Maravilhosa Graça

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Barbara Tuchman,1 que ganhou o prêmio Pulitzer por suas obras e certamente não representa o alarmismo da direita religiosa, preocupa-se com a bancarrota moral. Ela contou a Bill Moyers a sua preocupação: Preocupa-me a perda de um senso moral, de conhecer a diferença entre o certo e o errado, e de ser governado por esse conceito. Vemos tudo isso no tempo. Abrimos qualquer jornal matutino e lemos que algumas autoridades foram indiciadas por desfalque ou corrupção. As pessoas andam por aí atirando em seus colegas ou matando gente... Pergunto-me, as nações já entraram em declínio por causa de uma perda de senso moral em vez de motivos físicos ou pressões dos bárbaros? Acho que sim. Quando o consenso cristão se desvanece, quando a fé religiosa é arrancada da sociedade, o que ocorre? Não precisamos especular, pois o nosso século deu exemplos claros de respostas a essa mesma pergunta. Considere a Rússia. O governo comunista atacou a herança russa com uma fúria anti-religiosa sem precedentes na história humana. Arrasaram igrejas, mesquitas e sinagogas, baniram a instrução religiosa das crianças, fecharam seminários e mosteiros, prenderam e mataram sacerdotes. Todos nós sabemos o que aconteceu, naturalmente. Depois de dez milhões de mortes e depois de experimentar o caos social e moral, o povo da Rússia finalmente acordou. Como acontece, os artistas falaram primeiro. Alexander Solzhenitsyn disse; Há meio século, enquanto eu ainda era criança, lembro-me de ouvir as pessoas mais velhas oferecerem a seguinte explicação para os grandes desastres que desabaram sobre a Rússia: "Os homens se esqueceram de Deus; por isso tudo aconteceu". Desde então, passei quase cinqüenta anos trabalhando na história de nossa revolução; no processo li centenas de livros, colecionei centenas de testemunhos pessoais e já contribuí com oito volumes para o esforço de limpar o entulho deixado por essa transformação social. Mas, se me pedissem hoje para formular o mais concisamente possível a causa principal da ruinosa revolução que engoliu cerca de sessenta milhões do nosso povo, não poderia expô-lo mais adequadamente do que repetindo: "Os homens se esqueceram de Deus; por isso tudo aconteceu". Solzhenitsyn2 disse essas palavras em 1983, quando a URSS ainda era uma superpotência e ele estava sendo muito atacado. Menos de uma década depois, entretanto, os líderes da Rússia estavam citando suas palavras com aprovação, conforme ouvi pessoalmente quando visitei a Rússia em 1991. Vi na Rússia pessoas morrendo com fome da graça. A economia, toda a sociedade realmente, estava em queda livre, e cada um acusava alguém. Os reformadores acusavam os comunistas, os comunistas linha-dura acusavam os americanos, os estrangeiros acusavam a Mafia e a ética trabalhista nojenta dos russos. As recriminações abundavam. Observei que os cidadãos russos comuns tinham o comportamento de crianças espancadas: cabeça baixa, fala vacilante, olhar furtivo. Em quem podiam confiar? Exatamente como uma criança espancada acha difícil acreditar na ordem e no amor, essas pessoas achavam difícil acreditar em um Deus que controla de maneira sobrenatural o universo e que as ama apaixonadamente. Achavam difícil acreditar na graça. Mas, sem a graça, o que colocaria um fim no ciclo da não-graça na Rússia? Deixei a Rússia impressionado com as mudanças necessárias que eles têm pela frente, mas também com um profundo sentimento de esperança. Até mesmo em uma paisagem moral arrasada, vi sinais de vida, pedaços de vegetação amenizando o deserto, crescendo no formato do que foi morto. Conheci cidadãos comuns que agora desfrutam de liberdade para adorar. Muitos deles aprenderam a fé com uma babushka, uma vovó idosa. Quando o Estado derrubou a igreja, ignorou este grupo: "Deixemos que as mulheres idosas varram o chão e vendam velas e se apeguem às tradições até que todas morram", eles raciocinavam. As mãos idosas das babushkas, entretanto, embalaram os berços. Jovens freqüentadores de igrejas hoje dizem que aprenderam a respeito de Deus em sua infância por meio dos hinos e histórias que a vovó lhes sussurrava enquanto eram arrastados pelo sono. Nunca me esquecerei de uma reunião na qual os jornalistas de Moscou choraram — eu nunca havia visto jornalistas chorando — quando Ron Nikkel, da Comunidade Internacional de Prisioneiros, falou das igrejas secretas que estavam agora florescendo nas colônias penais da Rússia. Durante setenta anos as prisões foram o repositório da verdade, o único lugar onde se podia enunciar seguramente o nome de Deus. Foi na prisão, e não na igreja, que pessoas como Solzhenitsyn encontraram Deus. Ron Nikkel contou também sobre sua conversa com um general que dirigia o Ministério dos Negócios Internos. O general ouvira falar da Bíblia por meio dos crentes idosos e tinha admiração por ela, como se fosse uma peça de museu, e não uma coisa para se crer. Os acontecimentos recentes, entretanto, fizeram-no reconsiderar. No final de 1991, quando Boris Yeltsin ordenou o fechamento de todos os escritórios nacionais, regionais e locais do Partido Comunista, seu ministério policiou o desmantelamento. "Nenhum partido oficial", 103


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