de funcionários. “Agora é preciso divulgar isso a fim de mostrar como está acontecendo, para que outras companhias vejam que é possível. Mais que tudo é preciso demonstrar que esses profissionais são dedicados, responsáveis e produtivos. E que se incluímos é também porque se trata de um bom negócio.” Dar visibilidade à produtividade do profissional com deficiência fará que ele seja verdadeiramente incorporado na empresa e entendido pelos colegas de trabalho, neutralizando

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tor contratando, renovando contratos, incluindo o profissio-


Para o presidente Marlus Dall’Stella, a inclusão não só é possível como vantajosa para a construção pesada

preconceitos e também atitudes paternalistas e protecionistas que possam existir devido à falta de informação. Mudança de visão Marlus explica que ele mesmo pensava de forma paternalista. “Achava que se as empresas estavam obrigadas a contratar pessoas com deficiência, o governo deveria oferecer contrapartidas. Por exemplo: abrindo mão de alguns tributos e oferecendo até compensações. Algo do tipo ‘tudo bem, você quer que eu contrate, então me dê algum benefício, algum diferencial que me estimule a fazê-lo. Você me pede para contratar 10, e eu até posso contratar 20 – mas desde que haja algum desconto, alguma compensação’. Mas essa ideia foi perdendo força até se desfazer por completo à medida em que fui tomando conhecimento da realidade da inclusão, da produtividade desse perfil de profissional e do benefício que ele trouxe às empresas que praticam a inclusão.”


Em sindicatos de empresas, diz o presidente do SINICESP-SP, a reação mais comum a questões consideradas problemáticas é “vamos contratar um advogado para ir contra determinada lei”, ou “vamos ver que político pode nos ajudar a tentar mudar isso”. Entretanto, ele assegura que isso não siderar a lei como inviável de ser aplicada. Não se via como incluir profissionais com deficiência na construção pesada, para dirigir caminhões, tratores. Essa foi a nossa reação ao tomarmos conhecimento da Lei 8.213. Isso aconteceu há três anos. Hoje, sei que a Lei de Cotas existe há 19 anos. Isso dá uma ideia do nível de desconhecimento que tínhamos.” O presidente do SINICESP avalia que há outra questão fundamental a ser trabalhada para impulsionar a inclusão na construção pesada, principalmente nas empresas de médio e grande porte. “Nelas, os acionistas não estão envolvidos na questão da inclusão. Até existe um ou outro acionista mais bem informado, por causa das multas, mas ainda assim se trata de uma minoria. Em casos assim, considero fundamen-

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

chegou a acontecer com a Lei de Cotas. “A reação foi con-

os profissionais incluídos, compartilhar as experiências bemsucedidas nas empresas da construção pesada e defender a negociação como caminho para solucionar os impasses.” Parceria com o SENAI Marlus Dall’Stella conta que o SINICESP possui uma cadeira na FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), mas que ela sempre foi pouco usada. “Todos os segmentos da cadeia industrial acionam muito o SENAI - Serviço Nacional

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tal levar a informação sobre os resultados alcançados com


Envolver os acionistas com a inclusão é considerado um passo essencial para ela crescer

de Aprendizagem Industrial, há mais de 30 anos. Quem não usava era a construção pesada. Isso mudou nos últimos três anos, quando começamos a participar ativamente. A parceria não acontecia. Mas não porque o SENAI não queria, éramos nós que não íamos atrás, não usávamos essa ponte.” De acordo com ele, o SENAI apoiará as empresas na capacitação dos profissionais com deficiência. “Fizemos um acordo para oferecer aulas de capacitação para 5 mil alunos, com material didático e professores, tudo custeado pelo SENAI. De nossa parte, providenciaremos os locais e equipamentos, como tratores, de que o SENAI não dispõe. Então, as aulas acontecerão nos canteiros de obra, com o professor do SENAI indo até o local. No final do curso, o aluno receberá um diploma do curso que fez, com informação de carga horária, tudo certificado pelo SENAI. Paralelamente a isso, teremos um outro curso, este de 200 horas, com foco no desenvolvimento pessoal do profissional com deficiência”, informa o presidente do SINICESP-SP.


Santos, presidente do SINTRAPAV-SP

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Wilmar Gomes dos

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

A palavra do Sindicato dos Trabalhadores


A

inclusão dos profissionais com deficiência não faz par-

te de uma agenda específica do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, Infraestrutura e Afins do Estado de São Paulo – SINTRAPAV-SP. Isso porque, segundo a direção sindical, para a questão ser equacionada bastaria as empresas do setor cumprirem a Lei 8.213/1991, a Lei de Cotas. Até isso acontecer plenamente, porém, o sindicato dos trabalhadores se mostrou disposto a apoiar iniciativas como o Pacto Coletivo para Inclusão de Pessoas com Deficiência no Setor da Construção Pesada, do qual é um dos signatários. Capacitação Em reunião com diretores da entidade, eles expuseram sua avaliação sobre a eficácia da estratégia de pactos setoriais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo (SRTE/SP). Como participantes do Pacto, era essencial saber que percepção eles têm da evolução das contratações no setor, se têm críticas a fazer ao ritmo desse processo e que sugestões apresentam para otimizar essa experiência. Da conversa, que durou quase três horas, participaram o presidente Wilmar Gomes dos Santos e o secretário geral Antonio Bekeredjian, que estavam acompanhados da advogada da entidade, Dra. Andresa Xavier Atanásio, e pelo presidente do Sindicato dos Empregados nas Empresas Concessionárias no Ramo de Rodovias e Estradas em Geral no Estado de São Paulo, Rosevaldo José de Oliveira. Um dos aspectos considerados críticos pelo SINTRAPAV-SP diz respeito à capacitação da mão de obra com defi-


ciência. A entidade considera que poderia contribuir com a qualificação dos trabalhadores do setor, mas afirma que não sente abertura do Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo (SINICESP) nesse sentido. Em nossa conversa, expliquei que a Superintendência (SRTE/SP) tinha conhecimento do fato de que até o momento as iniciativas de capacitação do trabalhador com deficiência eram restritas a empresas do setor. E que víamos esse fato com preocupação, pois a falta de um programa mais amplo dificultava que esta formação para o trabalho ganhasse escala. Este ponto, inclusive, seria um dos temas abordados na renovação do Pacto com o setor da construção pesada. A advogada do sindicato, Dra. Andresa Atanásio, esclareceu que este acordo setorial fez a entidade considerar desnecessário incluir cláusulas específicas na convenção coletiva da categoria, cuja negociação acontece em janeiro. A decisão tem fundamento, considerando que a participação no Pacto pela Inclusão coloca para ambos os sindicatos, o patronal e o

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Regional do Trabalho e Emprego do Estado de São Paulo

tação das cláusulas previstas no acordo. Entretanto, na SRTE/ SP temos verificado que as categorias que conseguem incluir cláusulas específicas em favor da inclusão em seus acordos coletivos têm obtido melhores resultados nesse sentido. No caso específico, seria desejável que o órgão dos trabalhadores participasse mais ativamente do dia a dia dos esforços em favor da inclusão. Uma forma de fazer isso seria demonstrando que, de fato, ele tem propostas que podem melhorar a capacitação da mão de obra do setor.

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dos trabalhadores, a responsabilidade de garantir a implemen-


Para o sindicato dos trabalhadores, o diálogo com vistas à inclusão está apenas começando

Adesão relativa Para o presidente do sindicato, Wilmar Gomes dos Santos, o diálogo com vistas à inclusão apenas começou. Ele considera que a adesão das empresas da construção pesada ao Pacto pela Inclusão é baixa, estando restrita apenas a grandes companhias do setor. “A maioria resiste à ideia de participar de acordos de qualquer tipo. É preciso mudar essa cultura. E também não podemos esquecer que ainda há empresas que contratam o trabalhador com deficiência apenas para fugir à multa por descumprimento da legislação, mantêm seu nome na folha salarial, mas pagam para ele ficar em casa. É uma demonstração de que não estão interessadas em incluir.” O peso das grandes empresas, é fato, faz a balança pender em favor do diálogo e de compromissos com a inclusão. E pode influenciar na adesão das demais. Em 2010, cresceu


a participação de novas empresas nas reuniões realizadas no SINICESP para discutir a realidade da pessoa com deficiência, o que é um dado positivo. O SINTRAPAV-SP diz também perceber a dificuldade da indústria da construção pesada para encontrar a mão de obra de. “De modo geral, o que temos visto é que ou elas não sabem onde achar este trabalhador ou apresentam exigências que dificultam a sua empregabilidade.” Segundo Wilmar, setores como o comércio acabam sendo mais atraentes para trabalhadores com deficiência com baixa capacitação. “Para atrair esta mão de obra, a construção pesada terá de sinalizar que não só tem emprego a oferecer como está disposta a preparar o trabalhador para assumir funções mais qualificadas, que oferecem salários melhores e também perspectivas de carreira mais claras.” Tanto Wilmar como o secretário geral Antonio Bekeredjian discordam do argumento apresentado por empresas que justificam não cumprir a Lei de Cotas devido à uma suposta

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com deficiência que atenda às características de sua ativida-

da para ocupar os postos de trabalho abertos nas sedes ou nos canteiros de obra da construção pesada. Conhecer o terreno em que se pisa “Existem duas frentes em que se pode atuar para melhorar a empregabilidade: uma é buscando conhecer a realidade dos municípios e a outra, acreditando de fato nas possibilidades de desenvolvimento do trabalhador com deficiência”, diz o SINTRAPAV-SP.

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falta de mão de obra com deficiência minimamente prepara-


Para o sindicato, a capacitação é uma obrigação das empresas

Na primeira, caberia à empresa estudar os perfis das cidades em que terá obras a desenvolver, e também nas vizinhas, a fim de conhecer a realidade da deficiência na região, as organizações locais de apoio e promoção das pessoas com deficiência e eventuais políticas públicas locais desenvolvidas em favor deste público. Já a segunda frente depende de a empresa abraçar de fato o compromisso com o desenvolvimento do trabalhador com deficiência. “Se você não acredita que alguém é capaz de corresponder às suas expectativas, não lhe dará reais oportunidades”, diz a advogada do sindicato, Dra. Andresa.


Defesa da Lei de Cotas O SINTRAPAV-SP lamentou que haja empresas apoiando iniciativas para derrubar ou tornar inócua a Lei de Cotas. “Em vez de gastarem com lobistas e dispersarem suas energias para descobrir como não fazer, deveriam usar tais recursos

em responsabilidade social não cabe adotar políticas que, na prática, têm caráter antissocial. Ninguém está dizendo que incluir é fácil, nem que basta seguir fórmulas prontas para conseguir fazê-lo. A indústria da construção pesada está diante da possibilidade de construir o seu próprio caminho. Aí, em vez de ser questionada ela pode virar exemplo.”

A capacitação pode acontecer no próprio canteiro de obra

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mar dos Santos. “Afinal, numa época em que se fala tanto

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para aprender a fazer do jeito certo”, afirma o presidente Wil-


Avaliação de discussões monitoradas por psicólogos em 5 grupos focais

A

realização da pesquisa com grupos focais buscou iden-

tificar o que mudou na maneira de pensar das empresas desde a celebração do Pacto Coletivo e que mudanças essa nova realidade acarretou. Para isso, foi preciso escolher uma ferramenta que permitisse: • Conhecer as ações das empresas aderentes ao Pacto Coletivo para Inclusão das Pessoas com Deficiência. • Fomentar a discussão acerca das diretrizes do Pacto. • Identificar as etapas do processo de seleção e treinamento implantados nas empresas signatárias.


• Reconhecer atividades de formação e capacitação dos treinamentos, além de modificações arquitetônicascom vistas a tornar o ambiente corporativo acessível. • Apontar as iniciativas para o cumprimento da Lei de

Buscou-se uma metodologia de abordagem qualitativa que favorecesse a compreensão das experiências dos grupos participantes a partir de seu próprio ponto de vista. A técnica de pesquisa qualitativa utilizada foi a do “grupo focal”, visando alcançar dados a partir de reuniões coletivas com pessoas que representam e conhecem o objeto de estudo. O grupo focal possibilita a discussão informal em equipe e com número reduzido de participantes, com o propósito de coletar informações qualitativas em profundidade. É uma técnica rápida para avaliação e obtenção de dados, que fornece riqueza de informações qualitativas, considerando a perspectiva cultural dos possíveis beneficiários, fazendo emergir pon-

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Cotas e o Pacto Coletivo.

de significados difíceis de serem acessados por outros meios. O emprego dessa técnica tem crescido e constitui-se em valioso recurso para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos. Ela tem sido utilizada internacionalmente para levantamento de problemas, planejamento de atividades educativas e também de revisão de processos de ensino-aprendizagem, podendo servir ainda como forma de aproximação, integração e envolvimento dos participantes.

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tos de vista e processos emocionais, e permitindo a captação


Para contribuir com o diagnóstico da inclusão na construção pesada foram formados cinco grupos focais: trabalhadores com deficiência incluídos nas empresas do setor, gestores, colegas, chefias e familiares. A partir da análise do conteúdo apurado é possível afirmar que se avançou bastante, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para a inclusão, sendo necessário que se ampliem as ações concretas de acompanhamento, monitoramento, treinamento e discussão sobre o tema da pessoa com deficiência. Barreiras foram vencidas, mas ainda há que se enfrentar questões como o uso inadequado dos recursos disponíveis para desenvolver programas de emprego, métodos de avaliações com critérios inadequados e espaço físico e logístico do ambiente de trabalho organizados ainda de maneira excludente. Todos os grupos e segmentos entrevistados no estudo – desde o nível gerencial até os parentes e amigos – apontam a necessidade de superação dos obstáculos da discriminação no interior das empresas e na sociedade. Por outro lado, é importante destacar que os grupos indicaram diversas iniciativas empresariais relativas à inclusão das pessoas com deficiência, traduzindo uma mudança em curso no modo de conduzir a questão e boas perspectivas de ações futuras.


profissionais de RH das empresas do setor relatam experiências com as pessoas com deficiência

Grupo Focal 1 – Gestores Antes do Pacto Coletivo para Inclusão de Pessoas com Deficiência não havia, de modo geral, política de contratação de profissionais com esse perfil no setor da Construção Pesada. Foi só a partir dele que as empresas adotaram estratégias de recrutamento mais bem estruturadas. Após realizar um mapeamento interno para verificar se já havia trabalhadores

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do dia a dia

com deficiência contratados, as empresas chegaram à conclusão de que teriam de começar quase da estaca zero. O modo como cada uma se organizou em relação ao cumprimento da legislação foi variável. Muitas consideraram a informação boca a boca uma estratégia eficaz, mas perceberam que isoladamente ela não daria conta da quantidade de vagas a serem preenchidas. Daí a notar a necessidade de buscar outras formas de divulgação, como anúncios em meios de comunicação, foi uma conclusão lógica. Hoje, muitas empresas divulgam vagas claramente destinadas a pessoas com

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1. Gestores

Líderes e


deficiência; outras anunciam suas vagas de forma generalizada, informando que 5% delas são preferenciais; também há empresas que divulgam suas vagas sem informar se há vagas destinadas exclusivamente a pessoas com deficiência. Há casos de divulgação de vagas que incluem definição das funções a serem exercidas e o tipo de deficiência considerado mais adequado, ou ainda busca-se a divulgação em órgãos públicos, organizações locais da sociedade civil, inclusive centrais sindicais, e outras formas de recrutamento. A maneira como cada empresa do setor da construção pesada procurou alocar suas contratações também difere. Algumas estabeleceram as cotas por canteiros de obra e outras consideraram a empresa como um todo. Em alguns casos, foram acordadas cotas por diretorias e o cumprimento destas teve reflexo na remuneração dos executivos, assim como passou a integrar o processo de avaliação dos setores. Os 7 gestores participantes deste grupo focal consideram justa a existência da Lei de Cotas, porém afirmam desconhecer se há estudos para dimensionar o que representam 5% de inclusão ou como se chegou a esse número. Citam algumas características que, no seu entender, dificultam o cumprimento da lei, sendo que o maior empecilho na contratação de pessoas com deficiência seria a falta de capacitação desse perfil de trabalhador. No entanto, admitem que as empresas raramente oferecem programas de formação e qualificação, uma vez que não classificam esse investimento como passível de retorno, alegando que as vagas disponibilizadas pelo setor são temporárias, sazonais e de grande rotatividade. Por outro lado, o trabalhador com deficiência se ressente da falta desse


tipo de investimento e diz ter a sensação de entrar e sair de cada obra sem agregar conhecimento e qualificação. Um fator evidente nos relatos dos grupos aponta que as empresas não precisaram transpor barreiras arquitetônicas nem tiveram de realizar adaptações dos postos de trabalho para inmento. Esse dado pode ser associado à hipótese de que existe um critério subliminar de seleção indicando quais deficiências poderão ser mais facilmente absorvidas nas atividades propostas pelas empresas, que privilegiam a contratação das mais leves em detrimento das consideradas de mais difícil adaptação. Outra situação desfavorável ao processo de inclusão é a localização dos canteiros, normalmente em locais afastados, além da sazonalidade das obras. As empresas contam com um quadro fixo, que em função de uma obra é ampliado consideravelmente, mas por tempo determinado, e por isso a dinâmica da construção pesada absorve o trabalhador por um período que pode variar de apenas três meses a até três anos. Após o término da obra acontece a chamada desmobi-

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cluir os profissionais com deficiência contratados até o mo-

contratados. Segundo os gestores, esta é uma característica inerente ao setor da construção pesada e que interfere negativamente no cumprimento da Lei de Cotas. Além disso, uma obra não tem perspectivas de carreira nem plano de cargos e salários. Esse fator desestimula não apenas os trabalhadores que buscam desenvolvimento profissional, mas também as próprias empresas, que deixam de investir em qualificação e treinamento por acharem que o custo supera o benefício. Considerando a escassa oferta de mão de obra, no entanto,

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lização, momento em que há drástica redução no quadro de


o investimento em qualificação poderia se constituir em boa fonte de retorno, uma vez que o mesmo profissional pode ser reaproveitado em outras obras da empresa. Um outro fator que estaria interferindo no cumprimento da Lei de Cotas é o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC/LOAS), integrante do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), destinado ao idoso ou pessoa com deficiência que não tenha condição de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família, para lhes proporcionar condições mínimas de uma vida digna. Os gestores acreditam que este benefício acaba sendo um desestímulo para a pessoa com deficiência aceitar o emprego com carteira assinada na indústria da construção pesada. A necessidade e a pressa no preenchimento das vagas podem gerar desequilíbrios. Os próprios gestores relatam distorções durante o processo de contratação, pois alegam existir distinção entre as pessoas com deficiência que atendem à Lei de Cotas e os não incluídos na legislação. Se determinado profissional possui uma deficiência que não se enquadra na legislação, é bem provável que ele seja preterido e a vaga preenchida por outro cuja deficiência possa ser contabilizada no cumprimento da cota. A partir dessa perspectiva, os gestores ouvidos opinam que para atender a cota as empresas podem tornar-se agentes de discriminação. APrenDIzADos • Participantes deste grupo acham que o Pacto Coletivo favorece a responsabilidade social das empresas. Sem ele, o foco estaria somente no âmbito das obrigações jurídicas.


• Dizem que as empresas são as únicas responsáveis pela qualificação das pessoas com deficiência, sem receber contrapartidas do governo. • Defendem que o Pacto seja renovado e que sejam feitas avaliações rotineiras a fim de garantir a efetiva inclusão. ção e valorização da diversidade ao manifestarem preocupação com a não contratação de candidatos que não se enquadram no conceito legal de pessoas com deficiência. • Dizem ser fundamental discutir os temas inclusão e responsabilidade social na formação profissional do gestor. • Afirmam que o envolvimento da diretoria é questão fundamental para facilitar o processo de inclusão. • Dizem que empresas signatárias do Pacto incluíram a contratação de pessoas com deficiência como requisito de programas de metas e de participação nos lucros. • Acreditam que o Benefício da Prestação Continuada concorre negativamente com as vagas do setor. • Gostariam que o Sistema S* participasse do Pacto, contri-

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• Demonstram avanço na concepção da questão da aceita-

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buindo para a qualificação da mão de obra.

* Embora não constitua de fato um sistema, o assim chamado Sistema S é composto pelo SESI – Serviço Social da Indústria e SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; pelo SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio, SESC – Serviço Social do Comércio, e SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, entre outras organizações.


2. Trabalhadores

Profissionais com diferentes tipos de deficiência dizem o que tem funcionado e o que dificulta a inclusão nas empresas

Grupo Focal 2 – trAbAlhADores Dos 11 trabalhadores que participaram deste grupo focal, 3 relataram como causa da deficiência acidentes de trabalho (um de trajeto e dois típicos). Eles tinham deficiência física, auditiva, visual e intelectual, e idades de 19 a 58 anos. A contratação pelas empresas foi dividida em dois momentos distintos: antes e depois da fiscalização do cumprimento da Lei de Cotas. Os que já haviam sido contratados antes da implementação da Lei de Cotas entraram nas empresas devido à experiência profissional anterior e a processos de seleção de rotina. Após a fiscalização, as admissões foram determinadas por serem pessoas com deficiência. Foram informados das vagas por intermédio do sindicato dos trabalhadores, das centrais sindicais, do Programa de Apoio à Pessoa com Deficiência (PADEF) do Governo do Estado de São Paulo, e, predominantemente, por colegas e familiares com conhecimento das vagas disponíveis pela Lei de Cotas.


O grupo considera comuns as indicações de vagas por meio de colegas ou familiares e acredita que a Lei 8.213 facilitou a contratação de pessoas com deficiência. Alguns lembraram de situações em que era necessário esconder a deficiência para entrar no mercado de trabalho, pois em outros pantes disse acreditar que a Lei de Cotas lhes proporcionou a experiência do primeiro registro na carteira profissional. A expressiva quantidade de postos de trabalho concentrada no setor de limpeza – principalmente nas funções de servente e ajudante geral – indica que existe potencial de treinamento e qualificação no processo de inclusão na indústria da construção pesada com vistas a postos de trabalho mais qualificados. Ainda assim é incontestável o efeito positivo que a inclusão no mercado de trabalho opera na autoestima dos trabalhadores, tornando-os mais autoconfiantes e conscientes de sua capacidade produtiva. Houve relatos de melhoria nas relações interpessoais, mudanças na forma como passaram a ser vistos por colegas e familiares, e de orgulho por exibir o uniforme de

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tempos ela era critério de eliminação. A maioria dos partici-

De maneira geral, todos se mostraram satisfeitos com as atividades que realizam e com o fato de estarem formalmente empregados, com registro em carteira de trabalho. Mais do que reconhecidos e recompensados, sentem que voltaram a fazer parte da sociedade na condição de cidadãos produtivos, e essa condição faz com que se sintam dignos de respeito. Nenhum dos participantes do grupo de trabalhadores com deficiência tinha conhecimento suficiente da Lei de Cotas para entender que as empresas são multadas quando a

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trabalho na saída do expediente, a caminho de casa.


fiscalização detecta contratações em número inferior à cota estipulada. Além disso, muitos ambientes de trabalho ainda estão longe de ser considerados inclusivos ou basicamente preparados para receber os profissionais com deficiência em condições de igualdade. Foram relatadas situações variadas de discriminação, especialmente em relação à deficiência intelectual. Um dos participantes disse ter sofrido humilhações da parte de colegas. “Ontem, ouvi: saia daqui, seu deficiente! Por que te contrataram?” Outro, com deficiência física, contou ter ouvido que a empresa havia se tornado um “cabide de aleijados”. Esse comportamento evidencia a necessidade de se adotarem programas de sensibilização voltados ao processo de inclusão profissional e joga contra os esforços para o cumprimento da cota com qualidade. Os participantes deste grupo focal não identificaram trabalhadores cadeirantes ou que fazem uso de muletas, próteses ou órteses nas obras. E se por um lado acreditam que as obras não comportam com segurança trabalhadores com tais exigências, por outro acham que poderiam absorver os trabalhadores com essas demandas, ainda que em funções administrativas. Apontam que não existem banheiros adaptados ou rampas em seus locais de trabalho. Essas informações reforçam a percepção de que as empresas optam por contratações que requerem pouca ou nenhuma adaptação, e com isso um grande número de pessoas com deficiência está sendo deixado de fora. A impressão que se tem é a de falta de visão de médio e


longo prazos. Um investimento em adaptações elevaria sensivelmente o potencial para receber pessoas com outros tipos de deficiência e poderia aumentar consideravelmente o número de contratações, auxiliando no cumprimento da cota. Além disso, a postura de integrar o trabalhador com deficiesse ambiente de modo a receber a diversidade de condições, tendo como paradigma o Desenho Universal –, gera desconforto entre empregados com essa condição. Muitos consideram que as empresas buscam apenas cumprir a cota, sem se preocupar com a qualidade da inclusão. APrenDIzADos • Os relatos indicam haver predomínio de deficiências leves e de fácil integração ao ambiente de trabalho. • Trabalhadores disseram buscar igualdade de condições, sem discriminações ou privilégios. • Se ressentem da falta de investimento em qualificação e capacitação.

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ência ao ambiente de trabalho – e não o contrário, preparar

saúde e discriminação. • Não acham que a deficiência é um empecilho ao trabalho. • Consideram a Lei de Cotas boa, porém pouco divulgada. • A maioria prefere trabalhar a receber o benefício da assistência social. • Preferem que a divulgação da vaga seja clara e direta, mencionando a preferência por pessoa com deficiência. Não veem esse fato como discriminação, mas sim como uma certeza de que não serão excluídos a priori.

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• Valorizam reuniões que discutem segurança no trabalho,


3. Colegas

O principal aprendizado que dizem ter assimilado é que deficiência não é sinônimo de incapacidade

Grupo Focal 3 – ColeGAs De maneira geral, pode-se dizer que a convivência entre colegas de trabalho com e sem deficiência está sendo positiva e vem trazendo benefícios a ambos. Para o trabalhador com deficiência é uma oportunidade de vivenciar a inclusão de maneira concreta, já que ele passa a fazer parte da rotina de trabalho e está inserido na economia formal. Para seus colegas sem deficiência, a inclusão mostra, na prática, que as barreiras que impediam a contratação desse perfil de trabalhador não condizem com a realidade laborativa: os 8 participantes deste grupo focal foram unânimes em relação à produtividade e à qualidade do trabalho realizado pelos profissionais com deficiência, alvo de reconhecimento e elogios tanto por parte dos colegas quanto dos chefes diretos. Mais do que isso, conviver com a diversidade fez com que a maioria colocasse em perspectiva aspectos da própria realidade e derrubasse preconceitos, desmistificasse estereótipos e estabelecesse novos paradigmas e conceitos em relação à deficiência.


Dentre os que mais se beneficiaram com o processo estão os que passaram a enxergar os novos colegas como pessoas com limites e capacidades – como quaisquer outras. Alguns contaram que nem tinham conhecimento sobre a condição de deficiência de determinados colegas. Em vários momennão possuir limitações, pois “fazem tudo muito bem e são até mais empenhados do que outros sem deficiência”. Os participantes do grupo acreditam que as empresas poderiam realizar mais contratações de pessoas com deficiência, inclusive ampliando o perfil e contratando cadeirantes, amputados usando órteses e pessoas com baixa audição e surdez. Quando questionados sobre sugestões de locais e atividades a serem realizadas por esses colegas, mencionaram aquelas relacionadas à ferramentaria (almoxarifado), segurança (técnico de segurança), zeladoria, de apontador e de comunicação. Consideram muito difícil inserir um cadeirante e pessoas com deficiência visual em um canteiro de obra, em função da segurança no trabalho, mas creem que pessoas

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tos, afirmam que os trabalhadores com deficiência parecem

sem riscos. No entanto, acreditam que as deficiências auditiva e intelectual são compatíveis com a maioria dos trabalhos realizados nos canteiros de obra. Relatam, ainda, a existência de treinamento e de reuniões de segurança no trabalho. Nenhum deles participou de atividades específicas no sentido de receber bem e saber como lidar com os colegas com deficiência. Os participantes foram unânimes em demonstrar interesse pelo tema e consideram importante receber orientações e

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nesta condição poderiam trabalhar em setores administrativos


esclarecimentos sobre a melhor maneira de incluir. As orientações referem-se à proteção dos colegas com deficiência, por exemplo, quando o trabalhador tinham de subir ou descer escadas íngremes, ou carregar peso. Note-se que tais cuidados e medidas de proteção devem ser estendidos a qualquer perfil de trabalhador, com ou sem deficiência, uma vez que os entrevistados admitiram que os acidentes laborais ocorrem por conta do excesso de confiança e da tendência à automatização de tarefas que o trabalhador adquire e emprega na realização de suas atividades, e que isso pode ocorrer com qualquer um, independentemente de sua condição. Além disso, como observaram, os colegas com deficiência costumam ser mais cuidadosos, o que contribui para diminuir o risco de acidentes. Ainda assim, relataram ajudar os colegas sempre que julgam necessário – solicitados para isso ou não. A prática de indicar pessoas com deficiência para serem contratadas mostrou-se comum no setor. Vários entrevistados foram incentivados a isso e passaram a enxergar pessoas com deficiência da comunidade como potenciais trabalhadores. Todos afirmaram conhecer a Lei de Cotas e consideram correto a empresa contratar pessoas com deficiência. Para muitos, inclusive, o fato de a empresa contratar esses profissionais é motivo de orgulho. “Gosto de pensar que escolhi trabalhar em uma empresa que tem visão social. Espero que ela siga contratando pessoas com deficiência.” Em relação a situações de discriminação, os entrevistados consideram fácil e natural lidar com as pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, descrevendo uma con-


vivência agradável e sem problemas. Mas alguns admitiram já ter ouvido conversas e comentários preconceituosos. Defenderam que tais afirmações são originadas por uma minoria e que elas tendem a diminuir até cessar, já que “o dia a dia de trabalho do colega com deficiência e o quanto ele produz fundamento”, como disse um dos entrevistados. APrenDIzADos • Os participantes afirmam que é possível incluir pessoas com deficiência na indústria da construção pesada. • Consideram importante ter orientações e esclarecimentos sobre o tema da deficiência. • Acreditam que episódios de discriminação são isolados e tendem a acabar. • Sugerem que os canteiros de obra melhorem a acessibilidade para que os trabalhadores com deficiência se desloquem com facilidade e as empresas aumentem as contratações. • Passaram a ver o colega com deficiência como um igual.

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valem muito mais do que meia dúzia de preconceitos sem

• Valorizam e reconhecem a qualidade do trabalho e a produtividade dos colegas com deficiência. • Conhecem e defendem a Lei de Cotas, acreditando que as empresas devem dar mais oportunidades a essas pessoas. • A maioria disse que passou a ter mais orgulho da empresa depois da contratação de trabalhadores com deficiência. • São, ainda, influenciados pela cultura de responsabilização e culpabilização do próprio trabalhador para explicar a ocorrência de acidentes de trabalho.

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• Acham que o ambiente de trabalho está mais humanizado.


4. Chefias

Líderes destacam maior produtividade do profissional com deficiência na comparação com os demais empregados

Grupo Focal 4 – CheFIAs Este grupo, formado por 5 profissionais com subordinados, discutiu as visões de gestores e colegas de trabalhadores com deficiência. De maneira semelhante aos colegas, as chefias que lidam diretamente com os trabalhadores com deficiência foram positivamente impactadas pela presença de pessoas com esse perfil na rotina de trabalho e disseram encarar a cota como algo normal e benéfico para todas as partes envolvidas. Defenderam a Lei de Cotas, considerando que sua existência se justifica para alavancar o processo de inclusão. Acreditam, porém, que um dia ela não será mais necessária, “a partir do momento em que os contratantes perceberem que trabalhadores com deficiência podem ser tão ou mais produtivos – dentro de suas capacidades – do que aqueles sem deficiência”. Da mesma forma que os gestores, reclamaram da falta de contrapartidas do governo e do Siste-


ma S na responsabilidade pela formação e qualificação dos profissionais com deficiência. Compartilharam, ainda, a visão dos gestores de que o investimento nos profissionais com deficiência não seria vantajoso para a empresa “em razão da alta rotatividade e das constantes desmobilizações acarretadas pelo Os participantes foram unânimes em afirmar que não houve necessidade de adaptações no trabalho para inserir os trabalhadores com deficiência. Tal informação remete novamente ao critério subliminar que privilegia a contratação de trabalhadores com deficiências consideradas leves. Da mesma forma, as chefias entendem como custosas eventuais adaptações de equipamentos para serem utilizados por pessoas com deficiência e acreditam que seria difícil a empresa providenciar essas mudanças. Frente a essa realidade, costumam procurar outras alternativas, como transferências de setor e pequenas adaptações de ferramentas para lidar com as situações cotidianas. Apesar de não participar ativamente do processo de contratação dos profissionais com deficiência, este grupo disse ter

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término das obras”.

belece os critérios referentes aos tipos de deficiência que supostamente se encaixam melhor nas possibilidades das empresas. Em relação à produtividade, os entrevistados consideram que pessoas com deficiência normalmente são mais dedicadas do que boa parte dos demais trabalhadores e que são especialmente produtivas nas atividades que exercem. Nesse sentido, houve relatos de dificuldade para manter o padrão de produtividade quando foi necessário substituir profissionais com deficiência em férias.

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conhecimento de que a área de Recursos Humanos é que esta-


Todos disseram saber diferenciar os perfis dos trabalhadores que nasceram com deficiência daqueles que a adquiriram, por exemplo, ao sofrer um acidente, classificando apenas estes últimos como suscetíveis a problemas de conduta (como fazer uso da condição para obter regalias e favorecimentos). O grupo disse que mantém os mesmos padrões de exigência ao lidar com profissionais com e sem deficiências – tanto em relação à produtividade quanto ao uso adequado dos equipamentos de segurança. Durante a entrevista ficou claro que as chefias aprenderam sobre a deficiência de cada profissional (e como lidar com ela) apenas no dia a dia de trabalho, sem preparação prévia por parte das empresas. Não participaram de treinamentos específicos ou de atividades de sensibilização que pudessem instrumentalizá-los sobre a melhor forma de lidar com o novo profissional que passaria a trabalhar sob sua responsabilidade. As poucas orientações sobre o tema da deficiência ou questões de ordem prática do dia a dia costumam ser dadas durante as reuniões matinais de segurança, diretamente nos canteiros de obra. Ao deparar com a nova situação, as chefias passaram a lançar mão de seus próprios recursos para integrar o profissional com deficiência, apresentando-o ao grupo de colegas. Apesar disso, nenhum deles afirmou ter tido dificuldades neste processo. Assim como relataram os colegas de trabalho dos profissionais com deficiência, as chefias também reconhecem a existência de situações pontuais de discriminação e preconceito, mas acreditam que sejam de fato isoladas e que estejam com os dias contados, uma vez que “a capacidade produtiva


desse perfil de profissional é notória e concreta, ao contrário das crenças que embasam as atitudes preconceituosas”. Nesse sentido, disseram encorajar os profissionais discriminados a não guardarem para si qualquer comentário ou atitude que considerem desrespeitosa ou motivada por precondiscriminação e desencorajar novas manifestações do gênero. APrenDIzADos • As chefias diretas dizem que há campo para inúmeras contratações de profissionais com deficiência. • Para elas, os trabalhadores com deficiência costumam ser mais dedicados e demonstrar mais empenho do que muitos sem deficiência. • As empresas ainda não se prepararam para receber todos os tipos de deficiência, privilegiando a mínima necessidade de adequação arquitetônica e mobiliária possível. • Disseram que é imprescindível conscientizar as gerências e a diretoria sobre a questão da inclusão e a Lei de Cotas.

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ceito, a fim de que possam, ao mesmo tempo, expor o autor da

ajuda a humanizar o ambiente da empresa. • Acreditam que o número insuficiente de contratações ainda tenha base em crenças relacionadas à baixa produtividade e gastos com adaptações. • Admitem a existência de manifestações pontuais de discriminação. • Gostariam de estar mais bem preparadas para receber e lidar com os trabalhadores com deficiência sob sua responsabilidade.

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• Consideram que a presença de profissionais com deficiência


5. Familiares

Para a família, o emprego do parente com deficiência significa uma reinvenção dos papéis e ganho de novos vínculos Grupo Focal 5 – FAMIlIAres Este grupo focal de familiares de trabalhadores com deficiência foi composto por 8 pessoas: mães, filhos, esposas e primos que compartilharam suas impressões sobre o que favorece e o que dificulta o processo de inclusão no mercado de trabalho. Os participantes contaram que seus familiares têm dificuldade para ingressar nas empresas e costumam ficar desempregados por longos períodos, nos quais permanecem constantemente preocupados e dedicados a conseguir trabalho. Segundo contaram, alguns estão formalmente empregados pela primeira vez. As formas que levaram à contratação são diversas e vão desde contatos da própria empresa, indicação de parentes, colegas e até profissionais da área da Saúde. Os familiares consideram a discriminação um importante obstáculo a ser superado, não importando por quem ou como ela é manifestada – colegas, chefias ou mesmo sob a forma de critério de eliminação em processo de seleção –, pois dificulta consideravelmente a realidade da pessoa com deficiência, que


pela própria condição costuma empenhar muitos esforços para lutar por sua participação com dignidade na vida social e no trabalho. Argumentam que as cotas não existem para reduzir o número de vagas das pessoas sem deficiência, mas sim para corrigir uma condição de desigualdade que sempre fez parte lhar mas não encontrava oportunidade. Nesse sentido, defendem que se deve garantir o acesso ao trabalho para os diferentes grupos sociais. Lembram que até pouco tempo não havia referência à Lei de Cotas, e somente com a pressão social e visibilidade é que esta realidade tem mudado. Com relação à vigência da Lei, no entanto, as opiniões se dividem. Enquanto uns defendem sua duração por tempo indeterminado, outros temem que um período excessivo pode ter efeito oposto ao desejado, cristalizando a condição de exclusão e fortalecendo a discriminação. “E se essa lei piorar as coisas? Se as empresas e os outros funcionários passarem a

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

da realidade da pessoa com deficiência, que gostaria de traba-

dela e da obrigação de contratar, por causa das vantagens e da cota reservada?” Por causa da Lei de Cotas é comum escutarem que não terão mais dificuldades para arranjar emprego para seus familiares, mas a maioria não acha assim tão simples, pois considera que ainda há poucos anúncios nos meios de comunicação e que a quase totalidade das contratações de que tem conhecimento aconteceram por meio de indicações. Todos se mostraram muito satisfeitos por perceber que seus familiares têm

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discriminar ainda mais as pessoas com deficiência por causa


desejo de trabalhar e preferem sentir-se produtivos a receber o Benefício da Prestação Continuada da Assistência Social. Quando perguntados se tinham conhecimento de algum episódio em que seus parentes tivessem sofrido algum tipo de discriminação ou humilhação no local de trabalho, todos responderam que não. Alguns trabalhadores, no entanto – participantes do grupo focal dos profissionais com deficiência – relataram situações desse tipo em seus locais de trabalho, indicando que diante de episódios de discriminação, as reações são variadas e que essa é uma questão delicada que deve ser tratada com seriedade. Os entrevistados entendem ser responsabilidade do governo a criação de programas de qualificação para os trabalhadores com deficiência, a fim de que tenham mais facilidade para ser escolhidos pelas empresas. Por outro lado, uma vez contratados, acreditam que as empresas deveriam oferecer capacitação que permitisse a eles executar funções variadas e não restritas a áreas de limpeza e segurança – e que os familiares com deficiência empregados poderiam, sim, ser promovidos. Todos ressaltaram a importância de iniciativas como a que deu origem ao grupo focal, pois sentem falta de um espaço em que seja possível falar sobre a questão da deficiência. Avaliaram o encontro como um momento de esclarecimento e de troca de experiências, em que puderam verificar como outras pessoas lidam com as questões de inclusão. “Aprendemos mais sobre os direitos de nossos familiares, vimos e ouvimos outras


pessoas que compartilham da mesma realidade, e percebemos que não estamos sozinhos.” APrenDIzADos • Os participantes deste grupo focal afirmaram que a vida familiar com deficiência. • Todos tiveram receio de que seus familiares jamais conseguissem um emprego por causa da deficiência. • Consideram a discriminação um fator importante a ser superado. • Não costumam saber de eventuais discriminações sofridas pelos familiares com deficiência dentro da empresa. • Alguns têm medo de que a Lei de Cotas cristalize a discriminação, caso seja mantida por muito tempo. • Acreditam que a garantia legal ainda gera pouco resultado, considerando a situação de exclusão vivida pelas pessoas com deficiência. • Acham que as empresas deveriam investir na formação,

Diagnóstico da Indústria da Construção Pesada

da família mudou para melhor a partir da contratação do

ência, e promovê-los. • Defendem que o governo crie bolsas de estudo e outros programas que facilitem o ingresso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

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qualificação e capacitação dos trabalhadores com defici-



Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Indústria da Construção Pesada no Estado de São Paulo


Pacto assinado em abril de 2008 definiu metas de contratação intermediárias com vistas a atingir a cota

E

m 16 de abril de 2008, o Sindicato da Indústria da Cons-

trução Pesada do Estado de São Paulo – SINICESP-SP, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, Infraestrutura e Afins do Estado de São Paulo – SINTRAPAV-SP e a Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo – SRTE/ SP assinaram o Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência no Setor da Construção Pesada. O acordo, com duração de dois anos, previa metas progressivas de percentuais de contratação de profissionais com essa condição. A meta a ser atingida teria por base a média de trabalhadores empregados em cada empresa nos vinte e quatro meses anteriores, tendo como referência o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) de cada companhia. Em dois anos, as empresas deveriam atingir a metade da cota de contratações estipulada pela Lei 8.213/1991, considerando o número de trabalhadores com deficiência em relação aos demais.


Coletivo estabeleceu que as empresas teriam uma meta intemediária a ser cumprida a cada seis meses. Na prática, contudo, elas só aceleraram o processo de inclusão ao final do primeiro ano da vigência do Pacto, sob pressão dos prazos e da SRTE/SP. Alguns gestores com quem conversamos admitiram que houve empresas que encararam o pacto apenas como uma forma de ganhar tempo, empurrando a questão para a frente como se acreditassem que tal protelamento as livraria de cobranças. Mesmo empresas mais presentes no dia a dia do SINICESP-SP agiram dessa forma, desautorizando, na prática, o sindicato que as representa. Afinal, a entidade patronal assinou o acordo em nome das indústrias da Construção Pesada. Pacto para valer Vários fatores convergiram para que, pouco a pouco, aumentasse o número de empresas que implementaram cláusulas do Pacto, a começar do aperfeiçoamento dos instrumentos de

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Para chegar a esses percentuais intermediários, o Pacto

da fiscalização. Mas a experiência destes anos na Superintendência atuando em favor da inclusão nos ajudou a perceber que outros fatores podem concorrer para a mudança de postura das empresas, além da pressão do Ministério do Trabalho e Emprego. Um deles é o ambiente em que elas atuam. O meio social também influencia na adoção de políticas por parte das companhias. O contexto em que elas operam pode favorecer novas visões do empresariado, a começar do exemplo de empresas que atuam em outros setores da economia e

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apuração de informações da SRTE/SP e, consequentemente,


“As pessoas incluídas na empresa estão entre as mais produtivas que temos nos canteiros” Juan José Suárez González, gerente de Contrato – Mendes Júnior

cuja política de responsabilidade social contempla o respeito à diversidade e aos direitos das pessoas com deficiência. O direito ao trabalho, entre eles. Outro aspecto que vem pesando a favor é o surgimento de um novo perfil de consumidor, que valoriza não apenas produtos de qualidade vendidos a preços justos, como também os compromissos que as empresas assumem com a comunidade e o futuro da humanidade. A percepção de que o modelo de negócio tem de contemplar ações que valorizem a imagem das companhias vem levando o empresariado a abraçar causas que ele relutava em assumir como também sendo suas. E isso foi admitido de forma corajosa pelo presidente do SINICESP, Marlus Dall’Stella, neste mesmo livro ao dizer que: “hoje, não se encontra um relatório social ou um folheto institucional sequer que não traga alguma imagem relacionada à responsabilidade social. Falta incorporarmos a questão da inclusão dessa mesma forma.”


Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Encontro com trabalhadores e gestores da Mendes Júnior

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Reunião em canteiro de obra ferroviária da Mendes Júnior, em São Paulo


“Investir na capacitação promove a cidadania e ajuda o País a crescer” Zidem B. Abraão, gerente de Relações Trabalhistas e Sindicais – Odebrecht

“Investimos no cidadão. O cumprimento da lei decorre disso” Carlos Alberto de Oliveira, gerente Administrativo e Financeiro – Odebrecht


O real engajamento do Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo na defesa do Pacto fez diferença. Principalmente depois que ele se traduziu em ações concretas como a criação de um grupo de trabalho de empresas signatárias do acordo, que se reúne regularmente na entidade para compartilhar experiências, discutir problemas comuns enfrentados no processo de inclusão e, principalmente, debater soluções que podem servir a todas elas. Não é coincidência que, hoje, as principais indústrias da Construção Pesada no Estado de São Paulo têm programas próprios de contratação de pessoas com deficiência, como nos foi apresentado por todas com as quais conversamos nos últimos meses. Embora cada um desses projetos atenda às particularidades da empresa que os desenvolveu, em linhas gerais podem ser resumidos nas seguintes fases: • Sensibilização. • Contratação. • Capacitação.

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Ação do SINICESP-SP

• Retenção. Pelos bons resultados proporcionados – a Construção Pesada foi um dos setores que mais demoraram para iniciar a inclusão, mas é também um dos em que ela tem caminhado mais rapidamente desde então –, cabe comentar cada ponto do programa.

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• Manutenção.


Sensibilização O primeiro passo dado pelos representantes das empresas no Pacto foi discutir internamente com as diretorias, e estas com os acionistas, a Lei de Cotas, os termos do acordo assinado pelo SINICESP-SP e as ações necessárias para fazer a inclusão acontecer. Em seguida, os gestores apresentaram o programa de inclusão aos líderes dos setores que receberiam trabalhadores com deficiência, e estes foram orientados a fazer o mesmo com as equipes que os teriam como colegas. Alguns gestores nos relataram, ainda, que realizaram encontros com familiares dos profissionais com deficiência selecionados para certificar-se de que os estimulariam a aproveitar a oportunidade de trabalho que se abriu. Nesta etapa foram estabelecidas parcerias com organizações da sociedade civil que apoiam os direitos das pessoas com deficiência, com o objetivo de facilitar a seleção e também de orientar as empresas a incluir corretamente. Contratação O processo de contratação foi dividido em quatro etapas: • Mapeamento de função, atividade e área de atuação. • Disponibilização de vagas “especiais” para contratação de pessoas com deficiência. • Procedimento de contratação. • Formas de captação. Não resta dúvida de que a definição de critérios de contratação é essencial para o êxito da inclusão. Com o mapeamento das funções disponíveis, a avaliação das limitações


áreas que requerem novos profissionais, acredita-se reunir todas as informações necessárias para orientar as contratações. Antes de iniciar este livro, talvez eu mesmo concordasse que essas informações bastam. Hoje, penso que não. E explico o motivo. Em um dos canteiros de obra que visitamos, conheci um trabalhador que me fez repensar a questão. José Wellinton de Oliveira, eletricista, trabalha em redes de alta tensão de uma obra de grande porte no Norte do Brasil: a Usina Hidrelétrica de Jirau. Faz reparos em fios instalados a grande altura. Detalhe: é amputado da perna esquerda. Uma avaliação médica baseada unicamente em parâmetros tradicionais, que não tomam por base o conceito de que se deve sempre dar chance a uma pessoa de comprovar que possui habilidades para desempenhar a tarefa, provavelmente o impediria de exercer essa função. Apesar da limitação de mobilidade, ele a desempenha com competência e em total segurança. Em Jirau, privilegiou-se a capacidade e não a limitação funcional. Seu testemunho, que aparece completo no capítulo Tra-

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

funcionais do candidato à vaga oferecida e identificação das

neste ponto do livro, pelo que ele contém de superação e exemplo de competência profissional. “Entrei como eletricista de manutenção II, depois passei a eletricista de manutenção III, e com um ano de empresa fui promovido a encarregado. Estou realizado. Em 2007, estava alcoolizado e sofri um acidente; meu pé teve de ser amputado quinze centímetros acima do tornozelo. Coloquei uma prótese 90 dias depois do acidente, mas foi só por causa dessa lição que aprendi a valorizar minha vida, o que possuo, valorizar as

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balhadores: Histórias de vida, merece ser destacado também


“O processo de seleção é muito importante para se acertar na inclusão” Carolina Godoy Martins Vizeu, departamento Jurídico – SINICESP-SP

“Cada exemplo de superação de limites tem impacto sobre todos nos canteiros” Edmilson Novais dos Santos, RH – Camargo Corrêa


sofrer discriminação e sim por minha própria incapacidade de aceitar minha condição. O preconceito foi meu mesmo. Sentia vergonha de tudo e de todos. Não queria ver ninguém e passei a beber ainda mais. Passei dois anos nessa situação, isolado de tudo. Um dia acordei, olhei para os lados e não vi ninguém: nem mulher, nem filhos. Isso me motivou a mudar. Fui atrás de trabalho e consegui um emprego de porteiro de uma firma. Pensei ‘e eu que já fui eletricista!’ Sempre havia trabalhado bem. Recebia elogios. Por que não retomar minha profissão? Foi aí que surgiu a empresa em que estou hoje. Um amigo disse que ela estava contratando pessoas com deficiência. Assim, fui retomando minha vida de volta. Recuperei mulher, filhos, profissão e, principalmente, minha capacidade de valorizar a vida.” Capacitação Os programas apresentados pelas empresas previam a capacitação do trabalhador em dois aspectos: integração na empresa e treinamento interno. Também em relação a isso

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

pessoas. Tive problemas para arranjar trabalho, mas não por

inicial. Em pouco tempo, as companhias perceberam que o procedimento resolvia situações pontuais, mas não contribuía para dar escala à inclusão. E talvez esta tenha sido uma das questões mais difíceis de enfrentar para os gestores. Afinal, por anos as empresas se esconderam atrás do argumento de que a falta de qualificação profissional as impedia de cumprir as cotas previstas na Lei 8.213/1991. A liderança do setor desafiou esta convicção, assumindo que é papel da empresa promover a capacitação de seus trabalhadores. No capítulo

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a realidade mostrou ser mais complexa que o planejamento


“Temos muitos empregados com deficiência em obras. E trabalhando bem” Rosymar José Macêdo, área de Negócios – Mendes Júnior

“É política da empresa fazer trabalho social na comunidade” Carlos Alberto Ligeiro, diretor de Contrato – Odebrecht


que a entidade firmou acordo com o SENAI nesse sentido. “Providenciaremos os locais e equipamentos, como tratores, de que o SENAI não dispõe. As aulas acontecerão nos canteiros de obra, com o professor do SENAI indo até o local.” Manutenção As empresas que já chegaram a este ponto do programa de inclusão se tornaram, sem exceção que tenhamos conhecido até hoje, defensoras da empregabilidade do trabalhador com deficiência. A essa altura não só estão convencidas de que ele é tão capaz quanto os demais trabalhadores, como em muitos casos sua dedicação supera a dos colegas e seu exemplo contagia o ambiente de trabalho. Não que o caminho até aqui tenha sido fácil. Assim como ouvi relatos de casos de inclusão bem-sucedidos na Construção Pesada, não faltaram histórias de acomodação e incapacidade. Resultado: os que se encaixaram no último exemplo perderam a oportunidade de mudar suas vidas.

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Diagnóstico deste livro, o presidente do SINICESP-SP informa

dor quanto ao verdadeiro objetivo da inclusão. O que o MTE e a SRTE/SP defendem não é que as empresas amparem a pessoa com deficiência, substituindo o papel que cabe ao Estado e à família. No mundo do trabalho, a regra é clara: só há lugar para quem desempenha suas tarefas de forma competente. O que defendemos todos os que apoiamos os direitos das pessoas com deficiência é que lhes sejam dadas oportunidades iguais às oferecidas aos demais trabalhadores, permitindo que provem a sua capacidade.

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Apesar de o fato merecer ser lamentado, ele é esclarece-


As empresas que já se convenceram disso trabalham para criar condições que garantam a permanência do profissional incluído. Uma das ferramentas mais utilizadas por elas tem sido a pesquisa de satisfação. Por meio dela é possível medir o grau de satisfação deste trabalhador e também se seus colegas e chefias assimilaram a nova política da companhia. Retenção Manter e reter parecem palavras sinônimas, ou de efeito parecido. Não são. Se manter significa a permanência no emprego, reter implica tornar o emprego tão satisfatório para o profissional que ele não estará aberto a outras propostas. Mais que a manutenção da posição conquistada, se traduz em perspectivas claras de desenvolvimento profissional. O trabalhador com deficiência que se enquadra nesta etapa do programa de inclusão já provou o seu valor. Mas, como se sabe, isso nem sempre é suficiente para garantir o emprego em situações como uma crise ou, caso frequente no setor, término de uma obra. A desmobilização do canteiro significa a perda do emprego – ou fim do contrato por tempo determinado – para a maioria dos trabalhadores locais. Mas também uma nova fase para aqueles que a empresa passou a considerar essenciais. Pois bem: a política de retenção garante ao trabalhador com deficiência bem avaliado, a possibilidade de ser transferido para outras obras e, em alguns casos, a garantia de que não será dispensado sem autorização do gestor responsável pelo programa de inclusão da companhia.


Provam que nunca é tarde para começar.

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Outras cláusulas a destacar

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Qualidade da inclusão Esta é uma das cláusulas mais importantes do Pacto, na opinião da SRTE/SP. A “Qualidade da Inclusão”, cláusula de número 5, determina que: • As empresas comprometem-se a desenvolver ações programáticas na forma de organização de trabalho e de conscientização junto aos colegas de trabalho, chefias e aos próprios trabalhadores com deficiência para que lhes sejam garantidas as condições para o desenvolvimento de sua atividade profissional com eficiência e respeito. O programa implementado pelo SINICESP-SP, comum a todas as empresas que aderiram ao Pacto, explica por que a inclusão no setor tem caminhado mais rápido do que em outras áreas da economia – assim como os programas próprios desenvolvidos pelas 14 companhias participantes do acordo.

O texto legal do Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência no Setor da Construção Pesada é conciso. Vai direto ao ponto das questões essenciais acerca da empregabilidade destes trabalhadores. Ainda assim, não cabe reproduzi-lo integralmente neste livro. Em lugar disso, preferi comentar algumas cláusulas em particular a fim de destacá-las.


“Perdemos o medo de ser cobrados e de ousar. Essa postura abriu o diálogo com o poder público” Sérgio Melo, coordenador administrador de Obras e Qualidade – S.A. Paulista

“Incluir significa tratar todos da mesma forma: sem discriminação, mas também sem paternalismo” Sebastião Melo, encarregado de Obras – S.A. Paulista


pela qualidade da inclusão das pessoas com deficiência • As entidades sindicais signatárias e as empresas aderentes envidarão esforços com o objetivo de combater a discriminação e pela qualidade da inclusão no mundo do trabalho das pessoas com deficiência, voltadas à conscientização de seus empregados, clientes e sociedade em geral, inclusive por meio de material de divulgação (folder, espaço nos sites dos sindicatos, boletins, jornais e outros), a fim de difundir os cursos de capacitação a serem oferecidos às pessoas com deficiência, bem como difundir o combate à discriminação. A comunicação é um aspecto que deve ser aperfeiçoado pelo setor da Construção Pesada. Embora eu esteja convencido pessoalmente de que as empresas signatárias do Pacto condenam a discriminação do trabalhador com deficiência, em particular, e das pessoas com deficiência em geral, considero que não atuaram bem nesse quesito. Há casos de em-

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Cláusula 1ª – Campanhas de combate à discriminação e

meramente assistencial quando se trata de comunicar suas iniciativas nesse sentido, preferindo destacar ações realizadas na comunidade em geral a dar visibilidade aos exemplos de êxito na inclusão de seus profissionais com deficiência. Cláusula 2ª – Formação de mão de obra • As entidades sindicais signatárias e as empresas aderentes comprometem-se a promover a capacitação profissional de pessoas com deficiência, por meio de cursos

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presas que ainda tratam o tema da inclusão em seu aspecto


“Muitas empresas procuram brechas legais para escapar de suas obrigações” Andresa Xavier Atanásio, advogada – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada, Infraestrutura e Afins do Estado de São Paulo (SINTRAPAV-SP)

“Diferenças à parte, vamos discutir o que une: inclusão” Kal, em reunião com o Sindicato dos Trabalhadores


duração deste Pacto, buscando atingir os postos da cota para pessoas com deficiência, conforme previstos neste acordo. A informação de que o SINICESP-SP estabeleceu uma parceria com o SENAI com este fim, citada anteriormente, merece registro. As ações de amplo espectro podem alavancar a inclusão no setor, recuperando o atraso inicial. Cláusula 6ª – Da acessibilidade • As empresas comprometem-se a oferecer condições para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, das suas edificações e dos seus espaços, mobiliários e equipamentos, e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, de acordo com as normas técnicas e legislação vigentes. Este é um outro aspecto que deve ser melhorado pelo se-

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

adequados às necessidades do mercado, ao longo da

demonstra claramente que as empresas da Construção Pesada ainda privilegiam, ao contratar, trabalhadores cujos perfis de deficiência não exigem mudanças na estrutura das sedes e canteiros de obra. Em canteiros visitados que possuem trabalhadores cegos, pessoas com baixa visão ou surdas, observamos a ausência de sinalização visual e sonora indicadas para permitir que circulem com autonomia. Bastaria aplicarem em casa a NBR 9.050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que têm de seguir em suas construções para ter-

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tor. A maioria dos exemplos apurados na produção deste livro


ceiros, para tornar o ambiente profissional também acessível. A dificuldade não está em como fazer, já que o setor é perito no assunto, e sim em definir o desenho universal como uma prioridade para promover a inclusão. Cláusula 7ª – Da segurança e saúde dos trabalhadores com deficiência • O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupa-cional – PCMSO, o Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção - PC MAT e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA deverão incluir as medidas necessárias para que sejam garantidas aos trabalhadores com deficiência, condições de trabalho seguras e saudáveis, incluindo medidas especiais eventualmente necessárias. A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes deverá discutir e acompanhar o processo de inclusão dos trabalhadores com deficiência. A notícia não poderia ser melhor: em nenhuma das quatro empresas visitadas para a produção deste livro, todas de médio ou grande porte, se verificou a ocorrência de acidentes de trabalho envolvendo trabalhadores com deficiência. Constatação óbvia: a Cláusula 7ª vem sendo respeitada. Durante a apuração de informações para o livro, incluindo cerca de 50 entrevistas com trabalhadores nos canteiros de obra em que atuam, fiquei sabendo que se trata de mais do que isso. A presença desses trabalhadores contribuiu para diminuir a ocorrência de acidentes de trabalho em geral. Minha avaliação como auditor fiscal e médico sanitarista


da apresentar inaceitáveis indicadores de incidência de mortalidade por acidentes de trabalho, a atenção dedicada aos trabalhadores com deficiência aumentou a consciência sobre cuidados com a segurança de todos, independentemente da condição pessoal de cada um. A renovação do Pacto Em abril de 2010, o Pacto expirou. O balanço realizado registrou pontos extremamente positivos, mas também lacunas que impediram tal acordo de chegar ao fim de sua vigência tendo atingido todas as metas propostas. Este capítulo abordou ambas as situações. No texto, retratei as colocações que venho fazendo desde então para as entidades parceiras deste tratado – SINICESP-SP e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, Infraestrutura e Afins do Estado de São Paulo – SINTRAPAV-SP. Ainda naquele abril iniciamos as discussões com vistas à renovação do Pacto. Ao longo de quinze meses, expusemos

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

é que apesar de a indústria da construção em nosso país ain-

cidos de que não seria a imposição de qualquer das visões envolvidas que garantiria o avanço da inclusão no setor da Construção Pesada. A negociação mostrou ser o caminho. Está claro que o setor, por meio de sua representação sindical e empresas aderentes ao Pacto, entendeu o espírito da Lei de Cotas e deixou de questionar a sua existência. Isso é animador e servirá de argumento em nossas discussões com os setores da economia que ainda não estão convencidos da importância desta lei afirmativa. Para a SRTE/SP, a legislação

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nossas convergências e debatemos as divergências conven-


“Nosso sindicato também pode contribuir com a capacitação” Wilmar Gomes dos Santos, presidente – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada, Infraestrutura e Afins do Estado de São Paulo

“O trabalhador com deficiência tem os mesmos direitos dos demais” Antonio Bekeredjian, secretário – Sindicato dos Trabalhadores


Entretanto, cabe ressaltar algumas cláusulas.

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Cláusula 2ª – Campanhas de combate à discriminação

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vigente é intocável. Defendemos a sua manutenção em reconhecimento aos benefícios que ela gerou nestes 20 anos de sua existência. A renovação do Pacto incluiu cláusulas novas, porém mantendo o espírito original. Recentemente, acordamos na SRTE/SP que a nomenclatura dos acordos setoriais deveria ser modificada. Em vez de simplesmente “Pacto”, passamos a adotar a nomenclatura “Acordo Tripartite”. Mais que uma mera mudança semântica, a nova designação traduz de maneira mais clara os compromissos assumidos pelos atores sociais do mundo do trabalho – sindicatos, patronais e de trabalhadores, e também o Ministério do Trabalho e Emprego, aqui representado pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em São Paulo – SRTE/SP, reforçando o papel da auditoria fiscal do trabalho. O texto do acordo renovado está à disposição dos interessados na SRTE/SP, no SINICESP-SP e no SINTRAPAV-SP, para cópia, ou em formato eletrônico (PDF) na internet.

e pela qualidade da inclusão das pessoas com deficiência • As entidades sindicais signatárias, assim como as empresas que vierem a aderir a este Acordo comprometemse a desenvolver campanhas e ações programáticas na forma de organização do trabalho, com o objetivo de conscientizar e combater a discriminação e pela qualidade da inclusão no mundo do trabalho das pessoas com deficiência, para que lhes sejam garantidas as con-


dições para o bom desenvolvimento de suas atividades profissionais. Tais ações serão prioritariamente voltadas aos seus empregados, notadamente àqueles que exercem funções de chefia, clientes e sociedade em geral, inclusive a fim de difundir os cursos de capacitação a serem oferecidos às pessoas com deficiência, por meio de material de divulgação (folder, espaço nos sites dos sindicatos e empresas, boletins, jornais e outros). Cláusula 3ª – Formação de mão de obra • As entidades sindicais signatárias e as empresas adesas comprometem-se a promover a capacitação profissional de pessoas com deficiência, por meio de cursos adequados às necessidades do mercado da construção pesada, ao longo da duração deste Acordo, em quantidade de vagas nunca inferior ao número de postos de trabalho correspondente à meta pactuada de contratação para preenchimento da cota. O conteúdo e carga horária dos cursos deverão garantir a qualidade necessária para atender às exigências do mercado e a comprovação de sua realização dar-se-á por meio da apresentação de certificados de conclusão dos capacitados. Os cursos serão totalmente gratuitos e as empresas e sindicatos, sempre que necessário, deverão oferecer os recursos para viabilizar a frequência e bom aproveitamento, dentre eles, material, didático, acessibilidade, transporte e alimentação. Parágrafo Primeiro – Essas capacitações deverão ser comprovadas por meio de cópias dos certificados de conclusão emitidos, a serem apresentadas ao órgão fiscalizador


Parágrafo Segundo – A formação da mão de obra observará as seguintes etapas: a) identificação do potencial universo de pessoas a serem treinadas na construção pesada; b) avaliação da atividade da construção pesada visando a identificar os diversos tipos de deficiência e a possibilidade de inclusão da mão de obra das pessoas com deficiência nos postos de trabalho (mapeamento de funções da empresa); c) desenvolvimento dos cursos; d) divulgação dos cursos de capacitação pelos sindicatos signatários, empresas adesas e estabelecimento de ensino que ministrará os cursos. Parágrafo Terceiro – O mapeamento de funções não terá caráter exclusivo, ou seja, deverá pautar-se pela identificação das barreiras existentes e as formas possíveis para sua eliminação. A empresa dará à pessoa com deficiência, candidata à vaga de emprego, oportunidade de demonstrar suas habilidades. Parágrafo Quarto – A capacitação profissional poderá

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

nas datas para tanto previstas no Termo de Compromisso.

já integrem o quadro funcional das empresas, sem prejuízo do cumprimento da meta estabelecido no Termo de Compromisso anexo ao presente acordo. Cláusula 4ª – Divulgação das vagas e dos candidatos • As entidades sindicais signatárias e as empresas adesas comprometem-se a divulgar amplamente, por meio de sítio na rede mundial de computadores e, ou, por outros meios de comunicação, as vagas oferecidas às pessoas

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beneficiar, inclusive, empregados com deficiência que


com deficiência, e possibilitando a essas pessoas que estejam buscando emprego, especialmente àquelas que foram capacitadas profissionalmente na forma da Cláusula 3ª, a divulgação de seus currículos. Parágrafo Primeiro – Essas ações deverão ser documentadas e apresentadas ao órgão fiscalizador nas datas para tanto estipuladas no termo de adesão. Cláusula 5ª – Da preparação dos colegas • As empresas adesas deverão desenvolver políticas para o acolhimento da pessoa com deficiência, a fim de integrá-la na empresa, por meio de material de comunicação e capacitação dos colegas e chefes dos trabalhadores com deficiência contratados. Parágrafo Primeiro – O SINICESP compromete-se a oferecer, no prazo máximo de 6 meses da assinatura do presente Acordo, curso de formação referente à boa inclusão dos trabalhadores com deficiência, a ser desenvolvido pelo SINICESP por meio de assessoria especializada a ser contratada para esta finalidade, e as empresas adesas comprometem-se a designar pelo menos dois representantes para participar do referido curso. Parágrafo Segundo – Toda obra que receber a pessoa com deficiência deverá ter um responsável para recepcioná-la, devendo esse responsável ter recebido treinamento básico que contemple os tipos de deficiência, como tratar uma pessoa com deficiência e, ainda ter ciência do presente Acordo.


• As empresas comprometem-se a oferecer condições para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, das suas edificações, mobiliários e equipamentos, e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, de acordo com as normas técnicas e legislação vigente. Parágrafo Único – As condições retro referidas também se aplicam aos canteiros de obra e demais áreas de produção. Cláusula 7ª – Da segurança e saúde dos trabalhadores com deficiência • O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, o Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção – PCMAT e o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA deverão incluir as medidas necessárias para que sejam garantidas aos trabalhadores com deficiência, condições de trabalho seguras e saudáveis, incluindo medidas especiais eventualmente necessárias. A Comissão Interna de Prevenção de

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

Cláusula 6ª – Da acessibilidade

so de inclusão dos trabalhadores com deficiência. Parágrafo Primeiro – O PCMSO e PPRA deverão estabelecer critérios para aptidão de caráter inclusivo. Parágrafo Segundo – As tratativas da questão da inclusão pela CIPA deverão ser registradas em ata e disponibilizadas à SRTE/SP sempre que solicitado. Parágrafo Terceiro – O SINICESP promoverá, no prazo máximo de 3 meses da assinatura do presente Acordo, um seminário para profissionais dos Serviços Especiali-

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Acidentes – CIPA deverá discutir e acompanhar o proces-


zados de Engenharia e Medicina do Trabalho – SESMT referente à inclusão dos trabalhadores com deficiência. As empresas adesas comprometem-se a garantir a participação dos técnicos dos seus SESMT, sendo obrigatória a presença dos responsáveis por esses Serviços. Cláusula 8ª – Do preenchimento de cotas • As empresas que aderirem ao presente Acordo comprometem-se a cumprir o cronograma e as metas de contratações, definidos no modelo de Termo de Compromisso contido no Anexo I, que é parte integrante deste Acordo. A SRTE/SP verificará o cumprimento da meta, respeitando os termos do referido Termo de Compromisso. Parágrafo Primeiro – As partes, desde já, estabelecem que a meta percentual de contratações a ser atingida no tocante às cotas previstas em lei, levando-se em conta as peculiaridades da atividade econômica da construção pesada, terá por base a média do número de empregados dos 3 (três) últimos meses do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED. Parágrafo Segundo – As funções preenchidas pelos aprendizes contratados não serão computados para efeito da base de cálculo da cota de pessoas com deficiência. Parágrafo Terceiro – As empresas adesas se comprometem a estimular a contratação de aprendizes com deficiência, sendo que se adiará, na proporção de cada aprendiz com deficiência contratado diretamente pela empresa, a exigência da cota fixada no artigo 93 da Lei 8.213/91. Parágrafo Quarto – As empresas adesas comprometem-


– INSS para receber segurados em processo de reabilitação profissional e, sempre que possível, terminada a reabilitação, efetivá-los como empregados. Parágrafo Quinto – Os processos de seleção promovidos pelas empresas para contratação de trabalhadores deverão ser de caráter inclusivo, garantindo-se sempre aos candidatos a possibilidade de comprovar sua capacidade para o trabalho. Cláusula 10ª – Divulgação da inclusão da pessoa com deficiência • Os sindicatos em conjunto com as empresas adesas ao Acordo desenvolverão cartilhas, manuais e outros materiais didáticos que as auxiliem no processo de inclusão da pessoa com deficiência, abordando os temas de maior relevância dentro deste contexto. Os sindicatos, em conjunto com as empresas adesas ao Acordo, desenvolverão, ainda, um dicionário em LIBRAS – Língua Brasileira de

Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada

se a colaborar com o Instituto Nacional do Seguro Social

vras chaves para a comunicação com a pessoa surda. O novo acordo, assinado em 28 de junho de 2011, terá vigência de três anos. Para o setor, que participa ativamente das obras de infraestrutura da Copa do Mundo no Brasil, a maior conquista de 2014 não seria a vitória de nossa seleção e sim a realização da meta de incluir 100% dos trabalhadores com deficiência nas vagas previstas pela legislação. Torçamos e trabalhemos para que as duas vitórias sejam conquistadas.

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Sinais, que terá por objetivo permitir a utilização de pala-



Trabalhadores: Hist贸rias de vida


“Minha vida mudou para melhor depois que entrei aqui. Me sinto útil e fazendo parte de um grupo”


Maurício Braga dos santos onde trabalha:

camargo corrêa, auxiliar de Escritório

“Tenho 19 anos e este é meu primeiro emprego, mas eu já havia tentado trabalhar antes. Cheguei na Camargo Corrêa porque duas psicólogas da empresa foram fazer um trabalho na escola em que eu estudava e me convidaram a trabalhar na empresa. Não completei o Ensino Médio, mas quero fazer isso e, depois, cursar Engenharia. uso dos veículos da empresa. Fui treinado por um rapaz que trabalha comigo, mas só soube qual seria minha função depois de ser contratado pela empresa. Achei fácil aprender o que faço e gosto de trabalhar aqui. Sou muito bem tratado por todos os meus colegas. Isso me faz bem. superando o abatimento Em minha família somos eu e mais cinco irmãos. Sou o único com deficiência, tenho nanismo. Isso me afetou muito quan-

trabalhadores: Histórias de vida

Trabalho com planilhas, atualizando documentos sobre

piadinhas e brincadeiras de mau gosto. Em muitos outros lugares eu percebi comportamentos parecidos. Mas com o tempo aprendi a lidar com esse tipo de situação e hoje é como se eu não estivesse ouvindo nada. Minha reação é continuar o que estou fazendo e fingir que não percebi. Concluí que não vale a pena me abater por causa disso. Minha vida mudou para melhor depois que entrei aqui. Comecei a ganhar dinheiro, ajudo em casa, meus pais ficaram felizes. Me sinto útil, produtivo, fazendo parte de um grupo.”

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do ia à escola, pois muitos colegas zombavam de mim, faziam


José WEllinton dE olivEira onde trabalha:

camargo corrêa, eletricista

“Amo o que faço e faço o que amo. Estou na Camargo Corrêa desde julho de 2009. Entrei como eletricista de manutenção II, depois passei a eletricista de manutenção III, e com um ano de empresa fui promovido a encarregado. Estou realizado. Em 2007, estava alcoolizado e sofri um acidente (ele teve parte da perna esquerda amputada, abaixo do joelho). Coloquei uma prótese 90 dias depois do acidente, mas foi só por causa dessa lição que aprendi a valorizar minha vida, o que possuo, valorizar as pessoas. Tive problemas para arranjar trabalho, mas não por sofrer discriminação e sim por minha própria incapacidade de aceitar minha condição. O preconceito foi meu mesmo. Sentia vergonha de tudo e de todos. Não queria ver ninguém e passei a beber ainda mais. Passei dois anos nessa situação, isolado de tudo. Um dia acordei, olhei para os lados e não vi ninguém: nem mulher, nem filhos. Isso me motivou a mudar. superando o luto Fui atrás de trabalho e consegui um emprego de porteiro de uma firma. Pensei ‘e eu que já fui eletricista!’ Sempre havia trabalhado bem. Recebia elogios. Por que não retomar minha profissão? Foi aí que surgiu a Camargo Corrêa. Um amigo disse que a empresa estava contratando pessoas com deficiência. Assim, fui retomando minha vida de volta. Recuperei mulher, filhos, profissão e, principalmente, minha capacidade de valorizar a vida.”


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trabalhadores: Histórias de vida

“O acidente me fez afundar na bebida. A família foi embora. O trabalho me ajudou a mudar”


geisiane Melo de souza (intérprete)

gaBriEl MEnEzEs dE alBuquErquE onde trabalha:

camargo corrêa, auxiliar de Enfermagem

“Tenho 19 anos e este é meu primeiro emprego. Estou na Camargo Corrêa desde a metade de 2010. Soube dessa vaga porque um amigo meu, também surdo, me disse que a empresa estava procurando contratar pessoas com deficiência. Então fui indicado por ele, vim até o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Jirau (em Rondônia) e comecei a atuar como auxiliar de escritório. Antes daqui, nunca havia procurado trabalho em qualquer lugar. Talvez porque tivesse receio de ser recusado. Frequentei escola especial, onde aprendi Libras, e estudei até o oitavo ano do Ensino Médio. Costumo me comunicar sem muita dificuldade e tenho tanto amigos surdos como ouvintes. Para estar integrado é preciso saber como se relacionar com as pessoas iguais a gente e também com as que são totalmente diferentes. Se aprendemos como fazer isso, fica mais fácil quebrar o isolamento.” canteiro com intérprete de libras O depoimento de Gabriel foi facilitado pela intérprete de Libras Geisiane Melo de Souza. Encontrar esse tipo de apoio em canteiros de obra ainda é exceção. Poderia ser a regra em locais que utilizam mão de obra com surdez. Em alguns setores da economia, profissionais ouvintes também se interessaram em aprender Libras. Eles dizem que as pessoas que ouvem deveriam ver esse aprendizado como um ganho que temos ao dominar outro idioma, como o inglês.


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trabalhadores: Histórias de vida

“Antes daqui eu não havia procurado emprego. Talvez por medo de ser recusado”


Eduardo stéfano costa onde trabalha:

camargo corrêa, segurança serviço Médico

“Sou surdo e trabalho desde a metade de 2010 como segurança no canteiro de obra da Usina Hidrelétrica de Jirau, aqui em Rondônia. Uso farda e todos os trabalhadores me respeitam. Não encontro problemas para cumprir meu trabalho. As pessoas ouvintes têm dificuldade para me compreender, e isso prejudica nossa comunicação. A solução que encontrei foi me expressar escrevendo. Por exemplo, se preciso advertir determinado funcionário por algum problema de conduta, vou até ele, escrevo no papel a razão da advertência que estou dando e peço que assine embaixo. Às vezes é o caso de pedir que o funcionário volte para casa naquele dia. Este é meu primeiro emprego e gosto do que faço. Trabalhar é importante, me faz sentir produtivo, prefiro que seja assim a receber o benefício da prestação continuada da assistência social (BPC-LOAS). Gostaria de ter trabalhado antes, pois até então dependia da ajuda de meus familiares, mas o mercado de trabalho é muito complicado e ser surdo sempre dificultou as coisas para mim. Com a Lei de Cotas tive minha primeira oportunidade de ser incluído. Estou feliz e aprendendo. Os ouvintes também me ajudaram nesse processo. “ importância da libras Assim como aconteceu com o testemunho dado pelo colega de canteiro Gabriel Menezes de Albuquerque, o depoimento de Eduardo foi facilitado pela intérprete de Libras Geisiane Melo de Souza. Que tal oferecer um curso básico na obra?


“Com a Lei de Cotas tive a oportunidade de ser incluído. Estou feliz e aprendendo”

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trabalhadores: Histórias de vida

na foto, a colega ariane franciele gusmão, 22 anos, surda, também do serviço Médico


roBson alvEs MaciEl onde trabalha:

camargo corrêa, auxiliar técnico ii

“Tenho 25 anos e este é meu primeiro emprego com carteira assinada. Faço o controle das atas de todo o material que entra no canteiro. Cheguei aqui por meio da indicação de um amigo da minha mãe. Ele também tem deficiência e trabalha na Camargo Corrêa há muito tempo. Eu estou na empresa desde fevereiro de 2010. Fiquei paraplégico em 2007 por causa de uma lesão provocada por arma de fogo. Estava em uma lan house com um amigo, quando o lugar foi assaltado. Ele reagiu e eu, por impulso, fui ajudá-lo. Fiquei paraplégico e meu amigo morreu. Foi difícil retomar a rotina. Fiz tentativas de voltar a estudar, mas a faculdade era incompatível com meu horário de trabalho. Então priorizei a carreira, até pelo custo das medicações: alguns remédios chegavam a custar 400 reais. Hoje, eu consigo toda a medicação de que necessito por meio dos SUS, mas ainda assim quero continuar trabalhando. Quando puder voltar a estudar, decidi fazer Engenharia, e não mais Matemática. inclusão pelo trabalho Não vivi nenhuma situação de discriminação na hora de procurar emprego e não troco por nada a oportunidade de trabalhar. É o trabalho que me inclui. A falta de um serviço de fisioterapia no canteiro é um problema a ser resolvido. Isso além da acessibilidade de modo geral, que precisa ser melhorada.”


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trabalhadores: Histórias de vida

“Este é meu primeiro emprego. Não troco trabalhar por nada. É o trabalho que me inclui”


“Nos canteiros de obra, parcerias entre pessoas surdas e ouvintes aumentam a segurançaâ€?


MoniquE loPEs JacoB onde trabalha:

Mendes Júnior, engenheira de segurança

“Antes da Mendes Júnior, trabalhei em outra empresa do setor da construção. Em ambas não houve restrições em meus exames admissionais, pois escuto e me comunico normalmente usando aparelho auditivo. Nunca fui vítima de preconceito em relação à minha condição. Na época de escola eu nem me dava conta dessa perda auditiva. Só mais tarde ela se acentuou por fatores hormonais

comecei a trabalhar.

trabalhadores: Histórias de vida

alarmes combinados

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associados ao uso de anticoncepcional. Minha irmã, que é fonoaudióloga, percebeu indícios de perda auditiva. Uma audiometria constatou minha deficiência. O otorrino me disse que a perda poderia ser menor se eu não tivesse feito uso de contraceptivo. Mesmo assim ainda não havia um prejuízo considerável às minhas atividades. Eu conseguia estar no meio das pessoas e me comunicar normalmente, inclusive fiz a faculdade sem problemas. Só percebi a necessidade do aparelho auditivo quando

O aparelho me faz escutar normalmente, mas ainda assim existem alguns tons agudos que tenho alguma dificuldade para identificar. Isso seria complicado caso eu dependesse da sinalização dos alarmes que muitas máquinas possuem. Por isso, nos canteiros de obra, defendo a adoção de alarmes luminosos associados aos sonoros, ou ainda o trabalho em parceria entre um ouvinte e uma pessoa surda, a fim de garantir a segurança do ambiente de trabalho.”


raiMundo nonato loPEs dE souza onde trabalha:

Mendes Júnior, nivelador

“Estou na Mendes Júnior desde 2008. Comecei como auxiliar de topografia. A CPTM é minha segunda obra na empresa. Primeiro foi a Linha 2 do Metrô de São Paulo. Comecei minha vida profissional como ajudante, depois passei a auxiliar, atuei no setor de almoxarifado, administrativo, depois fui encarregado e agora, nivelador. Sofri um acidente de trabalho numa serraria aos 19 anos e tive de amputar dois dedos da mão direita. Passei pela reabilitação do INSS durante um ano, mas não acho que tenha aprendido muita coisa por lá. Foi apenas um período de reabilitação física para reaprender a escrever. Já me senti discriminado em outra empresa. Sabia que havia vaga de apontador e fui até lá. Quando o rapaz da seleção percebeu minha deficiência, pediu um minuto e saiu. Ao voltar, disse que a vaga não existia mais. Argumentei que havia seis vagas de apontador, e foi então que ele olhou para minha mão como quem diz ‘é por causa disso’. Errado é quem discrimina A deficiência não me impede de fazer nada no trabalho ou em minha vida pessoal. Sou capaz de executar qualquer função: bato marreta, corto com machado, com facão. Costumo dizer que deficiente é a pessoa que recrimina. Acho a Lei de Cotas boa e necessária, pois ainda existe muita discriminação em relação à pessoa com deficiência. E a cota vem para garantir o direito ao trabalho de pessoas nessa condição.”


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trabalhadores: Histórias de vida

“Costumo dizer que deficiente é a pessoa que recrimina. Ainda existe muito preconceito”


flÁvio dos santos silvEira onde trabalha:

Mendes Júnior, servente

“Sou encarregado da limpeza do vestiário do canteiro. Eu soube dessa vaga por meio de uma prima que trabalha na empresa e me indicou. É difícil encontrar vagas para pessoas com deficiência, por isso acho melhor que a divulgação da vaga seja clara e direta, já mencionando a preferência por pessoa com deficiência. Não vejo como discriminação, mas sim como uma certeza de que serei aceito. Tenho deficiência intelectual e fiquei muito feliz por ser contratado, pois até os 24 anos nunca havia conseguido um trabalho. Me explicaram o que eu deveria fazer e aprendi. Sinto que minha vida melhorou muito depois que entrei no mercado de trabalho. Estou mais confiante. Não gostava de estar desempregado, me sentia mal. arrimo de família Prefiro me sentir produtivo a receber o benefício (Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social). Por isso sempre procurei muitas formas de arrumar emprego. Minha mãe também ficou muito contente quando eu comecei a trabalhar, pois mesmo tendo completado o Ensino Médio este é o meu primeiro emprego. Agora posso ajudar nas finanças da casa, já que ela está desempregada e sou o único em casa que está empregado. Me tornei arrimo de família. Moro com ela, meu avô, meu tio e três irmãos mais novos. Uma delas tem 19 anos e já está casada. Eu ainda não penso em casamento, acho que não chegou a hora.”


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trabalhadores: Histórias de vida

“Prefiro estar empregado a receber o Benefício da Prestação Continuada”


“Com o emprego, a visão melhorou. O médico disse que é porque passei a comer três vezes ao dia”


José HildEBErto goMEs PErEira onde trabalha:

Mendes Júnior, servente

“Estou na Mendes Júnior há três anos e sou encarregado de limpeza e vestiário. Tenho baixa visão. Em um dos olhos, acredito ter sido por causa de uma picada de maribondo. Este é meu primeiro emprego com carteira assinada. Antes, trabalhei em outros lugares, onde escondi minha deficiência visual por medo de que me mandassem embora. Algumas pessoas já chegaram a pensar que eu fosse surdo, eu ia até o lugar e ficava parado, pois não conseguia enxergar a tal coisa. Eles até me mostravam onde eu deveria ir, mas não adiantava. Eu não enxergava e ficava lá parado. Lembro até que alguns me apelidaram de ‘surdinho’. No outro olho eu tive uma perda progressiva de visão ainda na época de escola. Lembro de algumas vezes ter ido à biblioteca e ficar parado. Os outros pegavam os livros e iam fazendo seus trabalhos e eu, com meu livro aberto, sem fazer nada. Chegavam até mim e perguntavam se não iria fazer

trabalhadores: Histórias de vida

pois várias vezes em que me mandavam pegar alguma coisa

tava o motivo. Eu cursei até a 8ª série. Meus pais eram muito pobres e não acreditavam quando eu dizia que não estava conseguindo enxergar. Até que um dia eles resolveram me levar a um oftalmologista, que disse já ser tarde demais. ganho nutricional Quando consegui o emprego, tive a sensação de que a visão melhorou. O médico explicou que é porque passei a comer três vezes ao dia. Antes comia uma, e olhe lá.”

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meu trabalho e eu respondia que não, mas também não con-


“Gosto de ser tratado sem privilégio, com os mesmos direitos e obrigações de todos”


osvaldo da silva santos onde trabalha:

Mendes Júnior, faxineiro

“Estou na Mendes Júnior desde janeiro de 2008. Mas antes disso eu já trabalhava. Isso há mais de 30 anos. Nunca vivenciei alguma situação em que tenha sido discriminado por causa da minha deficiência, que é visual. Acho que nós, pessoas com deficiência, somos iguais às outras pessoas, temos capacidade para trabalhar, por isso nada a ver com deficiência. É claro que é preciso levar em consideração o tipo de deficiência, a capacidade e o limite de cada um na hora de definir a função a ser exercida, mas ainda assim cada caso deve ser olhado individualmente. Infelizmente existem empresas lutando contra a inclusão por acreditarem que perderão produtividade ao contratar trabalhadores com deficiência. A prática mostra que ocorre o contrário. Os resultados obtidos pelas empresas que estão respeitando a Lei de Cotas

trabalhadores: Histórias de vida

o preconceito não faz sentido. Potencial de trabalho não tem

as com deficiência têm a tendência de se superar, de ir além das expectativas que depositam nelas. oportunidade Acho justo que exista uma lei como a de Cotas. Sem ela seria ainda mais difícil incluir a pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Temos de ter essa chance de mostrar que podemos produzir tanto quanto trabalhadores sem deficiência. Por isso, quanto mais ela for divulgada e fiscalizada, melhor.”

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mostram que a produtividade tem aumentado, pois as pesso-


“Já ouvi colegas comentarem que fui promovida devido à minha deficiência. Mas sei que mereci”


nElMa Martins onde trabalha:

s.a. Paulista, assistente administrativa

“Sou assistente administrativa e estou na empresa há quatro anos. Já fui promovida, meu salário também aumentou. É meu segundo emprego com carteira assinada. Trabalho no canteiro de obra da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de Sete Quedas, no Mato Grosso. Já havia trabalhado antes, como babá, e também como secretária (em uma funilaria), – neste, sem repor causa dela em nenhum emprego. Nunca me senti vítima de discriminação em meus trabalhos, nem como babá. Já ouvi, no entanto, colegas comentando que recebi a promoção por causa da minha deficiência. Mas não vejo assim, sei que mereci. Se desse valor a esse tipo de comentário eu nem estaria no mercado de trabalho, estaria excluída. Desde cedo minha família me colocou no mundo e disse ‘você consegue’. Tenho duas irmãs e sou a única com deficiência. Do ponto de vista profissional, estou me saindo

trabalhadores: Histórias de vida

gistro. Conheço a Lei de Cotas, mas não acho que fui contratada

MBA em Gestão de Negócios. Quero crescer na empresa. novas habilidades As pessoas com deficiência podem trabalhar na construção pesada. É muito comum, por exemplo, que pessoas com deficiências físicas compensem a deficiência desenvolvendo mais um outro membro. Eu, por exemplo, acho que trabalho com a mão direita muito mais rapidamente do que pessoas que têm as duas mãos.”

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melhor do que elas. Sou formada em Administração e faço


“No meu caso, a Lei de Cotas não foi determinante para que tivesse esta oportunidade”


silvani ficHio onde trabalha:

s.a. Paulista, assistente administrativa

“Sou assistente administrativa e estou na empresa há dois anos. Este não é meu primeiro emprego. Trabalho desde os 20 anos de idade e já tive registro em carteira em uma rede de lojas e em outra construtora, onde fui secretária e atuei nos departamentos financeiro e administrativo. Sou formada em Geografia e faço pós-graduação na área fiscal. que eu, Geografia, mas optou pela carreira acadêmica. Ela é professora e também está fazendo pós-graduação. Aliás, segundo os médicos, a gestação de gêmeas pode ter sido uma das causas da malformação da minha mão direita. Eu já conhecia a Lei de Cotas, acho que ela é importante, mas no meu caso não foi determinante para que tivesse oportunidade de mostrar minha capacidade. A S.A. Paulista estava precisando de uma secretária e fui escolhida. Só depois é que, percebendo a deficiência, perguntaram se eu concordaria em

trabalhadores: Histórias de vida

Tenho uma irmã gêmea que também fez o mesmo curso

Minha deficiência é leve. Não há quase nada que eu não possa fazer. Tenho interesse em acompanhar a empresa em outras obras quando esta terminar. competência disputada Me considero privilegiada por estar trabalhando e ser disputada por outras empresas, que eventualmente me fazem convites de trabalho. Isso já aconteceu mais de uma vez e é muito bom. Quem não gosta de ser valorizada?”

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integrar o quadro de cota para pessoas com deficiência.


WilliaM roBErto da silva onde trabalha:

s.a. Paulista, assistente administrativo

“Fui contratado como apontador e hoje, após um ano, fui promovido a assistente administrativo. Recebi treinamento e o resultado foi excelente. Primeiro me explicaram tudo e comecei como apontador de almoxarifado. Fiquei um ano trabalhando na função, aí veio o engenheiro mecânico e me perguntou se eu não gostaria de desempenhar uma outra função, de ‘subir mais um pouquinho’. Lembro que ele me perguntou ‘você vai querer ser apontador pelo resto da sua vida?’ e eu respondi ‘não, eu pretendo subir na empresa’. Trabalho no computador, lanço notas fiscais, controlo o combustível para as máquinas, a lubrificação. O meu trabalho é importante para o canteiro. autoconfiança resgatada A imagem que a minha família tinha de mim antes de eu começar a trabalhar era muito diferente do que é agora. Todos passaram a me tratar melhor. Eu mesmo me sentia mal. Um dia eu cheguei para minha mulher e disse ‘quero me separar de você, pois você está trabalhando e eu sou um inútil’. Ela, então, conversou muito comigo e disse que me queria assim como sou, que eu ia lutar e conseguir, e me deu todo o apoio. Isso aconteceu uns 6 meses antes de eu conseguir trabalho na S.A. Paulista. Se eu já estivesse trabalhando, não diria. Esse é mais um benefício do trabalho: reconhecer o meu valor.” (Ao final da entrevista, não resisti e perguntei quem ganhava mais atualmente. Ele abriu um largo sorriso e disse: “Eu já ganho mais que minha mulher”.)


trabalhadores: Histórias de vida 153

“Perguntaram se eu queria ser apontador o resto da vida. ‘Não’, disse. Ganhei a oportunidade”


“Mudei de função, mas o salário é o mesmo. Agora, tenho como aprender mais”


Marcos BortolEtto onde trabalha:

s.a. Paulista, apontador

“Estou na S.A. Paulista há um ano e quatro meses. Fui contratado em maio de 2009. Comecei como chapeiro e fui promovido a apontador. O salário é o mesmo, mas acho que a mudança foi boa porque agora tenho mais responsabilidade e aprendo mais. É um reconhecimento importante. Este é o meu primeiro emprego com carteira assinada. 30 anos de idade. Antes eu tinha uma lojinha onde vendia coisas que trazia do Paraguai, mas tinha um lucro pequeno. Minha mãe, que tem 60 anos e mora comigo, vivia me aconselhando a arrumar emprego. Soube da vaga no canteiro de Andradina (SP) por meio de um conhecido que já trabalhava na S.A. Paulista. Sobre a minha deficiência, uns dizem que tenho paralisia cerebral e outros que é uma malformação. Já nasci assim, com deficiência no braço e perna esquerdos.

trabalhadores: Histórias de vida

Parece incrível isso só ter acontecido depois deu eu passar dos

Gosto muito de trabalhar aqui. Estou achando melhor estar empregado do que ser dono do meu próprio negócio, pois além da segurança de receber um pagamento mensal estou ganhando mais agora do que na minha loja. Agora só tenho de me preocupar em cumprir bem as minhas tarefas. Esta obra em que estou trabalhando ainda vai durar uns 3 meses. Quando acabar, eu gostaria de permanecer na empresa, se tiver oportunidade de estar em outra obra.”

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desejo de continuar


“Na escola eu ouvia piadas sobre minha mão. Isso não acontece no trabalho. Aqui, todos me respeitam”


lEandro dias onde trabalha:

s.a. Paulista, apontador de sinalização

“Estou na empresa há um ano e dois meses. É meu primeiro emprego com carteira assinada. Tentei arrumar trabalho antes, em um frigorífico, mas não consegui por conta da minha deficiência. O problema é que tenho menos força na mão direita. Eles acabaram contratando outra pessoa com uma deficiência mais leve do que a minha. Estudei até o 3º ano do ensino médio. Na escola eu sem-

nho condições financeiras para fazer algum curso.

trabalhadores: Histórias de vida

com o emprego, uma nova vida

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pre ouvia piadinhas a respeito da minha mão. Isso não acontece aqui no canteiro de obra: todos me respeitam. Venho trabalhar de bicicleta. Não tenho dificuldade para exercer minha função aqui na empresa. Quando cheguei, me ensinaram o que eu iria fazer. Eu nunca corri atrás de INSS para receber benefícios ou me aposentar, sempre preferi trabalhar. Gostaria de aprender outras coisas aqui na empresa e me desenvolver, mas não te-

Depois que consegui arrumar esse emprego minha vida mudou. Me sinto menos envergonhado. Se você fica em casa parado o dia inteiro, sem fazer nada, as pessoas te chamam de vagabundo e dizem que não quer trabalhar só porque tem problema na mão. Agora ninguém mais fala nada. Gosto de voltar para casa vestindo o uniforme da S.A. Paulista, com o crachá pendurado no pescoço. Depois que comecei a trabalhar, até fiquei noivo.”


andErson rodrigo onde trabalha:

odebrecht, operador de grua

“A Odebrecht foi meu primeiro registro em carteira. Entrei como ajudante de operador, mas sempre tive vontade de ser operador. Eu tinha um pouco de receio por causa da minha deficiência, pois a gente tem de subir escadas. Na época, comentei com o meu líder e ele disse para eu fazer exames. A avaliação mostrou que eu me adaptaria. Então, a empresa pagou meu curso para ser operador de guindaste. Com essa qualificação, hoje, graças a Deus, opero gruas. Venho trabalhar de ônibus fretado, que passa em frente à minha casa. Para subir escadas eu não subo com as pernas alternadas, um degrau após o outro; subo um por vez, primeiro apoiando as duas pernas para só depois ir para o próximo. A escada que eu subo tem 20 metros de altura. Mas existem outras que podem chegar a até 100 metros. Eu subo e trabalho sentado na cabine, depois desço. Já trabalhei na Odebrecht antes, numa obra em Santos. A obra terminou, aconteceu a desmobilização e depois me chamaram de novo. autoestima elevada Não se nota minha deficiência à primeira vista, até que me vejam andando ou em alguma outra atividade física. Minha deficiência é no quadril direito, na cabeça do fêmur. Às vezes, percebo demonstrações de preconceito no transporte coletivo. Mas estou muito contente. Nunca imaginei que pudesse trabalhar nesse tipo de função e vi que sou apto a trabalhar nela como qualquer colega.”


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trabalhadores: Histórias de vida

“Comecei como ajudante. Queria ser operador. Fiz exames para provar que me adaptaria e hoje estou aqui”


“Me sinto integrado. Mas se cada um soubesse um pouco de Libras, ajudaria�


andré PErEs onde trabalha:

odebrecht, apontador

“Sou apontador: confiro notas fiscais e materiais que entram e saem do almoxarifado. Aprendi a função porque sou muito observador. Vendo os outros trabalharem, entendi a lógica da tarefa. Se percebo que a bota de um funcionário está furada, faço o registro dessa situação, providencio uma nova e, então, efetuo a troca. Faço o mesmo com equipamentos inatenção aos materiais que são utilizados por quem trabalha no canteiro de obra. Trabalho no canteiro central e sou o único que conhece Libras. Quando fui contratado, era acompanhado por uma tia, também funcionária da empresa, que intermediava a minha comunicação com os colegas, como intérprete. Hoje ela não está mais na Odebrecht, mas isso não prejudicou a minha comunicação, pois sei ler e escrever. Me comunico por meio de bilhetes. Todos estão acostumados. Sou respeitado

trabalhadores: Histórias de vida

dividuais de proteção. Estou sempre atento a tudo, prestando

apenas um pouco de Libras, ajudaria muito.” difundindo a libras Na entrevista que fizemos, André recebeu a ajuda dos colegas Anderson e Maíra – que também aparecem neste livro. Ela tem baixa audição. Ambos aprenderam o básico da Língua Brasileira de Sinais – Libras com o apontador. A deficiência não impede André de ser muito comunicativo e isso tem estimulado o interesse de muita gente pela Libras.

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pelos colegas e me sinto integrado. Mas se cada um soubesse


José cardoso MoraEs onde trabalha:

odebrecht, telefonista

“Tive poliomielite. Em 1959, quando nasci, não existia vacina – ela começou em 1960. Mas nunca me entreguei. Aos 11 anos e meio, eu consegui ficar em pé. Desde então, uso muletas. Mais tarde aprendi a andar de bicicleta. Minha deficiência não impediu de, na infância, eu me divertir. Na vida, fiz de tudo um pouco: vendi salgadinhos na rua, entreguei panfletos no sinal, se sabia de alguém que queria vender uma casa procurava um interessado em comprar. Tudo para ajudar a minha mãe. Já trabalhei como agricultor, balconista, porteiro, locutor de rádio, atendente de pronto-socorro. Um dia eu estava desempregado e resolvi mandar meu currículo para o balcão de empregos. Na hora de preencher a ficha, não perguntaram se eu tinha alguma deficiência. Dali a alguns dias me chamaram com mais 12 pessoas. Não houve teste e fui reprovado no processo de seleção. Ficou claro o motivo. Desanimado, pensei que seria melhor voltar a vender salgadinhos na rua. Foi então que surgiu a oportunidade de vir trabalhar aqui na Odebrecht. Soube da vaga e me candidatei. oportunidade gera responsabilidade Acho que a Lei de Cotas me ajudou, sem dúvida, pois não tenho profissão definida e nem tive oportunidade de estudar. Sem ela seria difícil estar em um lugar como este. Isso me dá muita responsabilidade. Se fizer bem o meu trabalho, ajudarei a diminuir o preconceito contra quem tem deficiência.”


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trabalhadores: Histórias de vida

“Tenho 49 anos e já fiz de tudo na vida. A cota me ajudou a ter este emprego. Nele, dou o melhor de mim ”


Maíra dE JEsus franco onde trabalha:

odebrecht, ajudante civil

“Estou na Odebrecht há um ano e três meses, com carteira assinada. Antes trabalhei num escritório de contabilidade, sem registro. Quando soube da vaga aqui, mandei meu currículo. A empresa me chamou, fiz a entrevista, mandei o laudo médico e fui contratada. Uso aparelho desde os 2 anos de idade. Sem ele, não escuto nada, pois tenho deficiência auditiva bilateral profunda. Não considero que a Odebrecht esteja apenas cumprindo a cota. Ela se preocupa em fazer com que a gente se sinta bem. Quando fui admitida, as pessoas com quem eu lidaria diretamente já haviam sido orientadas sobre a minha deficiência. Mesmo assim, fiquei preocupada em me fazer entender. Falar com alguém que está mais longe de mim é difícil, pois prejudica a leitura labial. Para que eu possa compreender a mensagem, a pessoa tem de estar virada para mim e falar devagar. Quando o telefone toca, não consigo perceber. Seria ótimo ter um aparelho que mostrasse na tela o que a outra pessoa diz. Aí eu conseguiria ler e responder, me comunicar. aprendizado contínuo Me dou muito bem com pessoas e luto pelo que considero importante para mim. Sempre gostei de estudar. Me formei no Ensino Médio e passei direto no vestibular. Eu não tinha intérprete. Sei muito pouco de Libras, então me virava sozinha. Estudo Finanças, é um curso que dura dois anos. Estou me formando. Quero estar pronta para novos desafios.”


trabalhadores: Histórias de vida 165

“As pessoas com quem eu trabalharia foram informadas sobre minha deficiência”


rafaEl WilliaM dantas dE lEMos onde trabalha:

odebrecht, auxiliar de Escritório

“Perdi a visão do olho esquerdo devido a um problema genético e tenho baixa visão no olho direito. Tive de fazer uma prótese azul para as pessoas perceberem a minha deficiência, pois minha adaptação à condição fazia muita gente duvidar. Consigo perceber as cores que uma pessoa usa e me oriento pelas vozes. Antes de trabalhar neste canteiro de obra atuei em um posto de gasolina e na Prefeitura de Guararema (SP). Interrompi os estudos no 2º ano do Ensino Médio, porque não havia suporte da escola para pessoas com deficiência visual e também por que fui vítima de discriminação de muitos estudantes. Não aceito que alguém diga o que eu sou ou não sou capaz de fazer, porque ninguém é mais exigente comigo mesmo do que eu. Conheço meus limites, mas não sou de desistir. Entrei na empresa para a vaga de zelador. Logo vimos que eu não poderia atuar nessa funcão, pois teria de lidar com produtos químicos. Com a minha limitação visual, seria um fator de risco – para mim e para os outros. Então me perguntaram se eu lidava bem com computadores. Faço isso bem. Prevenção Trabalho usando uma lente de contato especial, que protege meu olho direito de poeira e pressão ambiental. Com os recursos de acessibilidade do computador, trabalho sem dificuldade. O fato de sentir que os cuidados que tenho de ter com meu olho direito são entendidos me faz sentir respeitado.”


trabalhadores: Histórias de vida 167

“Não aceito que digam o que não sou capaz de fazer. Sei de meus limites, mas não desisto”



Para fazer a inclusรฃo avanรงar


Dar oportunidade, crer no potencial do trabalhador e capacitá-lo são chaves para fazer a inclusão acontecer

N

os últimos nove meses, tive a oportunidade de viajar

pelo Brasil para conhecer algumas experiências de inclusão de trabalhadores com deficiência em canteiros de obra da construção pesada. Paralelamente a isso, conversei com especialistas que atuam em favor da inclusão – em organizações sociais que orientam a capacitação destes trabalhadores e também empresas que buscam apoio para promover a inserção com base em experiências anteriores bem-sucedidas. De julho de 2010 a abril de 2011, participei de entrevistas diretas com trabalhadores, gestores, empresários, sindicalistas – representando tanto empregadores como empregados –, pedagogos, políticos, formadores de opinião, psicólogos e familiares. As cerca de 100 pessoas com quem discuti a experiência da indústria da construção pesada de contratação de pessoas com deficiência me ajudaram a confirmar o acerto de escrever este livro – um relato objetivo e,


ao mesmo tempo, uma avaliação dos acertos verificados e dos erros cometidos neste processo. O balanço é positivo, mesmo considerando que falta muito para o setor transformar em regra o que, se já deixou de ser exceção, ainda representa um estágio incipiente. Com este livro queremos demonstrar que é possível, sim, incluir pessoas com deficiência na construção pesada e que a presença delas nos canteiros de obra tem sido um fator de aumento da segurança de todos os trabalhadores – e, segundo

Lucíola Rodrigues Jaime, auditora fiscal da SRTE/SP

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elevação da produtividade.

Para fazer a inclusão avançar

testemunhos de gestores das empresas da área, até mesmo de


Breve histórico Em 2005, em parceria com a auditora fiscal do trabalho Lucíola Rodrigues Jaime, à época chefe de fiscalização do trabalho no Estado de São Paulo, escrevi o livro “A Inserção da Pessoa com Deficiência no Mundo do Trabalho – O resgate de um direito de cidadania”. Nele, Lucíola e eu apresentamos o Programa Estadual de Inserção das Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho e procuramos sistematizar experiências bem-sucedidas no município de Osasco (SP) e região. Nos pouco mais de cinco anos que separam aquela obra da atual, nossa visão sobre tal direito ampliou-se. Hoje, não se trata apenas de inserir o trabalhador com deficiência e sim de promover a sua efetiva inclusão no mundo do trabalho. A diferença entre esses dois conceitos não é apenas semântica. Incluir significa mais do que apenas colocar esses profissionais na vida das empresas: trata-se, isso sim, de possibilitar que sejam reconhecidos em suas necessidades específicas para desempenhar adequadamente as funções para as quais foram contratados e promover a sua efetiva integração nas equipes em que atuarão. Fazer isso passa por melhorar a acessibilidade dos escritórios e canteiros de obra da construção pesada. Placas de sinalização em braille, sinais sonoros para cegos e sinais luminosos para surdos, além da instalação de rampas para cadeirantes, são indícios claros de que a empresa está se preparando para receber trabalhadores com necessidades específicas. E tão importante quanto fazer isso é preparar os gestores, chefias e colegas para receber estes profissionais. Para que a inclusão aconteça, todos têm de conhecer um pouco


Lucíola Rodrigues Jaime, Eduardo Halim José do Nascimento, Aparecida Shitomi Tamaki, Erina Maria Assis Munhoz de Pontes, Inaya Brás Medeiros, Waldemar Harume Chinen, Hilda Engler Raggio Bergamasco, Luci Helena Lipel, Clarice Shizue Yokoya, José Carlos do Carmo (Kal) e Ariel Assis Santana (aprendiz), auditores fiscais da SRTE/SP. A equipe é completada pelos auditores fiscais Jesse James Braga, Mário Ferreira Júnior, Mário Simões Mendes Júnior e Sylvio Boscariol Ribeiro, que não aparecem na foto

mais da realidade das deficiências. Entender o alcance das limitações que elas acarretam sem, contudo, desacreditar do potencial de realização do colega que está chegando. Sem

Para fazer a inclusão avançar

Equipe de auditores fiscais da SRTE/SP

frente a ele seja discriminatória ou paternalista. Em qualquer dos casos, o resultado é o mesmo: exclusão. A importância da capacitação Um aspecto essencial para viabilizar a inclusão refere-se à capacitação da mão de obra com deficiência. Ao serem fiscalizadas, muitas empresas se defendem usando o argumento de que não existem trabalhadores com deficiência que satisfaçam as exigências de empregabilidade.

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vê-lo como alguém igual, corre-se o risco de que a atitude


Deficiência física As estatísticas revelam que o grupo de profissionais com deficiência física vem em primeiro lugar nas contratações pelo setor da construção pesada. A maioria das vagas ofertadas se refere a deficiências leves, como atrofias e malformações de membros, amputações, sequelas de poliomielite, paralisia cerebral, além de pessoas com nanismo. Já cadeirantes foram quase exceção nos canteiros de obra que visitei e nos relatórios que as empresas signatárias do Pacto Coletivo para Inclusão de Pessoas com Deficiência no Setor da Construção Pesada disponibilizaram para a SRTE/SP. O motivo disso é fácil de entender: o grupo composto por paraplégicos, tetraplégicos e hemiplégicos, que utilizam a cadeira de rodas, requer adaptações no ambiente de trabalho, como mudança de mobiliário, áreas de circulação maiores e banheiros adaptados. Sem promover a acessibilidade, a inclusão não avançará.


Conversei a esse respeito com duas experientes profissionais do Terceiro Setor que atuam no campo dos direitos da pessoa com deficiência, Carmen Bueno e Maria Aparecida Carvalho, da organização não governamental SORRI-BRASIL. Entre outras ações, a ONG orienta empresas quanto às questões da contratação e capacitação das pessoas com deficiência. De acordo com elas, a cultura do mundo do trabalho atual privilegia aquele candidato que é considerado “empregável”, ou seja, os que já estão capacitados e aptos a cumprir as exigências e desafios que terão em suas tarefas no dia a

em vez de capacitá-lo. A falta de programas de capacitação também se estende aos candidatos sem deficiência que não Maria Aparecida Carvalho e Carmen Leite Ribeiro Bueno, da SORRI-Brasil

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corresponde às expectativas, a empresa tende a substituí-lo,

Para fazer a inclusão avançar

dia do trabalho. “Numa situação em que o trabalhador não


Surdez e deficiência auditiva A presença de trabalhadores com perda auditiva foi um dado positivo das visitas aos canteiros de obra do setor. Mas revelaram uma falha: a falta de intérpretes de Libras – a Língua Brasileira de Sinais, na maioria deles. Em apenas um canteiro encontrei a presença de uma intérprete. Sem a ajuda desse profissional, a comunicação do surdo não oralizado – aquele que por não ser alfabetizado na língua portuguesa não se comunica através de bilhetes e não aprendeu a fazer leitura labial – fica prejudicada. Tanto no que refere à interação com a chefia imediata, como com os colegas. Em um dos canteiros, pude testemunhar a criatividade desses trabalhadores. Um deles, surdo, atua como apontador. Na função, tem de interagir com os colegas o tempo todo. Oralizado, usa bilhetes na maioria das vezes. Com os colegas ouvintes mais próximos, porém, faz mais que isso: ensina a Libras. Um ganho, sem dúvida, para quem se dispõe a aprender novas linguagens.


estejam alinhados com o perfil da empresa.” Cientes da disponibilidade desses profissionais qualificados no mercado, elas buscam, rapidamente, esses trabalhadores para suprir suas necessidades de contratação. Para a SORRI-BRASIL, os gestores e líderes desempenham um papel fundamental na promoção do acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. “A contratação de pessoas que representam a diversidade local não é problema de uma área, mas uma questão de responsabilidade social corporativa. Cabe à empresa a responsabilidade de incentivar tunidades para todos os colaboradores, independentemente da presença de deficiência, gênero, orientação sexual, raça, etnia e outros, explicitando o reconhecimento da diversidade humana como um valor corporativo. A definição de metas de contratação de pessoas com deficiência implica a escolha das áreas estratégicas, debate na busca de consensos, ampla mobilização dos colaboradores, gestores e parceiros. Enquanto os empresários não entenderem que a contratação de pessoas

Para fazer a inclusão avançar

a implantação de práticas para promover a igualdade de opor-

não do RH, a mudança de cultura não acontecerá. Diversidade, portanto, é um assunto de governança corporativa”, diz a Superintendente Geral da SORRI-BRASIL, Carmen Bueno. Trabalho de sensibilização Conversei também com a pedagoga Maria de Fátima Camerino, do programa Conexão, uma parceria do Comitê para Democratização da Informática – CDI e a Rede Cidadã, que atua na capacitação de jovens para o mercado de trabalho.

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com deficiência deve ser definida como meta da empresa e


Cegueira e baixa visão Admito que não esperava encontrar trabalhadores cegos ou com baixa visão em canteiros de obra. Nesse sentido, ouvir de quem não enxerga ou tem visão subnormal como trabalha no dia a dia da construção pesada foi uma chance de aprender mais sobre a capacidade de superação de limites do ser humano – e também de valorizar a ação das empresas que acreditaram no potencial produtivo desses profissionais. Um deles, cujo depoimento está neste livro (no capítulo “Trabalhadores: Histórias de Vida”), revelou um dado dramático sobre as condições de exclusão a que ainda está submetida parte da população brasileira: a subnutrição como fator de agravamento da condição gerada pela deficiência. Ele contou que enxergava pior quando estava desempregado ou apenas fazia “bicos” para sobreviver. Com o emprego fixo, teve a sensação de enxergar melhor. A explicação foi simples: como passou a comer três vezes ao dia, sua visão melhorou.


Ela defende que as empresas realizem um trabalho prévio de sensibilização das equipes que receberão profissionais com deficiência. “O caráter competitivo muitas vezes dificulta o sentimento de pertencimento a uma empresa. A empresa que demite profissionais com deficiência em vez de tentar capacitá-los perde muito. Ela gastou com a contratação, investiu tempo em treinamento, mobilizou recursos humanos e materiais para integrar esse trabalhador. Trazer alguém novo vai dobrar esse custo, sem falar no risco de a contratação não dar certo. Antes de demitir, é preciso estar certo de que ele teve

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Maria de Fátima Camerino, da Conexão-CDI

Para fazer a inclusão avançar

chances de se desenvolver e não correspondeu.”



Diálogo e resultados: a afirmação de um caminho


Nos primeiros dez anos de vigência da lei, poucas empresas se dispuseram a aprender o caminho da inclusão

E

ste livro nasceu de uma contrapartida acertada pela SRTE/

SP com os sindicatos por ocasião da assinatura do Pacto. Ele, no entanto, representa bem mais que o resultado puro e simples do cumprimento desta contrapartida. Ao final de quase um ano de trabalho de apuração jornalística em canteiros de obra de diferentes tamanhos, e de discussões sobre o tema realizadas com grupos de trabalho com todos os que de alguma forma estão envolvidos com a viabilização da inclusão laboral desses profissionais – empresários, gestores de recursos humanos, chefias diretas, colegas de seção, sindicatos de trabalhadores, familiares e, claro, dos próprios trabalhadores com deficiência incluídos –, conseguimos reunir informações suficientes para oferecer o retrato atual do processo de inclusão neste setor, que possui características que colocam um grau de dificuldade acima da média para que esta inclusão seja construída.


A amostra colhida permite concluir duas coisas: primeiro, que a legislação que prevê o exercício de conquistas fundamentais como o direito ao trabalho, previsto na Constituição de 1988, é, não resta dúvida, o ponto de partida para estiveram à margem da cidadania; em segundo lugar, que é preciso criar instrumentos que garantam a aplicação da lei, não pró-forma e sim de maneira concreta, respeitando o espírito com que esta foi criada – o da afirmação de direitos fundamentais da dignidade humana. Em se tratando da inclusão de trabalhadores com deficiência, trata-se de promover a sua efetiva intregração ao processo produtivo e não de meramente apresentar registros de contratação. Para a SRTE/SP, a diferença entre uma coisa e a outra foi se tornando cada vez mais clara nos últimos anos. Este período coincide com o início da fiscalização da Lei 8.213/91, a Lei de Cotas, enquanto uma prioridade da ação fiscal em nosso Estado, no qual evidenciou-se que apenas dispor de uma legislação específica não basta para assegurar o

Diálogo e resultados: a afirmação de um caminho

romper a exclusão dos brasileiros que historicamente sempre

Nos primeiros dez anos de vigência da lei, poucas empresas de todos os setores da economia se dispuseram a aprender o caminho da inclusão. Boa parte delas se dividiu entre testar a capacidade de fiscalização do Ministério do Trabalho, pagando multas quando autuadas, e contratar trabalhadores com deficiência com a condição de que ficassem em casa. O desafio, ficou evidente, era fazer os empregadores acreditarem no potencial produtivo desses profissionais, cuja formação fora prejudicada por um outro tipo de exclusão: a educacional.

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acesso universal ao exercício profissional.


A responsabilidade de mudar o quadro de exclusão da pessoa com deficiência não é só dos governos, mas sim de toda a sociedade

O argumento utilizado em autodefesa pelas empresas autuadas, de que o mercado não dispunha de trabalhadores com deficiência minimamente qualificados, tinha um fundo de razão – apesar da lógica perversa que a afirmação continha e do fato de que a falta de mão de obra qualificada em nosso país não se restringe ao grupo de trabalhadores com deficiência. Para o MTE, sempre esteve claro que não se poderia esperar que o sistema educacional igualasse as oportunidades de acesso ao ensino para exigir que o setor empresarial desse sua cota de contribuição para transformar tal realidade. Diferentemente do que ainda preconizam alguns, a responsabilidade de mudar o quadro de exclusão da pessoa com deficiência não é só dos governos, mas sim de toda a sociedade. Família, escola, empresa, legisladores e administradores têm,


cada um, um papel a desempenhar nesse sentido. O preenchimento da cota não é parte das ações de responsabilidade social das empresas, sempre bem-vindas, mas sim do cumprimento de uma obrigação legal. compartilhada inspirou a SRTE/SP a criar uma estratégia de construção de pontos de consenso com o objetivo de fazer a inclusão avançar. E, como a realidade ensina a quem não se fecha a aprender, o verdadeiro consenso não se faz por decreto nem por imposição de um ator social sobre outro. Vale destacar que a busca do consenso não deve implicar na protelação da tomada de decisões consoantes com as obrigações e papéis do Estado, principalmente quando a sua postergação serve apenas para a manutenção do status quo, contrário aos interesses dos trabalhadores. A ideia do consenso torna-se útil quando existem posições divergentes em jogo, muitas vezes aparentemente inegociáveis, mas que também há pontos em comum capazes de reunir em uma mesma mesa pontos de vista contrários desde que haja um objetivo comum.

Diálogo e resultados: a afirmação de um caminho

A percepção de que essa responsabilidade deve ser

abrir mão de suas posições originais, representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo podem, sim, atuar juntos em favor da inclusão dos trabalhadores com deficiência – cada qual a seu modo. Essa estratégia, relatada no capítulo “Pacto para Inclusão de Pessoas com Deficiência na Construção Pesada no Estado de São Paulo”, tirou o setor do imobilismo e foi responsável pelos avanços inegáveis registrados nos últimos 18 meses. A ponto de fazer com que em seu discurso de transferência da

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E este é o segundo retrato que este livro oferece: sem


O relato da experiência inclusiva do setor mostra que é possível contratar trabalhadores com deficiência no canteiro de obra

presidência do SINICESP-SP a Silvio Ciampaglia, em março deste ano, Marlus Renato Dall’Stella tenha afirmado que o acordo tripartite pela inclusão de trabalhadores com deficiência era um dos principais legados de seu mandato. A SRTE/SP reconheceu tais avanços, tanto que concordou em renovar o acordo pelos próximos três anos a fim de viabilizar que o setor atinja a meta de contratação prevista na Lei de Cotas. Apesar disso, cobrou da construção pesada que redobre o empenho para ampliar o número de empresas participantes do acordo, que os processos de seleção tenham caráter inclusivo – garantindo aos candidatos a possibilidade de comprovarem ter capacidade para desempenhar as tarefas previstas nas vagas oferecidas –, que o setor combata a discriminação e realize cursos de capacitação voltados ao aperfeiçoamento profissional dos trabalhadores com deficiência.


Finalmente, é preciso explicar que a escolha de relatar a experiência inclusiva da construção pesada não foi acaso. Sabendo das dificuldades reais que a atividade deste setor coloca no caminho da inclusão, quisemos avaliar até que ponto

Os relatos apresentados neste livro mostram, sem idealizações e concessões de qualquer tipo, que, mesmo quando não é fácil, é possível incluir. E se a construção pesada pode fazê-lo, cabe lançar aos setores da economia que ainda não o estão fazendo o desafio de começar já.

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ficiência no coração desta atividade: o canteiro de obra.

Diálogo e resultados: a afirmação de um caminho

era possível avançar na contratação de trabalhadores com de-


Este livro foi impresso na Corset Grรกfica sobre papel stamax fosco 80 g


“A inclusão da pessoa com deficiência no mundo do trabalho é um direito fundamental cujo exercício tem impacto na vida de todos. Ao conseguir um emprego, ela não só abre caminho para a conquista de crescentes graus de autonomia, como ganha um novo papel na família e na comunidade. Este livro, que retrata a experiência inclusiva em um dos setores que muitos julgavam inviável para realizar a inclusão, a construção pesada, confirma que o primeiro passo para mudar é ter vontade de fazê-lo.” José Roberto de Melo Superintendente da SRTE/SP


“Construindo a Inclusão da Pessoa com Deficiência no Trabalho” traz um diferencial importante tanto na forma de recolher e transmitir resultados (mediante grupos focais representativos de cinco atores diferentes) como no fato de retratar a pessoa com deficiência em um cenário inusitado. Este livro mostra o trabalhador com deficiência em uma ‘Experiência na Indústria da Construção Pesada no Estado de São Paulo’. É produto de desafio e comprovação de possibilidade.” Izabel de Loureiro Maior, docente mestre da Faculdade de Medicina da UFRJ, integrante da carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, foi Secretária Nacional de Promoção de Direitos da Pessoa com Deficiência (2009/2010).


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