Continente Especial Gonzaga - #138

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con especial ti nen te Fotos: reprodução

DOMINIQUE DREYFUS Uma coisa que comento, principalmente na “Apresentação”, no início do livro, é a tristeza, o ressentimento e a solidão que descobri em LG. Mas em todo artista há duas pessoas: o artista e a pessoa privada. O ente é um só, mas a personalidade é dupla e não raro contraditória. No caso de LG, se o homem público, o artista passava voluntariamente a impressão da alegria, o homem privado era muito mais ressentido. Isso não significa que o artista LG fazia de conta que era feliz: ele se sentia profundamente feliz na sua vida artística; o artista era feliz, alegre, de bem com a vida. Em compensação, senti a pessoa Gonzaga muito sofrida, ressentida, triste. Mas esses sentimentos eram ligados aos problemas conjugais, familiares, à sensação de não ser tão amado quanto queria pelos seus, ao sentimento de ter ajudado muito e não receber a gratidão que merecia por tudo que ele tinha feito e continuava fazendo pelos outros. O livro conta detalhadamente os conflitos familiares de LG e dá para perceber e entender por que a vida cotidiana dele não foi um mar de rosas. CONTINENTE Sendo Luiz Gonzaga uma figura tão fascinante, como você conseguiu afastar-se dessa atmosfera envolvente do ídolo para poder escrever a biografia com imparcialidade? A propósito, é possível ser imparcial na feitura de uma biografia? DOMINIQUE DREYFUS Fico feliz e muito orgulhosa de que você aponte imparcialidade na biografia. Claro que tive a preocupação de ser imparcial. Por isso era importante recolher a palavra do maior número de protagonistas, de gravar quantas versões da mesma história fossem possíveis, cruzar testemunhos, conferir a veracidade das informações, verificar etc. Esse é o nível “histórico” da imparcialidade. Depois, tem outro nível, que é o “psicológico”, que consiste em entender o porquê das coisas; não julgar os fatos, as pessoas, as situações, mas procurar entender as circunstâncias, as motivações. Eu responderia à sua segunda pergunta através de duas perguntas: será que a imparcialidade absoluta existe? E, se existe, será que é necessário ser absolutamente imparcial num trabalho desse teor? Para mim, os limites da

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“Gonzaga foi um grande divulgador do Nordeste, o que não significa que o público tenha entendido essa cultura, essa região”

minha imparcialidade são meu “afeto”: acho que está claro para o leitor que eu admiro e gosto profundamente de LG; inclusive, se resolvi biografá-lo, é justamente por isso: ele era meu ídolo e eu era sua fã. Portanto, o incentivo da biografia foi a admiração e o objetivo foi o desejo de mostrar ao mundo que LG era maravilhoso! Mas, evidentemente, isso não impede que eu seja objetiva e saiba observar um certo distanciamento na hora de escrever, decifrar o homem, descrevêlo tal como o percebi, tentando não ser nem cega, nem burra… E, enfim, vale relembrar que a pesquisa para o livro foi obviamente no Brasil, mas a sua redação foi feita na França, onde vivo, longe do contexto envolvente.

CONTINENTE Está sendo realizado um filme sobre Luiz Gonzaga. Você foi contatada para subsidiar a produção com informações? DOMINIQUE DREYFUS Fui informada já há algum tempo pela produção desse projeto e do fato de que meu livro era uma fonte importante de inspiração e informação. Fora isso, nada… CONTINENTE Alguns estudiosos afirmam que Luiz Gonzaga reforçou os clichês em torno do Nordeste, outros afirmam que ele ajudou a criar o imaginário da região, enquanto se fala também que ele apenas projetou nacionalmente esse mesmo imaginário. Como você situaria esse papel sociológico dele? DOMINIQUE DREYFUS É inegável que Luiz Gonzaga teve um papel sociológico primordial. Isso está claro. Não sou propriamente socióloga, não sei se tenho autoridade para responder essa pergunta que pede uma verdadeira reflexão (a pergunta pode ser tema de tese!). Mas digamos que posso dar meu ponto de vista. Primeiro, acho que ninguém precisou dele para criar clichês em torno do Nordeste. Eles eram anteriores a ele e continuaram depois dele (e até hoje os

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