Jbg agosto 2013

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JORNAL DO BAIXO GUADIANA | AGOSTO 2013 |

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GR AN D E EN TR EVIS TA

Enquanto autor sou o mesmo que enquanto pessoa. Nunca quis copiar estilo de ninguém, sempre quis ser autêntico

ajudar. JBG: Preside ao Clube de Jornalistas. Os jornalistas no meio desta crise poderão ser considerados o elo mais fraco? MZ: Neste momento o jornalista é o elo mais fraco e muitas vezes é enxovalhado. Veja-se, nas televisões as vedetas do comentário são os políticos e o jornalista que lhe faz companhia é, assim, uma espécie de corista de segunda fila que está ali para fazer brilhar o senhor político. Como se não houvesse jornalistas que pudessem ter comentários de grande conhecimento… Eu sei que temos alguns bem preparados que vivem intensamente os problemas todos. A secundarização dos jornalistas como comentadores da vida pública é desgastante para uma classe. Urge fazer um congresso de jornalistas como se fez há 30 anos, mas não sou eu nesta altura que me sinto capaz de levar para a frente esse congresso… JBG: Na sua opinião os jornalistas de hoje são diferentes ou encaram de forma diferente o seu papel na sociedade? MZ: As circunstâncias mudam e hoje são diferentes de há 30 anos. Temos excelentes jornalistas, mas não é por ter excelentes jornalistas que se fazem excelentes jornais. Depois depende também de um árbitro chamado leitor e o seu grau de exigência… Eu penso que muitas vezes é possível estabelecer equilíbrios entre a grande informação e o quotidiano mais-ou-menos trágico, com notícias mais emocionais. Não tenho hoje responsabilidades num jornal, mas quando por vezes vejo certos títulos de jornal e com os quais não concordo pergunto se

perante todos os condicionalismos dos dias de hoje não faria a mesma coisa. [Pausa] São dúvidas que atormentam sempre porque as pessoas estão sujeitas a muitas pressões. Do que não tenho dúvidas é que tem de haver um jornalismo que sirva as pessoas, os valores de uma sociedade; e isso não exclui os faitdivers… JBG: Antes de ser jornalista o Mário Zambujal já escrevia literatura… MZ: Muito antes de pensar em ir para o jornalismo, na adolescência, eu escrevia contos para jornais de Lisboa. Nomeadamente no jornal «Ridículos» que era um jornal satírico. E o facto de ser um jornal satírico os meus textos representavam a minha personalidade, em que gostava de falar de coisas sérias com piadas associadas. Enquanto autor sou o mesmo que enquanto pessoa. Nunca quis copiar estilo de ninguém, sempre quis ser autêntico. E tenho mais leitores do que aqueles que imagino. É muito gratificante encontrar-me com os leitores e perceber o quanto gostam do que escrevo. Tenho tido sempre a compreensão pelo meu estilo de escrita ao qual me mantenho fiel. E tenho essa necessidade de me sentir bem comigo enquanto ser individual; nunca quis ser sucedâneo daqueles que muito admiro. A convite do jornal «Expresso» tive oportunidade de escrever uma continuidade da obra «Os Maias» de Eça de Queirós. De modo algum quis ser um prolongamento do estilo de escrita do autor, mas apenas fazer um prolongamento artificial da história. JBG: «Uma noite não são dias» dá-nos a conhecer o «esquisito ano de 2044». Um livro que se dedica a caracte-

rizar um ano lá mais à frente onde reina a desumanização, o império da tecnologia e onde as mulheres lideram. Esta é uma sátira aos dias de hoje… MZ: Nesse livro eu satirizo, efetivamente, os dias de hoje. Mas quando escrevi sobre o ano de 2044 [em 2009] pensei que efetivamente o que escrevi só acontecesse passados 30 anos, mas algumas já estão a acontecer! … Por exemplo tenho lá uma brincadeira sobre alguém que foi preso por fumar na praia, o que era impensável! Mas, na verdade, depois esse fenómeno começou a acontecer em França (risos). Por outro lado, há questão das quotas femininas para os cargos políticos que eu compreendo, mas com a qual não concordo porque não estamos a promover as pessoas pelo seu mérito, mas apenas como obrigação… Reconheço que esta também não é uma questão simples! Já quanto à desumanização é um facto. As novas tecnologias vieram, sem dúvida, trazer um avanço enorme, maiores facilidades. Seria tolo da minha parte não reconhecer isso mesmo. Mas também é, em muitos casos, a causa para o desemprego, pois o Homem é substituído muitas vezes pela máquina. Também promoveu o corte nas relações afetivas de proximidade; na Internet temos coisas muito boas, mas, por exemplo, também é possível aprender a construir uma bomba em poucos minutos… Essencialmente, acho que há uma predominância e uma dependência exageradas por parte da sociedade às novas tecnologias. JBG: A provar que é possível viver a outro ritmo temos o Mário Zambujal, um dos

grandes escritores contemporâneos portugueses, que escreve apenas à mão... MZ: No fundo continuo aquilo que foi a minha habituação desde criança. Depois, prezo muito a caligrafia - que não nos podemos esquecer que antes do ADN representava o elemento identificativo das pessoas. Os novos autores já não nos vão deixar os seus manuscritos porque escrevem a computador. Eu escrevo à mão e alguém tem a misericórdia de passar os meus textos! De vez em quando utilizo o e-mail. JBG: A humanização, o humor e as mulheres são ingredientes que fazem parte das histórias dos seus livros. Porquê? MZ: Eu acho que as mulheres são, de um modo geral, fascinantes! Têm uma vida mais rica, sempre tiveram que recorrer a mais imaginação para ultrapassar as dificuldades que a sociedade lhes foi impondo. A mulher é um tema interminável; para além do fascínio físico que uma mulher pode despertar num homem há o lado como se movem nos terrenos do pensamento e da argúcia. O humor a que recorro pode ser mais leve como mais cáustico, e não partilho nada com o humor que pressuponha a destruição dos outros. Enquanto pessoa preservo uma resistência contra o desânimo e transmito isso para os meus livros. Tal como privilegio o contacto direto com as pessoas que são a melhor coisa do mundo! JBG: Como viu o sucesso do seu livro «Os Bons Malandros» que tendo sido escrito em 1980 ainda hoje é a referência da sua obra e foi adaptado já para cinema, teatro

e, mais recentemente, para musical? MZ: Com uma enorme satisfação! Sem dúvida que é a obra que tem marcado a minha carreira na literatura. A adaptação para outros géneros artísticos são sempre interessantes porque são outros olhares sobre a nossa obra. E têm-me agradado imenso. JBG: Para quando um novo livro? MZ: O meu editor, que também é um bom amigo, está a pressionar-me para escrever um livro até Setembro! JBG: Mais do que um jornalista ou escritor o Mário Zambujal define-se como um autor. Em julho decorreu em Alcoutim uma conferência dedicada à sua obra. Como encarou este momento? MZ: Fiquei muito sensibilizado com a iniciativa. A escrita é um ato de comunicação e é isso que tenho feito ao longo da minha vida enquanto autor. JBG: No meio de uma vida tão agitada, ainda tem tempo para se dedicar ao grupo «Pró Futuro de Alcoutim», que cofundou em 2010 com, entre outros, Carlos Brito e Teresa Rita-Lopes. Qual a importância que deposita nesta iniciativa? MZ: É com o maior prazer que integro o grupo «Pró Futuro de Alcoutim». O nosso objetivo é lutar por este concelho que enfrenta uma desertificação acelerada. É um lugar com muitas potenc.ialidades e farei o que puder para ajudar. A minha relação com Alcoutim tem já mais de 50 anos; foi onde vim buscar a minha esposa! É, sem dúvida, um lugar muito especial!


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