Maravilhosa Graça

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provavelmente estão mais em cima. Jesus tinha uma visão totalmente diference do pecado. Em vez de classificar os pecados como significativos ou menos significativos, Ele elevava os olhos dos seus ouvintes para um Deus perfeito, diante do qual todos nós somos pecadores. Todos nós carecemos da graça de Deus. Isaías traduziu isso em linguagem terrena: "Todos os nossos atos de justiça", disse o profeta, "são como trapo da imundícia". 15 literalmente, "roupas de baixo sujas". Ironicamente, os pecadores notórios têm uma espécie de vantagem quando se trata da graça. O escritor Grahani Greene costumava dizer que sua fé religiosa se intensificava quarto ele escorregava para alguma imoralidade, pois, então, ele ia à igreja e se confessava por causa do desespero. Ele não tinha desculpas, nem fundamentos para defender seu comportamento. A história de Jesus a respeito do Filho Prodigo apresenta um ponto semelhante. O filho não tinha como ficar de pé, não tinha base possível para orgulho espiritual. Tinha falhado, qualquer que fosse a medida de avaliação espiritual; agora não tinha nada no que se apoiar além da graça. O amor e o perdão de Deus estendiam-se igualmente para o virtuoso irmão mais velho, naturalmente, mas esse filho, ocupado demais em se comparar com o irmão irresponsável, estava cego à verdade a respeito de si mesmo. Nas palavras de Henri Nouwen: 16 "O estado de perdição do 'santo' ressentido é tão difícil de alcançar exatamente porque está intimamente ligado ao desejo de ser bom e virtuoso". Nouwen confessa: Eu sei, na minha própria vida, com que diligência tenho tentado ser bom, aceitável, agradável e exemplo digno para os outros. Sempre houve o esforço consciente de fugir dos abismos do pecado e o constante temor de cair em tentação. Mas com tudo isso havia uma seriedade, uma intensidade moralista — e até mesmo um toque de fanatismo — que tornava cada vez mais difícil sentir-me à vontade na casa de meu Pai. Tornei-me menos livre, menos espontâneo, menos brincalhão... Quanto mais reflito no filho mais velho em mim, mais percebo com que profundidade esta forma de perdição está enraizada e como é difícil voltar para casa a partir dali. Voltar para casa de uma escapada libidinosa parece muito mais fácil do que voltar para casa de uma ira fria que se enraizou nos cantos mais profundos do meu ser. Os jogos espirituais que praticamos, muitos dos quais começam com a melhor das motivações, podem levarnos perversamente para longe de Deus porque nos conduzem para longe da graça. O arrependimento, não o comportamento adequado ou até mesmo a santidade, é a porta de entrada da graça. E o oposto do pecado é graça, e não virtude. Se a crítica de Jesus contra o legalismo não é suficientemente devastadora, o apóstolo Paulo acrescentou mais uma queixa fundamental. O legalismo falha miseravelmente em uma coisa que deveria fazer: encorajar a obediência. Com uma estranha contorção, o sistema das leis restritas cria realmente novas idéias de transgressão na mente da pessoa. Paulo explica: "Pois eu não conheceria 17 a concupiscência se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a concupiscência". Em uma demonstração deste princípio, algumas estatísticas provam que pessoas criadas em denominações abstinentes são três vezes mais inclinadas a se tornarem alcoólatras. Lembro de ler a narrativa de Agostinho a respeito do roubo das pêras. Ele e seus amigos tinham abundância de pêras de alta qualidade, mas se sentiram inclinados a invadir a árvore de um vizinho apenas para desobedecer à advertência do homem contra o roubo das frutas. Tendo passado quatro anos em um campus governado por um livro de regras de sessenta e seis páginas, posso entender este estranho padrão de comportamento. Aprendi a me rebelar ouvindo todas as severas advertências contra a rebeldia. Parcialmente devido à imaturidade, tenho certeza, sentia uma constante tentação de resistir às exigências da autoridade simplesmente porque eram exigências impostas. Nunca havia sentido desejo de deixar crescer a barba até que li uma regra no livro proibindo barbas. "Quanto mais fina a malha, mais numerosos são os buracos", escreveu o teólogo católico Hans Küng. 18 Tendo jurado obediência às 2.414 regras do Código Romano da Lei Canônica, um dia ele percebeu que sua energia estava sendo gasta em guardar ou fugir daquelas regras, em vez de realizar o trabalho do evangelho. Para aqueles que não se rebelam, mas antes lutam sinceramente para cumprir as regras, o legalismo arma outra ratoeira. Os sentimentos de fracasso podem provocar cicatrizes de vergonha eternas. Como jovem monge, Martinho Lutero passava seis longas horas torturando o cérebro para confessar os pecados que poderia ter cometido no dia anterior! Lutero19 escreveu: Embora vivesse uma vida imaculada como monge, sentia que era um pecador com uma consciência inquieta diante de Deus. Quase não podia acreditar que o tinha agradado com minhas obras. Longe de amar esse Deus justo que pune os pecadores, eu realmente o maldizia. Eu era um bom monge, e obedecia à minha 84


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