#2 jane joga e ganha

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JANE JOGA E GANHA (SEE, JANE SCORE) RACHEL GIBSON

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SINOPSE: Um tanto desiludida, bastante teimosa e cansada de ir a entrevistas às cegas com homens pouco interessantes, Jane Alcott parece levar a típica existência de mulher solteira em uma grande cidade. Entretanto, tem uma dupla vida. Durante o dia é jornalista esportiva, encarregada de seguir a uma equipe de hóquei, e especialmente a seu goleiro, Luc Martineau. Durante a noite é escritora, a criadora secreta das escandalosas aventuras de uma série da qual todos falam. Luc tem clara sua opinião a respeito desses parasitas chamados jornalistas; incluindo Jane. Quão último precisa é uma repórter entremetida que escava seu passado e se interpõe em seu caminho. Mas quando a diminuta jornalista se desfaz de suas roupas cinzas e negras que costuma a luzir as trocando por um atrativo vestido vermelho. Luc comprova que Jane esconde muito mais do que deixa ver. Talvez tenha chegado o momento arriscar-se e jogar a um jogo diferente....

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Prólogo

Entre tantos bares cheios de fumaça como há em Seattle, ele teve que entrar no Loóse Screw, a casa de jogo clandestino em que eu trabalhava cinco noites por semana servindo cervejas e me asfixiando com a fumaça rançosa do tabaco. Uma descuidada mecha de cabelo negro lhe caiu sobre a fronte ao tempo que deixava um pacote do Camel e um Zippo em cima do balcão. —Me vê uma Henry's —disse com voz áspera—, e faz rápido. Não tenho o dia todo. Sempre me assobiaram os tipos sombrios de má disposição. Com apenas um olhar soube que aquele era um homem sombrio, e tão mau como uma tormenta elétrica. —De barril ou de garrafa? —perguntei-lhe. Acendeu um cigarro e me olhou através de uma nuvem de fumaça. Seus formosos olhos azuis se tingiram de pecado enquanto baixava a vista até o grifo do barril. Os extremos de sua boca se curvaram formando um sorriso quando apreciou o entalhe de meu prendedor. —Garrafa —respondeu. Tirei uma Henry's da geladeira, abri-a e a fiz deslizar sobre o balcão. —Três e trinta —disse. Agarrou a garrafa com uma de suas mãos e a levou aos lábios; não afastou seu olhar de mim enquanto bebia. Ao deixar a garrafa de novo no balcão com um golpe, a espuma saiu pela boca de cristal. Senti que me tremiam os joelhos. —Como se chama? —perguntou enquanto tirava a carteira do bolso traseiro de seus gastos Levi'S. —Bombonzinho —respondi—. Bombonzinho de Mel. Voltou a esboçar um sorriso quando me entregou a nota de cinco dólares. —É bailarina de strip-tease? Tomei como um elogio. —Depende. —Do que depende? Devolvi-lhe o troco e aproveitei para roçar a palma de sua mão com a ponta de meus dedos. Um calafrio se apoderou de meus pulsos e sorri. Percorri com o olhar seus fortes braços e seu peito até alcançar seus largos ombros. Todos os que me conheciam sabiam que seguia muito poucas regras no que se referia a homens. Eu gostava dos tipos grandes e maus, embora devessem ter dentes e mãos limpas. Isso era tudo. OH, sim, preferia-os um tanto

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pervertidos, embora não fosse imprescindível, pois viciosa como era, tinha o suficiente para os dois. Desde menina, meus pensamentos tinham sido sempre o sexo como eixo central. Enquanto as bonecas Barbie das outras meninas foram à escola, a minha brincava de médico.. Jogos que discorriam mais ou menos deste modo: a doutora Barbie examinava o pacote do Ken e depois brincava com ele até deixá-lo em estado de coma. Agora, a meus vinte e cinco anos, em lugar de me dedicar ao golfe ou à cerâmica como tantas mulheres, meu hobby eram os homens, e os colecionava como se fossem baratos souvenirs de Elvis. Depois de observar os atrativos olhos azuis de mister Maldoso, comprovei os batimentos cardíacos e a dor entre minhas coxas e disse a mim mesma que também podia consegui-lo para minha coleção. Só tinha que levá-lo para casa. Ou colocá-lo na parte traseira de meu carro, ou fazer uma visita ao serviço de mulheres. —O que te trouxe por aqui? —perguntei finalmente, apoiando os braços sobre o balcão e lhe oferecendo uma estupenda vista panorâmica de meus perfeitos seios. Seus olhos pareciam ardentes e famintos quando afastou a vista de meu decote. Então abriu sua carteira e me mostrou sua identificação. —Estou procurando Eddie Cordova. Disseram-me que você o conhece. Pequena sorte a minha. Um policial. —Sim, conheço o Eddie. Tinha saído com ele uma vez, se o que fizemos podia chamar de sair. A última vez que vi o Eddie, foi no lavabo do Jimmy Woo's, em estado de coma. Tive que pisar na sua mão para que me soltasse o tornozelo. —Sabe onde posso encontrá-lo? Tratava-se de um ladrão de médio porte e, o que era ainda pior, um péssimo amante, por isso não senti o menor indício de culpa ao responder: —Suponho que sim. Sim, daria uma mão àquele sujeito, e pelo modo em que me olhava podia assegurar que ele queria algo mais que...

O telefone que estava junto ao computador começou a soar. Jane Alcott afastou o olhar da tela e da última entrega da vida do Bombonzinho de Mel». —Maldito seja —grunhiu. Passou os dedos por debaixo dos óculos e esfregou os cansados olhos. Por entre os dedos olhou o visor do telefone para saber quem chamava. Respondeu.

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—Jane —disse o editor do Seattle Teme, Leonard Callaway, sem incomodar-se em dizer olá—, Virgil Duffy vai falar com os treinadores e os

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uma análise mais detalhada, podia comprovar-se que isso não melhorava muito seu aspecto. —Não. Eu não gosto dos jornalistas —respondeu. —É compreensível, suponho, tendo em conta sua história. Sem dúvida, tinha lido sobre ele. —Que história? Perguntou-se se teria lido aquele maldito livro, Os meninos maus do hóquei, no que lhe tinham dedicado cinco capítulos, com fotografias e tudo. Mais ou menos a metade do que o autor afirmava ali eram puras fofocas ou simples invenções. E o único motivo pelo qual Luc não tinha lhe denunciado era que não queria atrair a atenção dos meios. —Sua história com a imprensa. —Jane bebeu um gole de café e encolheu os ombros—. O onipresente seguimento de seus problemas com as drogas e as mulheres. Efetivamente, tinha-o lido. E quem demônios utilizava palavras como «onipresente»? Só os jornalistas. —Para sua informação, direi que nunca tive problemas com as mulheres. Onipresentes nem de qualquer outro tipo. Deveria se informar melhor em lugar de acreditar tudo o que dizem. Ao menos, respeito a questões delitivas. E seu vício com tranqüilizantes era coisa do passado. Onde ele desejava que ficasse para sempre. Luc percorreu com o olhar o cabelo recolhido de Jane, a perfeita pele de seu rosto, e baixou para o resto de seu corpo, embainhado naquele horroroso impermeável. Talvez se tivesse usado o cabelo solto não teria parecido tão estirada. —Tenho lido algumas de suas colunas do periódico —disse elevando a vista para seus olhos verdes—. Você é a solteira que se queixa da falta de compromisso e que não consegue encontrar um homem de verdade. Ela franziu ligeiramente a sobrancelha e endureceu o olhar. —Te vendo, posso entender seus problemas —arrematou ele sem mover um só músculo. Bem. Possivelmente assim ela se mantivesse à distância. —Já não toma nada, está limpo? —perguntou Jane. Luc supôs que, se não respondesse, ela imaginaria certas coisas. Sempre era assim. —Totalmente—respondeu. —Sério? —Jane ergueu as sobrancelhas, que formaram uns arcos perfeitos, lhe dando a entender que punha em dúvida suas palavras.

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Ele deu um passo para ela. —Quer ver como mijo em seu copo de café? —perguntou com o olhar aceso, cabreado, frente a aquela mulher que certamente não tinha feito amor em cinco anos. —Não, obrigado, eu gosto do café puro. Se não estivesse tratando de um jornalista, Luc teria apreciado por uns segundos a acuidade de sua réplica, mas tinha-o agradado a provocação, gostasse ou não de admiti-lo. —Se trocar de opinião, faça-me saber —resmungou Luc—. E não creia que o fato de que Virgil Duffy te tenha apresentado aos meninos vai fazer que seu trabalho seja mais fácil. —O que quer dizer com isso? —Entenda do jeiro que quiser o que quero dizer —respondeu ele enquanto se afastava. Caminhou o curto trecho que o separava do estacionamento e encontrou sua Ducati cinza em seu lugar, junto aos lugares para deficientes. A cor da motocicleta casava à perfeição com as densas nuvens que penduravam sobre a cidade e também com o sombrio estacionamento. Colocou a bolsa na parte traseira da moto e se sentou no assento negro. Com o salto de sua bota apertou a alavanca de arranque e pôs em marcha o motor de dois cilindros. Não dedicou um só pensamento mais à senhorita Alcott e saiu com toda pressa do estacionamento, deixando atrás de si o rugido do motor. Entrou na Broad, deixando para trás o bar Tini Bigs, caminho da Second Avenue. Depois de umas quantas volta, entrou no estacionamento comunitário do complexo residencial que vivia e deixou a motocicleta junto a seu Land Cruiser. Consultou a hora em seu relógio e agarrou a bolsa pensando que se dispunha a confrontar três horas de calma. Disse para si mesmo que talvez poderia pôr a fita de alguma partida no vídeo e relaxar em frente à enorme tela de seu enorme televisor. Talvez poderia chamar a alguma amiga e ficar para comer. Certa ruiva de pernas longas lhe veio à mente. Saiu do elevador no andar dezenove e percorreu o corredor até a esquina nordeste do edifício. Tinha comprado aquele piso pouco depois de fechar pelos Chinooks, o verão anterior. Não lhe tinha apaixonado o interior — pois recordava às decorações da velha série de desenhos animados Os Supersônicos: pedra, aço e esquinas arredondadas—, mas as vistas... As vistas eram impressionantes. Abriu a porta e seus planos para o dia se vieram abaixo quando tropeçou com uma mochila North Face de cor azul que descansava sobre o carpete. No

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sofá de pele cor azul marinho, um agasalho impermeável vermelho, e ainda por cima de uma das mesinhas de cristal, vários anéis e braceletes amontoados. No aparelho de som rugia música rap e Shaggy se movia sem parar na tela do televisor do Luc, sintonizada na MTV. Marie. Tinha chegado antes do previsto. Luc percorreu o corredor e deixou a mochila e sua própria bolsa sobre o sofá. Bateu na porta do primeiro dos três dormitórios, e abriu. Marie estava estendida sobre a cama, com o curto cabelo escuro recolhido no alto da cabeça formando uma espécie de espanador. Tinha restos de nata sob os olhos e suas bochechas estavam pálidas. Abraçava um ursinho de pelúcia contra seu peito. —O que está fazendo em casa? —perguntou-lhe. —Tentaram te chamar do colégio. Não me encontro bem. Luc entrou no quarto e se aproximou de sua irmã de dezesseis anos, feita um novelo sobre o edredom. Supôs que chorava porque se lembrava outra vez de sua mãe. Tinha passado só um mês do funeral, e pensou que tinha que dizer algo para consolar Marie, embora não sabia realmente o que dizer, e estava convencido de que sempre que o tentava as coisas pioravam. —Pegou gripe? —acabou perguntando. A semelhança da garota com sua mãe, ou pelo menos com o que lembrava dela, era impressionanante. —Não. —Resfriou-se? —Não. —O que aconteceu então? —Sinto-me mau, isso é tudo. Luc acabara de fazer dezesseis anos quando a quarta esposa de seu pai tinha dado a luz a Marie. Além de alguma ou outra visita durante as férias, Luc nunca tinha passado muito tempo com ela. Eles viviam em Los Angeles e ele no outro extremo do país. Tinha estado muito ocupado, com as questões relativas à sua própria vida, até que ela fosse viver com ele, no mês anterior, não havia tornado a vê-la depois do funeral de seu pai, fazia dez anos. E de repente era o responsável por uma irmã que nem sequer conhecia. Era o único parente próximo que ainda não tinha alcançado a idade da aposentadoria. Era jogador de hóquei. Solteiro. Homem. E não tinha nem a mais remota idéia do que poderia fazer com ela. —Quer um pouco de sopa? —perguntou. Marie encolheu de ombros. —Por que não —respondeu entre soluços.

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Aliviado, Luc saiu rapidamente do quarto rumo à cozinha. Tirou uma lata grande de caldo de frango do armário e a colocou sob o abridor de latas automático que havia na mesa de mármore negro. Sabia que a garota estava passando por um mau momento, mas, por todos os demônios, estava-o deixando louco. Quando não chorava, estava amuada. Quando não estava amuada, tratava-o como se fosse um atrasado mental. Luc verteu a sopa em duas tigelas e acrescentou água. Tinha-lhe proposto que visse um psicólogo, e assim o tinha feito durante a enfermidade de sua mãe, mas Marie acreditava que já tinha tido o bastante. Introduziu as tigelas no microondas e programou o relógio. Além de lhe enlouquecer, ter em casa uma garota adolescente e temperamental tinha afetado seriamente sua vida social. Ultimamente, só desfrutava de tempo para si mesmo quando saía de viagem. Algo tinha que mudar. A situação não era a adequada para nenhum dos dois. Viu-se obrigado a contratar uma mulher para que ficasse em casa com Marie quando ele estava fora. Seu nome era Glória Jackson e rondava os sessenta. Marie não gostava, mas isso não era nada novo. O mais conveniente era encontrar um bom internato para Marie. Ali seria feliz, convivendo com garotas de sua idade que soubessem de maquiagem e de penteados e que gostassem de escutar música rap. Luc sentiu uma pontada de culpa. Suas razões para enviá-la a um internato não eram de tudo altruístas. Queria recuperar sua antiga vida. Isso talvez lhe fizesse parecer um maldito egoísta, mas tinha trabalhado muito duro para desfrutar daquele tipo de existência. Para conseguir elevar-se sobre o caos e alcançar uma relativa calma. —Necessito de um pouco de dinheiro. O comentário fez que Luc afastasse a vista das tigelas que davam voltas dentro do microondas e olhasse pra sua irmã, que estava apoiada contra o marco da porta da cozinha. Já tinham falado a respeito da conta corrente especial em seu nome. —Quando vendemos a casa de sua mãe e lhe demos alta na Segurança Social... —Preciso do dinheiro hoje —o interrompeu—. Agora mesmo. Luc tirou sua carteira do bolso posterior da calça. —Quanto necessita? —Uns sete ou oito dólares. —Sete ou oito? —Digamos dez, para ter certeza. Luc sentiu curiosidade e também pensou que devia perguntá-lo, assim disse:

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—Para que necessita o dinheiro? —Não tenho a gripe —disse ela, ruborizando-se. —O que tem , então? —Tenho cólicas e não tenho nada. —Baixou a vista para os pés cobertos por meias três-quartos—. Não conheço nenhuma garota do colégio a quem lhe pedir, e já era muito tarde para ir à enfermaria. Por isso vim a casa. —Muito tarde para que? Do que está falando? —Tenho cólicas e não tenho... —Marie ruborizou ainda mais—.Absorventes. Procurei em seu lavabo, porque pensei que talvez alguma de suas namoradas poderia ter deixado algum. Mas não tem nenhum. A campainha do microondas soou justo no momento em que Luc entendeu o problema de Enjoe. Abriu a portinhola e queimou os dedos ao deixar as tigelas de sopa sobre a mesa. —Oh. —Tirou duas colheres de uma gaveta e, como não sabia o que dizer, perguntou—: Quer bolachas salgadas? —Sim. De algum modo, não lhe tinha parecido uma garota o suficientemente grande. Acaso as garotas começavam a ter a menstruação a partir dos dezesseis? Supunha que devia ser assim, mas nunca tinha pensado nisso. Tinha crescido como um filho único, e seus pensamentos sempre tinham estado relacionados com o hóquei. —Quer uma aspirina? —Uma das mulheres com as que tinha saído tomava seus analgésicos quando tinha dores menstruais. Ao recordá-la, Luc se deu conta de que o dinheiro e seu vício tinha sido a única coisa que compartilharam. —Não. —Iremos ao supermercado depois de comer —disse—. Necessito de desodorante. Ela elevou a vista finalmente, mas não se moveu. —Tem que ir agora? —Sim. Ele a observou; parecia incômoda e envergonhada. A culpa que tinha sentido minutos antes se viu aliviada. Enviá-la a um lugar no qual poderia viver com garotas de sua idade era, claramente, o mais adequado. Em um internato para garotas estariam à corrente de cólicas menstruais e outras questões femininas. —Vou apanhar as chaves —disse Luc. Só teria que encontrar o momento adequado para expor sua idéia sem que soasse como se pretendesse livrar-se dela.

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2 Intercambio de cumpridos —O que disse? —perguntou Caroline Maçom quando se dispunha a levarse a boca uma parte de frango. —Vou me encarregar de escrever as crônicas das partidas dos Chinooks. Viajarei com eles —repetiu Jane atendendo à amizade que as unia da infância. —A equipe de hóquei? Caroline trabalhava no Nordstrom's vendendo aquilo do qual era uma completa viciada: sapatos. A primeira vista, Jane e ela eram diametralmente opostas. Era alta, loira, de olhos azuis, pouco menos que um anúncio andante de beleza e bom gosto. E seus caracteres tampouco eram muito parecidos. Jane era introvertida, em tanto que Caroline não guardava no tinteiro nenhum pensamento ou emoção. Jane comprava por catálogo. Caroline considerava os catálogos uma ferramenta do Demônio. —Sim, por isso estou nesta parte da cidade. Vim me encontrar com o dono da equipe. Aquelas duas amigas eram como o fogo e o gelo, como a noite e o dia, mas compartilhavam experiências e um passado que as mantinha profundamente unidas. A mãe do Caroline fugiu com um caminhoneiro e tinha ido aparecendo e desaparecendo de sua vida a cada certo tempo. Jane tinha crescido sem mãe.

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As duas garotas tinham vivido porta com porta na Tacoma, no mesmo desolado bloco de apartamentos. Eram pobres. Não tinham onde cair mortas. Ambas sabiam o que era ir à escola calçando sapatos de lona quando outros usavam de couro. As duas tinham crescido, e cada uma enfrentava ao passado a sua maneira. Jane cuidava do dinheiro como se sempre se tratasse do último cheque de sua vida, entanto Caroline esbanjava enormes quantidades em sapatos de marca, como se fosse Imelda Marcos. Caroline deixou o garfo junto ao prato e levou uma mão ao peito. —Tem que viajar com os Chinooks e entrevistar os jogadores enquanto se despem? Jane assentiu e repôs, enquanto enrolava no garfo macarrão com queijo: —No melhor dos casos, não tirarão a cueca até que eu esteja fora do vestuário. —Está de brincadeira, verdade? Que outra razão poderia haver, além de ver sujeitos pelados, para entrar em um vestiário fedorento? —Entrevistá-los para o periódico. Como já os tinha visto todos essa mesma manhã, estava começando a sentir um tanto de apreensão. A seu lado, tendo presente que ela media metro cinqüenta e cinco, pareciam gigantes. —Crê que se dariam conta se tirasse algumas fotografias? —Sem dúvida. —Jane riu—. Não são tão tolos como poderia pensar. —Pois a verdade é que não me importaria ver uns jogadores de hóquei nus. E uma vez que os tinha visto todos, vê-los nus era um aspecto do trabalho que lhe preocupava. Tinha que viajar com esses homens. Sentar-se com eles no avião. Não queria saber como eram sem roupa. Só gostava de estar perto de um homem nu quando os dois o estavam. E embora para ganhar o pão escrevia a respeito de explícitas fantasias sexuais, em sua vida cotidiana não se sentia cômoda ante a nudez descarada. Não era como a mulher que escrevia a respeito de relações e entrevistas amorosas na coluna do Times. E, em nenhum caso, parecia-se com o Bombomzinho de Mel. Jane Alcott era uma impostora. —Já que não poderá tirar fotos —disse Caroline enquanto cravava um pedaço de frango de sua salada oriental—, toma notas para mim. —Isso não é ético em um montão de sentidos —repôs Jane, e então recordou o oferecimento do Luc Martineau de «mijar» em seu café e se disse

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que, nesta ocasião, poderia deixar de lado a ética—. Vi o traseiro de Luc Martineau. —Ao natural? —Como sua mãe lhe trouxe para o mundo. Caroline se inclinou para diante. —Como é? —Está bem. —Jane recordou seus esculturais ombros e suas costas, a marca de sua coluna vertebral, e a toalha deslizando-se até seus pés, mostrando a redonda perfeição de suas nádegas—. Muito bem, de fato. Não podia negá-lo, Luc era um homem formoso, mas por desgraça sua personalidade deixava muito que desejar. —Droga —suspirou Caroline—, por que não terminei minha carreira? Poderia conseguir um trabalho como o seu? —Muitas festas. —Oh, sim. —Caroline permaneceu em silencio durante uns segundos, depois sorriu—. O que precisa é uma ajudante. Por que não me contrata? —O periódico não pagaria a uma ajudante. —Vá com calma. —O sorriso desapareceu do rosto do Caroline, cujo olhar descendeu até a jaqueta de sua amiga—. Terá que comprar roupa nova. —Já o tenho feito —disse Jane antes de levar um pedaço de queijo à boca. —Quando digo nova refiro a algo um pouco mais atrativo. Sempre vai de negro ou cinza. As pessoas não demorarão para perguntar se está deprimida. —Não estou deprimida. —Talvez não, mas deveria vestir algo com um pouco de cor. Vermelhos e verdes, especialmente. Vais viajar durante toda a temporada com tipos grandes inflados de testosterona. É a oportunidade perfeita para fazer que um deles se fixe em você. Jane viajaria por trabalho. Não queria atrair a atenção de ninguém. Especialmente de jogadores de hóquei. Especialmente se todos eram como Luc Martineau. Quando declinou sua oferta referente ao café, quase se pôs a rir. Quase. Em lugar disso, disse: «Se trocar de opinião, faça-me saber.» Só que não havia dito «saber», e sim «saberr». Era um idiota, e não tinha perdido todo seu acento canadense. A última coisa que queria ou precisava era chamar a atenção de tipos como ele. Refletiu em seu próprio aspecto, em suas calças negras e sua jaqueta negra e sua blusa cinza. Pareceu-lhe que tinha boa aparência. —É do J. Crew.

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Caroline abriu desmesuradamente seus olhos azuis. Jane sabia o que diria a seguir: que J. Crew não era Donna Karan. —Exato. De catálogo? —É obvio. —E negro. —Já sabe que sou daltônica. —Não é daltônica. O que acontece é que não distingue que cores casam. —É certo. Por isso gostava da cor negra. Tinha bom aspecto vestida de negro, e além disso não corria o risco de desafinar. —Tem um corpo miúdo muito bonito, Jane. Teria que explorá-lo, ensinálo. Vêem comigo ao Nordy's e te ajudarei a escolher algumas costuras. —Nem pensar. A última vez que a deixei escolher minha roupa,comecei a me parecer com o Greg Brady, só que menos gay. —Isso foi no sexto ano, e tínhamos que ir ao Goodwill para comprar roupa. Agora somos maiores e temos dinheiro. Ao menos, você o tem. Sim, e também tinha um plano para investi-lo. Tinha pensado em um pouquinho de amor. Ou seja, nada de roupa de marca, e sim em comprar uma casa. —Eu gosto da roupa que uso —disse como se não tivessem falado disso umas mil vezes antes desse dia. Caroline pôs os olhos em branco e trocou de tema. —Eu conheci um rapaz. Pequena novidade. Desde que tinha passado a fronteira dos trinta anos na última primavera, o relógio biológico do Caroline parecia haver ficado em marcha e ela não podia deixar de pensar que seus óvulos estavam murchando. Resolveu que era o momento de casar-se, e como não desejava manter a Jane à margem, chegou à conclusão de que as duas tinham que se casar. Mas o plano do Caroline tinha um problema. Jane estava convencida de que era uma espécie de ímã que atraía a tios dispostos a lhe romper o coração e tratá-la mau, e de que os únicos homens capazes de excitá-la e pô-la a tom eram os idiotas, por isso tinha decidido comprar um gato e encerrar-se em casa. Mas estava em um beco sem saída. Se ficasse em casa, não tiraria de nenhum lado um novo material para sua coluna «Solteira na cidade». —Tem um amigo —acrescentou Caroline. —O último «amigo» com o que me fez sair conduzia uma caminhonete estilo assassino em serie com um sofá na parte traseira. —Sei, e não achou graça ler sua história em sua coluna do Times.

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—Pior para ele. Era um desses tipos que pensa que porque escrevo a coluna estou desesperada e sou uma brincalhona. —Esta vez será diferente. —Não. —Talvez goste. —Esse é o problema. Se gostar, sei que me tratará como uma merda e depois me dará uma patada no traseiro. —Jane, rara vez deste alguém a oportunidade de que te dê uma patada no traseiro. Sempre tem um pé na porta, esperando encontrar a desculpa adequada para sair. Caroline não era a mais adequada para lhe reprovar nada nesse sentido. Ela despachava os meninos por ser muito perfeitos. —Não saiu com ninguém desde o Vinny —disse Caroline. —Sim, e olhe como foi. Tinha-lhe tirado dinheiro para comprar presentes a outra mulher. Por isso ela sabia, lingerie barata. Jane odiava lingerie barata. —Olha-o pelo lado bom —disse Caroline—. Depois de se liberar dele, estava tão afetada que branqueou os azulejos do banheiro. Era um detalhe triste da vida do Jane, mas quando sofria um desengano amoroso e se sentia deprimida, ficava com mania de limpeza. Quando estava contente em troca, tinha certa tendência a amontoar a roupa no armário. Depois de comer, Jane deixou Caroline no Nordstrom's e conduziu até o Seattle Times. Não dispunha de um escritório próprio no periódico, pois seu trabalho neste se limitava a escrever uma coluna mensal. De fato, em contadas ocasiões se aventurava dentro daquele edifício. Havia ficado de falar com o editor de esportes, Kirk Thornton, quem nem sequer tinha tido que dizer a Jane o muito que o assustava deixar o trabalho de Chris em suas mãos. Recebeu-a com frieza e apresentou aos outros três cronistas esportivos, que não se mostraram mais calorosos que Kirk. À exceção de Jeff Noonan. Apesar de que raramente passava pelo Seattle Times, tinha ouvido falar de Jeff Noonan. As mulheres do jornal o chamavam «o Perseguidor», e era pouco menos que um julgamento para um perseguidor sexual ambulante. Não só acreditava que o lugar adequado para as mulheres era a cozinha, mas também estava convencido de que, dentro desta, o melhor era que se tombassem sobre a mesa. Pelo modo como a olhou ficou claro que a estava imaginando nua, e lhe sorriu como se algo assim pudesse fazê-la sentir adulada. O olhar que lhe dedicou dava a entender que antes que ficar com ele preferia comer raticida.

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O BAC-111 saiu do aeroporto de Seattle às seis e trinta e três da manhã. Poucos minutos depois, o reator atravessava a capa de nuvens e virava para a esquerda. O sol da manhã entrou pelos guichês ovalados como se tratasse dos focos de um estádio. De repente, as sombras foram arrasadas pela aquela luz brutal, e um bom número de jogadores de hóquei reclinaram seus assentos e se prepararam para as quatro horas que durava o vôo. Um aroma que era mescla de loção pós-barba e colônia invadiu a cabine ao mesmo tempo em que o avião concluía a ascensão e adotava a horizontalidade. Sem afastar os olhos da folha de itinerário que sustentava em seu regaço, Jane elevou uma mão para regular o ar condicionado que tinha em cima de sua cabeça. Estava totalmente concentrada na agenda da equipe. Observou que, em algumas ocasiões os vôos tinham a hora prevista de saída justamente depois das partidas, enquanto que outras vezes estavam programados para a manhã seguinte. Mas à exceção das horas dos vôos, o assinalado na agenda era sempre igual. A equipe treinava invariavelmente a véspera de cada partida e levava a cabo uns exercícios ligeiros no dia da mesma. Nunca variava. Deixou as folhas com o itinerário de um lado e agarrou um exemplar do Hóquei News. A luz da manhã iluminou a seção de reportagens sobre as equipes da NHL. Deteve-se ao ler a coluna dedicada aos Chinooks. O titular dizia: «Sua portaria, a chave do êxito para os Chinooks.» Durante as últimas semanas, Jane tinha estudado as estatísticas da NHL. Familiarizou-se com os nomes dos jogadores dos Chinooks e com as posições em que jogavam. Leu todos os artigos relativos à equipe que pôde encontrar, mas continuava sem o ter claro a respeito do jogo e dos jogadores. Não tinha mais opção que lançar-se sem rede, esperando não parti-la no intento. Necessitava do respeito e da confiança daqueles homens. Queria que a tratassem como a um cronista esportivo qualquer. Em sua maleta levava dois livros de inestimável valor para ela: Hóquei para principiantes e Os meninos maus do hóquei. O primeiro explicava os rudimentos do jogo, no entanto o segundo falava do lado escuro deste e dos homens que o praticavam. Sem elevar a cabeça, olhou com o passar do corredor, umas filas de assentos mais adiante. Observou a fileira de luzes de emergência que percorria o carpete azul e se deteve nos mocasins de pele e nas calças cinzas de Luc Martineau. Desde a conversa que mantiveram no estádio Key, tinha investigado com mais interesse sua vida que a do resto dos jogadores.

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Tinha nascido e crescido no Edmonton, Alberta, Canadá. Seu pai era canadense e se divorciou de sua mãe quando Luc acabava de cumprir os cinco anos. Os Houston Oilers tinham escolhido Luc na sexta posição do draft da NHL aos dezenove anos. Tinha sido transpassado a Detroit e, finalmente, a Seattle. Os dados mais interessantes a proporcionavam o livro Os meninos maus do hóquei, que lhe dedicava cinco capítulos inteiros. O livro explicava com todo detalhe as aventuras do goleiro, de quem dizia que tinha as mãos tão rápidas dentro como fora da pista. As fotografias mostravam a um bom número de atrizes e modelos entre seus braços, e embora nenhuma delas afirmava haver-se deitado com ele, tampouco o negavam. Seu olhar posou em sua enorme mãos e seus largos dedos tamborilando sobre o braço do assento. Seu Rolex de ouro aparecia por debaixo da manga de sua camisa branca com raias azuis. Fixou-se em seus ombros e no perfil de suas altas maçãs do rosto e seu reto nariz. Usava o cabelo curto como um gladiador disposto a entrar em combate. Mesmo quando se dizia que só a metade do que dizia aquele livro que devia ser certo, mesmo assim Luc Martineau havia deixado um bom rastro de mulheres em todas as cidades pelas que tinha passado a equipe. A Jane surpreendia que não tivesse o aspecto de um esgotado doente terminal. Como o resto dos jogadores, naquela manhã Luc tinha o aspecto de um homem de negócios ou de um investidor financeiro, mais do que de um jogador de hóquei. Já no aeroporto, Jane ser surpreendeu ao ver todos os membros da equipe vestidos com traje e gravata como se dispusessem a ir ao escritório. Algo se interpôs em seu ângulo de visão. Jane elevou a vista e topou com o Rob Martelo Sutter. Com a cabeça inclinada para não se golpear com o teto, parecia ainda mais temível do que o habitual. Jane ainda não tinha memorizado as caras dos membros da equipe, mas Rob era um desses tipos que eram inesquecíveis. Media mais de metro noventa, e pesava cem quilogramas de puros músculos intimidatórios. Nessa época, luzia um entupido cavanhaque e um olho arroxeado. Tirou o terno, a gravata e arregaçou a camisa. Seu cabelo castanho pedia a gritos um bom corte, e usava uma tira de esparadrapo na ponta do nariz. Deu uma olhada à maleta que Jane tinha deixado no assento contíguo. —Importa-te se me sento aqui durante um momento? Jane não queria admiti-lo, mas sempre a haviam posto nervosa os tipos muito corpulentos. Ocupavam muito espaço e faziam que se sentisse pequena e vulnerável. —Não..., não. —Agarrou a maleta de pele e a colocou no chão, entre seus pés.

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Rob acomodou sua anatomia no assento e assinalou o periódico que Jane tinha nas mãos. —Tem lido o artigo que escrevi? Está na página seis. —Ainda não. Jane procurou imediatamente a página seis e observou a foto do Rob Sutter durante uma partida. Tinha a cabeça do jogador contrário imobilizada com uma chave de judô e lhe estava golpeando a cara. —Esse sou eu dando um castigo ao Rasmussen em sua temporada de novato —explicou Rob. Jane o olhou meio de lado, notando-se em seu olho arroxeado e seu nariz torto. —Por que? —Tinha metido três gols. —Acaso não é esse seu trabalho? —Claro, mas o meu era lhe tornar as coisas difíceis. —Rob encolheu de ombros—. Conseguir que ficasse nervoso quando me visse se aproximar. Jane se disse que o mais prudente era guardar para si as opiniões que lhe inspirava o trabalho de Rob. —O que aconteceu a seu nariz? —perguntou. —Passou muito perto de um stick. —Rob assinalou ao periódico—. O que acha? Deu uma olhada ao artigo; parecia bastante bem escrito. -Acha que a manchete chama atenção do leitor? —A manchete? —É como os jornalistas denominam o princípio....... Sabia o que era uma manchete. —«Sou algo mais que um saco para esquentar os punhos» —leu em voz alta— Pois sim, chamou minha atenção. Rob sorriu, mostrando uma formosa e branca fileira de dentes. Jane se perguntou quantas vezes os teriam arrancado e teria tido que repô-los. —Revisei isso várias vezes —disse—. Pensei que, quando me aposentar, possivelmente me dedique a escrever artigos em tempo integral. Talvez possa me dar alguns conselhos. Introduzi-lo na profissão lhe pareceu muito mais simples do que fazer o que lhe pedia. Seu próprio curriculum não era precisamente brilhante, mas não queria desiludir a Rob lhe explicando a verdade. —Ajudarei-o no que precisar.

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—Obrigado. —Rob ficou afastou-se um pouco da cadeira apenas para tirar uma carteira do bolso traseiro de sua calça. Quando se sentou de novo, abriu-a e tirou uma fotografia. -Esta é Amélia —disse ao tempo que lhe passava a fotografia de uma menina descansando sobre seu peito. —Que pequenina. Que tempo tem? —Um mês. Não é a coisa mais bonita que viu alguma vez? Jane não tinha a intenção de discutir sobre esse tema. —É linda. —Outra vez mostrando fotos de bebês? Jane ergueu a vista e topou com dois olhos claros que a olhavam por cima do assento da frente. O homem lhe passou uma foto. —É Taylor Lee —disse—. Tem dois meses. Jane observou a fotografia de um bebê com tão pouco cabelo como o tipo que a tinha passado, e se perguntou por que a gente dava por feito que todo mundo estava desejando ver as fotos de seus filhos. Ela não reconheceu o tipo que a olhava por cima do assento até que Rob lhe deu uma pista. —Está calvo como uma bola de bilhar, Fishy. Quando lhe vai sair um pouco de cabelo? Bruce Fish, que jogava de extremo, elevou-se sobre o assento e recuperou sua fotografia. A luz se refletia em sua calva, mas uma espessa barba lhe cobria a cara. —Eu era calvo aos cinco anos, e era muito bonito. Jane se esforçou para não evidenciar reação alguma. Bruce Fish podia ser muito bom controlando o disco, mas não era um homem atrativo. —Tem filhos? —perguntou a Jane. —Não, nunca fui casada —respondeu ela, por isso a conversação derivou para que jogadores dos Chinooks estavam casados e quais não e os quais tinham filhos. Não era o que se diz uma conversação estimulante, mas aliviou sua preocupação respeito a que os jogadores a deixassem de lado. Devolveu a Rob sua fotografia e decidiu pôr mãos à obra. Queria lhes surpreender com sua investigação, ou como mínimo lhes demonstrar que sabia fazer seu trabalho. —Dada a idade e a carência de jogadores cedidos, os Coiotes estão jogando melhor do que se esperava este ano —disse, recitando o que acabava de ler—. O que lhes preocupa especialmente da partida da quarta-feira? Ambos a olharam como se tivesse falado em uma língua incompreensível para eles. Latim, talvez.

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Bruce Fish se voltou e desapareceu depois do respaldo de assento. Rob guardou a fotografia em sua carteira. —Aqui chega o café da manhã —disse ficando em pé. Martelo partiu, lhe deixando bem claro que embora era o suficientemente boa para falar de jornalismo e bebês, não o era para falar de hóquei. E à medida que o vôo prosseguia, lhe fez mais evidente que os jogadores fariam caso omisso dela. À exceção da breve conversa com o Bruce e Rob, ninguém lhe dirigiu a palavra. Dava no mesmo; não poderiam eternamente. Teriam que lhe permitir entrar no vestuário e responder a suas perguntas. Acabariam falando com ela, se não queriam enfrentar-se a uma acusação de discriminação. Não quis o pão-doce nem o suco de laranja. Elevou o braço rígido entre os assentos, deslocou-se para o assento junto ao corredor, estendeu seus artigos e os livros, e depois tirou a jaqueta cinza de lã. Centrou-se em tentar memorizar as infrações, quando se destacava pênalti e devido a que tipo de falta, e as sempre confusas indicações arbitrais. Tirou um bloco de papel de notas adesivas de sua maleta, apontou toda uma série de detalhes e pegou as notas dentro do livro. Fazer avançar seu trabalho e sua vida mediante nota adesivas não era a maneira mais eficiente de conseguir que as coisas funcionassem, mas tinha provado com métodos mais organizados, um programa para seu ordenador portátil, por exemplo, e tinha acabado tomando notas para saber o que era o que tinha que escrever nele. Comprou uma agenda, que utilizava habitualmente, mas nas páginas de cada dia só havia notas adesivas. No ano anterior se comprou um computador de bolso, mas não conseguiu acostumar-se. Sem suas notas adesivas, havia sentido algo similar a um ataque de ansiedade, o que a levou a vender aquele aparelho a um amigo. Apontou os termos do jogo que lhe eram desconhecidos, pegou as notas no livro e a seguir olhou para a fila de Luc. As mãos de este descansavam aos lados de um copo de suco de laranja que havia sobre a bandeja. Procedeu a abrir com seus largos dedos uma bolsinha de aperitivos. Alguém pronunciou seu nome e Luc se voltou. Seu olhar se posou em algum ponto detrás do Jane, e riu devido a uma piada que ela não captou. Sua dentição era branca e regular, e seu sorriso podia fazer que uma mulher pensasse em muitíssimos pecados. Depois a olhou e Jane se esqueceu daquela dentição. Com olhos inexpressivos, ele prosseguiu seu escrutínio descendendo por seu rosto e seu pescoço até a metade de sua blusa branca. Por alguma inquietante razão, Jane deixou de respirar enquanto ele fixava o olhar naquele

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ponto. O instante se fez eterno, estendendo-se entre eles até que o sobrecenho do Luc se converteu em uma linha reta. Então, sem elevar a vista, voltou o olhar pra frente. Jane soltou o ar. De novo teve a sensação de que tinha sido julgada e declarada culpada por Luc Martineau. No momento no qual o avião tocou a terra, a temperatura no Phoenix era de 23 graus e brilhava o sol. Os jogadores de hóquei se ataram as gravatas, vestiram as jaquetas e saíram em direção ao ônibus. Luc esperou que Jane Alcott passasse por seu lado para levantar-se e sair ao corredor. Enquanto vestia sua jaqueta Hugo Boss, estudou-a. Levava a jaqueta de lã pendurada no mesmo braço no qual levava uma grande maleta cheia de livros e periódicos. Tinha o cabelo recolhido em um tenso rabo-de-cavalo que lhe roçava os ombros ao caminhar. Era muito baixa (apenas chegava ao seu queixo) e, através do aroma de colônia e loção pósbarba, percebeu um certo perfume floral. De repente a maleta se chocou contra o respaldo de um assento e Jane deu um tropeção. Luc a agarrou pelo braço para evitar que caísse, mas a maleta se abriu e os periódicos e os livros foram dar ao chão. Ele a soltou e se ajoelhou a seu lado no estreito corredor, recolheu o livro sobre as regras oficiais da NHL e Hóquei para principiantes. —Não sabe muito de hóquei, não é mesmo? —disse ao lhe passar os livros. As pontas de seus dedos se roçaram e ela o olhou. O rosto de Jane se encontrava a escassos centímetros do seu, por isso pôde estudá-la com atenção. Tinha uma cutis perfeita e um leve rubor tingia suas suaves bochechas. Seus olhos eram da cor da erva no verão, e pôde apreciar as finas linhas das lentes de contato nos extremos de sua íris. Se não se tratasse de uma jornalista que em seu primeiro encontro não lhe tivesse perguntado se tinha deixado as drogas definitivamente, possivelmente tivesse pensado que não era de tudo feia. Inclusive possivelmente tivesse chegado a pensar que não estava mau. Possivelmente. —Sei o suficiente —respondeu enquanto afastava sua mão e colocava os livros no bolso dianteiro da maleta. —Não me cabe a menor duvida. —Luc separou uma das notas da joelheira de sua calça. Nela podia ler-se: «Que demônios é marcação ao homem?» Agarrou-a pelo pulso e lhe deixou a nota na palma da mão—. Parece como se realmente soubesse tudo. Ficaram em pé e lhe agarrou a maleta. —Posso com ela ---protestou Jane ao tempo que metia a nota no bolso da calça.

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—Deixa que lhe leve isso. —Se está tentando ser amável, deve saber que já é tarde. —Não quero ser amável. O que quero é sair daqui antes que o ônibus parta. —Oh. —Ela abriu a boca para dizer algo mais, mas a fechou imediatamente. Percorreram o corredor, Jane com uma energia que revelava sua agitação. Uma vez dentro do ônibus, sentou-se junto ao diretor esportivo. Luc deixou a maleta sobre seu colo e se foi à parte de trás. Rob Sutter se aproximou de Luc quando este se sentou. —Ouça, Lucky—disse Rob—, não te parece bonita? Luc percorreu as fileiras de assentos com o olhar até ver a cabeça de Jane e as mechas soltas de seu rabo-de-cavalo. Não era feia, mas distante de ser seu tipo. Atraíam-lhe as mulheres do tipo Barbie, com pernas longas e peito abundante, longas cabeleiras e os lábios pintados de vermelho. Mulheres às que gostavam de satisfazer aos homens e não esperavam mais que sua própria satisfação. Sabia o que se dizia dele, mas não lhe importava muito. Jane tinha uma bonita pele e seu cabelo estaria melhor se não o estirasse daquele modo, mas seus seios eram pequenos. A imagem da blusa branca de Jane cruzou sua mente. Voltou-se para responder a algo que lhe tinha perguntado Vlad Fetisov e, pela primeira vez da decolagem, precaveu-se de sua presença. Fixou-se então nos dois pontos que se marcavam em sua blusa de seda. Por um instante se perguntou se teria frio ou estaria excitada. —Não especialmente —respondeu a Rob. —Achas que é verdade que se deitou com o Duffy para conseguir o trabalho? —É isso o que dizem os meninos? —Com ele e com seu amigo do Seattle Times. A idéia de uma moça como Jane dormindo com dois velhos para conseguir um trabalho lhe revolveu o estômago. Não entendia por que lhe incomodava algo assim, e com um encolhimento de ombros separou de sua mente Jane e qualquer pensamento a respeito de com quem poderia ou não haver-se deitado ela. Estava esperando uma importante chamada de seu representante, Howie. Howie vivia em Los Angeles e tinha seus três filhos internados em uma escola ao sul de Califórnia. Quanto mais pensava nisso, mais convencido estava Luc de que um internato em Califórnia era a solução perfeita para Marie, que tinha vivido no sul desse estado durante a maior parte de sua vida. Para ela seria

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como voltar para lar. Estaria contente e ele recuperaria sua vida de antes. Todos sairiam ganhando. Os Chinooks se registraram no hotel as onze da manhã, comeram algo e as duas já estavam na pista de gelo do America West Arena para treinar. A equipe estava duas semanas sem perder uma só partida, e Luc já tinha detido cinco pênaltis nessa temporada. A equipe não tinha constituído uma autêntica ameaça para seus rivais na retirada de seu antigo capitão, John Kowalsky. Esse ano a coisa era diferente: estavam em plena forma. Às quatro, os Chinooks estavam de volta ao hotel. Luc subiu no elevador para ir ao seu quarto e chamou por telefone a uma amiga. Duas horas depois, saiu do elevador no térreo disposto a desfrutar da vida enquanto pudesse fazê-lo. Conheceu Jenny Davis em um vôo da United a Denver. Serviu-lhe um copo de soda com limão e um pacote de amendoins no qual tinha posto seu nome e seu número de telefone. Disso fazia três anos, e sempre se viam quando ele estava em Phoenix ou ela passava por Seattle. A situação era satisfatória para ambos. Ele a satisfazia. Ela o satisfazia. Essa noite se encontrou com Jenny no vestíbulo do hotel e foram juntos ao Durant'S. Ali Luc comeu seu habitual jantar antes das partidas: costeletas de cordeiro, salada César e arroz selvagem. Depois de jantar, Jenny o levou a sua casa, na Scottsdale, onde lhe ofereceu sua sobremesa especial. Conduziu-lhe de volta ao hotel na hora do toque de silêncio. Luc adorava sua vida quando estava de viagem. Já no hotel, sentia-se totalmente tranquilo, preparado para enfrentar os Coiotes na noite seguinte. Conversou durante um momento com seus companheiros no bar do hotel, depois foi a seu quarto. Estava um tanto preocupado por seu joelho direito, por isso agarrou o vasilhame que havia em cima do televisor e percorreu o corredor até a máquina de gelo. Apenas tinha dado a volta para retornar a seu quarto quando viu o Jane Alcott introduzindo umas moedas na máquina de barras de chocolate. Usava o cabelo recolhido no alto da cabeça, com algumas mechas soltas. Deu um passo para frente e apertou o botão escolhido; um pacote de M&M's caiu na cesta metálica da máquina. Encaminhou-se para seu quarto e então pôde apreciar o traseiro redondo de Jane, com duas vaquinhas estampadas. De fato, havia vaquinhas por todo seu pijama azul. Era de uma só peça. Voltou-se e Luc teve que enfrentar-se a um horror superior ao que implicavam as vaquinhas do pijama: luzia uns óculos de

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armação negra. Os óculos eram pequenos e quadrados, e se supunha que lhe davam certo ar de feminista militante. Eram verdadeiramente desagradáveis. Ao vê-lo, Jane abriu os olhos como pratos e ficou sem fôlego. —Acreditava que a estas horas já estavam na cama —disse. Luc não imaginava que uma mulher pudesse parecer tão pouco sexy. —O que é isto? —perguntou ele apontando com o vasilhame para ela—. Prometeu a você mesma fazer todo o possível para não voltar a se deitar com alguém na vida? Ela franziu o sobrecenho. —Talvez se surpreenda, mas estou aqui para trabalhar, não para ir para a cama com o primeiro que cruzar meu caminho. —Certo, Ok. —Luc recordou sua conversação com Sutter e se perguntou se teria deitado com o velho Virgil Duffy para conseguir o trabalho. Tinha ouvido histórias relativas à debilidade de Virgil por mulheres bastante jovens para serem suas netas. De fato, quando Luc se transladou a Seattle, Sutter lhe disse que em 1998 Virgil tinha estado a ponto de casar-se com uma jovenzinha, mas que esta tinha recuperado a prudência no último momento e o deixou plantado no altar. Luc não estava acostumado a levar em consideração as intrigas e não sabia quanto de certo havia naquela história. Simplesmente, não podia imaginar Virgil no papel de caça jovens—. Duvido muito que encontrasse um pouco de ação com essa aparência. Jane abriu a bolsa dos doces. —Ao que me parece, você não tem problemas para encontrar ação, Lucky. — Luc não gostou do modo em que pronunciou «Lucky», mas não lhe pediu explicações. Ela as deu de todos os modos—. Te vi partir com a loira. Pelo que pude ver, eu diria que é aeromoça. Luc seguiu caminho da máquina de gelo e fez o gesto de tirar o chapéu. —É minha prima de segundo grau. Jane não deu a impressão de acreditar, mas não importou o mínimo. Ela acreditaria no que lhe desse vontade e escreveria aquilo que servisse para vender mais periódicos. —Para que quer o gelo? Preocupam-se com os joelhos? Era muito esperta. —Não. -—Quem é Gump Worsley? —perguntou Jane. Gump era uma lenda do hóquei, pois tinha jogado mais partidas que ninguém como goleiro. Luc admirava suas estatísticas e sua dedicação. Anos

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atrás, Luc tinha escolhido o número de Gump como amuleto da sorte. Não se tratava de um grande segredo. —Esteve lendo sobre mim outra vez? —perguntou enquanto colocava o gelo no balde—. Sinto-me muito lisonjeado —acrescentou, mas não se esforçou para que suas palavras soassem convincentes. —Não há por que. É meu trabalho. —-Jane meteu um M&M's na boca, e ao ver que Luc não dizia nada, insistiu—: Não vai responder a minha pergunta? —Não. Ela não ia demorar para entender que nenhum dos moços ia se mostrar cooperativo. Tinham falado e tinham esboçado um plano para confundi-la e tirála do sério. Talvez desse modo retornasse pra casa. Fora do vestiário, mostrariam-lhe fotografias de seus filhos e falariam de algo exceto do que ela desejava ferreamente falar: o hóquei. Dentro do vestiário, colaborariam o somente para não serem acusados de discriminação sexual, mas isso seria tudo. Luc não acreditava muito na eficácia do plano. Estava convencido de que lhe tiraria do sério, mas isso não a levaria a voltar para casa. Não, depois de falar com ela durante alguns minutos, disse-se que poucas coisas poderiam nocautear a senhorita Alcott. —Entretanto, direi algo. —Luc se separou da máquina de gelo e sussurrou a seu ouvido quando passou por seu lado—: Segue procurando, porque a história de Gump é muito interessante. —Procurar também faz parte do meu trabalho, mas não se preocupe. Não estou interessada em seus pequenos segredos sujos —disse a suas costas. Luc já não tinha segredos sujos que guardar. Embora houvesse certos detalhes de sua vida pessoal que preferia que não aparecessem nos periódicos; por exemplo, que tinha diferentes «amigas» em cidades, embora semelhante informação não daria para grandes titulares. À maioria das pessoas a traria sem cuidado. Não estava casado, e aquelas mulheres tampouco o estavam. Entrou em seu quarto e fechou a porta. Só havia um segredo que não queria que ninguém conhecesse. Um segredo que o fazia despertar a meia noite suando frio. Em cada nova partida, jogava com a possibilidade de que um bom disparo o deixasse coxo por toda a vida, e o que era até pior, acabasse com sua carreira. Luc verteu os cubos de gelo sobre uma toalha de mão e tirou as calças. Suspirou, depois se sentou na cama com o joelho sobre o travesseiro e colocou o gelo ao redor daquele.

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A única que tinha desejado em sua vida era jogar hóquei e ganhar a Stanley Cup. Vivia e respirava para consegui-lo, isso era tudo o que sabia. Ao contrário que alguns meninos, que eram escolhidos pelas equipes profissionais ao acabar a universidade, ele tinha sido selecionado para jogar na NHL aos dezenove anos, com um brilhante futuro pela frente. Por um tempo, entretanto, seu futuro se torceu. Caiu em um círculo vicioso de dor e vício. De recuperação e trabalho duro. E finalmente tinha surgido a possibilidade de ver cumprido os seus sonhos. Mas o troféu Conn Smythe que tinha conseguido no ano anterior ao de sua lesão tinha ficado atrás, e ele não estava seguro de seguir dispondo do que se requeria. Alguns — incluídos vários diretores dos Chinooks— se perguntavam se não teriam pago muito por seu goleiro titular, se Luc estaria em condições de reatar sua promissora carreira. Como queria que fosse, e sem importar a dor que sentisse jogando, estava disposto a dar a pele para que nada se interpusesse entre ele e a conquista do campeonato. Estava cem por cento. Lia as jogadas, parava tudo o que lhe jogassem. Encontrava-se em um bom momento, mas sabia quão rápido pode acontecer de ir do mais alto ao mais fundo do poço. Podia perder a concentração. Deixar penetrar uns quantos gols fáceis de deter. Calcular mal a velocidade do disco, dar muitos passes atrás, e ter que recolher o disco de dentro de seu gol. Qualquer goleiro podia ter uma má noite, mas sabê-lo não o fazia sentir melhor. Um mal partida não significava uma má temporada. Na maior parte dos casos ao menos. Mas Luc não podia perder mais tempo.

3 Instrumento: o ventre dos jogadores O telefone que havia junto ao computador portátil começou a soar. Jane o observou durante uns segundos antes de levantar o fone. —Olá. —Ninguém respondeu. O mesmo tinha acontecido nas últimas sete vezes que tinha tocado o telefone. Chamou a recepção e lhe disseram que não sabiam de onde provinham as chamadas. Jane, entretanto, suspeitava-o. Deixou o aparelho desprendido e deu uma olhada no relógio que havia sobre a mesinha de cabeceira. Faltavam cinco horas para a partida. Cinco horas

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para que acabasse sua coluna «Solteira na cidade». Teria que ter começado a coluna para o Times na noite anterior, mas estava exausta e sentia os efeitos do jet-lag, por isso seu único desejo tinha sido tombar-se na cama, ler algum dos livros que levava consigo e comer chocolate. Se não tivesse topado com Luc frente à máquina de barras de chocolate, teria comprado também um pouco de chocolate branco. Que a pilhasse com seu pijama de vaquinhas já tinha sido suficientemente mau. Não queria que ele a visse como uma devoradora de chocolate compulsiva. Embora, para falar a verdade, por que lhe preocupava o que ele pudesse pensar? Não tinha resposta para isso, mas supunha que o fato de preocupar-se com o que pensassem de si os homens bonitos era algo assim como uma espécie de maquiagem genética feminina. Se Luc fosse feio, não lhe teria preocupado. Se não tivesse aqueles luminosos olhos azuis, aquelas compridas pestanas e um corpo de sonho, não se teria privado do chocolate branco, ao que lhe teria acrescentado uma barra de chocolate Hershey. Se não fosse por aquele malvado sorriso que a tinha levado a ter pensamentos pecaminosos e a recordar a imagem de seu traseiro nu, talvez não teria tido que ouvir a si mesma falar de aeromoças como se tratasse de uma menina ciumenta. Não podia permitir-se que os jogadores a vissem como outra coisa que não uma profissional de jornalismo. O trato para com ela não tinha melhorado muito desde que chegaram à cidade. Falavam-lhe de receitas culinárias ou de bebês, como se o fato de dispor de um útero a convertesse em uma pessoa naturalmente interessada nessas questões. Se tentava falar sobre o hóquei, suas bocas se fechavam como as válvula de uma torneira. Jane voltou a ler a primeira parte de sua coluna e fez algumas correções:

Solteira na cidade Cansada de falar de produtos de beleza e de homens resistentes ao compromisso, desconectei da conversação que estavam mantendo minhas amigas e me concentrei em meu coquetel margaritta e nas cascas de milho. Enquanto estava sentada observando a decoração apoiada em louros e chapéus, perguntei-me se os homens eram os únicos em experimentar fobia ao compromisso. O que quero dizer é que aqui estamos, mulheres de mais de trinta anos que nunca estiveram casadas e, excetuando o intento de Tina de ir-se viver com seu antigo chefe, nenhuma de nós viveu uma relação de autêntico compromisso. Assim, é coisa deles ou nossa coisa?

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Existe um dito que afirma algo assim: «Se em uma habitação com cem pessoas tem dois neuróticos, acabarão encontrando-se.» Que mais fica? Há algo mais profundo que o escasso mostruário de homens sem compromisso? Acaso nos encontramos» as umas às outras? Somos amigas porque desfrutamos realmente da mútua companhia? Ou somos todas umas neuróticas? Cinco horas e quinze minutos depois de ter começado a escrever, finalmente conseguiu enviar a coluna pelo correio eletrônico de seu computador portátil. Colocou o caderno em sua enorme bolsa e saiu correndo para a porta. Percorreu a toda pressa o corredor até os elevadores, e quase afastou a empurrões um casal de anciões para meter-se em um táxi. Quando entrava na America West Arena, acabavam de apresentar os Coiotes de Phoenix. Os espectadores estavam como loucos com sua equipe. Tinham-lhe dado um passe para as cabines de imprensa, mas Jane queria estar todo o perto possível da ação. Tinha conseguido um assento a três filas da pista. Esperava com isso ver e sentir o máximo possível sua primeira partida de hóquei. Realmente não sabia o que podia esperar dessa experiência, o que lhe restou foi rezar a Deus para que os Chinooks não perdessem e a culpassem disso. Encontrou seu assento detrás de um dos gols justo no momento no qual os Chinooks saíam à pista. O público começou a vaiar, e Jane olhou a seu redor, os pouco educados seguidores dos Coiotes. Em uma ocasião, tinha ido ver uma partida dos Mariners, mas não recordava que os torcedores fossem tão rudes. Voltou a centrar sua atenção na pista e viu Luc Martineau patinando para onde ela se encontrava, embelezado com todo os seus amparos e preparado para a batalha. Tinha lido mais sobre Luc que sobre qualquer outro jogador, e sabia que tudo o que levava no corpo estava feito à medida. As luzes do estádio se refletiam em seu casaco de cor verde escura. Podia ler-se seu nome ao longo dos ombros de sua camiseta por cima do número do legendário Gump Worsley. Jane ainda não tinha descoberto as razões da lenda. Luc rodeou por três vezes a portaria, voltou-se e a rodeou em direção contrária. Deteve-se sobre a linha de gol, golpeou com o stick nos postes e fez o sinal da cruz. Jane tirou seu caderno, uma caneta e seu bloco de papel de notas adesivas. Na parte superior de uma das notas escreveu: «Superstição e rituais?» O disco ficou em jogo e, os sons da partida chegaram a seus ouvidos: o tamborilar dos sticks, o chiado dos patins sobre o gelo, e o choque do disco

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contra os amparos. Os torcedores gritavam e assobiavam, e o aroma de pizza e cerveja Budweiser logo encheu o ar. A modo de preparação, Jane tinha visto umas quantas partidas em vídeo. Apesar de que sabia que o jogo se desenvolvia a grande velocidade, as filmagens não mostravam a energia frenética nem o modo em que essa energia se transmitia à multidão. Quando se detinha o jogo, as infrações se anunciavam por megafones e a música trovejava até que o disco voltava a ficar em movimento e os jogadores saíam atrás dele. Enquanto Jane tomava nota de tudo o que via, precaveu-se do que nem os vídeos nem a televisão mostravam. A ação não estava sempre ali onde se disputava a posse do disco. Grande parte da atividade se desenvolvia nos cantos, com os golpes e batidas que se davam enquanto o disco estava no centro da pista. Em muitas ocasiões, viu Luc golpeando as pernas de algum jogador do Phoenix que tinha a má sorte de ter passado à distância equivocada. Ao que parecia lhe agradava muito enganchar os patins dos jogadores da equipe contrária com seu stick, e quando estirou o braço e agarrou pela camiseta o jogador dos Coiotes Claude Lemieux, dois homens que estavam a costas de Jane saltaram de seus assentos e gritaram: «Joga como uma garotinha, Martineau!» Soou o apito, o jogo se deteve, e enquanto Claude Lemieux se levantava do chão, anunciou-se a falta. «Martineau, expulso dois minutos por jogo brusco.» Como os goleiros não podem ser enviados ao banco para cumprir a expulsão, Bruce Fish saiu em seu lugar. Enquanto Fish se dirigia ao banco de castigo, Luc se limitou a agarrar a garrafa de água que tinha deixado em cima da rede da portaria, dar um gole através do ralo de seu capacete depois cuspilo. Encolheu-se de ombros, desentorpeceu o pescoço e deixou a garrafa de novo dentro da portaria. Recomeçou o jogo. O ritmo variava do desenfreio a algo quase ordenado. Quando Jane pensava que ambas as equipes tinham decidido jogar limpo, formou-se um bolo ao redor do disco. E nada avivava mais aos espectadores que ver os jogadores tirar as luvas e atar-se a murros em um canto. Ela não podia ouvir o que era que os jogadores se diziam, mas imaginava. Podia ler seus lábios. Até os treinadores, vestidos com traje e gravata, amaldiçoavam dos bancos. Quando os jogadores da reserva não insultavam a seus competidores, cuspiam. Nunca tinha visto cuspir tanto.

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Jane se deu conta de que as imprecações do público não só se limitavam ao goleiro dos Chinooks. Cada vez que um jogador de Seattle ficava a tiro, os homens que estavam detrás de Jane gritavam: «Idiotas!» Depois de umas quantas cervejas aumentava a criatividade: «oitenta e nove, é um idiota!», ou trinta e nove, ou fosse qual fosse o número do jogador. Aos quinze minutos do primeiro período, Rob Sutter acertou um jogador dos Coiotes contra a barreira, e os painéis tremeram de tal modo que Jane pensou que fossem romper. O jogador caiu no chão e o público rugiu. —Martelo, é um bode! —gritaram os homens que estavam detrás de Jane, que se perguntou se os jogadores ouviriam as palavras que lhes dirigiam os aficionados entre todo aquele ruído. Sabia que ela teria tido que beber um bom gole de licor antes de reunir a coragem suficiente para dizer a Martelo que ele era um bode. Daria-lhe muito medo encontrar-se com ele depois no estacionamento e «receber seu castigo». Ao finalizar os dois primeiros períodos, o marcador seguia zero a zero, depois de várias paradas espetaculares dos dois goleiros. Mas os Coiotes saíram muito forte no terceiro período. O capitão da equipe atravessou a defesa dos Chinooks e saiu disparado a toda velocidade para a portaria contrária. Luc se separou dos paus para encará-lo, mas o capitão obteve um disparo que passou por cima de seu ombro esquerdo. Luc roçou com seu stick o disco, mas este acabou agasalhado na rede. O público saltou de seus assentos enquanto Luc patinava até sua portaria. Com muita calma deixou seu stick e sua luva sobre a rede. Ao mesmo tempo em que o marcador eletrônico anunciava o gol, ele elevou a máscara e a deixou no alto de sua cabeça, agarrou a garrafa de água e jogou um jorro dentro de sua boca. De sua posição, Jane observou seu perfil. Sua bochecha parecia um pouco rubra, o cabelo úmido tinha pregado às têmporas. Do canto da boca caiu um pouco de água que lhe molhou o queixo e o pescoço e acabou em sua camiseta. Devolveu a garrafa a seu lugar, colocou a máscara e voltou a calçar a luva. —Chupa isso Martineau! —gritou um dos homens que estavam detrás de Jane—: Luc elevou a vista e uma das perguntas de Jane obteve resposta: ele ouvia com perfeição o que lhe gritavam os homens que estavam detrás dela. Sem evidenciar reação de nenhum tipo, limitou-se a olhá-los. Agarrou seu stick e olhou por uns segundos a Jane. Logo se voltou e se dirigiu ao banco dos Chinooks. Jane não podia imaginar o que tinha pensado Luc daqueles dois homens, mas havia problemas mais importantes que conhecer os sentimentos

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de Luc. Cruzou os dedos e desejou com todas suas forças que os Chinooks fizessem um gol nos próximos quinze minutos. Recorda que estará tratando com jogadores de hóquei. Podem ser muito supersticiosos. Se os Chinooks começam perdendo várias partidas, culparão a ti disso e lhe enviarão de volta pra casa.» depois de comprovar como a tinham tratado, Jane supôs que não necessitariam de muitas desculpas. Demoraram quatorze minutos e vinte segundos em fazê-lo, mas finalmente anotaram. Quando soou a buzina indicando o final da partida o marcador refletia o empate e Jane deixou escapar um suspiro de alívio. «Acabou a partida», pensou. De repente advertiu que o relógio anunciava cinco minutos mais. As equipes se dispuseram a jogar a prorrogação. Ninguém; percebeu, por isso o resultado passaria às estatísticas como empate a um. Jane respirou então tranqüila. Não podiam culpa-la de ter perdido e enviá-la pra casa. Abriu sua bolsa e meteu nela o caderno e a caneta. Encaminhou-se ao vestiário dos Chinooks mostrando o passe de imprensa. Sentia um nó no estômago enquanto avançava pelo corredor. Era uma profissional. Podia fazê-lo. Não havia nenhum problema. «Olha-os nos olhos e não baixe a vista», recordou a si mesma enquanto tirava seu pequeno gravador. Entrou no vestiário e se deteve em seco. Homens em diferentes graus de nudez estavam de pé em frente às banquetas ou as bilheterias abertas, tirando suas roupas. Muito músculo e suor. Amplos peitos e costas. Uns abdominais espetaculares, um traseiro e... Deus do céu! Ficou vermelha e os olhos quase lhe saíram das órbitas ao ver o tamanho dos atributos de Vlad Empalador Fetisov. Jane acabou elevando a vista, não antes de descobrir que o que tinha ouvido dizer a respeito dos homens europeus era certo. Vlad não estava circuncidado, e isso supunha um excesso de informação em relação ao que ela desejava saber. Por um segundo Jane pensou em desculpar-se, mas não podia fazê-lo, pois equivaleria a admitir que tinha visto algo. Deu uma olhada ao resto de jornalistas esportivos e comprovou que nenhum deles se desculpava. Por que se sentia como se estivesse no colégio espiando no vestiário de meninos? «Tinha visto um pênis antes, Jane. Não tem nada de especial. Se tiver visto um, viu-os todos... Ok, de acordo, isso não é de todo certo. Alguns pênis são melhores que outros. Para! Deixa de pensar em pênis! Está aqui para fazer um trabalho, e tem tanto direito a isso como qualquer jornalista. É a lei, e você é uma profissional.» Sim, isso foi o que se disse enquanto se encaminhava para

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os jogadores e os repórteres esportivos, tentando manter o olhar por cima de seus ombros. Mas ela era a única mulher em um vestiário cheio de corpulentos, rudes e nus jogadores de hóquei. Não podia evitar sentir-se deslocada. Manteve a vista elevada ao tempo que se aproximava do jornalista que estava entrevistando Jack Lynch, o extremo direito que tinha marcado o único gol dos Chinooks. Tirou seu caderno ao mesmo tempo em que o jogador tirava a cueca. Estava segura de que devia usar cueca largas, mas não estava em disposição de comprová-lo. «Não olhe, Jane. Aconteça o que acontecer, não baixe a vista», disse-se. Pôs em marcha sua gravadora e interrompeu um de seus colegas. —Depois de sua lesão do mês passado —começou— disseram que talvez não pudesse acabar a temporada em tão boa forma como a começou. Acredito que este gol acabou com esses rumores. Jack pôs um pé em cima da banqueta que tinha diante e a olhou por cima do ombro. Sua bochecha tinha a marca avermelhada de um golpe, e uma antiga cicatriz lhe cruzava o lábio superior. Tomou seu tempo para pensar a resposta, por isso Jane temeu que não fosse responder. —Isso espero —disse finalmente. Duas palavras. Isso foi tudo. —O que te parece o empate? —perguntou um repórter. —Os Coiotes jogaram duro esta noite. Queríamos ganhar, é lógico, mas o empate não está mau. Quando se dispunha a formular outra pergunta, alguém elevou a voz por cima da sua fazendo-a calar. Não demorou para sentir que conspiravam contra ela. Disse-se que, muito provavelmente, não era mais que paranóia, mas quando se aproximou do pequeno grupo que estava entrevistando o capitão dos Chinooks, Mark Bressler, este a olhou aos olhos e respondeu as perguntas dos outros jornalistas. Falou com o novato de crista loira ao estilo moicano, caso que se mostraria mais que agradecido de ser entrevistado, mas seu inglês era tão pobre que ela logo entendeu um par de palavras. Caminhou para Martelo, mas ele tirou o última peça de roupa e ela só passou com um breve cumprimento. Mesmo que não parasse de se repetir que era uma profissional e estava fazendo seu trabalho, não se atrevia a deter-se frente a um homem completamente nu. Ao menos na primeira noite. Logo se fez óbvio que alguns dos jornalistas também se sentiam incomodados ante sua presença, e que os jogadores não iam responder a suas

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perguntas. Entretanto, o que mais lhe surpreendia era a atitude de seus companheiros do Times, que não a tratavam melhor que aqueles. De acordo, poderia seguir escrevendo a coluna que já publicava regularmente, pensou enquanto se dirigia para o goleiro da equipe. Luc estava sentado em uma banqueta em um canto do vestiário, com uma grande bolsa de esporte a seus pés. Tirou tudo exceto a cueca térmica, as meias três-quartos e uma toalha que levava ao redor do pescoço.A ponta pendurava a meio caminho de seu peito, e enquanto a via aproximar-se, bebeu um gole de sua garrafa de plástico. Um filete de água escapou pelo canto de seus lábios, percorreu o queixo e caiu sobre seu peito. Deixando atrás de si um rastro de umidade, descendeu por seus marcados músculos peitorais e os abdominais para ir parar ao umbigo. Tinha uma ferradura tatuada na parte inferior do ventre. A sombra da ranhura e os buracos contribuíam a profundidade e textura da sua carne, e os cantos se curvavam para cima aos lados do ventre. A parte inferior da tatuagem se perdia sob a cintura do calção, e Jane se perguntou se realmente necessitaria a sorte daquela ferradura tatuada. —Não concedo entrevistas —disse antes que ela pudesse lhe perguntar nada—. Com todas essas coisas que tem lido, suponho que já estará à corrente. Ela sabia, mas não se sentia especialmente condescendente. Aqueles tipos a tinham rechaçado, e ela queria devolver a afronta. Pôs em marcha seu gravadora. —O que te pareceu a partida de esta noite? Ela não esperava que ele respondesse, e não o fez. —Deu a impressão de que tocou o disco antes de que entrasse — acrescentou. A cicatriz em seu queixo parecia especialmente branca, mas seu rosto seguia sem revelar expressão alguma. —Era difícil concentrar-se quando os aficionados da equipe contrária lhe gritam? —insistiu Jane. Luc secou o rosto com uma ponta da toalha. Mas não respondeu. —Acredito que me seria muito duro passar por cima de todos esses desagradáveis insultos. Seus olhos azuis continuavam cravados nos do Jane, mas um canto de sua boca se curvou para baixo, como se tivesse encontrado nela algo incomodo. —Até esta noite, não tinha nem idéia de quão rudes podiam ser os espectadores de hóquei —prosseguiu Jane—. Os homens que estavam atrás de mim estavam bêbados e zangados. Não posso imaginar estar aí de pé, gritando «chupa isso no meio de uma multidão.

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Luc tirou a toalha do pescoço e disse finalmente: —Ouça, se tivesse estado ali me gritando «chupa isso duvido muito que agora estivesse aqui me tirando do sério. —O que quer dizer? —Porque imagino que também teria tomando algo. Jane levou uns instantes para captar o que tentava lhe dizer, e quando o conseguiu, em seu rosto apareceu um sorriso malicioso. —Suponho que não é o mesmo, verdade? —Em efeito. —Luc ficou em pé e passou os polegares por debaixo da cintura de sua cueca—. Agora vê se vai dar o lugar a outro. —Ao ver que ela não se movia de onde estava, acrescentou—: A não ser que queira te sentir um pouco mais incômoda. —Não me sinto incômoda. —Está vermelha como um tomate. —Aqui dentro faz muito calor —mentiu Jane. Era ele o único que se deu conta? Provavelmente não—. Muito. —Sim, a coisa vai estar quente. Fica por aqui e verá um punhado de troncos de boa madeira. Jane se voltou e se foi a toda pressa. Não devido ao que lhe havia dito a respeito de «ver um punhado de troncos de boa madeira», mas sim porque tinha uma hora fixada de entrega da crônica. Sim, tinha hora de entrega, disse-se enquanto saía do vestiário, cuidando de manter alta a vista para não posá-la em algum órgão nu. Quando chegou ao hotel eram já dez da noite. Tinha que acabar a coluna e escrever a crônica, tudo antes de meter-se na cama. Ligou seu computador portátil e começou a escrever a crônica esportiva em primeiro lugar. Sabia que os repórteres do Times iriam lê-la com lupa e que procurariam todas as falhas possíveis, mas ela estava decidida a que não encontrassem nenhuma. Escreveria sua crônica melhor que qualquer homem. «Os Chinooks empatam contra os Coiotes; Lynch marca o único gol da equipe», escreveu, mas descobriu imediatamente que redigir uma crônica esportiva não era tão fácil como tinha suposto. Era bastante aborrecido. Depois de umas quantas horas de luta procurando as palavras certas e também de responder a umas quantas incomodas chamadas telefônicas, desprendeu o fone, apertou o botão de apagar do computador e começou de novo.

No instante em que o disco ficou em movimento esta noite no America West Arena, os Chinooks e os Coiotes ofereceram aos espectadores toda uma

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variedade russa de potentes disparos e incerteza de nódulos brancos. Ambas as equipes mantiveram o ritmo frenético até o final, quando o goleiro dos Chinooks, Luc Martineau, tirou-lhes dos Coiotes um gol cantado sobre a linha. Quando soou a buzina depois da prorrogação, o marcador seguia mostrando empate um a... Depois de falar das muitas paradas de Luc, escreveu sobre o gol do Lynch e os fortes disparos de Martelo. Até a manhã seguinte, uma vez enviado o artigo, não reparou que Luc a tinha estado observando no vestiário. Enquanto ia de um lado para outro como uma bola de bilhar, nem todo mundo tinha feito caso omisso dela. De novo, sentiu um incomodo estremecimento no peito e os alarmes começaram a soar em sua cabeça indicando problemas. Grandes problemas com o menino dos olhos azuis e suas legendárias mãos velozes. Disse-se que o melhor era não gostar dele. Pois, definitivamente, não gostava de nada do que sabia dele. Bom, exceto sua tatuagem. Aquela mesma manhã à primeira hora, os integrantes dos Chinooks se vestiram de terno e gravata, luzindo suas cicatrizes de batalha, se encaminharam ao aeroporto. Quando faziam meia hora de vôo, o qual devia conduzi-los a Dallas, Luc afrouxou a gravata e ficou a embaralhar um maço de cartas. Dois de seus companheiros e o treinador de goleiros, Dom Boclair, se reuniram em uma partida de pôquer. Quando jogava às cartas durante os vôos longos, era uma das escassas ocasiões em que Luc se sentia parte da equipe. Enquanto repartia, Luc olhou ao outro lado do corredor do BAC-111 no que viajavam, às consistentes solas de umas pequenas botas. Jane tinha levantado o braço que separava os assentos, deitou-se e ficou dormindo. Jazia de lado, e por uma vez não levava o cabelo preso. Suaves mechas de cabelo castanho caíam sobre suas bochechas e a comissura de seus lábios. —Achas que nós passamos muito ontem à noite? Luc olhou Bressler, elevado sobre o respaldo de seu assento. —Que seja —Negou com a cabeça, e depois deixou o baralho sobre a bandeja que tinha diante. Deu uma olhada em suas cartas e viu um par de oitos, ao tempo que o tipo que se sentou a seu lado, Nick Ouso Grizzell, dobrava a aposta—. Este não é seu território —acrescentou—. Se Duffy tinha pensado nos forçar a levar conosco uma jornalista, como mínimo teria que ter escolhido a alguém que soubesse um pouco de hóquei. —Viram o quão vermelha ficou ontem à noite? Puseram-se a rir.

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—Deu uma olhada no instrumento de Vlad. —Bressler olhou suas cartas—. Uma —pediu enquanto descartavam. —A viu o Empalador? —Assim é. —Quase lhe saíram das órbitas os olhos. —Luc entregou três cartas a Dom Boclair, no entanto ele pediu outras três—. Acredito que nunca mais voltará a ser a mesma —acrescentou. Vlad era famoso por seu enorme material. O único que não parecia opinar o mesmo era o próprio Vlad, mas todos sabiam também que o russo tinha recebido muitos golpes na cabeça. Luc conseguiu reunir três oitos e sua vitória ficou refletida na caderneta de Dom. —Quanto tempo estiveram telefonando para seu quarto? —perguntou Luc. —Acabou desprendendo o telefone por volta da meia-noite. —A primeira noite me senti um pouco mal quando todos fomos e ela ficou sozinha no bar do hotel —confessou Dom. Os outros o olharam como se houvesse dito uma tolice. Quão último queriam era levar a um jornalista com eles, especialmente uma mulher, rondando a seu redor quando relaxavam tentando esquecer-se de tudo. Fosse indo a um clube de strip-tease ou conversando no bar do hotel sobre os seguintes rivais. —Bom —tentou retificar Donny enquanto repartia—, a questão é que eu não gosto de ver uma mulher sentada sozinha. —Foi patético —apontou Grizzell. Luc olhou por cima de suas cartas e fez sua aposta. —Você também se sentiu mal, Urso? Não me acredito. —Não, demônios. Ela tem que desistir —Arrojou suas cartas—. Hoje não é meu dia de sorte. —Jogamos muito forte para você? —O que acontece, é que vou deitar um pouco e ler no resto do vôo. — Todo mundo sabia que Urso não lia nada que não tivesse fotografias—. Ler é fundamental. —Comprou a Playboy? —perguntou Dom. —Comprei Him ontem à noite, depois da partida, mas não a pude arrancar das mãos do novato —disse referindo-se a Daniel Holstrom—. Está aprendendo inglês lendo «A vida do Bombonzinho de Mel».

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Todos soltaram uma gargalhada enquanto Dom apontava a vitória do Bressler na caderneta. Ao viver em Seattle, muitos deles eram seguidores do Bombonzinho de Mel». Liam a coluna mensal para descobrir a quem tinha levado ao êxtase comatoso e onde tinha deixado o corpo. Luc embaralhou as cartas e deu uma olhada a Jane, que dormia como um anjinho. Não havia dúvida de que era a classe de mulher que poria o grito no céu se visse um dos meninos lendo histórias pornográficas. A conversação trocou de orientação centrando-se na partida da noite anterior. Ninguém parecia ter ficado satisfeito com o empate, e Luc menos que ninguém. Phoenix tinha disparado vinte e duas vezes a porta, e ele tinha detido vinte e um dos tiros. Não tinha sido uma má noite segundo as estatísticas, mas apesar de todas as paradas, teria gostado de fazer desaparecer aquele único gol. Não necessariamente porque tivesse entrado, mas sim porque o gol tinha sido questão de sorte, mais que conseqüência de um tiro preciso. Além de ser muito competitivo e mal perdedor, Luc detestava perder por questões infelizes mais que devido às habilidades do contrário. Voltou a olhar Jane, cujo peito ascendia e descendia brandamente enquanto respirava com a boca entreaberta. Acaso o empate da noite anterior tinha sido coisa da má sorte? Uma alteração no transcurso normal da temporada? Provavelmente, mas Luc não podia deixar de pensar naquele maldito gol. Acaso sua vida pessoal estava afetando seu jogo? Deveria falar com seu representante, pois a situação de Marie seguia sem resolver. Dormindo, Jane afastou o cabelo do rosto. Ou o que tinha passado se devia ao influxo da cronista esportiva? Um empate, por desconto, não era indício de má sorte. Mas poderia tratar do princípio se perdessem sexta-feira em Dallas. —Sabia que para os piratas era um signo de má sorte que embarcasse uma mulher em seu navio? —disse Bressler, como se lhe tivesse lido o pensamento. Luc o ignorava, mas não estranhava. Nada podia alterar a vida de um homem com tanta rapidez como a aparição não desejada de uma mulher. Na sexta-feira de noite, os Chinooks perderam por pouco, quatro a três, contra Dallas. No sábado pela manhã, enquanto esperava junto ao ônibus que devia levá-los ao aeroporto, Luc leu a seção de esportes do Dallas Morning News. O titular rezava: «Os Chinooks suam sangue e jogam as tripas», o qual devia resumir a partida, pois o novato dos Chinooks, Daniel Holstrom, tinha

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recebido um golpe de disco na bochecha recém começado o segundo tempo. Tiveram que atendê-lo fora da pista e se retirou lesado. Os ânimos se crisparam e as represálias não se fizeram esperar. Martelo se ocupou dos atacantes de Dallas, agarrando a um dos cantos no terceiro tempo e propiciando-lhe um murro no túnel de vestuários. Depois disto, as coisas ficaram muito feias, e enquanto os Chinooks ganhavam a batalha dos murros, acabaram perdendo a guerra. A linha ofensiva de Dallas tirou vantagem de todas as superioridades numéricas e presenteou Luc com trinta e dois disparos ao gol. Essa manhã ninguém falou muito. Especialmente depois do sermão que lhes passou o treinador Nystrom no vestuário. O treinador tinha fechado a porta aos jornalistas e tinha procedido a fazer tremer as paredes com sua voz impetuosa. Mas não disse nada que não merecessem ouvir. Tinham cometido faltas estúpidas e tiveram que pagar o preço. Luc dobrou o periódico e o pôs sob o braço. Desabotoou-se os botões da jaqueta ao tempo que a senhorita Alcott saía pela porta giratória, a sua esquerda. O sol caiu sobre ela com sua brilhante luz, e a ligeira brisa brincou com as pontas de seu rabo-de-cavalo. Vestia uma saia negra que lhe chegava até os joelhos, uma jaqueta negra e um pulôver de pescoço de cisne. Calçava sapato baixo, conduzia uma enorme maleta e levava na mão um copo de papel com café. Chamava a atenção pelos horríveis óculos de sol que usava. Os cristais eram redondos e de cor verde mosca. Seguia parecendo absolutamente pouco sexy. —Interessante a partida de ontem à noite. —Deixou a maleta no chão, entre os dois, e elevou a vista para seu rosto. —Você gostou? —Como disse, foi interessante. Qual era o lema da equipe? «Se não poder ganhar, lhes dê uma surra»? —Algo assim —respondeu ele com um sorriso—. Por que veste sempre de negro ou de cinza? —O negro faz com que me sinta bem —respondeu Jane. —Pois parece o anjo da morte. Ela bebeu um gole de café e disse com toda a cortesia de que foi capaz, como se as palavras de Luc não lhe tivessem afetado: —Poderia viver o resto de minha vida sem os comentários sobre moda do Lucky Luc. —De acordo, mas... —Luc não acabou a frase. Meneou a cabeça. Levantou a vista ao céu e esperou a que ela mordesse o anzol.

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Não demorou para fazê-lo. —Sei que vou arrepender me disto. —Suspirou—. Mas o que? —Bom, acredito que se uma mulher tiver problemas para encontrar homens, o mais adequado é que arrume um tanto o pacote do presente. Entre outras coisas é melhor que não use óculos de sol horrorosos. —Meus óculos de sol não são horrorosos, e meu pacote não é da sua conta —disse enquanto levava o copo de café aos lábios. —Ou seja, que eu só posso iniciar a conversação. Você põe os limites. —Isso. —É um pouco hipócrita, sabia? —Sim, claro, como não. Ele a olhou diretamente e perguntou: —Que tal seu café esta manhã? —Foi bem. —Continua tomando-o sozinho? —Sim —respondeu ela, olhando o de lado cobrindo o copo com a mão.

4 Um golpe com o stick Jane quase se assustava em dar uma olhada ao redor. Essa manhã, olhar a algum dos jogadores dos Chinooks era como olhar os restos de um acidente ferroviário. Parecia horrível, mas não podia dar a volta. Sentou-se perto da parte dianteira do avião, ao outro lado do corredor em frente ao ajudante do diretor esportivo da equipe, Darby Hogue, com um exemplar do Dallas Morning News aberto sobre o regaço na página de esportes. Ela já tinha enviado sua crônica da sangrenta partida da véspera, mas estava interessada em saber o que haviam dito a respeito os repórteres de Dallas. A noite anterior, ela e o resto dos jornalistas esportivos tinham esperado na sala de imprensa uma oportunidade para entrar no vestiário dos Chinooks. Tinham tomado café e Coca-cola e comido um pouco algo parecido com um chille, mas quando o treinador Nystrom por fim saiu, informou-lhes que não concederiam entrevistas.

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Durante a espera, os jornalistas de Dallas tinham estado brincando com ela, lhe contando piadinhas. Inclusive lhe disseram que jogadores se mostravam dispostos a colaborar e respondiam às perguntas. Também lhe falaram daqueles que nunca respondiam. Luc Martineau ocupava o primeiro posto na lista dos mais arrogantes. Jane dobrou o periódico e o meteu na maleta. Talvez os jornalistas de Dallas tinham sido amáveis com ela porque não a consideravam uma ameaça. Possivelmente a teriam tratado de modo diferente se tivessem estado dentro do vestiário fazendo entrevistas. Ela não tinha modo de saber, e tampouco lhe interessava. Foi agradável descobrir que não todos os repórteres do sexo masculino se sentiam incômodos em sua presença. Aliviou-a saber, que quando escrevesse sua seguinte coluna a respeito de suas experiências, poderia dizer que alguns homens tinham evoluído e que nem todos a viam como uma ameaça para seu amor próprio. Tinha enviado já dois artigos ao Seattle Times. E não tinha tido notícias do editor. Nenhuma só palavra de fôlego ou crítica, o que ela entendia como um bom sinal. Tinha visto que os jogadores passavam de mão em mão seu primeiro artigo, mas nenhum tinha feito comentário algum. —Li sua primeira crônica —disse Darby Hogue do outro lado do corredor. Jane calculou que Darby Hogue media pouco mais de metro sessenta. Metro sessenta e cinco com suas botas de vaqueiro. Seu traje azul marinho tinha todo o aspecto de ser feito a medida, e devia custar o que o salário de trabalhador corrente. Seu cabelo encaracolado era da cor das cenouras e sua pele inclusive era mais branca que a de Jane. Apesar de seus vinte e oito anos, aparentava dezessete. Seus olhos pardos refletiam inteligência e astúcia, e tinha umas longas pestanas ruivas. —Fez um bom trabalho —acrescentou. Por fim alguém lhe dizia algo de seu artigo. —Obrigado. Ele se inclinou para o corredor. —A próxima vez deveria mencionar nossos tiros ao gol—disse em voz baixa. Darby era o mais jovem dos ajudantes de diretor esportivo da NHL, e Jane tinha lido em sua nota biográfica que era membro do MENSA, o clube de pessoas que têm um alto coeficiente intelectual. Não duvidou nem por um segundo. Embora parecia haver-se esforçado muito para desprender-se de seu ar de intelectual, não o tinha obtido por completo, pois levava um protetor para canetas no bolso da camisa.

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—Direi uma coisa —disse ela acompanhando suas palavras do que esperava fosse um encantador sorriso—. Eu não me meterei em seu trabalho se você não se meter no meu. Ele piscou. —É justo. —Sim, acredito. Ele se endireitou e colocou a maleta sobre seu regaço. —Pelo geral, senta-se na parte de trás com os jogadores ---observou. Sempre se sentava na parte de trás porque os assentos dianteiros já tinham sido ocupados pelos treinadores e diretores quando ela embarcava. —Bom, estou começando a me sentir pessoa non grata ali atrás.— confessou. O incidente da noite anterior lhe tinha deixado muito claro quais eram os sentimentos dos jogadores. Ele se voltou e a olhou nos olhos. —Aconteceu algo do que eu deveria estar ciente? Além das incomodas chamadas, tinha encontrado o cadáver de um camundongo frente à porta de seu quarto na noite anterior. Por seu aspecto devia estar bastante tempo morto. Obviamente, alguém o tinha encontrado em algum lugar e o tinha levado até sua porta. Não tinha sido como encontrar a cabeça cortada de um cavalo em sua cama, embora tampouco acreditava que fosse uma coincidência. Mas não queria que os jogadores pensassem que era uma delatora que tinha ido correndo contar aos diretores. —Nada que não possa agüentar. —Jante comigo esta noite e falemos do assunto. Jane o olhou fixamente. Por um instante se perguntou se seria um desses homens que davam por certo que ela ficaria com ele só porque os dois eram baixinhos. Seu último encontro tinha sido com um tipo de pouco mais de um metro sessenta com todos os complexos napoleônicos imagináveis, quebrado como pessoa por esses mesmos complexos. A última coisa que precisava era um encontro com um tipo baixinho. Em particular, com um tipo baixinho que fosse diretor dos Chinooks. —Não acredito que seja boa idéia. —Por que? —Porque não quero que os jogadores pensem que estamos juntos. —Janto constantemente com jornalistas esportivos. Chris Evans, por exemplo.

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Não era exatamente o mesmo. Jane tinha que se manter à margem das fofocas. Apesar de que às mulheres permitiam entrar nos vestiários fazia três décadas, as fofocas das confusões das mulheres com suas fontes de informação eram constantes. Estava convencida de que sua credibilidade ou sua aceitação entre os jogadores não podia cair mais para baixo, mas não tinha intenção de comprová-lo. —Pensei que estaria cansada de jantar sozinha —disse Darby. O certo era que estava cansada de jantar sozinha, e também de olhar para as paredes das habitações de hotel ou do avião. Talvez um lugar muito concorrido não estivesse tão mal. —Só trabalho? —É obvio. —Por que não jantamos no restaurante do hotel? —propôs. —Às sete te parece bem? —Às sete me parece perfeito. —Jane pinçou no bolso dianteiro de sua maleta e tirou a folha que tinha o itinerário da equipe—. Onde nos alojamos esta noite? —LAX Doubletree —respondeu Darby—. O hotel treme cada vez que pousa um avião. —Maravilhoso. —Bem-vinda à esplêndida vida dos esportistas —disse ele, voltando a olhar para frente e apoiando a cabeça contra o respaldo. Jane tinha imaginado que o esgotamento que supunham as quarto partidas fora de casa seria só isso: esgotamento. Embora o tivesse estudado dúzias de vezes, olhou de novo o itinerário Los Angeles, e depois San José. Já era hora de que voltasse para casa. Queria dormir em sua cama, conduzir seu carro em lugar de ir de ônibus, inclusive abrir sua própria geladeira em lugar do minibar de um hotel. Os Chinooks tinham quatro dias de viagens antes de retornar a Seattle para jogar um bloco de quatro partidas em oito dias. Depois teriam que viajar a Denver e Minnesota. Mais hotéis e comidas solitárias. Talvez jantar com Darby Hogue não fosse tão má idéia. Poderia romper a monotonia e resultar em algo esclarecedor. As sete em ponto, Jane saiu do elevador e se encaminhou para o restaurante Seasons. Usava o cabelo solto que lhe chegava até os ombros. Vestia uma calça de lã negra e um pulôver cinza. O pulôver tinha uma abertura a um lado do pescoço e as mangas justas, e mesmo que Luc lhe dissesse que parecia o anjo da morte, gostava de seu estilo.

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Perguntava-se se havia alguma razão oculta além de seu medo em não saber combinar as cores que a fazia decidir-se sempre por cores escuras. Acaso estaria deprimida sem sabê-lo, como Caroline lhe tinha sugerido? Sofreria alguma desordem mental ainda sem diagnosticar? Parecia realmente o anjo da morte, ou acaso Caroline era uma desmancha-prazeres e Luc um idiota arrogante? Gostava de acreditar nesse último. Darby a esperava na entrada do restaurante, com seu aspecto juvenil devido às calças de cor cáqui e à camisa havaiana estampada de cor laranja; por não falar do gel que usava no cabelo. Levaram-nos até uma mesa perto das janelas, e Jane pediu um Martini com limão para manter a raia o cansaço, embora só fosse por umas poucas horas. Darby pediu uma cerveja e lhe exigiram que mostrasse o documento de identidade. —Como? Tenho vinte e oito anos —replicou. Jane se pôs a rir e abriu a carta do menu. —As pessoas vão pensar que é meu filho —se burlou. Ele esboçou uma careta de desagrado e tirou sua carteira. —Parece mais jovem que eu —grunhiu enquanto mostrava sua identificação ao garçom. Quando chegaram as bebidas, Jane pediu salmão com arroz selvagem, entanto Darby escolheu vitela e batatas assadas. —Que tal seu alojamento? —perguntou. Era como qualquer outro. —Está bem —respondeu Jane. —De acordo. —Darby bebeu um gole de cerveja—. Tem problemas com os jogadores? —Não, simplesmente fogem de mim. —Não gostam que esteja aqui. —Sim, percebi. —Jane deu um gole de seu Martini. O açúcar na borda da taça, a rodela de limão e a mescla perfeita de vodca Absolut Citrón e triplo seco quase a fez suspirar, como se se tratasse de uma alcoólatra. Mas converter-se em alcoólatra era algo que nunca tinha preocupado a Jane, e isso por duas razões: suas ressacas eram muito fortes, e quando bebia perdia, literalmente, a capacidade de julgamento, às vezes junto com sua calcinha. A conversação entre Jane e Darby se separou do hóquei para centrar-se em outros temas. Jane se inteirou de que aquele menino tinha obtido uma licenciatura summa cum laude em Harvard à idade de vinte e um anos. Mencionou sua presença no MENSA em três ocasiões, e também falou da casa

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que tinha no Mercer Island, de quinhentos metros quadrados, de seu navio de seis metros de comprimento, e de seu Porsche cor vermelha cereja. Não cabia dúvida: Darby era um cretino. Isso não era necessariamente mau já que além de ser uma impostora, em certas ocasiões Jane se considerava a si mesmo uma cretina. Para acabar com aquela conversação, Jane mencionou seus títulos em jornalismo e língua. Darby não pareceu muito impressionado. Seus pratos chegaram e ele elevou a vista enquanto passava de manteiga suas batatas assadas. —Vou sair em sua coluna «Solteira na cidade»? Jane se deteve quando se dispunha a estender o guardanapo sobre seu colo. À maioria dos homens assustava a possibilidade de ser mencionados na coluna. —Importaria-se? Ele abriu os olhos como pratos. —Que seja. —Repensou por uns segundos e acrescentou—: Mas teria que sair bem na parada. Ou seja, eu não gostaria que ninguém pensasse que fui um mal acompanhante. —Não acredito que pudesse mentir —disse ela. A metade do que escrevia naquela coluna eram mentiras. —Poderia lhe facilitar as coisas. Se o que pretendia era ajudá-la, o mínimo que podia fazer Jane era lhe escutar. —Como? —Poderia dizer aos meninos que não está aqui para escrever sobre o tamanho de seus materiais ou suas manias sexuais —disse, o que lhe levou a pensar imediatamente nos quais deles teriam manias sexuais. Talvez Vlad o Empalador—. Poderia lhes dar minha palavra de que não se deitou com o senhor Duffy para conseguir o trabalho. Jane levou uma mão à boca, com expressão de horror. Tinha imaginado que alguns maliciosos na sala de imprensa davam por certo que ela tinha intercambiado favores sexuais com Leonard Callaway, pois, depois de tudo, era o editor geral e ela era simplesmente a mulher que escrevia aquela estúpida coluna para solteironas. Ela não era uma autêntica jornalista. Entretanto, nunca teria imaginado que alguém pudesse supor que se deitou com Virgil Duffy. Se aquele homem podia ser seu avô! De acordo, Duffy era um velho e houve um momento em sua vida em que o nível de exigência do Jane estava pelos chãos, o que a tinha levado a enrolar-se com tipos dos quais gostaria de esquecer-se

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para sempre, mas nunca, por nada do mundo, teria ido à cama com alguém quarenta anos mais velho que ela. Darby pôs-se a rir e cortou uma parte de vitela. —Deduzo por seu gesto de assombro que essas fofocas não são certas. —É obvio que não. —Jane agarrou sua taça de Martini e a esvaziou de um gole. A vodca e o triplo seco lhe esquentaram o esôfago a caminho do estômago. —Nem sequer tinha visto em pessoa o senhor Duffy até o primeiro dia no vestiário. A injustiça daqueles comentários tinha feito trinca em Jane. Fez gestos ao garçom de que lhe levasse outro Martini. Pelo geral lhe incomodava pronunciar frases como «não é justo». Acreditava que a vida em si não era justa, e que chorar por isso só fazia que as coisas piorassem. Mas aquele era um caso de injustiça flagrante e não podia fazer nada a respeito. Se o negasse, duvidava que alguém acreditasse. —Se escrever sobre mim em sua coluna, faça ficar bem —disse Darby—. Eu farei que as coisas sejam mais fáceis para ti. Jane agarrou o garfo e levou a boca um pouco de arroz. —O que passa contigo, tem problemas para sair com garotas? Havia-o dito em brincadeira, mas ao ver que a Darby lhe acendiam as bochechas, soube que tinha acertado na mosca. —No primeiro encontro, as mulheres acreditam que sou um pirado. —Pois eu não pensei isso —mentiu Jane temendo que lhe crescesse o nariz. Ele sorriu, o que fazia que o risco aumentasse. —Nunca me dão uma segunda oportunidade —disse. —Bom, talvez se não falasse da MENSA e de seu títulos universitários, teria melhor sorte. —Você acha? —Sim. —Tinha dado conta da metade do salmão quando chegou a segunda taça. —Talvez poderia me dar alguns conselhos. Sim claro, como se ela fosse uma perita. —Talvez. Darby posou nela um olhar carregado de astúcia. —Poderia te facilitar as coisas —disse de novo. —Estou recebendo chamadas incomodas. Faça com que acabem. —Verei o que posso fazer ao respeito —disse Darby, sem mostrar-se surpreso.

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—Sim, porque são desagradáveis. —Olha-o como uma espécie de trote. Vá vá. —Encontrei um camundongo morto frente à porta de minha habitação ontem à noite. Ele bebeu um gole de cerveja. —Possivelmente chegou ali sozinho. É obvio. —Quero uma entrevista com o Luc Martineau. —Não é a única. Luc é um tipo muito reservado. —Peça-lhe. —Não sou a pessoa mais adequada para fazê-lo. Não gosta de mim. Jane agarrou o limão e o levou aos lábios. Ao Luc tampouco gostava dela. —Por que? . —Sabe que pus reparos a sua inscrição. Fui muito franco a respeito. Isso era toda uma surpresa. —Por que? —Bom, é uma história antiga, mas se lesou estando em Detroit. Eu não acreditava que um jogador de sua idade pudesse recuperar-se plenamente de duas difíceis operações de joelho. Martineau foi muito bom, possivelmente um, dos melhores, mas onze milhões de dólares ao ano é uma aposta muito forte por um homem de trinta e dois anos que tem os joelhos machucados. Tínhamos contratado um jogador na primeira ronda do draft, um de defesa corpulento, e a um par de extremos. Isso nos debilitava a asa direita. Não estava seguro de que Martineau fosse o que necessitávamos. —Está jogando uma boa temporada —assinalou. —Até agora. O que aconteceria se lesasse? Uma equipe não pode depender de um só jogador. Jane não sabia muito de hóquei, e se perguntou se Darby estava no certo. Era possível que tivessem montado a equipe ao redor de um goleiro de primeira fila? Acaso Luc, que parecia tão frio e calmo, sentia a tremenda pressão de cumprir com as expectativas que se depositaram nele?

Uma chamada da senhora Jackson fez Luc saber que Marie estava sem ir ao colégio desde que ele partiu de Seattle. A senhora Jackson lhe disse que tinha acompanhado todas as manhãs Marie ir ao colégio e que a tinha visto

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entrar no edifício. O que também soube foi que a garota voltava a sair assim que ia embora. Luc pediu falar com Marie e lhe perguntou onde tinha passado todo esse tempo. —No centro comercial —foi a resposta. Quando lhe perguntou por que o tinha feito, Marie respondeu: —Todos me odeiam no colégio. Não tenho amigos. São estúpidos. —Vamos —disse ele—, logo fará amigos e tudo irá bem. Marie começou a chorar e, como sempre, Luc se sentiu mau e torpe. —Sinto falta da minha mãe —disse ela—. Quero ir pra casa. Quando acabou sua conversação com Marie e a senhora Jackson, Luc chamou o seu agente, Howie Stiller. Ao retornar pra casa na noite da terçafeira, esperavam-lhe várias notificações do colégio enviadas pelo FedEx. Nesse momento a música do piano chegava até o lugar em que estava sentado, em um canto do bar do hotel. Levou a garrafa de cerveja à boca e deu um comprido trago. Para Marie, retornar pra casa não era uma solução. Seu lar era o de Luc, mas estava claro que não gostava de viver com ele. Deixou a garrafa na mesa e se ajeitou na poltrona. Tinha que falar com Marie sobre o internato, e não tinha nem idéia de qual seria a resposta da garota. Não sabia se gostaria da idéia ou se veria com lógica o benefício que proporcionaria. Só esperava que não ficasse histérica. No dia do funeral de sua mãe, ela tinha tido um ataque de nervos, e Luc não soube o que fazer. Tinha-a abraçado torpemente e lhe havia dito que sempre cuidaria dela. E o faria. Daria-lhe tudo que necessitasse, mas isso não impedia que fosse um pobre substituto de sua mãe. Como tinha podido complicar tanto a vida? Esfregou o rosto com as mãos e, quando as baixou, viu Jane Alcott caminhando para ele. Sem dúvida era muito esperar que passasse longe. —Aguarda alguma amiga? —perguntou-lhe ela enquanto se aproximava da poltrona oposta. Tinha estado aguardando, em efeito, mas tinha ligado para cancelar o encontro. Depois de sua conversa com Marie, seu humor não parecia o mais adequado para um encontro amoroso. Tinha pensado que talvez poderia passar um momento com seus companheiros em um desses bares do centro. Agarrou sua garrafa e olhou Jane ao tempo que dava um gole. Observou-a olhando-o, e se perguntou se supunha, erroneamente, que pelo fato de ter sido viciado nos tranqüilizantes era, por extensão, alcoólico. Em seu caso, uma coisa não tinha nada que ver com a outra.

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—Não. Só estou aqui sentado, sozinho —respondeu baixando a garrafa. Havia algo diferente nela aquela noite. Apesar da roupa escura, parecia mais doce, menos altiva. Um pouco mais bonita, inclusive. Seu cabelo, pelo geral recolhido em um rabo-de-cavalo, caía-lhe sobre os ombros formando uma cascata de cachos. Seus olhos verdes pareciam úmidos como folhas cobertas de orvalho, seu lábio inferior tinha um aspecto mais turgente, e as linhas formavam uma ligeira curva ascendente. —Acabo de jantar com Darby Hogue —disse como se ele o tivesse perguntado. —Onde? Em seu quarto? Isso explicaria o penteado, seu olhar e o sorriso. Luc jamais teria imaginado que Darby soubesse o que teria que fazer com uma mulher, e muito menos conseguir que tivesse esse olhar brilhante. E nunca lhe teria passado pela cabeça que Jane Alcott, o anjo da escuridão e da morte, pudesse parecer tão cálida e sexy. —No restaurante do hotel, é obvio —respondeu ela. Seu sorriso desapareceu—. Onde tinha pensado? —No restaurante do hotel —mentiu ele. Jane não acreditou, e pelo que podia supor, levando em conta o que sabia dela, tampouco ia deixar passar a questão. —Não me diga que é dos que acreditam que me deitei com Virgil Duffy para obter o trabalho... —Não —voltou a mentir Luc. Todos perguntavam, embora ele não tinha muito claro se acreditava ou não. —Estupendo, e agora me deito com Darby Hogue. Ele elevou uma mão. —Não é meu assunto. Enquanto soavam as últimas notas do piano, Jane se sentou na poltrona em frente a ele e soltou um profundo suspiro. Necessitava de um pouco de paz. —Por que as mulheres têm que sofrer essa classe de estupidez? — disse—. Se fosse um homem, ninguém me acusaria de me deitar com ninguém para promover-me. Se fosse um homem, ninguém pensaria que tenho que me deitar com meus entrevistados para obter informação. Limitariam-se a me dar um tapinha nas costas, a me estreitar a mão e a dizer... —Fez uma pausa, franziu o cenho e acrescentou—: Um bom artigo de investigação. É todo um homem. Um garanhão. —Passou os dedos pelo cabelo para afasta-los de seu rosto. As mechas caíram para trás deixando à vista as diminutas veias azuis de

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seus pulsos, e em seu pulôver se marcaram seus pequenos seios—. Ninguém te acusa de haver deitado com Virgil para conseguir seu trabalho. Luc a olhou nos olhos. —Isso se deve porque sou um garanhão. Todos tinham uma cruz com a que conduzir, e desde o dia em que a penduraram, Luc não tinha tido a energia suficiente para fazer-se de simpático e compreensivo. Não dispunha de tempo nem energia para preocupar-se com jornalistas arrogantes. Tinha seus próprios problemas, e um deles era a mulher que nesse momento estava à frente dele. Jane o olhou por sua vez e cruzou de braços. A luz fazia brilhar seu curto cabelo loiro. O azul de sua camisa ressaltava o de seus olhos. Depois dos dois martinis que tomou durante o jantar, tudo a seu redor parecia deslumbrante. Ou, com um mínimo, assim tinha sido até que Luc insinuou que ela e Darby se deitavam juntos. —Se tivesse pênis —disse—, ninguém pensaria que fui pra cama com Darby. —Eu não o deixaria tão claro. Não estamos de todo seguros a respeito da orientação sexual desse rato. —Luc se inclinou para agarrar sua cerveja e Jane sentiu que lhe dava um salto o coração quando a camisa dele abriu lhe permitindo entrever a clavícula, a parte superior do ombro e o musculoso pescoço. Jane poderia haver esclarecido a Luc suas dúvidas sobre esse tema, mas não estava disposta a lhe dizer que durante o jantar Darby tinha pedido que lhe aconselhasse sobre garotas. —Como estão seus joelhos? —perguntou ao tempo que apoiava os antebraços sobre a mesa. —Perfeitamente —respondeu ele, levando a garrafa à boca. —Não lhe doem nada? Luc baixou a garrafa e limpou com a língua uma gota que tinha ficado em seu lábio superior. —O que acontece? Não está a par de tudo? Pensei que tinha estado mexendo em meu passado. Sua presunção era desmesurada; entretanto, por alguma razão que não podia explicar, Jane achava Luc mais interessante que qualquer outro jogador dos Chinooks. —Realmente crê que não tenho nada melhor que fazer que esbanjar meu tempo pensando em você? —inquiriu Jane—. Escavando na pequena história de Luc Martineau?

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—Meu bem, não há nada pequeno na história de Luc —disse ele, sorrindo. A Jane que escrevia a coluna «Solteira na cidade» teria esgrimido uma engenhosa réplica. Bombonzinho de Mel o teria pego pela mão e o teria levado até o seu quarto. Teria-lhe desabotoado a camisa e teria posado a boca sobre seu peito quente. Teria respirado com força sobre sua pele, percebendo o aroma de seu quente e forte corpo. Teria comprovado pessoalmente quanto do que se dizia dele era verdade. Mas Jane não era nenhuma dessas mulheres. A Jane autêntica era muito inibida e consciente de si mesma, e odiava que o homem capaz de deixá-la sem fôlego fosse o mesmo que podia ver em seu interior e a encontrava tão deficiente. —Jane? Ela piscou. ---O que? Ele passou a mão por cima da mesa e roçou as pontas de seus dedos. —Encontra-te bem? —Sim. Luc apenas a tinha roçado, mas Jane sentiu que uma espécie de corrente elétrica percorria a palma de sua mão e lhe chegava ao pulso. —Não. Vou para meu quarto. O álcool, a presença de Luc e o esgotamento dos últimos cinco dias formaram uma mescla que estalou em seu cérebro enquanto procurava com o olhar os elevadores. Por uns segundos se sentiu desorientada. Nos últimos cinco dias se alojaram em três hotéis diferentes, e de repente não conseguia recordar onde estavam os elevadores. Olhou para o mostrador da recepção e os localizou à direita. Sem pronunciar uma palavra, saiu do bar. Aquele encontro não tinha sido nada bom, disse-se enquanto percorria o vestíbulo. Luc era tão corpulento e abertamente masculino que a tinha alterado por completo. Deteve-se em frente às portas dos elevadores; sentia que as bochechas lhe ardiam. Por que ele? Não gostava. Sim, achava-o interessante, mas isso não significava que gostasse. Luc se aproximou dela pelas costas e apertou o botão do elevador. —Vai subir? —sussurrou-lhe ao ouvido. —Sim. —Jane se perguntou quanto tempo devia ter permanecido ali como uma parva antes de ter se dado conta de que não tinha apertado o botão. —Bebeu? —quis saber ele. —Por quê? —Cheira a vodca. —Tomei dois martinis enquanto jantava.

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—Ah —disse Luc ao tempo que se abriam as portas e entravam no elevador—. A que andar vai? —Terceiro. Jane olhou as botas, depois deslocou o olhar para os sapatos esportivos, azuis e cinzas, de Luc. Enquanto as comporta se fechavam, ele se apoiou contra a parede do fundo e cruzou uma perna sobre a outra. A prega de seus Levi's roçou os laços dos cordões. Elevou a vista e percorreu suas longas pernas e suas coxas, o vulto do ventre e os botões de sua camisa até chegar o rosto. Dos limites do elevador, seus olhos azuis a olhavam fixamente. —Eu gosto com o cabelo solto. Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. —Eu não gosto de meu cabelo. Não posso dominá-lo, sempre cai sobre meu rosto. —Isso não tem nada de mau. De modo que não? Como pensava, soava como se lhe houvesse dito «seu traseiro não é tão grande». Então, por que o comichão que tinha sentido no pulso tinha chegado até seu estômago? As portas se abriram, lhe evitando o mau gole de encontrar uma resposta. Ela saiu primeiro e ele a seguiu. —Qual é seu quarto? —O trezentos e vinte e cinco. E a seu? —Eu estou no quinto andar. Ela se deteve. —Então errou de andar. —Não, não errei. —Luc a agarrou pelo cotovelo com sua mão e percorreu com ela o corredor. Através do tecido do pulôver, ela sentiu o calor de sua palma e seus dedos—. No vestíbulo dava a impressão de que estava a ponto de cair no chão. —Não bebi tanto. —Jane se teria detido outra vez se ele não tivesse continuado arrastando-a pelo corredor—. Está me escoltando até meu quarto? —Sim. Ela recordou a primeira manhã, quando lhe levou a maleta e lhe disse que não estava tentando ser amável. —Está tentando ser amável nesta ocasião? —Não. Estarei com os meninos dentro de um instante e não quero ficar me perguntando a todo o momento se haveria chegado ou não ao seu quarto. —Isso te chatearia a diversão, não é assim? —Não, mas durante um momento não me permitiria me concentrar em Candy Peaks e seus movimentos de animadora divertida. Candy toma muito a

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sério, e seria uma descortesia por minha parte se eu não lhe prestasse toda minha atenção. —Está falando de uma dessas garotas que fazem strip-tease? —Elas preferem que as chamem bailarinas. —Vá. Luc lhe sacudiu o braço. —Vai escrever sobre isso? —perguntou. —Não, não me importa sua vida privada. —Jane tirou do bolso sua chave magnética. Luc a tirou da mão e abriu a porta antes que ela pudesse queixar-se. —Bem. Na realidade vou encontrar-me com os meninos em um bar que não fica muito longe daqui. Ela elevou a vista até as sombras que se formavam no rosto do Luc devido à escuridão do quarto. Não sabia qual das duas histórias acreditar. —Por que me conta isso? —Para ver a ruga que se forma em sua frente quando franze o cenho. Jane sacudiu a cabeça quando lhe devolveu a chave. —Veremo-nos, campeã —disse ele girando sobre seus calçados. Jane observou sua nuca e seus amplos ombros enquanto partia. —Até manhã de noite, Martineau. Ele se deteve e a olhou por cima do ombro. —Tem pensado em entrar no vestiário? —É obvio. Sou cronista esportiva e isso faz parte de meu trabalho. Como se fosse um homem. —Mas não o é. —Pois espero que me tratem como se fosse. —Então aceita um conselho: não baixe a vista —disse ele, voltando-se de novo e pondo-se a andar—. Desse modo não ruborizará como se fosse uma mulher. Na noite seguinte, Jane se sentou nas cabines para a imprensa e presenciou a batalha dos Chinooks contra os Kings de Los Angeles. Os Chinooks saíram forte e colocaram três gols nos dois primeiros tempos. Dava a impressão de que Luc manteria a portaria a zero pela sexta vez na temporada, até que um estranho disparo se chocou contra a luva do defesa Jack Lynch e passou entre as pernas do Luc até alojar-se na rede. Ao final do terceiro tempo, o resultado era de três a um, e Jane deixou escapar um suspiro de alívio. Os Chinooks tinham ganhado. Ela não era azarada. Ao menos, não foi essa noite. Continuaria conservando o trabalho quando se levantasse pela manhã.

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Recordou com todo detalhe a primeira vez que entrou no vestiário dos Chinooks, e sentiu um nó no estômago ao abrir a porta. Os outros jornalistas já estavam entrevistando o capitão da equipe, Mark Bressler. —Ao final jogamos bem —disse enquanto tirava a camiseta—. Tiramos vantagem das superioridades numéricas e aproveitamos nossas ocasiões. O gelo estava brando esta noite, mas não afetou nosso jogo. Viemos aqui sabendo o que tínhamos que fazer e o temos feito. Sem afastar o olhar do rosto do Mark, Jane se aproximou com o gravadora Tirou as notas que tinha tomado durante a partida e lhes deu uma olhada. —Sua defesa lhes permitiu disparar trinta e duas vezes ao gol —disse, levantando a voz para fazer-se escutar—. Estão tentando os Chinooks fazerem com os serviços de um defesa com experiência antes de que se encerre mercado de passes em 19 de março? Pensou que a pergunta mostrava que estava informada e conhecia o tema. —Essa é uma pergunta que só pode responder o treinador Nystrom — respondeu Mark. Tinha sido muito otimista. —Marcou seu gol trezentos e noventa e oito esta noite, como se faz sentir isso? —perguntou. Conhecia aquele detalhe porque tinha ouvido falar disso os repórteres de televisão nas cabines de imprensa. Supôs que o capitão faria algum comentário ante aquele animador aviso. —Bem —se limitou a responder. De novo tinha pecado de otimista. Voltou-se e se dirigiu para Nick Grizzell, o escolta que tinha marcado o primeiro gol. As cuecas dos jogadores foram baixando uma após outra, mostrando seus atributos, à medida que avançava, como se tivessem sincronizado. Manteve o olhar alto e à frente ao tempo que punha em marcha o gravador e registrava as perguntas de outros jornalistas. Seu editor do Times ignoraria se aquelas perguntas as tinha sido formulado por ela. Mas ela sabia, e os jogadores também. Grizzell acabava de recuperar-se de uma lesão, e lhe perguntou: —Como se sentiu ao voltar para equipe e marcar o primeiro gol? —Bem —respondeu ele, olhando-a por cima do ombro e tirando o calção. Jane já tinha suficiente dessa merda. —Estupendo —disse—. Citarei sua declaração.

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Olhou para a bilheteria que havia a uns metros de distância e viu Luc Martineau rindo dela. Não havia nenhuma possibilidade de aproximar-se dele e lhe perguntar o que lhe causava tanta graça. Além disso, não tinha a menor intenção de sabê-lo.

5 Faz soar Jane se ajeitou em seu assento, colocou os óculos e estudou a tela do computador portátil. Leu o que tinha escrito até esse momento: Seattle põe em xeque os Kings

Os Seattle Chinooks se impuseram nas seis ocasiões em que os jogadores de Los Angeles contaram com superioridade numérica e seu goleiro, Luc Martineau, deteve 23 disparos ao gol. Os Chinooks terminaram impondo-se por três a um. Os Kings conseguiram colocar um gol em seu marcador nos últimos segundos da partida, quando um mau disparo ricocheteou na luva do jogador de Seattle, Jack Lynch e acabou agasalhado na rede dos Chinooks. Os Chinooks jogaram com rapidez, sem medo, impondo-se a seus oponentes à força de habilidade e coragem. No vestiário, o que gostam é intimidar as jornalistas baixando as calças. Sei de uma dessas jornalistas que gostaria de lhes dar uma boa patada onde mais dói. Retrocedeu com o cursor e apagou o último parágrafo. Só seriam seis dias, disse-se. Os jogadores eram muito supersticiosos e receosos. Sentiam que lhes tinham imposto sua presença, e em realidade estavam certo. Mas era o momento de estacionar essas questões e fazer seu trabalho. Deu uma olhada aos jogadores, a maioria dos quais roncavam esgotados no avião. Como ia ganhar sua confiança ou seu respeito se não falavam com ela? Como resolver aquela ofensa e fazer que sua vida e seu trabalho fossem mais singelos?

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A resposta obteve de Darby Hogue.Na noite que chegaram a San José telefonou para seu quarto para lhe dizer que alguns dos jogadores iriam a um bar do centro da cidade. —Por que não vem? —propôs. — Com você? —disse ela. —Sim. Poderia pôr algo mais sexy, desse modo os jogadores talvez esqueçam que é jornalista. Jane não levava nada sexy na mala, e embora assim fosse, não queria que os jogadores a vissem como essa classe de mulher. Precisava lhes fazer saber que deviam respeitá-la como a qualquer outra jornalista profissional. —Me dê quinze minutos e nos encontramos no vestíbulo —disse Jane, imaginando que relacionar-se com os jogadores fora da pista certamente ajudaria. Vestiu uma pantalona e um pulôver de lã e suas botas, tudo isso negro. Era sua cor favorita. Foi ao lavabo e recolheu o cabelo na nuca. Não gostava que lhe tampasse o rosto, e não queria que Luc pensasse que lhe importava sua opinião. Olhou-se no espelho e apoiou uma mão no lavabo. O cabelo lhe caiu sobre os ombros formando escuras e brilhantes ondas e cachos. Tinha-a levado a seu quarto. Convencido de que se encontrava mal ou estava bêbada, tinha-a acompanhado para assegurar-se de que chegasse sã e salva. Aquele ato de inesperada amabilidade afetou Jane mais do que caberia esperar, sobre tudo porque o tinha feito, na verdade, para desfrutar de sua velada no local de strip-tease. Aquele singelo gesto a tinha impressionado, sem importar se desejava que a impressionassem ou não. Inclusive sendo tão estúpida para cair rendida ante um homem como Luc, com todas as possíveis repercussões emocionais e profissionais que isso traria, ele jamais se sentiria atraído por uma mulher como Jane. E não era porque ela pensasse que não era o suficientemente atrativa ou interessante. Mas era realista. Ken conectava com Barbie. Brad tinha se casado com Jennifer e Mick saía com supermodelos. Assim era a vida. A vida real, e ela nunca tinha sido uma mulher preparada para suportar as dores que ocasiona um coração quebrado. Nunca tinha querido ser uma dessas mulheres às que pode deixar para trás quando acaba a relação. Sempre tinha ido ela primeiro. Doía menos. Talvez Caroline estivesse certa a respeito dela. Pensou em suas palavras e sacudiu a cabeça. Caroline via muita televisão. Agarrou a escova uma vez mais e o penteou para trás. Passo batom de cacau nos lábios, agarrou a bolsa e foi encontrar se com Darby no vestíbulo.

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Assim que o viu, quase pôs-se a correr na direção contrária. Jane sabia que ela não era uma deusa da moda, mas tampouco tentava sê-lo. Darby, por sua parte, não era um deus da moda, mas sim tentava sê-lo. O que acontecia era que os resultados não eram nada afortunados. Aquela tarde usava uma calça de couro negra e uma camisa de seda estampada com chamas e caveiras púrpura. A calça de couro era um grave engano para qualquer homem que não fosse Lenny Kravitz, mas duvidava que nem sequer este se atrevesse a vestir aquela camisa. Ao olhá-lo, Jane compreendeu por que os jogadores dos Chinooks duvidavam sobre a orientação sexual de Darby. Tomaram um táxi do hotel ao local Big Buddy's, um pequeno bar mais à frente do centro da cidade. Anoitecia e o vento arrastava gotas de chuva e um pouco de pó. Ao apear-se, Jane viu a porta de um local e, em cima dela, um pôster que dizia «Temos as melhores costelas». Perguntou-se por que os Chinooks teriam escolhido aquele antro. Dentro do local, havia um televisor virtualmente em cada canto e, depois do balcão, um pôster de néon vermelho e negro do Budweiser. Uma tira de luzes de cores continuava pendurada no espelho desde o Natal. Cheirava a tabaco, álcool rançoso, a molho e a carne assada. Jane sentiu asco. Sabia que se a viam com Darby corria o risco de acrescentar lenha ao fogo do rumor segundo o qual eram amantes, mas também supunha que não havia nada que pudesse fazer a respeito para evitá-lo. Perguntou-se o que era pior, que a considerassem a amante de um tipo que vestia como um palhaço ou amante de Virgil Duffy, um homem o bastante velho para ser seu avô. Ouviu o tilintar das máquinas de milhão e viu vários integrantes dos Chinooks jogando hóquei de mesa em um canto. Outros cinco estavam sentados ao balcão, olhando a partida dos Rangers e dos Devils. Outra meia dúzia rodeava uma mesa ante as jarras de cerveja, terrinas vazias de salada e pilhas de costelas roídas. —Olá, meninos! —gritou Darby. Ao ouvir sua voz todos se voltaram para Darby e Jane. Os Chinooks pareciam cavernícolas depois de dar uma festa com um lanzudo mamute, pois davam a impressão de estar cheios, contentes e relaxados. Mas não pareceu lhes causar muita alegria ver Darby, e menos a ela. —Jane e eu viemos a tomar umas cervejas —prosseguiu ao tempo que afastava uma cadeira para Jane, que se sentou junto a Bruce Fish e em frente ao novato da loira crista de moicano. Darby se sentou a sua esquerda, na

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cabeceira da mesa. As vermelhas chamas e as caveiras cor púrpura de sua camisa brilharam sob a tênue iluminação. Uma garçonete que usava uma justa camiseta com o nome do local, Big Buddy, deixou dois guardanapos sobre a mesa e tomou nota do pedido de Darby. Assim que este pronunciou a palavra «Margarita», perguntou-lhe se era maior de idade. Darby mostrou a contra gosto sua carteira de conduzir. —É falso —disse um dos Chinooks—. Só tem doze anos. —Sou maior que você, Peludo —replicou Darby, guardando o documentou na carteira. A garçonete se voltou para Jane. —Aposto que pede um margarita —cochichou Fishy. —Ou uma taça de vinho —apontou alguém. —Um suco de frutas —aventurou outro. Jane elevou a vista para o rosto da garçonete. —Têm gim Bombay Shapphire? —perguntou. —Claro. —Estupendo. Pois tomarei um dry Martini, e com três azeitonas, por favor. —Observou os rostos voltados voltas para ela—. Eu adoro as azeitonas —acrescentou com um sorriso. Bruce Fish soltou uma gargalhada. —Não prefere um Bloody Mary? Digo-o pelo aipo. Jane fez uma careta e negou com a cabeça. —Eu não gosto de suco de tomate. Olhou em direção a Daniel Holstrom. As luzes do balcão lhe davam um tom rosado a sua crista loira de moicano. Perguntou-se se aquele jovem novato teria alcançado a maior idade. Tinha suas dúvidas. Apresentaram-se duas garçonetes mais, embainhadas em suas correspondentes camisetas apertadas, para limpar a mesa. Jane esperava algum outro galanteio subido de tom, pois os jogadores de hóquei eram conhecidos por seu rude comportamento com as mulheres, mas não disseram nada além de alguns agradecimentos. A conversar e desenvolveu ao redor de Jane, e não falaram nada mais significativo nem mais impressionante que o tempo ou o último filme que tinham visto. Perguntou-se se teriam proposto aborrecê-la. Suspeitava que possivelmente se tratasse disso, e podia dizer que o mais interessante até o momento tinha sido o reflexo de luz no cabelo do Daniel. Bruce, que captou o interesse do Jane pela crista do jogador sueco, perguntou-lhe:

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—O que te parece o penteado que usa Jane acreditou perceber que Daniel se ruborizava levemente. —Eu gosto dos homens o bastante seguros de sua própria masculinidade para não lhes importar ser diferentes. —Não teve outra alternativa —explicou Darby ao tempo que chegavam sua cerveja e o Martini de Jane—. É novo na equipe, e todos as recém chegados têm que acontecer uma cerimônia de iniciação. O jovem assentiu como se tratasse de algo completamente lógico. —Em meu primeiro ano —prosseguiu Darby—, encheram meu carro com sua roupa suja. Todos em volta da mesa puseram-se a rir. —Minha primeira temporada foi com os Rangers. Rasparam-me a cabeça e colocaram meus suspensórios na máquina de gelo —confessou Peter Peluso. Bruce tomou fôlego, e Jane supôs que poderia ter posto uma protetora mão sobre seu ventre se não tivesse estado sentado a seu lado. —Isso sim que é duro —disse—. Meu ano de novato, o passei em Toronto, e me atiraram a rua em roupa de baixo um montão de vezes. Asseguro-lhes que sei o que é passar frio. —Tiritou para enfatizar sua afirmação. —Vá —disse Jane bebendo um gole de sua bebida—. Me sinto afortunada de que só me deixaram um camundongo morto diante da porta e me ligaram durante toda a noite. Algumas olhadas culpadas posaram nela por um instante. —Como está Taylor Lee? —perguntou a Fishy, decidida a tirar ferro do assunto... no momento. Tal como imaginou, ele se lançou a relatar os mais recentes lucros de sua filha de dois anos, que incluíam aprender ir ao lavabo e a repetir a conversação telefônica que tinha mantido com a pequena essa mesma tarde. Jane tinha lido um pouco sobre Bruce. Sabia que tinha passado por um desagradável divórcio, o qual não lhe surpreendeu. Uma vez que conhecia um retalho de suas vidas, supunha que devia ser difícil manter uma família unida passando tanto tempo de viagem, sobre tudo se levasse em conta às prostitutas que freqüentavam os bares dos hotéis. Ao princípio Jane não se precaveu de sua presença, mas não lhe levou muito tempo as identificar. Estavam acostumadas a ter vestidos rodeados, curtos e decotados, e todas tinham esse olhar típico de come homens. —Alguém quer jogar dardos? —perguntou Rob Sutter aproximando-se da mesa. Antes que alguém respondesse, Jane já se pôs em pé.

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—Eu —respondeu, e pelo gesto que se desenhou na cara de Martelo ficou claro que não tinha contado com ela. —Não espere que te deixe ganhar —disse ele. Jogar dardos lhe tinha permitido Jane acabar a universidade. Não esperava que ninguém a deixasse ganhar. —Não vai facilitar pra uma garota? —disse ao tempo que agarrava a taça. —Eu não dou vantagens a nenhuma mulher. Ela agarrou os três dardos com a mão livre e cruzou o bar. Martelo não sabia, mas ia sofrer um grande abalo. —Ao menos me explicará as regras, não? Explicou-lhe como jogar 501. Ela, por desconto, já sabia, mas perguntou como se não tivesse nem idéia, e ele foi o bastante magnânimo para deixá-la começar. —Obrigado —disse Jane ao tempo que deixava o Martini em uma mesa próxima e se aproximava da linha. O alvo pendurava da parede a uns dois metros de distância. Fez rodar o dardo entre os dedos agarrando-o pelo cano, comprovando seu peso. Era de uma marca barata. Ela preferia os que eram fabricados com noventa e oito por cento de tungstênio, com haste de alumínio e voadores Ribtex. A diferença entre os dardos de baixa qualidade como o que tinha entre as mãos e os que ela possuía era a que pode haver entre um Ford Taurus e um Ferrari. Colocou-se na linha, agarrou mal o dardo de propósito e se dispôs a atirar. No último segundo se deteve. —Não estão acostumados a apostar com estas coisas? —Sim, mas não quero te tirar o dinheiro. —Rob a olhou e sorriu como se houvesse dito algo muito divertido—. Mas podemos apostar as bebidas. Quem perca tem que pagar as cervejas de todos. Ela esboçou uma careta de preocupação. —OH. Vá. Bem, só tenho cinqüenta dólares. Acha que dá? —Deveria ser suficiente —respondeu ele com a arrogância própria de um homem seguro de seu êxito. Durante a seguinte meia hora, Jane deixou que acreditasse que a vitória era dele. Uns quantos jogadores os rodearam olhando e incomodando, mas quando Rob lhe levava duzentos pontos de vantagem e começava a sentir compaixão por ela, Jane decidiu que já estava bem e ganhou quatro turnos seguidos. Os dardos eram uma coisa séria, e ela soube desfrutar seriamente dando uma surra a Martelo. —Onde aprendeu a jogar assim? —perguntou-lhe ele.

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—A sorte dos principiantes —respondeu ela, esvaziando sua taça de um gole—. Quem é o seguinte? —Eu jogarei. —Luc deu um passo à frente e agarrou os jogo de dados de Rob. A luz do balcão projetava sombras sobre seus largos ombros e um lado de seu rosto. Seu cabelo úmido brilhava. —Ouça Luc, ela é uma profissional —lhe advertiu Rob. —De verdade? —Luc esboçou um meio sorriso—. É uma profissional, campeã? —O fato de que tenha ganho Martelo, converte-me automaticamente em uma profissional? —Não. Deixaste Rob acreditar que ia ganhar e depois o esmagaste. Isso sim te converte em uma profissional. Jane tentou não sorrir, mas não pôde evitá-lo. —Tem medo? —perguntou. —Não muito. —Luc meneou a cabeça e um par de mechas loiras caiu sobre sua frente—. Preparada? —Não sei —respondeu Jane—. Não tem muito espírito esportivo. —Eu? —Luc levou uma mão ao peito. —Vi você golpear os postes quando lhe marcam um gol. —Só sou competitivo. —Deixou cair a mão de um lado. —Claro. —Jane inclinou a cabeça e o olhou fixamente nos olhos, cujo azul logo era perceptível na semipenumbra do bar—. Acha que poderia suportar perder? —Não tenho a intenção de perder. —Luc se dirigiu para a linha—. Primeiro as damas. Quando de dardos se tratava, Jane não tinha compaixão, e não só era competitiva, mas também carecia por completo de espírito esportivo. Se queria que ela atirasse primeiro, não pensava em negar. —Quanto dinheiro quer apostar? —Ponho meus cinqüenta contra seus cinqüenta. —Muito bem. —Jane conseguiu um dobro com seu primeiro tiro e anotou sessenta pontos em seu primeiro turno. Luc, cujo primeiro dardo ricocheteou contra o alvo, não obteve um dobro até o terceiro tiro. —Vá a merda —resmungou. Com o cenho franzido, caminhou até o alvo e tirou os dardos. Sob o foco de luz, estudou os voadores e as pontas.

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—Estão frouxos —disse. Olhou Jane por cima do ombro e acrescentou—: me Deixe ver os teus. Ela duvidava que seus dardos estivessem melhores, e caminhou até ele. -—As tuas não estão tão ruins como os meus —disse Luc enquanto comprovava as pontas com o polegar. Estava tão perto, que se Jane se inclinasse um pouco se haveriam de se tocar com a frente. —Bem —disse ela, tentando que sua voz soasse mais ou menos normal, como se o perfume do Luc não a aturdisse—. Fica com os três que queira, e eu ficarei com os outros. —Não. Usaremos os mesmos dardos. —Olhou-a fixamente—. Desse modo, quando eu ganhar não poderá chorar. Ela cravou seus olhos nele; sua proximidade fazia que o coração pulsasse com força. —Não fui eu a que tem feito ricochetear um dardo contra o alvo no primeiro tiro e depois culpei ao estado das pontas. Enquanto o coração lhe pulsava desbocado, ele parecia totalmente frio. Jane deu um passo para trás e pôs um pouco de distancia entre o Luc e sua estúpida reação. —E bem, pensa passar a noite toda falando, Martineau ---acrescentou—, ou me vais permitir que te chute o traseiro? -—Os dos dardos te fazer sentir importante, não é? —disse ele, lhe entregando os dardos que considerava em melhor estado—. Acredito que tem um desses complexos típicos das garotas baixinhas —adicionou, e foi unir se a um grupo de companheiros que estavam sentados em uma mesa um tanto afastada. Jane encolheu de ombros como se dissesse: «Sim, e o que?», e caminhou até a linha. Com os pés perfeitamente afirmados no chão e o pulso solto e relaxado, lançou e obteve um dobro, um triplo e um simples. Luc caminhou até a linha ao tempo que ela retirava os dardos do alvo. —Tem razão —disse Jane dirigindo-se para ele—, estes são muito melhores. —Os entregou—. Obrigado. Luc fechou sua mão sobre a dela, pressionando os dardos contra sua palma. —Onde aprendeu a atirar assim? —Em um pequeno bar perto da universidade de Washington. —Jane sentia o calor da mão de Luc—. Ia lá pelas noites para pagar os estudos. —

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Tentou soltar-se, mas ele apertou com mais força e as pontas dos dardos se cravaram em sua pele. —Não havia por ali bares de strip-tease? Luc finalmente a soltou e ela deu um passo atrás. —Não, isso ficava do outro lado do lago da universidade —respondeu Jane, embora imaginasse que ele sabia exatamente onde havia bares como esses. Luc estava tentando deixa-la nervosa, e não o tinha conseguido até que se aproximou dela e lhe disse ao ouvido: —Trabalhava em um desses bares? A pesar do calor que sentiu na nuca, se aprumou para responder, se não como Bombonzinho de Mel, sim com a suficiente frieza. —Acredito que é mais correto dizer que meu tipo não era o adequado para trabalhar em um desses locais. Ele baixou a voz, lhe acariciando a bochecha com seu quente fôlego ao lhe perguntar: —E isso por que? —Os dois sabemos o porquê. Ele deu um passo atrás e lhe olhou a boca antes de ascender lentamente até os olhos. —Não vestia da cor adequada? —Não. —Você não gosta das minissaias? —Não era o tipo de garota que procuram para isso. —Não acredito. Sei por experiência que também procuram garotas miúdas. Eu as vi. —Fez uma pausa e acrescentou—: Embora, é obvio, isso foi em Singapura. —Está tentando me deixar nervosa para ganhar a partida? Luc entreabriu os olhos. —Estou conseguindo-o? —Não —mentiu ela e caminhou até o lugar onde estavam os jogadores—. Vão acabar com as cervejas ou não? Rob lhe deu um tapinha na cabeça. —É obvio, piralha. Piralha? Bom, ganhou um apelido, e devia ser melhor do que sem dúvida utilizavam quando ela não estava diante. E lhe tinha dado um tapinha na cabeça como se de um cão se tratasse. «Vou progredindo», pensou enquanto olhava Luc levantar a mão, lançar o dardo e cravá-lo no centro do alvo.

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—A Luc incomoda mais perder que a qualquer outra pessoa que conheça —lhe disse Bruce. —Talvez não ganhe —advertiu Peter—. Talvez lhe dê a volta no marcador. —Esqueçam, meninos. —Jane meneou a cabeça enquanto Luc cravava o segundo dardo fora da área de pontuação e amaldiçoava como todo jogador de hóquei. —Não vou deixar ganhar nada. —Perder talvez lhe faça jogar como um cão raivoso manhã de noite no Compac Center. —Sim, lembrem de quando perdeu por um mínima no boliche e na noite seguinte se levou por diante ao Roy —recordou Darby. —Isso devia estar mais relacionado com os insultos que trocaram do que tivesse perdido nos boliches. -—Esse goleiro é muito rancoroso. —Essa noite jogaram no estilo antigo. —Fosse qual fosse a razão, encetaram-se em meio da pista e, colega, foi bonito de ver. —Quanto foi isso? —quis saber Jane. —No mês passado. No mês passado, e ainda restava mais de meia temporada pela frente. Luc seguia ante a linha de lançamento, olhando o alvo como se tratasse da meta de todos seus desejos. Um retalho de luz cruzou o barato carpete de cor vermelha e iluminou seus sapatos de pele e suas calças negras. Então, como se dispusesse a lançar um míssil, cravou o dardo no dobro vinte conseguindo um total de sessenta e cinco pontos. Com a cara de poucos amigos entregou os dardos e Jane compreendeu que não estava satisfeito com a diferença de setenta e cinco pontos. —Se obtiver dez pontos adicionais pelo mais profundamente que crava os dardos, ainda teria possibilidades de ganhar —disse ela—. Na próxima vez, ponha algo mais de suavidade e algo menos de músculo. —A suavidade não vai comigo. Como se ela não se desse conta! Colocou-se em posição, e justo quando estava a ponto de lançar o dardo, Luc disse a suas costas: —Como pode recolher o cabelo tão forte? Outros jogadores riram como se Luc fosse um tipo realmente divertido. Jane baixou o braço e o olhou.

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—Isto não é hóquei —disse—. Não se insulta o oponente no jogo de dardos. —Até agora —replicou ele com um sorriso. Jane decidiu que lhe daria uma surra. Enquanto Luc continuava burlandose dela, seus três tiros somaram cinqüenta pontos. De longe a sua pontuação mais baixa. —Está a cento e dezesseis pontos atrás de mim. —Não por muito tempo —grunhiu ele. Aproximou-se da linha e conseguiu um dobro e um simples de vinte. Tinha chegado o momento de que lhe aporrinhasse um pouco. —Ouça, Martineau. O que tem em cima dos ombros é uma cabeça ou só um vácuo? Ele a olhou. —Não te ocorre nada melhor que dizer? Os outros Chinooks pareciam muito impressionados. Darby se aproximou dela e lhe sussurrou ao ouvido: —Não conseguiu impressioná-lo. —Que demônios significa «vácuo»? —perguntou Rob. Darby respondeu por ela. —Significa vazia ou oca. —Por que não diz simplesmente isso, Piralha? —Sim. Não pode chatear ninguém usando palavras como essa. Jane franziu o cenho e cruzou de braços. —A vocês qualquer frase que não comece com “Puta que pariu” fica incompreensível. Luc lançou seu terceiro dardo e anotou um total de oitenta pontos. Era o momento de deixar de se fazer de tonta e jogar a sério. Jane caminhou até a linha, elevou o braço e esperou que começassem os comentários. Mas Luc permaneceu em silêncio, sem tentar pô-la nervosa. Conseguiu fazer um triplo vinte, mas quando se dispunha a concentrar-se outra vez, Luc disse: —Alguma vez usa roupa que não seja cinza ou negra? —É obvio —respondeu ela sem olhá-lo. —Tem razão. —Então, justo quando ia lançar, acrescentou—: Seu pijama de vaquinhas é azul. —Como sabe que tem um pijama de vaquinha? —perguntou um dos meninos. Luc não respondeu e ela o olhou. Ali estava, rodeado por seus companheiros, com as mãos em jarras e um sorriso em seus lábios.

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—A outra noite saí de meu quarto habitação para comprar um pacote de M&M's —explicou—. Pensei que já estariam todos na cama, assim saí em pijama. Luc me espiou. —Eu não estive espiando ninguém. —Pois sim que o fez. —Jane lançou o dardo e conseguiu um dobro de dez. Luc esperou até o preciso momento em que ela se dispunha a lançar o terceiro dardo, para dizer: —E usa óculos de lésbica. Jane nem sequer deu no alvo. Fazia anos que não lhe ocorria algo assim. —Não é verdade! —exclamou, e imediatamente se deu conta de que possivelmente se mostrou muito veemente. Luc pôs-se a rir. —São uns óculos horríveis, com pequenas e quadradas armações de cor negra, como as que usam as garotas de hoje em dia. Os Chinooks riam a gargalhadas. —Óculos de lésbica... —repetiu Darby, partindo o peito de risada, Jane desencravou os dardos do alvo. —Não o são. São perfeitamente heterossexuais. Deus do céu, o que acabava de dizer? Óculos heterossexuais? Aqueles tipos acabariam deixando-a louca. Respirou fundo para acalmar-se e passou os dardos a Luc. Não permitiria que aquela turma de descerebrados a desconcentrasse. —Não sou lésbica —acrescentou—. Embora não há nada mau em sê-lo. Se fosse, levaria-o com orgulho. —Isso explicaria os sapatos —interveio Rob. Jane olhou os pés. —O que têm de mau meu Doutor Martens? Pela primeira vez na noite, Stromster se decidiu a falar: —São sapatos de homem —disse. -—Sapatos de homem? —Jane o olhou—. Antes te defendi quando falaram de sua crista de moicano. Esperava algo mais de você, Daniel. Baixou o olhar e pareceu repentinamente interessado por algo que havia do outro lado do local. Luc arrojou os dardos e anotou oitenta e oito pontos. Quando Jane se dispôs a lançar, todos os Chinooks começaram a burlar-se dela. A coisa se fez politicamente incorreta quando decidiram que se ela vestia com cores escuras era porque estava deprimida por ser lésbica.

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—Não sou lésbica —insistiu. Era filha única e tinha crescido sem meninos ao redor, à exceção de seu pai, é obvio, mas ele não contava. Seu pai era um homem sério que nunca brincava sobre nada. Ela não tinha experiência confrontando as brincadeiras a que estava sendo submetida. —Tranqüila, meu bem —interveio Luc—. Se eu fosse garota, também seria lésbica. Jane se disse que tinha duas opções. Zangar-se ou relaxar-se. Era jornalista, uma profissional. Não estava viajando com a equipe para fazer amigos e, certamente, não estava ali para que se burlassem dela como se tivesse voltado para os tempos do colégio. Mas a aproximação profissional não tinha dado resultado, e tinha que admitir que preferia ser objeto de brincadeiras a que fizessem caso omisso dela. Por outra parte, esses tipos também se metiam com os jornalistas homens. —Luc, realmente te converteu em uma prima Donna—disse. Luc riu entre dentes e seus companheiros o imitaram. Durante o resto da partida, Jane tentou tomar a dianteira, mas eram muito bons e levavam muitos anos de vantagem. Ao final, ganhou Luc por uma diferença de quase duzentos pontos, mas perdeu a batalha dialética. De algum modo, graças a ter suportado aquelas brincadeiras e palavrões, subiu alguns pontos na valorização dos Chinooks. Riram de suas opiniões, de sua maneira de vestir, de seus sapatos e de seu penteado, mas pelo menos não a tinham ignorado. Sem dúvida se tratava de um progresso. Quando finalizasse a partida da noite seguinte, talvez quisessem falar com ela. Não esperava que se convertessem em seus amigos, mas possivelmente não lhe fizessem passar tão maus momentos no vestuário. Possivelmente lhe concedessem alguma entrevista e lhe dessem uma pausa usando cueca quando ela passasse. Do ralo de sua máscara, Luc viu cair o disco. Bressler o tirou de um golpe do círculo central e a batalha entre Seattle e San José começou. Luc se benzeu, mas quando tinham jogado dez minutos do primeiro tempo, a sorte lhe abandonou por completo. O extremo direito dos Sharks, Teemu Selanne, aprontou um tanto. Foi um gol fácil. Luc deveria havê-lo detido. Toda a equipe acusou o golpe. Quando terminou o primeiro tempo, dois jogadores dos Chinooks necessitaram de pontos de sutura, e Luc tinha encaixado quatro gols. Dois minutos depois de ter dado começo o segundo tempo, Grizzell recebeu uma tremendo batida na metade da pista. Caiu ao chão e não se levantou. Tiveram

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que tirá-lo na maca. Ao cabo de dez minutos, Luc não bloqueou bem o disco com sua luva e o quinto gol dos Sharks subiu ao marcador. O treinador Nystrom substituiu Luc pelo segundo goleiro da equipe. O espaço que separa a gol do banco é o caminho mais comprido na vida de um goleiro. Todo goleiro teve alguma vez uma má noite, mas para Luc Martineau era mais que isso. Tinha tido muitas noites más durante a temporada que tinha jogado em Detroit para se se sentir cmo estivesse coma cabeça sobre o machado. Havia-se desconcentrado, sentia que tinha perdido a sincronização. Apesar de ver a jogada antes que tivesse lugar, atuava um segundo depois. O que lhe passava? Era a primeira partida mal de uma rápida descida? Um golpe de má sorte ou uma tendência? O princípio do fim? Uma apreensão e um medo real que jamais se atreveu a admitir ocuparam seu peito e percorreu sua nuca. Sentiu-o ao tempo que se sentava no banco para ver o resto da partida dali. —Todo mundo tem uma noite má —lhe disse o treinador Nystrom no vestiário—. Roy a teve o mês passado. Não se preocupe, Luc. —Nenhum de nós jogou como devia esta noite —lhe disse Sutter. —Deveríamos ter jogado melhor para você —apontou Bressler—. Às vezes esquecemos de lhe proteger. Luc, entretanto, não se livraria de sua frustração com tanta facilidade. Nunca tinha culpado a ninguém, era o responsável único pelo modo como jogava. Quando o avião decolou de São Francisco, sentou-se na cabine às escuras revivendo seu passado, e não precisamente os melhores momentos. A terrível dor nos joelhos, as operações e os meses de reabilitação. Seu vício aos tranqüilizantes e as horrorosas dores corporais e as náuseas que sentiu quando deixou de tomá-los. E, em última instância, sua incapacidade para jogar o que mais queria. O fracasso sussurrou em seu ouvido caminho de casa, lhe dizendo que tinha perdido a sorte. O resplendor da tela do computador portátil de Jane Alcott e o som das teclas lhe asseguraram que todo mundo saberia em breve. Na seção esportiva do periódico poderia ler a crônica de sua desastrosa noite. No aeroporto de Seattle, Luc se dirigiu ao estacionamento para estadias de larga duração e deu uma olhada em Jane, que carregava seus pertences em um Honda Prelude. Olhou-o ao passar, mas nenhum dos dois disse nada. Ela não parecia necessitar que a ajudasse com as malas, e ele não tinha nada o que dizer ao anjo da morte e da escuridão.

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As primeiras gotas de chuva molharam o pára-brisa de seu Land Cruiser enquanto percorria os quarenta e cinco minutos que o separavam do centro de Seattle. Nunca havia voltado tão triste pra casa. A luz da lua atravessava as altas janelas enquanto ele se movia por seu apartamento. Tinha ficado acesa uma luz, que iluminava diretamente um pacote do FedEx que repousava sobre a mesa. Chegou a seu dormitório e acendeu a luz. Deixou a porta entreaberta e deixou sua bolsa no chão junto à cama. Tirouse a jaqueta e a pendurou no armário. Desfaria a mala no dia seguinte. Encontrava-se cansado, aliviado de ter chegado em casa, e não desejava outra coisa que tombar-se na cama. Estava afrouxando o nó da gravata justo quando Marie bateu na porta e a abriu. Usava calças de pijama e uma camiseta da Britney Spears. Parecia que tinha dez anos. —Sabe o que, Luc? —Olá. —Luc olhou seu relógio. Era mais de meia-noite; por que não podia esperar à manhã seguinte? Perguntou-se se Marie teria continuado se ausentando do colégio desde que tinham falado da última vez. Temia inclusive averiguá-lo —. O que acontece? Abriu muito seus olhos azuis e sorriu. —Queria te perguntar sobre o baile —disse ela com um amplo sorriso e os olhos muito abertos. —Que baile? —O baile da escola. Luc se lembrou do sobre do FedEx que estava na cozinha. Encarregaria-se dele ao dia seguinte. —Quando é? —Dentro de umas semanas. Talvez dentro de umas semanas ela já não vivesse ali. Mas não tinha por que sabê-lo naquele instante. —Quem te pediu que vá com ele? Abriu inclusive um pouco mais os olhos e se afastou dele dentro do quarto. —Zack Anderson. Está no último ano. Merda. —Toca em uma banda! —acrescentou Marie—. Usa um aro no lábio e tem piercings no nariz e nas sobrancelhas. Também tem tatuagens

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Merda. Merda. Luc não tinha nada contra as tatuagens, mas os piercings eram algo muito distinto. Deus bendito. —Em que banda toca? —Os Parafusos Lentos. Genial. —Tenho que comprar um vestido. E uns sapatos. —Marie se sentou na borda da cama e juntou as mãos entre os joelhos—. A senhora Jackson disse que me levaria às compras. —Olhou-o com expressão de súplica—. Mas é muito velha. —Eu sou um tio, Marie; não tenho nem idéia de comprar vestidos para bailes de fim de curso. —Mas tem um montão de namoradas. Sabe muito de vestidos bonitos. Para mulheres. Não para meninas. E muito menos para sua irmã, sobre tudo se era para ir a um baile ao que provavelmente não ajudaria. Inclusive em caso de ajudar, não iria com o tal Zack dos Parafusos Frouxos ou como se chamasse. O tipo com o aro no lábio e o piercing no nariz. —Nunca tive um encontro —confessou Marie. Luc deixou cair as mãos aos lados e a olhou atentamente. Observou que suas sobrancelhas pareciam muito espessas e seu cabelo parecia um pouco seco. Saltava à vista que necessitava de uma mãe. Uma mulher que lhe desse uma mão. Não a alguém como ele. —Como gostam os meninos que se vistam as garotas? —perguntou. «O mais curto possível», pensou Luc. —Manga longas. Pensamos que as mangas longas e os pescoços de cisne estão muito bem. E os vestidos longos, para que não possamos nos aproximar muito. Ela se pôs-se a rir. —Fala sério. —Juro por Deus que sim, Marie —disse ele. Tirou a gravata e a deixou na mesinha de noite—. Nós não gostamos que mostrem muita pele. Nós gostamos que vistam como se fossem monges. —Agora sei que está mentindo. Voltou a rir e ele pensou que era vergonhoso que não a conhecesse melhor. Era seu único parente e não sabia nada dela. E cabia a possibilidade de que não chegasse a conhecê-la melhor. Uma parte de si mesmo desejava que as coisas fossem diferentes. Desejava passar mais tempo em casa, e saber o que era que Marie necessitava.

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—Amanhã depois da aula te darei meu cartão de crédito. —Luc se sentou junto a ela e se desatou os sapatos—. Compra o que necessite e eu darei uma olhada quando o trouxer a casa. Marie ficou em pé, encolheu de ombros e fez uma careta com os lábios. —De acordo —disse, e foi para o seu quarto. Merda, ia se zangar outra vez. Mas realmente esperava ela que ele a acompanhasse a comprar um vestido para o baile de fim de curso? Como se fosse sua noiva? Como poderia zangar-se por algo assim? Nem sequer gostava de ir às compras com mulheres de sua mesma idade.

6 Emprestada Quando Jane por fim se obrigou a sair da cama na manhã seguinte, vestiu uma calcinha, um prendedor velho e um moletom e levou a roupa suja à lavanderia. Enquanto esperava a que se fizesse a lavagem, abriu um exemplar da revista People e ficou ali lendo. Não tinha que ir a nenhuma parte esse dia. Não tinha que redigir nenhum artigo com urgência. Não tinha que fazer nada relacionado com seu trabalho até a partida da noite seguinte. Comprou uma Coca-cola na máquina vendedora, sentou-se em uma cadeira de plástico, e desfrutou do mundano prazer de observar como funcionava a secadora. Extraiu a seção imobiliária do periódico local e estudou as casas em venda. Graças aos ganhos suplementares das crônicas de hóquei, tinha calculado que quando chegasse o verão teria economizado o dinheiro suficiente para pagar vinte por cento do preço de uma

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casa, mas quanto mais procurava mais decepcionada se sentia. Com duzentos mil dólares não se podia comprar grande coisa. No caminho pra casa se deteve no supermercado para comprar a comida da semana. Era seu dia livre, mas ao seguinte os Chinooks se enfrentavam com os Chicago Blackhawks no Key Arena. Jogavam em casa as quintas-feiras, sábados, segunda-feira e quarta-feira de noite. Três dias depois dessa ultima partida, voltariam a sair de viagem. De volta ao avião. De volta aos ônibus e a dormir em hotéis. Escrever a crônica da derrota dos Chinooks por seis a quatro contra os Sharks foi uma das coisas mais duras com as que tinha tido que lutar em sua vida. Depois de conversar e jogar aos dardos com os jogadores, sentia-se como uma traidora, mas tinha que cumprir com seu trabalho. E Luc... Vê-lo encaixar seis gols tinha sido tão desagradável como vê-lo sentado no banco. Olhando fixamente para diante, com o rosto inexpressivo... sentiu-se mal por ele. E se sentiu mal porque tinha que ser a que contasse os detalhes do ocorrido; mas, de novo, era seu trabalho, e o fez. Quando chegou a casa, havia uma mensagem do Leonard Callaway na secretária eletrônica lhe pedindo que se encontrassem à manhã seguinte em seu escritório do Times. Jane pensou que aquela mensagem não pressagiava nada bom respeito a seu trabalho como cronista esportiva. E estava certa. Despediu-a. —Decidimos que o mais conveniente é que não siga cobrindo as partidas dos Chinooks. Jeff Noonan o fará em lugar do Chris —disse Leonard. Estavam jogando-a e lhe dando seu posto ao perseguidor andante. —Por que? O que passou? —Será melhor que não entremos nisso. Os Chinooks não tinham jogado as melhores partidas da temporada na última semana, por não falar do espetacular fagote do Luc. —Acreditam que sou azarada, verdade? —Acreditam que é uma possibilidade. Adeus a sua oportunidade de escrever um artigo importante. Adeus vinte por cento de sua nova casa. E tudo porque alguns estúpidos jogadores de hóquei pensavam que lhes dava má sorte. Bom, não podia dizer que não o tivessem advertido ou que não o esperasse, em certa medida. Mesmo assim, ter estado sobre aviso não fazia que ficasse mais fácil assimilá-lo. —Quais são os jogadores que acreditam que lhes dou má sorte? Martineau? —Não entremos nisso —insistiu Leonard, mas não o negou.

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Seu silêncio a feriu mais do que deveria havê-lo feito. Luc não significava nada para ela e, sem dúvida, ela não significava nada para ele. Menos que nada. O sempre se negou a que viajasse com a equipe, em primeiro lugar, e Jane estava segura de que era ele quem estava por trás de sua demissão. Esboçou um sorriso apesar de que o que desejava era gritar ou espernear ou acusar a seu chefe de demissão improcedente ou sexismo Ou... qualquer outra coisa. Talvez inclusive que tivesse caso. Mas «talvez» não constituía uma garantia boa o bastante, e fazia tempo que sabia que não teria que ir queimando pontes. Ainda ficava a coluna «Solteira na cidade» no Times. —Bom, obrigado por me haver dado a oportunidade de escrever crônicas esportivas —disse ao Leonard lhe estreitando a mão—. Viajar com os Chinooks foi uma experiência que jamais esquecerei. Seguiu com o sorriso posto até que saiu do edifício. Estava tão zangada que tinha vontades de pegar a alguém. Alguém com olhos azuis e uma ferradura tatuada justo em cima de suas partes íntimas. Sentia-se traída. Tinha chegado a pensar que estava fazendo progressos, mas os jogadores lhe tinham dado as costas. Possivelmente se não tivesse ganho nos dardos, se não tivesse falado com eles a seu estilo, e se eles não a tivessem apelidado Tiburoncito não se sentiria tão traída. Mas assim era como se sentia. Inclusive se havia sentido mal fazendo seu trabalho, relatando os acontecimentos da última partida. Assim era como a pagavam? Desejava que todos sofressem os efeitos de uma epidemia de pé de atleta. Ao mesmo tempo. Durante os dois dias seguintes, não saiu de seu apartamento. Sentia-se tão deprimida que limpou todos os armários. Enquanto branqueava o lavabo, subiu o volume do televisor e só se sentiu um pouco afetada quando ouviu que os Chinooks tinham perdido com os Blackhawks por quatro a três. A quem culpariam esta vez? Ao terceiro dia, seu aborrecimento não tinha diminuído, e sabia que só existia um modo de livrar-se dele. Tinha que encarar-se com os jogadores se queria recuperar sua dignidade. Sabia que estariam no Key Arena, patinando um pouco antes da partida, assim, sem pensar duas vezes, vestiu uns jeans e um pulôver negro e conduziu até Seattle. Entrou pela sobreloja e seu olhar se dirigiu diretamente para a portaria vazia. Só havia uns poucos jogadores treinando. Com um nó no estômago, Jane desceu as escadas e se encaminhou para o vestiário. —Olá, Fishy —disse quando se cruzou com ele no túnel de vestiários. Estava esquentando a pá de seu stick com um maçarico.

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Ele elevou a vista e apagou o maçarico. —Estão os meninos no vestiário? —perguntou Jane. —A maioria, sim. —Luc está? —Não sei, mas não gosta de falar com ninguém nos dias de partida. Pior para ele. A sola de suas botas chiaram sobre o piso de borracha do corredor e as cabeças se voltaram para ela no momento em que entrou no vestiário. Elevou uma mão. —Deixem as cueca no lugar —disse enquanto se dirigia ao centro daquela habitação cheia de homens semidesnudos—. Só vou ocupar uns minutos de seu tempo, e prefiro que não sincronizem sua baixada de cueca. Olhou-os um por um, jogou os ombros para trás e manteve a cabeça alta. Não viu Luc. O maldito bode talvez tivesse se escondido. —Estou convencida de que já sabem que não vou cobrir mais as partidas dos Chinooks, e eu gostaria que soubessem que jamais esquecerei o tempo que passamos juntos. Viajar com vocês, moços, foi... muito interessante. — aproximou-se do capitão Mark Bressler e lhe deu a mão—. Boa sorte para a partida desta noite, Assassino. Ele a olhou durante uns segundos; parecia como se Jane tivesse deixado um pouco nervoso aquele central de mais de cem quilogramas de peso. —Obrigado —disse ele finalmente correspondendo ao apertão de mãos—. Verá a partida aqui? —Não. Tenho outros planos —respondeu Jane. Voltou-se para olhar o resto de jogadores uma vez mais. —Adeus, boa sorte, e espero que este ano ganhem a liga. Sorriu, deu meia volta e saiu. Tinha-o feito, disse enquanto percorria o corredor. Não a tinham feito ir com o rabo entre as pernas. Tinha-lhes demonstrado que tinha classe e dignidade e que era capaz de ser magnânima. Desejou que todos sentissem remorsos de consciência. Autênticos remorsos de consciência. Observou os ladrilhos de borracha enquanto percorria o túnel de vestiários, mas se deteve um segundo quando se encontrou de frente a um peito de esculturais músculos, uns marcados abdominais e uma ferradura tatuada justo por cima das cueca. Era Luc Martineau. O olhar do Jane subiu pelo peito, a mandíbula e a boca, até alcançar a profunda sensualidade de seu lábio superior, chegando a seu reto nariz e seus formosos olhos azuis, que a olhavam fixamente. —Você! —exclamou ela. Ele arqueou lentamente uma sobrancelha ao tempo que Jane explorava.

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—Você é o culpado —disse Jane—. Sei que foi você. Suponho que não te importava que eu necessitasse do trabalho. Você falha como goleiro e me despedem. —Sentiu que lhe ardiam os olhos e isso a avivou ainda mais— A quem culparam pela última derrota? E se hoje perdem, a quem irão culpar? Você... você... —gaguejou. A parte racional de seu cérebro lhe disse que fechasse a boca, que o deixasse enquanto pudesse. Que seguisse caminhando e deixasse Luc para atrás agora que ainda conservava sua dignidade. O mau era que já tinha ido muito longe para escutar à parte racional de seu cérebro. —Chamou-lhe de pedaço de tolo? —perguntou Caroline essa mesma noite enquanto as duas estavam sentadas no sofá de Jane observando as chamas da chaminé de gás atrás dos falsos troncos—. Por que não te soltou o cabelo e lhe chamou cabeça de chouriço também? Jane grunhiu. Tinham passado umas quantas horas, mas seguia retorcendo-se de vergonha. —Deixa-o já —suplicou subindo os óculos sobre a ponta do nariz—. O único consolo que fica é que nunca mais voltarei a ver Luc Martineau. Mas nem sequer tinha pensado que pudesse esquecer o modo em que ele tinha reagido: uma espécie de sobressalto seguido de risadas. Jane tinha querido morrer nesse mesmo instante, mas não podia lhe culpar por haver rido dela. Provavelmente não lhe tinham chamado pedaço de parvo da escola primária. —Que droga —disse Caroline antes de levar a taça de vinho aos lábios. Tinha recolhido seu brilhante cabelo loiro em um perfeito rabo-de-cavalo e, como sempre, estava preciosa—. Tinha pensado que poderia me apresentar ao Rob Sutter. —Martelo? —Jane meneou a cabeça e bebeu um gole de seu gim-tônica—. Sempre tem o nariz torto e algum olho arroxeado. Caroline sorriu com expressão sonhadora. —Sei —disse. —Está casado e tem uma filha. —Hummm, bom, a algum solteiro, então. —Pensava que saía com alguém. —Assim é, mas não vai funcionar. —Por que? —Não sei —respondeu Caroline com um suspiro, e deixou a taça de vinho sobre a mesinha de café—. Lenny é bonito e rico, mas tão aborrecido.

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O que significava que devia ser bastante normal. Caroline tinha um talento natural para engrandecer qualquer mínimo defeito. —Quer que vejamos a partida? —perguntou Caroline. Jane negou com a cabeça. —Que seja. Tentava-lhe a idéia de passar os canais com o controle remoto e ver como ia o marcador. Mas isso só faria que as coisas piorassem. —Talvez percam os Chinooks. Isso possivelmente te faria sentir melhor. Absolutamente. —Não. —Jane apoiou a cabeça no sofá estofado com motivos florais—. Não quero voltar a ver uma partida de hóquei nunca mais. Mas não era certo. Queria estar nas cabines de imprensa ou ocupando um assento perto da ação. Queria sentir a energia, presenciar uma partida, a luta nas esquinas, ou ao Luc efetuando uma parada perfeita. —Justo quando acreditava que estava fazendo progressos com os meninos da equipe, dão-me uma patada no traseiro. Ganhei Rob e Luc jogando dardos, e mexeram comigo dizendo que usava óculos de lésbica. E essa noite já não me chamaram por telefone. Sei que não fomos amigos, mas pensei que estavam começando a confiar em mim e a me aceitar. —Repensou durante uns segundos e acrescentou—: São uns energúmenos. Caroline deu uma olhada a seu relógio. —Estou aqui um quarto de hora e ainda não me falou do que realmente importa. Jane não teve que lhe perguntar a sua amiga a que se referia. Conhecia muito bem Caroline. —Acreditava que tinha vindo a me apoiar, mas o único que quer é que te conte histórias do vestiário. —Vim para te apoiar... —voltou-se por volta de Jane e estendeu um braço sobre o respaldo do sofá—. Mais tarde. Já não devia aos jogadores nenhuma classe de lealdade, e além tampouco ia escrever um livro sobre eles. —De acordo —disse—, mas não é como achas. Não era em plano um montão de corpos musculosos e eu a única mulher. Bom, era assim, mas tinha que manter o olhar alto, porque cada vez que aparecia um jogador, tirava a cueca. —Tem razão —disse Caroline estirando-se para sua taça de vinho—. Não é como eu tinha imaginado. É melhor.

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—Falar com um homem nu se estiver totalmente vestida é muito mais duro do que pensas. Estão suados e sufocados e não têm vontades de falar. Faz-lhes uma pergunta e eles se limitam a grunhir em resposta. —Soa como se estivesse falando dos últimos três homens com os que estive enquanto fazíamos amor. —Não é tão divertido como fazer o amor, me acredite. —Jane meneou a cabeça—. Alguns simplesmente não me dirigiam a palavra, e isso dificultava em extremo meu trabalho. —Sim, estou ciente dessa parte. —Caroline assentiu com a cabeça—. Mas me diga, qual é o que está melhor? Jane repensou durante uns segundos. —Bom, todos estão muito bem. Têm pernas fortes e torsos poderosos. Mark Bressler provavelmente seja o mais musculoso, mas Luc Martineau tem uma ferradura tatuada no ventre que te dá vontade de se pôr de joelhos e beijá-la para que lhe dê sorte. E seu traseiro..., simplesmente é perfeito. — levou-se o copo frio à frente—. O mau é que é um casulo. —Ou seja, que você gosta. Jane baixou o copo e olhou pra Caroline. Gostava? Gostava de Luc? O tipo que tinha feito que a despedissem? A raiva que sentia por Luc e a dor que lhe provocava superavam a fúria que sentia contra todos os outros jogadores juntos. Quando repensava nisso se dizia que com toda probabilidade não estava sendo racional, pois não o conhecia e ele não conhecia ela. O que se passava é que ela acreditava que tinham ido riscando uma possível amizade e, para falar a verdade, tinha que admitir que também se foi encaprichando ligeiramente dele. Não, «encaprichando» era uma palavra muito forte. «Interessando» descreveria melhor seus sentimentos. —Eu não gosto —disse—, mas tem um desses acentos canadenses que só se detectam em certas palavras. —OH, OH. —O que acontece? Eu disse que não gosto. —Sei o que disse, mas sempre lhe deixaram louca os homens com acento. —Desde quando? —Desde o Balki em Primos lejanos. —A telecomedia? —Sim, você adorava Balki porque tinha acento. Não te importava que fosse um perdedor que vivia com sua prim.

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—Não, eu adorava Bronson Pinchot. Não Balki. —Jane pôs-se a rir—. E esse mesmo ano, você perdia o traseiro pelo Tom Cruise. Quantas vezes vimos Top Gun —Pelo menos vinte. —Caroline bebeu um gole de vinho—. Já naquela época lhe atraíam os perdedores. —Eu o denomino ter expectativas realistas. —É mas bem como te vender à baixa porque padece o típico complexo de abandono. —Está bêbada? . Caroline negou com a cabeça. —Não, li sobre este tema em uma revista enquanto esperava na consulta de meu ginecologista na semana passada. Como sua mãe morreu, tem medo de que todo aquele a quem ame te abandone. —O que demonstra que se escrevem um montão de tolices nas revistas. —E ela deveria sabê-lo—. Faz uma semana me disse que tinha um complexo com o de deixar as relações porque tinha medo de ficar pendurada. Lembra-se. Caroline se encolheu de ombros. —Obviamente, trata-se do mesmo complexo. —Claro. ficaram contemplando o fogo da chaminé durante uns quantos minutos mais. Finalmente, Caroline sugeriu: —Saiamos. —É quinta-feira. —Sei, mas nenhuma das duas trabalha amanhã. Talvez passar a noite fazendo pó dos ouvidos escutando a uma banda de rock fosse justo o que Jane necessitava para tirar da cabeça a partida de hóquei que deveria ter estado presenciando. Se saíassem do apartamento, ela poderia evitar ligar o televisor. Baixou a vista para observar sua maltratada camiseta verde e seu jeans. Necessitava de um novo material para sua coluna «Solteira na cidade». —De acordo, mas não vou trocar me de roupa. Caroline, que essa noite usava um pulôver Tommy Hilfiger com uma bandeira americana no peitilho muitos justos, olhou a Jane, arregalou os olhos e disse: —Ao menos te ponha as lentes de contato. —Porquê?

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—Bom, não queria te dizer nada porque te quero e tudo isso, e porque sempre te estou dizendo como deveria te vestir e eu não gostaria que se sentisse mal, mas os indesejáveis da óptica Eye Care lhe mentiram. Jane não achava que seus óculos estivessem tão mal. —Está segura de que não ficam bem? —Sim. Se te disser isto é porque não quero que as pessoas pensem que eu sou a garota e você o menino. Você também, Caroline? -—O que te faz acreditar que as pessoas dariam por obvio que você é a garota e eu o menino? —perguntou Jane ao tempo que ficava em pé e se dirigia ao lavabo—. Cabe a possibilidade de que as pessoas pensassem que você é o menino. —produziu-se um silêncio na outra habitação e Jane tirou a cabeça pela porta—. E bem? Caroline se aproximou da chaminé para pintá-los lábios olhando-se no espelho que pendurava em cima do suporte. —E bem, o que? Voltou a colocar a batom em sua pequena bolsa de mão. —O que te faz acreditar que as pessoas dariam por obvio que você é a garota e eu o menino? —voltou a perguntar. —OH, está falando a sério? Suponho que acha isso engraçado. Na manhã seguinte, às nove em ponto, o telefone do Jane começou a soar. Era Leonard. Chamava-a para lhe dizer que Virgil e ele, junto à equipe de direção dos Chinooks, tinham reconsiderado sua «precipitada decisão». Queriam que voltasse a ocupar seu posto como cronista esportiva. Eles que queriam que estivesse na cabine de imprensa durante a partida da noite seguinte contra St. Louis. Ao ouvir aquilo Jane não soube o que responder. Jogou-se na cama e se limitou a escutar o que Leonard dizia. Ao que parecia, depois de sua visita ao vestiário, a equipe tinha jogado uma maravilha. Bressler marcou três tantos depois de que deu a mão, e Luc voltou a ser o excelente goleiro de sempre. O resultado foi seis a zero, e Luc superou em paradas o seu rival, Patrick Roy. Da noite para o dia, a sorte de Jane Alcott tinha mudado. —Não sei, Leonard -—disse enquanto afastava o edredom amarelo e se sentava em um canto da cama. Tinha ressaca devido à saída da noite anterior e lhe custava pensar com clareza—. Não posso voltar a ocupar o posto e me perguntar uma e outra vez se vou ser despedida cada vez que os Chinooks perderem uma partida. —Não terá que voltar a preocupar-se por isso.

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Não acreditou, e se decidisse ocupar de novo o posto, não ia lançar-se de cabeça como da vez anterior. Para falar a verdade, ainda estava muito afetada. —Eu pensarei —disse isso. Depois de pendurar o fone, preparou-se uma xícara de café e comeu um par de bolachas para acabar com a sensação de vazio. Não tinha se metido na cama até as duas da manhã, e estava arrependida de ter esbanjado o seu tempo e seu dinheiro saindo pra beber. Tinha sido incapaz de pensar em algo que não fosse sua demissão. Enquanto comia, refletiu sobre a nova oferta de Leonard. Os Chinooks a tinham tratado como a uma leprosa e a tinham culpado de suas derrotas, e agora, de repente, pensavam que lhes dava boa sorte? Acaso queria submeterse aos caprichos daquele bando de supersticiosos que tiravam a cueca diante dela e a incomodavam com chamadas noturnas? Quando acabou de comer, meteu-se na ducha e fechou os olhos enquanto a água quente caía sobre seu corpo. Realmente queria viajar com um goleiro capaz de atravessá-la com o olhar? Apesar de que lhe acelerasse o pulso, sem importar se isso era ou não o que ela desejava? Disse-se que não. Mesmo que Luc e ela se gostassem, o qual claramente não era certo, já que ele só tinha olhos para mulheres altas e preciosas. Cobriu a cabeça com uma toalha e colocou os óculos enquanto se secava. Depois escolheu um prendedor transparente, uma camiseta branca da universidade de Washington, e um velho jeans com buracos nos joelhos. Soou a campainha da porta e, quando olhou pela mira, viu um homem com óculos de sol Oakley, bem penteado e de bom aspecto, idêntico a Luc Martineau. Abriu a porta porque acabava de pensar nele, e não estava segura de que não se tratava de uma má passada de sua imaginação. —Olá, Jane —a saudou Luc—. Posso entrar? Uma novidade, Luc mostrando-se amável. Já não tinha dúvida alguma: era uma má passada de sua imaginação. —Por que? —Queria falar do que passou. Ocorreu de novo. Disse “falarr” em lugar de «falar», e soube que aquele era o autêntico Luc. —Quer dizer sobre minha demissão, da que você é culpado. Tirou os óculos de sol e os guardou no bolso de sua jaqueta de pele. Tinha as bochechas rosadas e o cabelo alvoroçado, e atrás dele estava estacionada sua motocicleta.

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—Eu não fiz com que lhe despedissem. Ao menos, não diretamente. —Ao ver que ela não respondia, perguntou—: Vai me convidar para entrar ou não? Jane tinha o cabelo envolto em uma toalha e o ar frio lhe tinha deixado a pele arrepiada. Optou por deixa-lo entrar. —Sente-se —disse enquanto ele a seguia até o salão. Deixou-lhe a sós um momento para ir tirar a toalha e secar o cabelo. De todos os homens do mundo, Luc era o último que ela teria imaginado ter sentado na sala de sua casa. Penteou-se e secou o cabelo o melhor que pôde e, durante um par de segundos, pensou em pintar os olhos e os lábios. Mas desprezou a idéia imediatamente. O que fez sim foi trocar os óculos pelas lentes de contato. Com o cabelo úmido, retornou à sala. Luc estava de costas pra ela, estudando as poucas fotografias que havia sobre o suporte da lareira. Tinha deixado a jaqueta no sofá. Vestia uma camisa branca, com os punhos arregaçados mostrando seus musculosos antebraços. Uma ampla ruga lhe percorria as costas até entrar nos jeans Lucky Brand. Sua carteira aparecia por um dos bolsos e as costuras emolduravam seu traseiro. Olhou-a de cima abaixo por cima do ombro. —Quem são essas duas? —perguntou Luc apontando a foto do meio, na qual aparecia junto de Caroline, ambas de toga e canudo, no alpendre da casa de seu pai, em Tacoma. —Minha melhor amiga, Caroline, e eu na noite em que nos graduamos no instituto MT. Tahoma. —Ou seja viveste por aqui toda a sua vida? —Sim. —Não mudou muito. Ela se aproximou dele. —Embora agora esteja mais velha —disse. Luc a olhou de novo por cima do ombro. —Quantos anos tem? —Trinta. Ele mostrou seus dentes brancos com um sorriso que venceu todas as defesas de Jane, levando-a a cravar os dedos no carpete beis. —Sério? —perguntou—.-se conserva bem para sua idade. OH, Deus. Não queria aprofundar mais nesse tipo de declarações, pois sem dúvida não levavam a parte nenhuma. Não queria que ele a deslumbrasse com seu sorriso. Não queria sentir comichões nem ter pensamentos pecaminosos.

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—Por que veio? —Darby Hogue me ligou. —Luc colocou uma mão no bolso da calça e deslocou o peso do corpo de um pé a outro—. Me disse que tornaram a lhe oferecer o trabalho e que o rechaçou. Não o tinha rechaçado. Só havia dito que tinha que pensar. —E o que tem isso que ver com você? —Darby acredita que devia falar com você e lhe convencer de que o aceite. —Você? Você pensa que sou o anjo da morte e a escuridão. —É um anjo da morte muito bonito. OH, Senhor. Foi uma má escolha. A mim não... —-Jane se deteve porque não podia lhe mentir dizendo que não gostava dele. Porque gostava. Inclusive contra sua própria vontade. Assim compôs uma meia verdade—: Não sei sequer se eu gosto. Luc riu entre dentes, como se soubesse que mentia. —É o que disse ao Darby. —Esboçou um sorriso encantador, e voltou-se sobre seus pés—. Mas ele acredita que eu posso te fazer mudar de opinião. —Duvido. —Supus que diria isso. —Luc caminhou até o sofá e tirou algo do bolso de sua jaqueta de couro—. Assim vou te dar uma oferenda de paz. Estendeu-lhe um pequeno livro de bolso com uma fita rosa ao redor. A

linguagem do hóquei: o jargão, o saber popular, tudo o que nunca aprenderá na televisão. Surpreendida, aceitou-o. —Você o comprou? —Sim. E pedi à garota da livraria que pusesse o laço. Estava lhe dando um presente. Uma oferenda de paz. Algo que poderia utilizar. Não um pouco tipicamente masculino, como flores ou chocolate ou roupa íntima barata. Tinha pensado nela. Tinha prestado atenção. Nela. —Não tinham fita negra, assim escolhi a rosa. Jane sentiu que seu coração começava a dar saltos em seu peito, e soube que estava metida em uma boa confusão. —Obrigado. —Não há de que. Olhou o rosto de Luc, deixando para trás o sorriso e o brilho de seus olhos azuis. Uma confusão grande e terrível, do tipo que vestem camisas

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brancas e jeans. Do tipo que ficava com garotas tipo Barbie porque podiam fazê-lo.

7 Pinta miúda

Luc baixou o olhar para encontrar-se com os olhos verdes de Jane, e soube que seu presente tinha surtido efeito. Tinha a abrandado, levando justo onde ele queria. Mas antes da tê-la apanhada por completo, disposta a ficar em suas mãos como um disco cansado do céu, seu olhar ficou receoso. Deu um passo para trás e o ceticismo lhe fez franzir o cenho. —Darby te pediu que viesse me fazer de boba? —perguntou ao tempo que agarrava o livro. Merda. —Não —respondeu Luc. A verdade era que Darby tinha lhe sugerido que lhe levasse flores, mas o livro tinha sido idéia dele—. Foi minha idéia, mas todos queremos que volte. —Parece-me difícil de acreditar que todo mundo queira, especialmente os treinadores. Tinha razão. Nem todo mundo queria que voltasse, especialmente os diretores. Depois da derrota ante São José, a equipe tinha procurado alguém a quem culpar. Algo no ar ou no alinhamento dos planetas. Algo mais que a penosa atuação da equipe. Esse algo tinha sido Jane. Tinham amaldiçoado e jogado pestes sobre ela no vestiário, mas ninguém tinha chegado a pensar que a despediriam. Em particular, Luc. Depois de lhe dizer que necessitava do trabalho, não tinha podido tirar da cabeça a imagem do Jane vivendo na rua por culpa de algo que ele havia dito. Dado o tamanho de seu apartamento, com toda probabilidade necessitava de dinheiro. Estava limpo e, para sua surpresa, nem

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tudo ali era de cor negra, mas todos seus pertences cabiam na sala. Alegravase de ter ido vê-la. —Disse aos diretores que foi nosso amuleto de boa sorte —disse, o que era verdade. Depois de me chamar pedaço de tolo, entre outras coisas, jogou um dos melhores partidos de sua vida. E Bressler colocou seu primeiro hattrick da temporada, três tantos nada menos, depois de que lhe deu a mão. Jane sorriu. —É sério que acredita? Luc nunca duvidava dos amuletos. —É obvio, mas se estou aqui é porque sei o que é necessitar de um trabalho e que lhe neguem essa oportunidade. Jane baixou a vista para seus pés nus. Luc aproveitou para estudar seu cabelo úmido. As pontas tinham começado a frisar-se sobre os ombros. Perguntou-se o que sentiria tendo aquele cabelo enredado entre os dedos. Advertiu o quão baixa que era, quão pequenos eram seus ombros e quão jovem parecia com aquela camiseta da Universidade de Washington. Não foi a primeira vez que se fixou na forma que lhe marcavam os mamilos, e de novo se perguntou se teria frio ou se estaria excitada. Uma corrente cálida percorreu suas veias para assentar-se em seu ventre. Sentiu-se um pouco excitado e se surpreendeu de que essa reação tivesse sido provocada por Jane Alcott. Era baixa e tinha seios muito pequenos, e ainda assim ouviu a si mesmo dizer: —Talvez possamos começar do zero, nos esquecer do que te disse a primeira vez que falamos, o de mijar em seu café. Ela elevou a vista de novo. Sua pele era suave, seus lábios carnudos e rosados. Luc se perguntou se suas bochechas seriam tão macias como pareciam, e a seguir estudou sua boca. Não, não era seu tipo de mulher, mas havia algo nela que lhe intrigava. Possivelmente fosse seu senso de humor e sua firmeza de caráter. Possivelmente não se tratava mais do que de seus mamilos arrepiados e o repentino interesse por seus suaves cachos. —De fato, essa não foi a primeira vez que nos vimos —disse Jane. Ele a olhou de novo aos olhos. Merda. A lembrança de um bom punhado de meses em sua vida tinha desaparecido como por cura. Fazia coisas das que não tinha sido consciente até que o dissessem tempo depois. Não vivia em Seattle naquela época, mas tinha ido à cidade com a equipe de Detroit. Temia a resposta, mas não teve mais remedeio que perguntar: —Quando nos conhecemos? —No verão passado, em uma festa para a imprensa.

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Luc sentiu um profundo alívio e quase se pôs a rir. Se tivesse deitado com Jane no verão anterior o recordaria. Tratava-se do verão posterior a sua perda de memória. —Uma festa para a imprensa no Four Seasons? —Não, no Key Arena. Luc jogou a cabeça para trás e a olhou. —Havia um montão de gente naquela noite, mas me surpreende não te recordar —disse, apesar de não estar surpreso absolutamente. Jane não era o tipo de mulher que ele recordaria depois de um primeiro encontro. E sim, sabia o que se dizia dele, e prosseguia sem se importar. Vivia a vida a sua maneira. Fazia muitos anos que o fazia e se sentia bem consigo mesmo. —Mas possivelmente não me pareça tão surpreendente, pois devia ir vestida de negro —acrescentou em tom de brincadeira. —Eu sim recordo com total exatidão o que usava —disse Jane dirigindose à cozinha—. Traje negro, gravata vermelha, relógio de ouro e garota loira. Ele concentrou seu olhar naquelas costas, descendendo até centrar-se em seu escuro traseiro. Tudo em Jane era pequeno, mas com caráter. —Sentiu ciúmes? Ela olhou por cima do ombro. —Pelo relógio? —Sim, por isso também. Em lugar de responder, ela entrou na cozinha e perguntou: —Quer um café? —Não, obrigado. Não devo tomar cafeína. —Seguiu-a, mas se deteve na estreita porta que dava à cozinha—. Voltará a aceitar o trabalho? Ela deixou sobre a mesa o livro que lhe tinha levado e verteu o café em uma alta caneca do Starbucks. —Talvez. —Abriu a geladeira e tirou o leite. A porta estava coberta de notas adesivas escritas para lembrar-se de comprar todo tipo de coisas, desde bolachas salgadas até detergente para a roupa—. Até que ponto é conveniente que o faça? —perguntou enquanto deixava o leite e fechava a geladeira. —Para mim ou para o resto da equipe? Jane levou a caneca aos lábios e lhe olhou por cima dela. —Para você —respondeu. Estava aproveitando do giro que tinham dado os acontecimentos. Tinha que pressionar um pouco mais. Luc não podia dizer que ele não tivesse feito o mesmo em sua situação.

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—Estou te propondo que fumemos o cachimbo da paz. —Sei, e aprecio o gesto. Era muito boa no trato direto. Talvez deveria se despedir do Howie e contratar ao Jane para a negociação de seu próximo contrato. —O que é o que quer? —Uma entrevista. Luc cruzou de braços. —Comigo? —Sim. —Quando? —Quando tiver feito certas averiguações e tenha o questionário preparado. —Sabe que odeio entrevistas. —Sim, sei, mas farei que não te doa. Luc baixou a vista até os seios de Jane. —A que te refere com o de que não me doerá? —Não te farei perguntas pessoais —respondeu ela. Continuava sentindo frio e o mais adequado teria sido que vestisse um pulôver. —Define «pessoais». —Não se preocupe, não te perguntarei sobre mulheres. Ele dirigiu seu olhar para o delicado oco que formava sua garganta, subiu por seus lábios e chegou aos olhos. —Algumas das coisas que tem lido sobre mim, provavelmente não são certas —disse sem saber sequer por que ou do que se estava defendendo. Jane soprou seu café. —Algumas? —perguntou. Ele deixou cair as mãos ao lado do corpo e encolheu de ombros. —Mais ou menos um cinqüenta por certo inventaram para vender periódicos ou livros. Jane esboçou um meio sorriso. —Qual é o cinqüenta por cento verdadeiro? Estava tão bonita olhando-o daquele modo, sorrindo, que esteve tentado a dizer-lhe —Não é assunto seu.—Ficará entre nós? —É obvio. Quase. —Não é teu assunto. Não falo das mulheres, de meu passado nem de minha temporada de reabilitação. Ela baixou a caneca.

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—É justo. Não quero te fazer perguntas sobre sua reabilitação nem sobre sua vida sexual. Já se tem escrito muito sobre isso, e é aborrecido. Aborrecido? Sua vida sexual não era aborrecida. Nos últimos tempos não tinha tido muita ação, mas o que ele tinha feito não era aborrecido. Bom... possivelmente um pouco. Não, «aborrecido» não era a palavra adequada. Era muito forte. Tinha sentido falta de algo em sua vida sexual ultimamente. Além do sexo em si. Não sabia do que se tratava, mas uma vez que solucionasse a situação de Marie, teria mais tempo para pensar nisso. —E, além disso —acrescentou Jane—, não quero que me conte nada que derrube a imagem que tenho de você. —Que imagem? —Luc apoiou um ombro contra o marco da porta—. Que fico com duas garotas de uma vez cada noite? —Não é assim? —Não. —Olhou-a. A expressão de Jane, ali na cozinha, vinha a lhe dizer que sua vida sexual era aborrecida, por isso decidiu surpreendê-la um pouco. Só um pouco, com algo sobre o que ela, com toda probabilidade, não teria lido—. O tentei uma vez, mas as garotas estavam mais interessadas uma na outra que em mim. O que não fez muito a favor de meu amor próprio. Ela se pôs a rir enquanto ele se esforçava para recordar a última vez que tinha estado a sós com uma mulher no apartamento dela, rindo e falando, e sem tentar chavecar para levar-lhe à cama. Não deixava de ser interessante. Na noite seguinte à visita de Luc, Jane se sentou junto ao Darby na cabine de imprensa para presenciar a partida entre os Chinooks e Vancouver. Um marcador octogonal com quatro telas de vídeo pendurava do centro do teto em forma de pirâmide. As luzes iluminavam o enorme logotipo verde dos Chinooks no centro da pista de gelo, e as cambalhotas do laser anunciavam que a partida estava a ponto de começar. Faltava meia hora para que o disco ficasse em movimento, mas Jane estava preparada com seu bloco de papel de notas e gravador na bolsa. Havia voltado, e estava mais excitada que no primeiro dia. À exceção de Darby, os diretores ainda não tinham chegado, e se perguntou se a receberiam com um tapinha nas costas. Jane olhou para Darby. —Obrigado por fazer que me devolvessem o trabalho. Ele tinha os antebraços apoiados nos joelhos e olhava para a pista. Pôsse um menos de gel do que tinha por costume, mas sob sua jaqueta azul continuava usando as canetas metidas em uma capa de plástico no bolso da camisa.

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—Não foi minha coisa. Os jogadores se sentiram mal depois de que os visitou e lhes desejasse sorte. Pensaram que alguém como você merecia recuperar o trabalho. —Quiseram que voltasse porque acreditavam que lhes dava sorte. —Isso também —disse sorrindo e sem deixar de olhar por volta da pista—. Tem algo que fazer no próximo sábado? . —Não estaremos de viagem? —Não, sairemos no dia seguinte. —Então, nada —disse Jane encolhendo-se de ombros—. Por que? —Hugh Miner vai dar um banquete no Space Needle para comemorar sua retirada. O nome lhe soava familiar, mas não podia se localizá-lo. —Quem é Hugh Miner? —Foi goleiro dos Chinooks desde 1996 até o ano passado, quando se retirou. Perguntava-me se você gostaria de ir. —Contigo? Como se fosse um encontro? —perguntou como se Darby estivesse louco. Ele se ruborizou e Jane se deu conta de que não tinha sido um comentário amável. —Não tem por que ser um encontro —disse Darby. —Ouça, sei que soou mal, mas não é o que parece. —disse Jane, lhe dando uma palmada no ombro—. Sabe que não posso ter encontros com pessoas envolvidas com a organização dos Chinooks. Provocaria mais comentários e fofocas. —Sim, sei. Jane se sentia fatal. Provavelmente ele não tinha exposto um encontro em toda regra, e lhe tinha ofendido. —Suponho que terei que me vestir de gala. —Sim, é uma festa de etiqueta —disse Darby, olhando-a. -Enviaria uma limusine, assim não teria que conduzir. Como ia negar-se a algo assim? —A que horas? —Às sete. —O telefone móvel que pendurava do cinturão de Darby começou a soar e ele respondeu à chamada—. Sim? —disse—. Aqui. —Olhou-a— Agora mesmo? De acordo. —Pendurou e voltou a colocar o aparelho no cinturão—. O treinador Nystrom quer que desça ao vestiário. —Eu? Por que? —Não me disse.

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Jane colocou o bloco de papel de notas na bolsa e saiu da cabine de imprensa. Chegou com o elevador ao andar térreo e percorreu o corredor para o vestiário, perguntando-se todo o momento se iriam despedi-la outra vez; se fosse assim, nessa ocasião não ia morder a língua. Quando entrou no vestiário, os jogadores estavam vestidos e embelezados com seus complementos de batalha. Encontravam-se sentados frente a suas bilheterias escutando o treinador. Jane se deteve ao cruzar a porta para escutar como Larry Nystrom lhes falava da debilidade da segunda linha do Vancouver e do modo de encarar o goleiro. Olhou ao outro lado do vestuário, em direção a Luc. Usava postos seus amparos de goleiro e sua camiseta com o símbolo azul e verde dos Chinooks. Suas luvas e o casco descansavam a um lado, no entanto ele tinha o olhar cravado em algum ponto entre seus patins. Então elevou a vista e seus olhares se cruzaram. Olhou-a por um instante, depois seu olhar azul descendeu lentamente por seu pulôver cinza, passou por sua saia negra até chegar a seus baratos mocasins negros. Seu interesse não continha nenhuma matiz sexual, era simples curiosidade, mas fez que em Jane acelerasse o pulso. —Jane —chamou Larry Nystrom. Jane afastou os olhos de Luc e olhou ao treinador, que se aproximou dela e acrescentou: —Vamos, diga aos meninos o que lhes disse o outro dia. Ela engoliu saliva. —Não posso recordar o que o disse, treinador. —Algo de que não baixassem a cueca —interveio Fish—. E o de que viajar conosco foi toda uma experiência. Todos pareciam tão sérios que em Jane deu vontade de rir. Nunca tinha acreditado que fossem supersticiosos até esse ponto. —De acordo, verei se o recordo. Deixem as cuecas postas, tenho algo que lhes dizer e só tomará um minuto. Já não viajarei com vocês, e quero que saibam que o fazê-lo foi uma experiência que jamais esquecerei. Todos sorriram e assentiram, à exceção do Peter Peluso. —Disse algo sobre sincronizar a baixada das cueca. Lembro-me dessa parte. —É certo, Piralha —acrescentou Rob Sutter—. Eu também lembro. —E disse que esperava que este ano ganhássemos a liga —acrescentou Jack Lynch. —Sim, isso é importante. Acaso importava realmente? Merda!

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—Tenho que voltar desde o começo? Todos assentiram com a cabeça e ela pôs os olhos em branco. —Deixem as cueca postas, tenho algo que lhes dizer, só tomará um minuto e não quero que sincronizem a baixada de sua cueca. —Ou algo assim—. Já não vou seguir viajando com vocês, mas quero que saibam que o fazê-lo foi uma experiência que jamais esquecerei. Espero que este ano ganhem a liga. Todos pareciam agradados, e ela se dispôs a sair dali antes de que a deixassem louca. —Agora tem que vir e me dar a mão —lhe informou o capitão, Mark Bressler. —OH, claro. —Ela se aproximou dele e lhe deu a mão—. Boa sorte com a partida, Mark. —Não, disse Assassino. A coisa era de loucos —Boa sorte na partida dessa noite, Assassino. Ele sorriu. —Obrigado, Jane. —De nada. Do exterior chegavam os sons prévios ao Começo da partida, e ela, uma vez mais, encaminhou-se à porta. —Não acabou, Jane. Voltou-se e olhou para onde se encontrava Luc. Estava, de pé e, com um dedo, estava-lhe indicando que se aproximasse. —Vem aqui. Nem pensar. Não estava disposta a lhe chamar «pedaço de tolo» diante de todos aqueles tipos. —Vamos. Observou as caras dos outros jogadores. Se Luc jogasse mal, culpariamna . Como se seus sapatos tivessem vida própria, cruzou o chão enfeitado com o logotipo dos Chinooks no centro. —O que? —perguntou enquanto ficava frente a Luc. Com os patins era mais alto, e ela teve que olhar para cima. —Tem que me dizer o que me disse o outro dia. Para que me dê sorte. O temia, mas tentou disfarçar. —É tão bom que não necessita que te dê sorte. Agarrou-a pelo braço e, com cuidado, atraiu-a para si. —Vamos, diga-o. Jane notou a calidez de sua mão através do pulôver.

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—Não me faça isto, Luc —disse em voz baixa para que só ele o ouvisse. Sentia que estava ruborizando-se—. É muito embaraçoso. —Sussurre-me isso ao ouvido. O rangido de seus amparos de couro encheu o espaço entre ambos enquanto se inclinava sobre ela. O aroma de seu xampu e de sua loção pósbarba lhe encheu o nariz junto ao aroma do couro dos amparos. —Tolo —sussurrou em seu ouvido. —Não foi assim. —Luc meneou a cabeça e suas bochechas se roçaram por uns segundos—. Esqueceste-se o «pedaço de». Deus do céu. Antes que tudo isso passasse morreria de vergonha ou consumida pela luxúria. E não queria que acontecesse nenhuma das duas coisas. Sobre tudo a última, mas o nível de testosterona de Luc era como um poderoso campo de força que a atraía contra sua vontade. —Pedaço de tolo. —Obrigado, meu bem. Agradeço -lhe isso. Meu bem. Jane abriu os olhos como pratos. Ele voltou o rosto e, com os lábios a escassos centímetros dos de Luc, ela sorriu. —Vou ter que fazer isto antes de cada partida? —perguntou embora sua voz soasse quase como um suspiro. Ele não deu a impressão de ter captado o matiz de sua voz. Olhou-a diretamente e umas pequenas rugas apareceram nas linhas de seus olhos —Temo que sim —respondeu. Finalmente, ela sentiu que recuperava o fôlego. —Vou pedir um aumento de salário. Luc deslizou sua enorme e quente mão do braço até o ombro de Jane, acariciou-lhe a bochecha e depois afastou a mão. —Peça também que lhe aumentem as diárias. Assim que estejamos de viagem vou recuperar os cinqüenta que ganhou nos dardos. Jane meneou a cabeça e se voltou para sair. —Nem sonhe, Luc —disse por cima do ombro. Retornou à cabine de imprensa e se sentou junto a Darby. Ali estavam os da cadeia King-5 e também os da ESPN, para retransmitir a batalha dos Chinooks contra Vancouver. Com Luc Martineau de volta no gol, Seattle acabou ganhando por três a um. Aparentemente sem esforço algum, ele elevou o disco no ar e recordou a todos por que continuava sendo um dos melhores goleiros da liga. No vestiário, depois da partida, os jogadores responderam às perguntas de Jane. Embora não ficassem de cuecas, sua nudez parecia menos calculada.

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Essa mesma noite, uma vez que teve enviada sua crônica ao periódico, Jane telefonou para Caroline e lhe alegrou o dia, a semana e o ano só dizendo: —Necessito de uma maquiadora. —Como é isso? —Parece divertido. Vou a um banquete na semana que vem e preciso dar uma boa imagem. —Obrigado, Senhor, por este presente que acabo de receber — sussurrou Caroline—.Estive esperando este momento há anos. O primeiro que temos que fazer é marcar uma entrevista com a Vanda. —Quem é Vanda? —A mulher que vai empanar sua cara e a dar forma a esse cabelo selvagem que tem. Jane olhou o telefone que tinha na mão. —Empanar? —E o cabelo. —A última vez que permiti que colocasse mão em meu cabelo o deixou como uma bucha. —Isso foi no colégio, e não fui eu. Depois do cabelo, iremos a Sara, onde eu trabalho. Essa mulher é uma verdadeira artista. —Tinha pensado em um pouco de maquiagem e um pouco de gloss. Um bonito vestido negro de coquetel e uns sapatos de salão que não sejam muito caros. —Hoje recebemos uns fabulosos Ferragamo —disse Caroline como se não tivesse ouvido as palavras de Jane—. Vermelhos. Ficarão perfeitos com um mortífero e minúsculo Betsey Johnson que vi no primeiro andar.

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8 Ao ataque Luc estirou os punhos de sua camisa e colocou neles abotoaduras gêmeas de ônix. Essa mesma manhã, no treinamento, tinha ouvido dizer que Jane assistiria ao banquete com o Darby. Sentia curiosidade para ver como iria vestida; de negro, sem dúvida. Elevou as mãos e colocou o último colchete no pescoço de sua camisa branca engomada. Não tinha falado com ela desde a partida contra Vancouver. O segundo goleiro tinha jogado os dois últimos encontros, deixando que Luc desfrutasse de um castigo descanso, e não tinha tido oportunidade de falar com ela. Não é que tivesse nada que lhe dizer, mas gostava de provocá-la um pouco para observar suas reações. Para ver se ria ou se entreabria os olhos e torcia a boca. Ou se podia conseguir que se ruborizasse. Abotoou os suspensórios cinzas e se perguntou se Jane e Darby teriam um autêntico encontro. Não acreditava possível. Ou, por dizê-lo de outro modo, não queria acreditá-lo. Jane era uma fera e tinha engenho na hora de replicar, um cretino aficionado às canetas não era o tipo de homem adequado para ela. Em particular, aquele cretino. Não era um segredo que Darby se havia oposto à inscrição de Luc para os Chinooks e que se toleravam um ao outro porque não tinham mais remédio que fazê-lo. Segundo a opinião de Luc, Darby Hogue era um imbecil, tanto quanto Jane tinha garra. Supunha que isso era o que gostava nela. Não se escondia ante a adversidade. Confrontava-a. Apesar de sua estatura. Luc agarrou a gravata negra e se colocou em frente aos espelhos das portas do armário. Ao terceiro intento fez um nó perfeito. Pelo geral não lhe incomodava vestir o smoking e assistir a banquetes, especialmente se tratava de banquetes em honra de antigos goleiros, mas essa noite não tinha nada de habitual. Essa noite, sua irmãzinha iria ao baile do colégio com um menino que tinha um piercing no nariz. Luc agarrou o relógio da mesinha de noite e o colocou no pulso enquanto caminhava para a habitação de Marie. Não pensava em sair de casa até que seu acompanhante fosse busca-la. Sabia muito bem o que era que acontecia na cabeça de um adolescente, e tinha pensado olhar Zack nos olhos e lhe fazer saber que estaria em casa para quando Marie retornasse, esperando-a. Tinha que estar aí para apertar a mão de Zack um pouco mais forte do necessário e

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assim lhe fazer entender que mais lhe convinha que não se ultrapassasse com sua irmã. Luc talvez não fosse o melhor irmão do mundo; de fato, não estava nem a meio caminho de sê-lo, mas protegeria Marie enquanto vivesse com ele. Tinha decidido não falar do tema do internato até depois do baile. Ela o tinha passado o tempo todo escolhendo o vestido e os sapatos, por isso não lhe tinha parecido o momento mais adequado para lhe falar disso. Luc bateu na porta de Marie, e quando ela murmurou algo entrou. Esperava vê-la com o vestido de veludo negro com decote quadrado, mangas compridas e pequenas rosas bordadas. O tinha mostrado no dia anterior, e ele pensou que era muito apropriado para uma garota de sua idade. Mas em lugar de estar vestida, encontrava-se tombada na cama com o pijama posto. Tinha o cabelo recolhido em um rabo-de-cavalo e chorava desconsoladamente. —Por que não está preparada? Seu acompanhante chegará dentro de uns minutos. —Não vai vir. Ontem à noite ligou e cancelou nosso encontro. —Está doente? —Disse que tinha esquecido que tinha coisas que fazer com sua família e que não podia me levar. Mas é mentira. Agora tem namorada e vai com ela. Luc sentiu que a ira o cegava. Ninguém deixava plantada a sua irmã nem a fazia chorar. —Não pode fazer isso. —Luc entrou na habitação e se aproximou de Marie—. Onde vive? Irei falar com ele. Obrigarei-o a levá-la. —Não! —gritou ela, mortificada, e se sentou na borda da cama com os olhos muito abertos olhando Luc—. Morreria de vergonha se o fizesse! —De acordo, não o obrigarei a te levar. —Luc pensou que tinha razão. Forçá-lo teria resultado muito embaraçoso para ela—. Me limitarei a ir a sua casa e lhe dar um bom chute no traseiro. Marie arqueou uma sobrancelha. —É menor de idade. —Pois então chutarei o traseiro do seu pai. Alguém que cria um filho capaz de deixar plantada uma garota merece que lhe dêem um chute no traseiro. Luc estava falando a sério mas, por alguma razão, Marie se pôs-se a rir. —Daria-lhe um chute no traseiro do senhor Anderson por mim? —É obvio que o faria. —sentou-se junto a sua irmã—. E se eu não pudesse fazer o trabalho, conheço uns quantos jogadores de hóquei que lhe dariam seu castigo. —Disso não me cabe dúvida.

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Luc lhe agarrou a mão e perguntou: —Por que não me disse que tinha ligado para cancelar o encontro? Ela parecia distante. —Pensei que não se importaria. Com a mão livre, agarrou-a pelo queixo para obrigá-la a lhe olhar. —Como pode dizer isso? É obvio que me importa. É minha irmã. Marie encolheu de ombros. —Pensei que os lances desse tipo de coisas não lhe importavam. —Bom, talvez tenha razão. Não me importam muito os bailes nem dançar. Não fui a nenhum baile de minha escola porque... —Fez uma pausa, deu-lhe um golpezinho no braço com o cotovelo e acrescentou—: Era um dançarino horroroso. Mas me preocupo com você. Me preocupo com você. Ela torceu a boca ligeiramente para baixo, como se não acreditasse. —É minha irmã —insistiu ele, como se não houvesse nada mais que explicar—. Disse que sempre cuidaria de você. —Sei. —Ela baixou a vista—. Mas cuidar e interessar-se não são a mesma coisa. —Para mim são sim, Marie. Eu não cuido de ninguém que não me interesse. Ela afastou sua mão da de Luc e ficou de pé. Aproximou-se de uma penteadeira coberto de braceletes, ursos de pelúcia e um vaso com quatro rosas brancas secas. Luc sabia que aquelas rosas tinham estado em cima da lápide de sua mãe. Ignorava por que as tinha pego ou as conservava, pois a faziam chorar. —Sei que quer me enviar longe daqui —disse lhe dando as costas. Por Deus. Como tinha se informado? Entretanto, isso não era o importante. —Pensei que seria mais feliz vivendo com garotas de sua idade em lugar de comigo. —Não minta, Luc. O que quer é se desfazer de mim. Era isso o que queria? Tinha sido a idéia de livrar-se dela que o tinha levado a procurar um internato para Marie? Talvez mais do que estava disposto a admitir. A culpa não demorou em fazer ato de presença enquanto ficava em pé e caminhava para sua irmã. —Não quero mentir. —Pôs uma mão no ombro de Marie e a fez voltar-se para ele—. O certo é que não sei o que fazer com você. Não sei nada de garotas adolescentes, mas sei que não é feliz. Quero fazer o que for melhor para você, mas não sei como fazê-lo.

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—Não sou feliz porque minha mãe morreu —murmurou ela—. Nada nem ninguém pode mudar isso. —Eu sei. —E ninguém me quer. —Não. —Agitou-a pelos ombros—. Te quero, e sabe que a tia Jenny também te quer. —Em realidade, Jenny só havia dito que Marie podia visitá-la no verão, mas Marie não tinha por que saber isso—. De fato, tentou ficar com sua custódia. Acredito que tem visões nas que as duas usma as mesmas camisolas de vestir pela casa. Marie enrugou o nariz. —E como é que eu nunca soube nada disso? —Nesse momento, já tinha suficientes preocupações —respondeu ele de forma evasiva—. Não me pôs uma demanda porque sabia que eu pagaria os melhores advogados. Marie franziu o sobrecenho. —Jenny vive em um complexo residencial para aposentados. —Sim, mas dos bons. Cada noite lhe prepararia seu pudim de ameixas especial. —Que asco! Luc sorriu e consultou a hora. O banquete estava a ponto de começar. —Tenho que ir —disse, mas não podia lhe pedir que ficasse sozinha—. Por que não põe seu vestido novo e vem comigo? —Aonde? —A um banquete no Space Needle. —Com gente velha? —Não tão velha. Será divertido. —Não tinha que ir já? —Te esperarei. Ela encolheu de ombros. —Não sei... —Venha. Haverá muitos jornalistas, e talvez tirem tua foto no periódico luzindo bem bonita, e esse tipinho do Zack tenha que dar uma patada no seu próprio “trasseiro”. Marie riu. —Quer dizer traseiro. —Isso. Traseiro. —Ele a empurrou até o armário—. Coloca seu traseiro no vestido —disse enquanto saía da habitação e fechava a porta. Agarrou a

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jaqueta do smoking e foi ao salão esperar. Como estavam acostumados a fazer todas as mulheres que conhecia, tomou seu tempo até estar preparada. Luc se aproximou da ampla janela e contemplou a cidade. A chuva tinha cessado, mas as gotas escorregavam ainda pelos cristais rabiscando a imagem noturna de Seattle, dos edifícios mais altos e da baía do Elliot ao fundo. Ficou com aquele apartamento exclusivamente pelas vistas, e se ia à cozinha ou a seu dormitório, ao outro lado do apartamento, podia sair ao balcão, de onde se tinha uma perfeita vista panorâmica do Space Needle e do norte de Seattle. Olhar através de todas aquelas janelas era espetacular, mas Luc tinha que admitir que naquele edifício nunca tinha chegado a sentir-se em casa. Possivelmente se devia à moderna arquitetura, ou possivelmente a fato de nunca ter vivido em um piso tão alto em uma cidade e isso o fazia sentir, em certo sentido, como se estivesse em um hotel. Se abria as janelas ou saía ao balcão, o som do tráfico chegava até o décimo nono andar, o que também lhe recordava um hotel. Apesar de que Seattle, e tudo o que a cidade podia oferecer, estava começando a lhe agradar, e às vezes sentia uma vaga sensação de nostalgia a respeito do seu lar. Quando por fim Marie saiu de sua habitação, usava um colar de diamantes de imitação e uma diadema que mantinha o cabelo afastado de seu rosto. Seu cabelo era bonito, mas o vestido... o vestido não lhe sentava nada bem. Era uns dois números menor. O veludo negro apertava muito o peito e as mangas lhe chegavam até a metade de braço. Apesar que Marie estivesse acostumada a usar camisetas grandes e largas, sabia que era magra. Mas naquele vestido dava a impressão de ir embutida. —Que tal fica? —perguntou girando ante ele. A costura que percorria as costas do vestido se torcia para a esquerda no traseiro. —Está linda. Dos ombros para cima, estava muito bonita. Sua sombra de olhos chapeada, entretanto, era um tanto estranha, reluzente como a brilhantina o que ele utilizava no colégio. —De que número é esse vestido? —perguntou Luc e, pela reação de Marie, deu-se conta imediatamente de seu engano. Sabia que não era adequado perguntar a uma mulher pelo número de seu vestido. Mas Marie não era uma mulher. Era uma moça e, além disso, era sua irmã. —Por que? Ajudou-lhe a vestir o casaco de lã.

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—Sempre usa camisas folgadas e calças, e não sei qual é seu número — improvisou. —OH, é um zero. Pode acreditar que caiba em um zero? —Não. A zero não é nem sequer uma medida. Se usa um zero, deveria engordar, teria que comer mais batatas assadas e carne. Acompanhadas com um pouco de molho. Ela riu, mas ele não estava brincando. O trajeto até o Space Needle foi breve, mas quando Luc entregou as chaves do Land Cruiser ao manobristas, advertiu que chegavam com mais de uma hora de atraso. O restaurante Skyline se elevava a trinta metros de altura dentro da estrutura da torre. Oferecia uma visão panorâmica da cidade de trezentos e sessenta graus, e Luc e Enjoe chegaram justo quando a coisa começava a animar-se. Ao sair do elevador, um grande de ruído, formado pela combinação de centenas de vozes, o tamborilar dos pratos e o trio de músicos foi a seu encontro. Muito smokings negros e brilhantes vestidos fluía dentro daquele lugar a meia luz. Luc já tinha assistido a eventos similares. Não naquele lugar, não em uma ocasião tão especial, mas sim a centenas de outros banquetes desde que começou a jogar na NHL. Quando Luc foi deixar o casaco de Marie no figurino, encontrou-se com o Sutter, Fish e Grizzell e os apresentou a sua irmã. Fizeram-lhe perguntas sobre a escola, e quanto mais lhe falavam, mais se ocultava ela detrás de Luc, até que só meio corpo ficou visível. Luc não sabia se sentia intimidada ou só era questão de vergonha. —Viu a Piralha? —perguntou Fish. —A Jane? Não, não a vi. Por que? —Fez uma pausa e perguntou—: Onde está? Fish estirou um dos dedos com os que segurava sua taça e assinalou para uma mulher que se achava a uns quantos metros de distância, de costas para Luc. Caíam-lhe uns curtos cachos escuros pela nuca. Usava um vestido com as costas descobertas e sem mangas, de um vermelho profundo, e uma fina cadeia de ouro pendia entre suas omoplatas, atraindo a luz e lançando reflexos dourados por sua branca pele. O vestido descia por seus quadris e por seu traseiro e caía até as panturrilhas. Calçava um par de sapatos vermelhos com um salto de uns oito centímetros. Estava falando com outras duas mulheres. Reconheceu uma delas, pois se tratava de Mae, a esposa de Hugh Miner. A última vez que a tinha visto, em setembro, exibia uma gravidez de nove meses. A outra mulher lhe parecia vagamente familiar, e se perguntou se não a tinha visto em algum exemplar da Playboy. Nenhuma daquelas mulheres parecia Jane.

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—Quem é a mulher que viu de negro? —perguntou, referindo-se a do centro. —É a esposa do Kowalsky. Voltou-se para seus companheiros. Já sabia por que lhe parecia familiar. Uma fotografia dela junto ao John pendurava da parede do escritório do treinador Nystrom. —Kowalsky veio? John Kowalsky, uma lenda do hóquei, tinha sido o capitão dos Chinooks até sua retirada. Kowalsky tinha sido famoso por seus disparos a porta, que alcançavam cento e cinqüenta quilômetros por hora. Não havia goleiro que queria ver-se cara a cara com o Muro. Luc percorreu o local com o olhar até que viu Hugh e John entre um grupo de diretores. Todos riam de algo, por isso a atenção do Luc voltou a centrar-se na mulher de vermelho. Recreou-se em suas suaves costas e em seu pescoço até chegar aos escuros cachos de seu cabelo. Fish estava equivocado. Se fosse Jane teria ido vestida de negro ou cinza, e o cabelo lhe chegava pelos ombros. . Luc estava desabotoando o botão superior da jaqueta quando observou que Darby Hogue se aproximava da mulher e lhe dizia algo ao ouvido. Ela voltou o rosto e Luc pôde apreciar seu perfil. Ficou gelado. O anjo da escuridão e da morte não vestia de negro aquela noite, e tinha cortado o cabelo. —Há alguém mais a quem quero lhe apresentar —disse a Marie. Começaram a caminhar entre os convidados, mas Bekah Brummet, rainha da beleza de quase um metro e oitenta, e amiga ocasional, deteve-os. Luc a tinha conhecido em um baile de gala beneficiente no verão anterior, e às poucas horas descobriu três coisas fundamentais dela: gostava de vinho branco e os homens enriquecidos e era loira natural. Não haviam tornado a ver-se desde que Marie foi viver com ele. Saudaram-se com rapidez e Luc voltou a olhar para Jane. Ela ria de algo que Darby lhe havia dito, embora Luc era incapaz de imaginar que aquele pequeno casulo fosse capaz de dizer algo remotamente divertido. —Não te via fazia tempo —disse Bekah olhando também pra Jane. Bekah estava tão radiante como sempre com um vestido de seda curto e decotado. Na vida do Luc tinha havido muitas mulheres como Bekah. Mulheres formosas que queriam estar com ele porque era Luc Martineau, um famoso goleiro de hóquei. Algumas delas se converteram em amigas, outras não. Nunca lhe tinha incomodado aproveitar-se do que elas lhe ofereciam com total alegria. Mas naquele momento se encontrava com sua irmã, que estava embainhada em

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um vestido que não lhe sentava bem, e que se ocultava atrás dele, e não tinha a intenção de fazê-la participante dessa parte de sua vida. —Estive muito tempo fora da cidade. Apoiou a mão nas costas de Marie—. Encantou-me vê-la —acrescentou deixando para trás Bekah. Empurrou a sua irmã enquanto se afastavam antes que pudesse supor o tipo de relação que o unia a Bekah. Não queria que Marie pensasse nem por um segundo que o sexo esporádico estava certo. Queria que soubesse que ela merecia algo mais. E sim, sabia que isso o convertia em um hipócrita, mas não lhe importava. —Jane —disse enquanto se aproximava dela. Jane olhou por cima do ombro e um de seus brandos cachos caiu sobre sua fronte. Separou-o de seu rosto e sorriu. O cabelo curto a fazia parecer mais jovem e bonita. Luc não pôde evitar lhe corresponder com outro sorriso. Seu novo penteado destacava seus olhos verdes, e a maquiagem lhe proporcionava um toque sexy. Tinha os lábios pintados de vermelho escuro, a cor favorita de Luc. Talvez por isso este teve a impressão de que a temperatura do lugar tinha subido um par de graus, por isso acabou de desabotoar a jaqueta. —Olá, Luc. —Sua voz também parecia mais sexy. —Martineau —disse Darby. —Hogue. —Sem afastar a mão das costas de Marie, Luc obrigou-a permanecer a seu lado—. Ela é minha acompanhante, Marie —disse. Jane a olhou de esguelha, com expressão de pensar que podiam prendê-lo por algo assim, mas ele acrescentou—: Marie é minha irmã. —Ah, então me retrato do que estava pensando de você-Jane estreitou a mão da moça com um amplo sorriso—. Eu gosto de seu vestido. O negro é minha cor favorita. —Apresentaram-na a Mae Miner e ao Georgeanne Kowalsky? — perguntou Jane afastando-se ligeiramente para abranger um círculo mais amplo que incluisse Luc e Marie. Luc olhou à mulher do Hugh, uma loira baixa de grandes olhos pardos escassamente maquiados. Era uma garota natural. Como Jane. Exceto essa noite. Esta vez, Jane tinha pintado os lábios. Luc deu a mão a ambas as mulheres, depois disse: —Conheci o Mae em setembro. —Sim, quando estava de nove meses. —Mae pegou sua pequena bolsa negra e tirou uma foto—. Este é Nathan. Georgeanne tirou suas próprias fotografias.

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—Esta é Lexie quando tinha dez anos, e esta é sua irmã pequena, Olivia. A Luc não importava olhar fotografias de meninos sem ironia alguma, mas se perguntava uma e outra vez por que os pais davam por certo que ele queria as ver. —São uns meninos preciosos. Olhou as fotografias uma última vez e as devolveu a suas proprietárias. A conversação se centrou nos discursos que perdeu por chegar tarde, circunstância que aproveitou para observar com detalhe o vestido de Jane. O decote longo que cobria a totalidade de seus pequenos seios. Luc tinha apostado que baixando um pouquinho as tiras dos ombros veria tudo. Fazia calor ali, e, entretanto seus mamilos assinalavam para o frente como se estivessem congelados. —Luc —disse Marie. Luc tirou sua atenção do vestido de Jane e olhou sua irmã por cima do ombro. . —Sabe onde estão os serviços? —adicionou a moça. —Eu sim —se adiantou Jane—. Siga-me. Acompanho-a. —Com aqueles sapatos de salto, era quase tão alta como Marie—. No caminho, poderia me explicar todos os escuros segredos de seu irmão —acrescentou enquanto se afastavam. Luc se disse que estava a salvo, pois Marie não conhecia nenhum de seus segredos, os que fossem escuros ou de qualquer outro tipo. As duas desapareceram entre a multidão, e quando ele se voltou, Mae e Georgeanne se desculparam e lhe deixaram a sós com o Darby, que disse: —observei o modo em que olha Jane. Não é seu tipo. Luc abriu a jaqueta e colocou uma mão no bolso. —E qual é meu tipo de mulher? —perguntou. —As coelhinhas patinadoras. A Luc nunca tinham atraído as «coelhinhas patinadoras», como chamavam as mulheres que estavam acostumados a ir atrás dos jogadores de hóquei, e além disso não estava seguro de preferir já nenhum tipo de mulher acima do resto. Ao menos desde que podia olhar Jane Alcott e perguntar-se como reagiria se a metesse em um reservado e lhe beijasse aqueles vermelhos lábios; se acariciasse suas costas e deslizasse as mãos até abranger seus pequenos seios. Por desconto, nunca o faria. Não com o Jane. —E isso o que te importa? —Jane e eu somos amigos. —Não foi você que me pediu que falasse com ela para que voltasse a aceitar o trabalho?

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—Isso eram coisas de negócios. Se te atar com ela, poderia fazer o trabalho. De forma definitiva. Encheria-me o saco que lhe fizesse mal. —Está-me ameaçando? Luc olhou de frente o pálido rosto de Darby e quase chegou a sentir respeito por ele. —Sim. Luc sorriu. Talvez Darby não fosse o idiota que ele sempre tinha acreditado que era. O trio começou a tocar e Luc se afastou dali. A música e o falatório geral eram quase ensurdecedores, e ele se dirigiu para o homem do momento, Hugh Miner. John Kowalsky estava a seu lado e falavam de hóquei, debatendo a respeito das possibilidades que tinham os Chinooks de ganhar a liga esse ano. —Se as lesões respeitarem à equipe, teremos boas opções de nos levar a Stanley Cup —predisse Hugh. —Um bom atirador tampouco iria mal —apontou o Muro. A conversação derivou para suas respectivas ocupações depois de deixar o hóquei, e Hugh tirou sua carteira do bolso traseiro de suas calças e a abriu. —Este é Nathan. Luc não se incomodou em lhe dizer que já tinha visto essa fotografia.

9 Uma jogada tola Jane secou as mãos com uma toalhinha de papel e a jogou no cesto de papéis. Olhou-se no espelho que havia sobre o lavatório e logo conseguiu reconhecer-se. Não estava segura de se isso era bom ou mau. Abriu a pequena bolsa que lhe tinha emprestado Caroline e tirou o brilho de lábios. Marie se aproximou dela, e Jane a estudou enquanto a moça lavava as mãos. Luc e sua irmã não se pareciam em nada, exceto em que seus olhos tinham o mesmo tom de azul. Minutos atrás, ao ver o Luc acompanhado de uma jovenzinha, havia-se sentido confusa. Seu primeiro pensamento tinha sido que merecia que o prendessem, mas ainda a confundiu mais que a apresentasse dizendo que era sua irmã.

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—Não sou boa nisto —confessou Jane enquanto pintava os lábios. Antes da festa, Caroline lhe tinha aplicado uma espécie de carmim indelével, por isso Jane só tinha que lhes dar brilho de vez em quando. Pensou que o tinha feito bem, mas não tinha experiência e não podia sabê-lo a ciência certa—. Diga-me a verdade. Ficaram feito um desastre? —Não. —Tem certeza? —Jane tinha que admitir que o assunto tinha sua graça. Não era algo que gostasse de fazer todos os dias, nem sequer freqüentemente. —Tenho. —Marie atirou a toalhinha de papel ao cesto de papéis—. Gosto de seu vestido. —Comprei-o no Nordstrom. —Eu também! Jane lhe passou o brilho de lábios. —Uma amiga me ajudou a escolhê-lo. —Eu escolhi o meu, mas Luc o comprou. Sendo assim, perguntou-se por que Luc permitiu que sua irmã comprasse um vestido tão pequeno. Jane não era uma obsessa da moda, mas não era difícil dar-se conta. —Isso lhe honra. —Refletido no espelho viu que Marioe se estava pondo muito batom—. Vive em Seattle? —Sim, com o Luc. Comoção número três da noite. —Sério? Deve ser um inferno. Castigaram-lhe por algum motivo especial? —Não. Minha mãe morreu faz um mês e meio. —OH, sinto muito. Queria ser engraçada e acabei dizendo algo inadequado. Sinto-me uma imbecil. —Não passa nada. —Marie lhe dedicou um meio sorriso—-. E viver com o Luc nem sempre é um inferno. Marie lhe devolveu o brilho de lábios e Jane se voltou para olhá-la. O que podia lhe dizer? Nada. Tentou-o igualmente. —Minha mãe morreu quando eu tinha seis anos. Disso faz vinte e quatro anos, mas conheço... —deteve-se, procurava a palavra mais adequada. Não encontrou nenhuma—. Conheço o vazio que deve sentir. Marie assentiu com a cabeça e baixou a vista. —Às vezes, não posso acreditar que se foi. —Sei como se sente. —Jane guardou o brilho de lábios na bolsa e rodeou os ombros de Marie com um braço—. Se alguma vez quizer falar com alguém, me chame.

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—Isso estaria bem. A Marie lhe encheram os olhos de lágrimas, e Jane lhe deu um aperto. Tinham passado vinte e quatro anos da morte de sua mãe, mas a Jane não custava reviver as sensações de antigamente. —Mas esta noite, não. Esta noite nos vamos passar bem. Antes me apresentaram a uns sobrinhos do Hugh Miner. São de Minnesota e acredito que têm sua mesma idade. Marie enxugou as lágrimas com os dedos. —São bonitos? Jane repensou uns segundos. Se ela tivesse a idade de Marie, poderia dizer que sim, mas não tinha sua idade, e pensar se uns moços adolescentes eram bonitos a fez sentir incômoda. Quase pôde escutar a canção Mrs. Robinson em sua cabeça. —Bom, vivem em uma granja —disse enquanto saíam do lavabo—. Acredito que se dedicam a ordenhar vacas. Marie a olhou com os olhos arregalados. —Tranqüila, que são uns meninos estupendos, e pelo que pude ver, não cheiram a celeiro. —Isso está bem. —Muito bem. —Jane olhou por cima do ombro de Marie—. Eu gosto de sua sombra de olhos. É muito brilhante. —Obrigado. Posso-lhe emprestar isso quando quiser. —Acredito que sou um pouco velha para esses brilhos. —entraram na multidão e Jane encontrou os sobrinhos de Hugh Miner olhando a cidade e lhes apresentou a Marie. Jack e MAC Miner eram gêmeos e tinham dezessete anos, vestiam idênticos smokings com gravatas cor escarlate, usavam o cabelo talhado a escova e tinham grandes olhos pardos. Jane teve que admitir que, de algum modo, eram bonitos. —Em que curso está? —perguntou MAC, ou possivelmente Jack, dirigindo-se a Marie. A moça ruborizou e encolheu de ombros. Olhou Jane, que, ao apreciar a terrível insegurança da adolescência, deu graças a Deus por não ter que voltar a passar por isso. —No décimo —respondeu Enjoe. —Nós fizemos décimo o ano passado. —Sim, todo mundo se mete com os do décimo. Marie assentiu com a cabeça. —No Dumpsters aprontam com os de décimo.

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—Nós não. Ao menos, com as garotas. —Se estivéssemos em seu colégio, protegeríamos-lhe —disse um dos gêmeos, impressionando Jane com sua galanteria. Eram pequenos cavalheiros, seus pais os tinham educado bem e deviam sentir-se orgulhosos—. Décimo é uma merda —acrescentou. Talvez não fosse assim. Talvez alguém devesse ensinar aquele moço que não deve falar-se desse modo diante de uma dama. —Sim, é uma merda —conveio Marie—. Estou desejando passar de curso. De acordo, talvez Jane estivesse um pouco defasada. Ao fim e ao cabo, todo mundo utilizava esse tipo de expressões. Quanto mais falavam Jack e MAC, mais relaxada parecia Marie. Falaram das universidades que iriam, dos esportes que praticavam, e da música que gostavam. Todos coincidiram que o trio de jazz que tocava no outro extremo da sala não rolava. Enquanto Marie e os gêmeos falavam de coisas que eram uma «merda» ou «não rolavam», Jane deu uma olhada à sala, procurando um pouco de conversação adulta. Reparou em Darby, que conversava com o diretor esportivo Clark Gamache, e também viu Luc, que estava ao final do balcão falando com uma loira muito alta que usava um vestido branco apertado. A mulher tinha sua mão apoiada no braço de Luc, que permanecia com a cabeça inclinada para escutar o que ela dizia. Afastou a aba da jaqueta e mostrou uma mão no interior do bolso das calças. Os suspensórios cinzas repousavam sobre as dobras da camisa, mas Jane sabia que por baixo daquelas roupas tão formais Luc escondia o corpo de um deus e a tatuagem de uma ferradura no ventre. Ele riu para ouvir algo que a mulher lhe disse, e Jane afastou o olhar. Sentiu no estômago a pontada um pouco muito similar ao ciúme, e sua mão apertou a pequena bolsa. Não podia estar ciumenta. Não tinha possibilidades com ele e, além disso, não gostava. Bom, isso não era de tudo certo. O que sentia era raiva pensou. Enquanto ela cuidava de sua irmã, Luc flertava com aquela beleza vestida de branco. Rob Sutter a tirou dançar e ela deixou Marie aos cuidados dos gêmeos Miner. Martelo a conduziu ao centro da pista e começaram a dançar. Com uma mão em sua cintura, guiou-a de maneira perfeita. Se não tivesse um arroxeado no olho, inclusive teria parecido um homem respeitável. Depois de Rob, dançou com o Stromster, que tinha tingido a crista de cor azul clara para que fizesse jogo com o smoking. No princípio, a conversação com o jovem sueco foi complicada, mas quanto mais o escutava, melhor entendia o que dizia apesar de seu marcado acento. Quando o trio fez um descanso,

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agradeceu Daniel e foi em busca do Darby, que estava esperando-a em um canto da sala. —Lamento, Jane —disse quando ela se aproximou—, mas tenho que te leva-la pra casa agora mesmo. A inscrição na qual estávamos trabalhando vai concretizar se esta mesma noite. Clark já se foi aos escritórios do clube. Eu terei quer ir com ele. O Space Needle estava a um tiro de pedra do Key Arena e, segundo a hora do dia, o trajeto até seu apartamento era de pouco mais de meia hora. —Vai-te. Irei de táxi. Ele meneou a cabeça. —Quero me assegurar que chegue bem em casa. —Eu me assegurarei de que chegue bem em casa. —Jane se voltou para ouvir a voz de Luc. —Marie está com os gêmeos Miner —disse—. Quando terminarem, levaremos-lhe pra casa. —Isso seria de grande ajuda para mim —disse Darby. Jane olhou por trás de Luc em busca da loira, mas ele estava sozinho. —Está seguro? —perguntou Jane. —Sim. —Luc olhou ao ajudante do diretor esportivo—. Quem é a inscrição? —Manteremos em segredo até manhã pela manhã. —Claro. —Dion. Luc sorriu. —Sério? —Sim. —Darby se voltou para Jane—. Obrigado por ter vindo esta noite comigo. —Obrigado por me convidar. A viagem de limusine foi maravilhosa. —Verei os dois no aeroporto pela manhã —disse Darby encaminhando-se para o elevador. Enquanto Jane o observava afastar-se, perguntou: —Quem é Dion? —Realmente não sabe muito de hóquei —repôs Luc. Agarrou-a pelo cotovelo e, sem incomodar-se em perguntar, arrastou-a até a lotada sala de baile. Meteu no bolso de sua jaqueta a pequena bolsa do Jane, apertou uma das mãos desta e a outra a pôs sobre sua cintura. Com os sapatos novos de salto, os olhos do Jane chegavam à altura da boca de Luc. Ela apoiou a mão em seu ombro. A luz da sala de baile projetava

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uma sombra em diagonal sobre o rosto de Luc, e Jane observou o movimento dos lábios de este enquanto falava. —Pier Dion é um goleador veterano —disse—. Conhece muito bem este esporte. Quando pega bem, o disco voa a uma velocidade endiabrada. Ao observar sua boca, Jane sentia divertidos comichões em suas terminações nervosas. Elevou o olhar até seus olhos e disse: —Sua irmã parece uma garota estupenda. —Fala sério? —Surpreende-te? —Não. —Luc olhou por cima da cabeça de Jane—. A coisa é que muda de humor de um momento a outro, é imprevisível, e esta noite ia ser muito especial para ela. Tinham-na convidado a um baile do colégio, mas o menino que devia levá-la decidiu ir com outra no último minuto. —Isso é terrível. Que porco. Ele voltou a olhá-la nos olhos. —Ofereci-me para ir chutar o traseiro, mas Marie pensou que seria embaraçoso. Por alguma estranha razão, Jane sentia que Luc começava a simpatizar. Não podia evitá-lo, e tudo porque se ofereceu pra chutar o traseiro de quem tinha dado bolo na sua irmã. —É um bom irmão. —O certo é que não. —Luc acariciou as costas de Jane com um polegar e a atraiu ligeiramente para ele—. Chora 3 de quatro noites e eu não sei o que fazer. —Acaba de perder a sua mãe. Não há nada que possa fazer. O joelho de Luc roçou no de Jane. —Ela lhe disse? —Sim, eu sei como se sente. Eu também perdi a minha mãe. Disse que se precisasse falar com alguém que me chamasse. Espero que não se importe. —Absolutamente. Acredito que necessita de uma mulher com quem falar. Contratei uma senhora para que a acompanhe enquanto estou fora, mas não gosta. —Luc refletiu por uns segundos e acrescentou—: O que ela precisa é alguém que a leve às compras. Cada vez que lhe deixo meu cartão de crédito, volta com uma bolsa de quinquilharias e algo dois números menor. Isso explicava o vestido apertado. —Poderia pô-la em contato com minha amiga Caroline. É uma especialista ajudando nesse tipo de coisas. —Isso seria estupendo. Não sei nada de garotas.

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Mesmo que não tivesse lido nada sobre ele, Jane teria descoberto em menos de cinco segundos que sabia muito de garotas. Havia algo em seu olhar e em seu sorriso que o delatava. —Queres dizer que não sabe nada de irmãs. —Não sei nada de minha irmã pequena —particularizou ele em tom zombador—. Mas em uma ocasião, tive um encontro com umas gêmeas. —Já. —Ela franziu o sobrecenho—. Você e suas histórias. Ele pôs-se a rir. —É tão crédula —disse justo quando a música acabava e ela se deteve. Em lugar de soltá-la, ele a atraiu para seu peito. O trio começou outra canção— . O que fizeram você e Hogue na limusine? —perguntou-lhe aproximando a boca do seu cabelo. —Como diz? —Agradeceu ao Darby e lhe disse que a viagem em limusine foi maravilhosa. Ela e Darby tinham bebido champanhe e não tinham deixado o televisor em paz, enquanto o condutor os passeava pela cidade como se de Bill e Melinda Gates se tratasse. Mas supunha que não era isso o que Luc queria saber. Tinha o cérebro na área entre as pernas, por isso decidiu lhe dar algo em que pensar. —Fizemos coisas más. Luc a olhou sobressaltado. —Fez coisas más com Hogue? A Jane quase lhe escapou a risada. O único mau nela era sua imaginação. —Sob toda aquele gel, esconde-se um tigre. —Me conte —pediu ele, apertando seu ombro com os dedos. —Quer que te conte os detalhes? —Sim, por favor. Agora Jane não pôde evitar soltar uma gargalhada. Ele devia ter feito suposições que nem sequer Bombonzinho de Mel teria sido capaz de imaginar. Duvidava que pudesse lhe surpreender embora o tentasse. —A menos que invente algo, temo-me que se sentirá defraudado. —Então inventa. Podia fazê-lo? Ali, na pista de baile? Podia converter-se em Bombomzinho de Mel se fechasse os olhos? A mulher que fazia que os homens ardessem de desejo. Homens como Luc. —Na verdade não foi tão mau —disse ela—. Nada de chicotes e algemas. Não simpatiza com dor.

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Era muito atrativo estar tão perto de Luc e fingir que era a mulher capaz de satisfazer a um homem como ele. A classe de mulher que sussurra insinuações e fazia que os homens suplicassem. Para seu seguinte artigo para a revista Him, tinha pensado escrever sobre uma fantasia compartilhada para o Bombonzinho de Mel. Os homens adoravam as fantasias compartilhadas. —Você gosta de olhar? —Sou mais dos que participam —sussurrou ele a seu ouvido—. É mais interessante. Mas não podia fazê-lo. Só em seu apartamento era uma coisa, mas ali entre os braços de Luc era outra coisa totalmente diferente. Não podia deixa voar sua imaginação, e o máximo que atinou a dizer foi: —Darby é insaciável. Ninguém teria suposto. De fato, acredito que vou sentar me. Estou esgotada. Luc lhe apertou o braço e a olhou no rosto. —Não me diga que tem tão pouca resistência. —Falemos de outra coisa —disse ela, que temia que suas defesas começassem a fraquejar. Ele se manteve imóvel durante um momento, depois disse: —Está muito bonita esta noite. —Obrigado. Você também está. Luc a atraiu uma vez mais para si e ela pôs de novo a mão em seu ombro, sentindo a suavidade de sua jaqueta. Se aproximasse um pouco mais o aroma de sua colônia impregnaria seu nariz. —E está muito elegante. Eu gosto de seu penteado. —Cortei o cabelo esta manhã. Agora está bem, mas a prova definitiva será amanhã pela manhã, quando o lavar. —Eu lavaria e deixaria secar —sussurrou Luc. Ela fechou os olhos. Bem, um tema seguro... e aborrecido. O cabelo. —Eu gosto de seu vestido. Outro tema seguro. —Obrigado. Não é negro. —Já me dei conta. —Luc deslizou a mão de sua cintura para suas costas, deixando os dedos e a palma cálida sobre a pele nua—- Acha que poderia pôr alguma vez a parte de trás para frente? —Não. Acredito que não —repôs ela, sentindo o calor de sua mão. —Que lástima. Não me importaria vê-lo posto desse modo. A música fluía ao redor de Jane como se tudo estivesse parado. Luc Martineau, com seu malvado sorriso e sua tatuagem de ferradura, queria vê-la

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nua. Impossível. Sob a superfície, sua pele tremeu, quente e viva, plena de sensações. O desejo e a necessidade se apertavam em seu abdômen e se perguntava se ele se teria dado conta de que se pegou a ele justo para lhe cheirar o pescoço. Justo por cima de sua gravata e do pescoço de sua camisa. —Jane? ---Sim? —Marie voltou. Amanhã temos que estar muito cedo no aeroporto, assim é melhor que vamos. Jane elevou a vista para o rosto de Luc. Sua mente estava ocupada em impuros pensamentos, mas ele parecia alheio e distante. «Não me importaria vê-lo posto desse modo», havia dito. Não cabia dúvida de que estava flertando com ela. —Vou procurar meu casaco. Afastou a mão de suas costas e o ar frio substituiu o calor de seu toque. Agarrou-a pelo braço e, enquanto abandonavam a pista de baile, passou-lhe a pequena bolsa de Caroline. —Me dê seu ticket. Vou pegar o casaco de Marie e também trarei o seu. Jane mexeu na bolsa e extraiu o ticket. Enquanto ele retirava os casacos, Jane falou com Marie, mas continuava pensando em Luc, e não queria deixar de fazê-lo. Havia sentido que o desejava. Má coisa. O teria percebido Luc? Esperava de todo coração que não. Esperava que nunca imaginasse. Sua vida poderia desenvolver-se com total felicidade se ninguém soubesse,ou seja que Jane Alcott tinha querido saltar em cima do jogador de hóquei Luc Martineau. Se ele chegasse a suspeitá-lo, sem dúvida sairia correndo na direção contrária. Quando esteve de volta, ajudou-a a vestir seu casaco negro. Os dedos do Luc roçaram sua nuca enquanto ajustava o pescoço do casaco, e ela se perguntou o que se pareceria sentir seus braços ao redor do corpo enquanto se apertava contra ele. Mas embora tivesse intenções para seguir seus impulsos, seria já muito tarde; ele tinha se afastado e mantinha aberto o casaco de sua irmã para que o pusesse sem problemas. Enquanto esperavam na base do Space Needle a que o manobrista lhes levasse o Land Cruiser branco do Luc, este abotoou a jaqueta e colocou as mãos nos bolsos, com os ombros encurvados devido ao frio. Falaram do tempo e do vôo que tinham que tomar quase de madrugada. Nada importante. Marie lhes falou das vistas do mirante, e Jane não deixou de lhe dar olhadinhas ao escuro perfil de Luc. A luz que chegava do alto da torre iluminava um só lado de seu rosto e seus largos ombros, desenhando uma alargada sombra no concreto.

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Quando retornou o manobrista, Luc abriu a porta do acompanhante para Jane e a traseira para sua irmã. Ficou ao volante, arrancou e tomou Bellevue. Depois de umas quantas voltas, rompeu o silêncio. —A senhora Jackson está ciente de que tem que chegar antes de que vá ao colégio —disse a sua irmã—. Necessita de dinheiro ou alguma outra coisa? Jane o olhou de esguelha. Seu perfil era pouco mais que uma silhueta negra dentro do interior escuro do carro. A luz procedente do poste ricocheteava contra seu relógio de pulso lançando brilhos dourados sobre sua jaqueta. Voltou o olhar para o guichê. —Necessito de dinheiro para comer e tenho que pagar a classe de cerâmica. —Quanto necessita? Jane escutou sua conversa, sentindo uma intrusa, sentada naquele assento de couro do veículo de Luc enquanto este falava com sua irmã a respeito de questões de sua vida cotidiana. Uma vida em que não estava incluída. Era a vida deles. Não a sua. Ela tinha sua própria vida. Uma feita a sua medida, e não guardava relação com a de Luc. Quando o veículo se deteve frente a sua casa, Jane foi abrir a porta. —Muito obrigado por me trazer para casa —disse. Luc estirou a mão e a agarrou do braço. —Não te mova. —Olhou por volta do assento traseiro—. Agora mesmo volto, Marie —acrescentou ao tempo que sai do carro. As luzes apenas lhe iluminaram enquanto rodeava o Land Cruiser e abria a porta do acompanhante. Ajudou Jane a sair e caminhou a seu lado pela calçada. No alpendre iluminado, ela abriu a bolsa e tirou as chaves, mas igual à noite em que ele a tinha acompanhado a sua habitação em San José, lhe tirou a chave e a introduziu na fechadura. Tinha deixado aceso um dos abajures de chão, e a luz iluminava o carpete e a porta de entrada. —Obrigado de novo —disse ao tempo que entrava no piso. Estirou a mão para que lhe entregasse as chaves e lhe agarrou o pulso, deixou cair as chaves na palma de sua mão e entrou com ela. —Isto não é uma boa idéia —disse Luc, e com o polegar lhe acariciou o pulso. —O que? Me trazer para casa? —Não. —Atraiu-a para ele e lhe roçou uma bochecha com a sua—. Estiveste me deixando louco. Não deixo de me perguntar o que devo sentir ao enredar os dedos em seu cabelo. —Aumentou a pressão de suas mãos contra as

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costas dela—. Seus lábios vermelhos e seu vestido da cor do fogo me têm feito pensar um montão de coisas desatinadas. Não deveria ter esse tipo de pensamentos contigo, mas os tenho. Deveria passar de tudo isso. —Seus olhos azuis se cravaram nos de Jane, ardentes e intensos—. Mas não posso — sussurrou contra sua boca—. Me diga uma coisa, Jane, tem frio? ---Seus lábios se roçaram e ele acrescentou entre ofegos—: Ou está excitada? Então a beijou, e o impacto a deixou atordoada durante alguns segundos. Não podia fazer outra coisa mais que ficar ali quieta enquanto ele a beijava. O que queria dizer lhe perguntando se tinha frio ou estava excitada? Claramente, não tinha frio. Ele apertou sua boca contra a de Jane e posou a mão livre em seu rosto, lhe acariciando a bochecha e enroscando os dedos em seu cabelo até roçar a têmpora. Um leve gemido escapou da garganta de Jane, as chaves caíram de sua mão e já não importou o que significava aquela pergunta sobre o frio. Percorreu com a palma de sua mão a parte frontal da jaqueta de Luc até chegar ao pescoço. Aquilo não podia estar acontecendo. Não a ela. Não com ele. Os lábios de Luc apertaram com mais força até que ela abriu a boca. Sua língua deslizou para dentro e tocou a sua, úmida e tão esperada. Para um homem que passava o tempo travando a outras pessoas e dando golpes no disco com seu stick, suas carícias eram surpreendentemente suaves. Jane se sentiu arrastada pela paixão que percorria sua pele, agarrando-se em seu seio, e lhe provocando dor entre as coxas. Deixou-se cair na luxúria que tinha tentando conter. A grande mão de Luc abrangeu um de seus seios através do tecido de seu vestido e do casaco, ao tempo que Jane se grudava a seu corpo. Roçou seu mamilo com o polegar e este cresceu entre seus dedos. Não havia mais pensamento que se deixar levar, que fazer o que tinha que fazer. Beijou-o como se quisesse devorá-lo. Sua língua se enroscou na de Luc como se desejasse embebedar-se dele. Luc se afastou e a olhou nos olhos e disse com voz áspera: —Faz que me dê vontade de te chupar mais que de te beijar. Jane lambeu os lábios úmidos e assentiu. Ela também o preferia. —Maldita seja —disse Luc entre ofegos. Depois deu a volta e se foi. Deixou Jane aturdida e desconcertada. Atordoada pela quarta vez aquela noite.

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10 O ponto cego Jane fechou seu computador portátil e deixou o que estava escrevendo: a história do Bombonzinho de Mel e sua última vítima, um jogador de hóquei que tinha conhecido no mirante do Space Needle. Um jogador de hóquei que se parecia muitíssimo com Luc Martineau. Levantou-se da cadeira e olhou pela janela do hotel para o centro urbano de Denver, Colorado. Definitivamente, estava cada vez mais atraída por Luc. Sem dúvida era uma insensatez. No passado, apoiou-se às vezes em pessoas reais para descrever às vítimas do Bombonzinho de Mel. Trocava os nomes, mas os leitores podiam imaginar de quem se tratava. Fazia uns meses, por exemplo, tinha utilizado o Brendan Fraser, para que o reconhecessem quem tinha visto filmes como Em busca da Eva, George da selva ou Ao diabo com o diabo. Mas essa era a primeira vez que escrevia sobre alguém a quem conhecia pessoalmente. As pessoas reconheceriam Luc quando saísse o número de março. Os leitores de Seattle, no mínimo, fariam-no. Ele escutaria os comentários. Jane se perguntou se lhe importaria. À maioria de homens lhes daria igual, mas Luc não era como a maioria. Não gostava de ler o que se dizia dele nos livros, nos periódicos ou nas revistas. Tinham-lhe sem cuidado as adulações. Embora o relato de Bombonzinho de Mel era extremamente adulador. Mais sexy e apaixonado do que tinha escrito até então. De fato, era o melhor que já tinha escrito. Ainda não tinha claro se ia enviar o ou não. Dispunha de uns quantos dias antes de tomar uma decisão. Soltou as cortinas e se voltou para a habitação. Tinham passado dezesseis horas desde que Luc a tinha beijado deixando-a sem fôlego. Dezesseis horas de alívio e de análise de cada palavra e cada ação. Dezesseis horas e ela continuava sem saber o que pensar. Ele a tinha beijado e tudo tinha mudado radicalmente. Bom, para falar a verdade não só a tinha beijado. Havia lhe tocado no seio e havia dito que estava deixando-o louco, e se sua irmã não tivesse lhe esperando no carro, Jane poderia tê-lo deitado no chão para ver a sua tatuagem que a enlouquecia desde que a viu pela primeira vez no vestiário. E isso não seria nada bom. Nada bom. Por um montão de razões. Tirou os sapatos de uma vez e o pulôver. Deixou-o sobre a cama e se dirigiu ao banheiro. Ardiam-lhe os olhos e se sentia confusa. Em lugar de permanecer encerrada em sua habitação trabalhando no relato do Bombonzinho

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de Mel teria que ao Pepsi Center para falar com os jogadores e os treinadores antes da partida da noite seguinte. Darby lhe havia dito que o momento mais adequado para falar com os treinadores ou com os diretores era durante o treino, e Jane queria lhes fazer várias perguntas sobre a nova contratação, Pierre Dion. Meteu-se na ducha e deixou que a água quente lhe caísse sobre a cabeça. Aquela manhã, quando Luc subiu ao avião, com óculos de sol, traje azul e a gravata frouxa, havia sentido um retorcimento no estômago como se voltasse a ter treze anos e se tratasse de sua primeira aventura no colégio. Foi horrível, pois era o bastante adulta para saber que uma aventura com o menino mais popular do colégio acabaria lhe rompendo o coração. Passados quinze minutos, saiu da ducha e agarrou duas toalhas. Sendo sincera consigo mesma, algo que tinha tentado evitar, não podia continuar enganando-se pensando que o que sentia por ele não era mais que o desejo de ter uma aventura. Tratava-se de algo mais. Muito mais, de fato, e por isso estava assustada. Tinha trinta anos. Não era uma menina. Tinha ficado apaixonada, também tinha sentido desejo e também algo que era uma mescla de ambas as coisas. Mas nunca se permitiu perder a cabeça por um tipo como Luc. Nunca. E menos ainda tendo tanto a perder. Não quando tinha muito mais em jogo que ao contrário. Um pouco mais importante: seu trabalho. Um coração quebrado podia superar-se; já o tinha obtido antes. Mas não acreditava que estivesse em disposição de jogar pela amurada a melhor oportunidade de que tinha disposto em muito tempo. E menos devido a um homem. Seria uma estupidez, e ela não era estúpida. Bateram na porta, interrompendo seus pensamentos, e foi abrir. Olhou pela mira e viu Luc, bem penteado e composto. Estava olhando para o chão, por isso se permitiu uns segundos para estudá-lo. Usava jaqueta de couro e pulôver cinza, e devia chegar da rua porque suas bochechas estavam rosadas. Elevou a vista e seus olhos azuis a olharam através da mira como se pudesse vê-la. —Abre, Jane. —Um segundo —disse ela, sentindo-se tola. Foi até o armário e tirou o penhoar, o pôs e abriu a porta. Luc a estudou, olhou sua boca e a seguir, sem pressa, descendeu até seus pés nus. —Ao que parece, cheguei outra vez depois que saiu da ducha. —Assim é. Luc contemplou suas pernas e depois a olhou no rosto, inexpressivo. Ou não lhe interessavam ou fingia muito bem seu desinteresse.

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—Tem um minuto? —Claro. —Jane se fez a um lado e o deixou acontecer—. O que quer? Uma vez no centro da habitação, Luc se voltou para olhá-la. —Esta manhã parecia incômoda. Não quero que se sinta incômoda a meu lado, Jane. —Tomou fôlego e meteu as mãos nos bolsos da jaqueta—. Assim pensei que talvez devia me desculpar. —Te desculpar, por que...? —disse ela, mas sabia e esperava que ele não soubesse o motivo. —Por te beijar ontem à noite. Ainda não sei com certeza o que foi o que aconteceu. —Luc olhou por cima da cabeça de Jane, como se a resposta estivesse escrita na parede—. Se não te tivesse cortado o cabelo, se não tivesse tão bonita, acredito que não teria ocorrido. —Aguarda um segundo —disse ela, elevando uma mão—. Está jogando a culpa ao meu penteado? —perguntou, só para assegurar-se de que tinha ouvido bem. Esperava haver-se equivocado. —Certamente, teve mais que ver com o vestido. Esse vestido foi desenhado com uma motivação oculta. Tinha-a beijado, e ela tinha caído presa aos seus encantos até tal ponto que já não sabia se tratava sem mais de seus encantos. E naquele momento estava ali, responsabilizando a seu penteado e a seu vestido como se tivesse sido uma maquinação dela. Saber como se sentia Luc lhe doeu mais do que o previsto. Era um idiota, mas ela era uma burra e este último lhe era mais duro de assumir. A dor e a raiva lhe oprimiam o coração, mas estava decidida a não revelar seus sentimentos. —Não era mais que um vestido vermelho qualquer. —Deixava-te a costa descoberta e só tinha duas tiras na frente. —Luc se balançou sobre seus pés e baixou o olhar para percorrer Jane da toalha que recolhia seu cabelo até os pés nus. Passara a noite anterior pensando naquele beijo em seu apartamento, e não tinha a noção certa do que o tinha levado a beijá-la. O vestido. Os lábios. A curiosidade. Tudo junto—. E a correntinha de ouro que pendurava de suas costas só tinha uma razão de ser. —Qual? Te hipnotizar? Estava sendo sarcástica, mas não andava desencaminhada. —Talvez não me hipnotizar, mas estava ali para que qualquer homem que a visse pensasse em desenganchá-la. Jane arqueou uma sobrancelha e olhou como se Luc fosse idiota. Realmente parecia sê-lo.

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—Digo-lhe isso a sério —acrescentou ele—. Todos os homens pensavam ontem à noite em te tirar o vestido. Ninguém o havia dito, mas Luc supunha que o tinham pensado; tinham que havê-lo feito. —Esta é sua idéia do que supõe pedir desculpas ou sua maneira de racionalizar o que aconteceu? —tirou a toalha da cabeça e a jogou sobre a cama. —É um fato. Jane se penteou um pouco com os dedos. —Que frustrante. Se ela tivesse sido um menino, teria captado a lógica do assunto. —Além de ser uma estupidez. —Seus úmidos cachos lhe enredaram entre os dedos ao afasta-los do rosto—. Isso me faz responsável por tudo, mas não fui eu quem ontem à noite se meteu em seu apartamento e te beijou. Foi você que me beijou . —Não protestou. —Luc não sabia o que era o que lhe contrariava mais, se o fato de havê-la beijado ou o que lhe correspondesse. Jamais teria imaginado toda a paixão que podia conter aquele corpo miúdo. Ela deixou escapar um comprido suspiro, como se todo aquele assunto a aborrecesse. —Não queria ferir seus sentimentos. Ele pôs-se a rir, embora o que desejava era aproximar-se dela e beijá-la na boca. Deslizar a mão dentro do penhoar e abranger seu seio, apesar de saber que era algo pior que uma má idéia. Apoiou o quadril na escrivaninha enquanto afastava o olhar de seus lábios, recordando como estavam na noite anterior. Olhou para um lugar seguro: o computador portátil de Jane. —Pelo modo em que beijava, acreditei que queria te colocar dentro de mim. A agenda estava aberta a um lado do computador. Tinha um montão de notas adesivas. Um par dessas notas falavam de questões relacionadas com o hóquei e com perguntas que queria formular para sua crônica. —Outra vez parece frustrante. Uma das notas rosas dizia: «16 de fevereiro: entrega "Solteira na cidade"», no entanto em outra podia ler-se: «"Bombonzinho de Mel": tomar decisão na sexta-feira como muito tarde». Bombozinho de Mel? Jane lia as aventuras dessa ninfomaníaca que fazia que os homens entrassem em estado de erupção? Não podia imagina-la lendo histórias pornográficas.

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—Estava muito excitada —disse arrastando as palavras de maneira lenta e deliberada ao tempo que voltava a olhá-la nos olhos—. Poderia te haver despido em um segundo. —Não só é presunçoso e decepcionante, mas sim... é um perturbado mental! —espetou-lhe. —Provavelmente —admitiu ele enquanto passava por seu lado caminho da porta. Sentia-se um perturbado mental, em efeito. —Espera um segundo. Quando vais conceder-me a entrevista que prometeu? Com a mão já na maçaneta da porta, Luc se voltou para ela. —Agora, não —respondeu. —Quando? —Algum dia. —Algum dia como amanhã? —Jane colocou o cabelo detrás das orelhas. —Lhe farei saber isso. —Não pode me deixar pendurada. Luc não tinha intenção de fazê-lo. Simplesmente não queria que o entrevistasse nesse momento. Aí. Em uma habitação de hotel com uma enorme cama de lua-de-mel e ela coberta tão somente com um penhoar, lhe pedindo que demonstrasse quão perturbado estava. —Sim, e isso quem o diz? Ela franziu o cenho e lhe cravou o olhar. —Sim. Ele riu outra vez. Não podia evitá-lo. Dava a impressão de que Jane estava disposta a lhe dar uma patada no traseiro. —Prometeu-me isso. Por um segundo Luc cogitou a possibilidade de fazê-la calar com um beijo. Beijá-la até que se abrandasse e voltasse a ficar doce. Até fazê-la gemer daquele modo tão especial, como tinha feito na noite anterior; levá-la inclusive mais longe. Tocá-la ali onde sua mente não tinha deixado de pensar desde que, aquela mesma manhã, no avião em que viajava a equipe, tinha-a visto de novo. —Quando, Luc? —insistiu ela. Em lugar de responder imediatamente, ele abriu a porta e disse por cima do ombro: —Quando tiver posto sutiã, Jane. Luc subiu o zíper da jaqueta enquanto percorria o corredor. Não podia repetir algo como o da noite anterior. Tinha sido bom beijá-la e sentir que lhe

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fervia o sangue, e algo assim não lhe tinha acontecido fazia muito tempo. Se Marie não tivesse esperando no carro, não sabia se teria podido conter-se. Gostava de pensar que poderia havê-lo feito. Gostava de pensar que era uma pessoa amadurecida e bastante experiente para deter-se antes de fazer algo do que se arrependeria, algo completamente estúpido, mas não estava seguro. Tinha beijado muitas mulheres em seus trinta e dois anos de vida. Também um montão de mulheres o tinham beijado, mas nunca como tinha feito Jane. Não sabia o que era o que lhe passava com aquela mulher, e tampouco queria dedicar tempo a descobri-lo. Ela já ocupava muito seus pensamentos. A ultima coisa que necessitava em sua vida nesses momentos era uma mulher. Qualquer mulher. E, em particular, aquela. A jornalista que viajava com a equipe. Piralha, seu amuleto da boa sorte. Só havia uma solução para seu problema com Jane. Tinha que afungentala na medida do possível. Mas não ia ser tão simples como parecia. Ela viajava com a equipe, fazia a crônica de todas as partidas, e tinha que lhe chamar «pedaço de parvo» antes de cada partida para lhe dar sorte. Ao longo de sua carreira, Luc tinha aprendido a concentrar-se sob a pressão que supunha uma prorrogação ou quando se enfrentava cara a cara a um dianteiro. Tinha previsto fazer uso dessa capacidade durante os seguintes dias para não afastar a atenção da vitória. Precisava concentrar-se nas partidas e fazer o que tinha que fazer. Aquela noite, contra Colorado, deteve vinte e oito dos trinta disparos ao gol, e os Chinooks subiram ao avião com uma vitória por três a dois contra um de seus grandes rivais para ganhar a liga. Assim que o BAC-111 elevou o vôo, Jane acendeu o computador portátil e o brilho da tela iluminou três filas de assentos. Luc não necessitava daquela luz para saber onde estava sentada... Mas que soubesse não significava que não tivesse que fazer nada a respeito. Durante o vôo entre Denver e Filadélfia, comprovou que alguns dos moços falaram com ela. Daniel lhe disse algo que a fez rir, e Luc se perguntou que comentário poderia lhe haver feito o jovem sueco para que o achasse tão engraçado. Luc agarrou um travesseiro e se abraçou a ele durante o resto da viagem. Fugir de Jane parecia mais simples do que tinha suposto, mas não pensar nela era impossível. Ao que parecia, quanto mais disposto se mostrava a afugentá-la, mais pensava nela, e quanto mais tentava não pensar nela, mais se perguntava o que estaria fazendo e em companhia de quem. Provavelmente se tratasse de Darby Hogue.

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Na Filadélfia só viu Jane uma vez, mas no momento em que entrou no vestiário do First Union Center, fixou-se nos lábios pintados de vermelho, e soube que o fazia com o único propósito de transtorná-lo. Deu-lhes seu discurso de boa sorte, depois caminhou para onde ele estava sentado, frente a uma bilheteria aberta. —Boa sorte, pedaço de tolo —disse, e em um sussurro acrescentou—: E para sua informação, tenho um montão de sutiãs. Enquanto Luc a observava sair do vestiário, sentiu-se preocupado por que aqueles lábios tão vermelhos tivessem alterado sua concentração. Durante uns tensos segundos, centrou sua atenção na boca do Jane e no imaginário sutiã. Fechou os olhos e esclareceu sua mente, e graças a uma obstinada força de vontade, voltou a alcançar a concentração necessária dez minutos antes de saltar à pista de gelo. Aquela noite, os Chinooks deixaram fora de combate aos Flyers, mas antes disso, os meninos da Filadélfia repartiram pancadas a torto e a direito, enviando Sutter ao hospital com comoção cerebral. Rob seguia inscrito na lista de lesados quando aterrissaram em Nova Iorque para jogar contra os Rangers. No vestiário, antes da partida, Luc esperou que Jane lhe desejasse boa sorte e então lhe disse: —Se tem tantos sutiãs, deveria te pôr sequer um. —Por que? —perguntou ela, olhando-o nos olhos. Por que? Podia lhe dizer exatamente o porquê, mas não em um vestiário cheio de jogadores de hóquei. Para falar a verdade, não era seu assunto lhe dizer que seus mamilos estavam em posição de eretos. Estava tentando afugentá-la. Acabou falando com ela ou pensando nela, disse-se enquanto patinava para a portaria, centrando toda sua energia e concentração em ganhar dos Rangers. Mas sem seu melhor goleador, os Chinooks tiveram que lançar mão da força física lutando nas esquinas e, finalmente, perderam a partida quando o capitão dos Rangers escapou de seu marcador e fez um gol em Luc graças a um tiro certeiro. Depois foram ao Tennessee, lugar de nascimento de Elvis e dos Predators de Nashville. Aquela noite, no vestuário, ninguém disse nada a respeito dos prendedores de Jane. A jovem equipe do Tennessee caiu facilmente à mãos dos mais experientes Chinooks, e quando estes subiram ao avião para o comprido vôo a Seattle, Luc se sentia contente de retornar pra casa. Seu joelho direito lhe preocupava e estava esgotado fisicamente.

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Uma vez o BAC-111 decolou, Luc tirou a jaqueta e levantou o braço que separava os assentos. Agarrou um travesseiro, colocou-a contra a parede do avião e apoiou as costas nela. Uniu as mãos cruzando os dedos, colocou-as em cima de seu ventre e se sentou na escuridão olhando para o corredor, para Jane. A luz lhe caía justo em cima da cabeça e se filtrava entre seus cachos soltos enquanto escrevia sua crônica. As pontas de seus dedos logo que roçavam as teclas do computador. Jane se deteve, fez retroceder o cursor e voltou a começar. Luc pensou em todos os lugares de seu corpo sobre os quais gostaria de sentir o toque daqueles experientes dedos. Uma mecha caiu sobre a bochecha de Jane e ela a colocou atrás da orelha, lhe permitindo observar atentamente sua mandíbula e parte do pescoço. Umas quantas filas mais atrás, alguns dos moços jogavam pôquer, mas a maioria dormia, mesclando seus roncos com o som do teclar de Jane. Durante os sete dias prévios, Luc tinha conseguido manter-se ocupado, mas naquele momento, sem nada no que distrair sua mente, tomou um pouco de tempo para estudá-la. Para descobrir de uma vez por todas por que, de repente, achava Jane Alcott tão atraente. O que havia nela que não lhe deixava ficar tranqüilo? Era baixa, quase não tinha peito, e era uma simplória. De fato, era uma maldita simplória. A Luc nunca tinham atraído semelhantes características em uma mulher. E gostava de Jane. Essa noite vestia uma dessas blusas de lã próprias das anciãs ou das estudantes das universidades metidas. Negra. Sem jóia alguma. Usava calças cinzas também de lã, e tinha tirado os sapatos. Na escuridão, Luc estudou seu suave cabelo e sua perfeita e pálida pele. A primeira vez que a viu, pensou que era muito singela. Uma garota natural. Depois não deixava de perguntar-se por que as garotas naturais nunca lhe tinham parecido atrativas. Por que desejava acariciar com as mãos sua terna pele. Pela primeira vez desde que esteve em sua habitação do hotel em Denver, permitiu-se pensar como se sentiria abraçando seu corpo nu. Deixar-se levar pelo prazer de tocá-la. De beijar sua boca, seus seios e suas deliciosas coxas. Jane deixou de teclar e levou os dedos à boca. Beliscou o lábio superior e deixou escapar um profundo e comprido suspiro que tanto podia indicar frustração como prazer. Escutar aquele gemido fez que Luc agudizase dolorosamente sua atenção, e decidiu que imaginar Jane nua não tinha sido uma boa idéia. Através das sombras que os separavam, observou que ela retrocedia com o cursor e voltava a começar. Luc fechou os olhos e tentou pensar na volta pra casa. Durante sua ausência, a senhora Jackson não lhe tinha contado nenhum

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outro problema referente à Marie, e quando tinha falado com esta, parecia tranqüila e emocionalmente estável. Fazia amigos no edifício, e não se pôs a chorar nem se zangou durante as conversações telefônicas. Ele ainda não tinha descartado a idéia de um internato, porque ainda pensava que a sua irmã beneficiaria um ambiente feminino. Mas acreditava que possivelmente Marie não estivesse preparada para falar disso, e por alguma razão que não podia explicar, havia uma parte de si mesmo que tampouco o estava. Ainda não. Em algum ponto sobre o Oklahoma adormeceu, e não despertou até que o avião estava a ponto de pousar no SeaTac. Uma vez que aterrissaram e se detiveram, Luc agarrou suas bolsas e se encaminhou ao estacionamento principal. Jane ia à frente dele a certa distância, arrastando uma enorme mala com rodas e levando nas costas seu computador portátil e a maleta. Luc não demorou em alcançá-la, por isso entraram juntos no elevador. Apertaram o mesmo botão para o mesmo andar da garagem e as comportas se fecharam. Luc se apoiou contra a parede e lhe deu uma olhada. Ela tinha a cabeça ligeiramente inclinada para um lado. Parecia exausta, mas estava bonita. —O que?—perguntou Luc. —Vai me conceder a entrevista esta semana? Talvez estivesse cansada, mas continuava trabalhando. Enquanto ele pensava no quão bonita era e na suavidade de sua pele e seus experientes dedos, ela pensava em seu trabalho. Merda. —Usa sutiã? —Outra vez com o mesmo assunto? —Sim. Por que não usa sutiã como a maioria das mulheres? —E a ti o que te importa? Luc baixou o olhar até os seios de Jane, mas, é obvio, não conseguiu ver nada. —Sempre tem os mamilos arrepiados, e isso me distrai. Quando elevou a vista até seu rosto, Jane tinha franzido o cenho e sua boca estava aberta como se fosse dizer algo e tivesse esquecido as palavras para fazê-lo. As portas do elevador se abriram. —Parece que está excitada a todo o momento —acrescentou Luc mantendo a porta aberta para que ela pudesse tirar sua mala com rodas. A confusão que evidenciava seu rosto era já todo um clássico, por isso ele não pôde evitar rir—. Não me diga que nunca lhe haviam isso dito. —Não. Você foi o primeiro. —Jane meneou a cabeça e se encaminharam juntos para o estacionamento—. Outra vez te está brincando comigo. Como

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quando te ofereceu para mijar em meu copo de café ou me disse que foi a um local de strip-tease. —O do café era sério, e também o que acabo de te dizer. —Luc se deteve ante a parte traseira de seu Land Cruiser. —Tá, muito bem —disse Jane enquanto seguia caminhando para seu Honda Prelude, estacionado umas quantas praças mais à frente do veículo de Luc. Ele deixou as bolsas no assento traseiro de seu veículo e a olhou. Tinha o porta-malas de seu carro aberto, e soprava tentando colocar aquela enorme mala. Luc percorreu o espaço que os separava, fazendo que a sola de seus sapatos ressonasse no estacionamento quase vazio. Ao ouvir o som de seus passos, Jane elevou a vista. As luzes da garagem projetavam profundas sombras no canto onde tinha estacionado o carro. Uma mecha de cabelo lhe caía sobre um olho e ela voltou a colocá-la em seu lugar. Tinha os lábios ligeiramente separados e parecia um pouco agitada. —Necessita de ajuda?—perguntou Luc. Ela mostrou a mala, ainda no chão. —Pode me dar uma mão? Ontem à noite comprei uns livros e este traste pesa muito. Luc introduziu a mala no porta-malas sem dificuldade. —Obrigado. —Jane colocou também o computador portátil e a maleta, depois fechou o porta-malas. —De nada. —Marie te disse que sairemos no sábado? —perguntou Jane enquanto se dirigia ao assento do condutor. —Sim. —Ele a seguiu e lhe tirou as chaves da mão. Abriu a porta e acrescentou—: Parecia muito animada. Ela estirou o braço e ele deixou cair as chaves na palma de sua mão. —Alegra-me que o diga. Não falamos há algum tempo e não sabia se te pareceria bem o plano. Luc baixou a vista de seu cabelo, passando por seus olhos verdes e seu nariz reto, até a curva de seu lábio superior. —Sim, falamos —disse. —Talvez não saiba, mas te chamar pedaço de tolo e que você me envenene com o assunto do sutiã não pode considerar-se falar. —Jane fez uma careta com a boca—. Ao menos, não se considera falar se estiver fora de um vestiário.

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Luc voltou a olhá-la nos olhos e se perguntou se estava tentando ridicularizá-lo. Suspeitava que sim. —O que quer dizer com isso, meu bem? Ela cruzou os braços e deu um passo atrás. —Acredito que os dois sabemos. —Só sou um estúpido jogador de hóquei, assim por que não o repete mais devagar para que possa captá-lo? —Nunca disse que seja estúpido. Ele deu um passo para ela, por isso Jane teve que elevar a vista outra vez. —Mas o faz de forma implícita, Jane. Não sou tão estúpido como para não entende-lo. Jane deu outro passo atrás. —Não queria dar a entender que fosse estúpido. —Sim o queria. —De acordo, mas não acredito que seja estúpido. É... ---Sou...? —Rude. Ele encolheu de ombros. —Isso é certo. —E me diz coisas que não parecem apropriadas. —Como o que? —Como que parece que sempre estou excitada. Parecia-o. —Nunca me diria algo assim se fosse homem. Estava certo, mas um homem, se acaso, iria escondido, e Luc não se daria conta. Agora bem, o que acontecia ao Jane sim podia adverti-lo. —Levarei em conta. Jane retrocedeu outro passo e suas costas toparam com a parede. —É um mimado -—disse—. Sempre consegue tudo o que quer e faz o que te dá na vontade. Estava falando da entrevista outra vez. —Tudo não. —aproximou-se dela e pôs as mãos aos lados de sua cabeça, sobre o frio concreto da parede—. Algumas das coisas que quero não são nada boas para mim. Assim tenho que prescindir delas. —Como o que? —A cafeína. O açúcar. —Olhou-lhe os lábios—. Você. ---Eu?

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—Definitivamente, você. —Deslizou a mão para sua nuca e inclinou a cabeça até posar os lábios sobre os de Jane—. Contigo não posso fazer o que me da vontade —acrescentou, e a beijou, porque não parecia poder evitá-lo. Os lábios do Jane eram quentes e doces, e uma quebra de onda instantânea de desejo se instalou em seu ventre. Sem outra coisa que a mão em sua nuca, e sua boca na dela, a luxúria lhe atravessou como um raio. Separou-se dela com a intenção de afastar-se antes de fazer algo do que se arrependeria, mas ela o olhou fixamente nos olhos e umedeceu os lábios. Em lugar de voltar-se, tomou pela cintura com um de seus braços e a atraiu para si. Estava acostumado a mulheres mais altas, por isso teve que pô-la nas pontas dos pés. Abriu a boca sobre a de Jane e a encheu com um úmido e quente beijo. Apertou-a com mais força enquanto as mãos de Jane percorriam seus ombros e seu pescoço. A língua de Luc se enroscou na dela enquanto ela enredava os dedos em seu cabelo. Deixou-lhe o cabelo me pé. Ela afogou um gemido de desejo, frustração e ânsia como o que o tinha excitado no apartamento dela e o tinha levado a expor a possibilidade de fazer o amor ali mesmo. Sob a tênue luz do estacionamento, lhe desabotoou o casaco, e depois introduziu as mãos sob o pulôver. Seu plano ventre estava quente, e ele deslizou a mão até os seios. Não usava sutiã, e seus pequenos seios apenas lhe enchiam a mão. O mamilo ereto se cravou no centro da palma de sua mão como uma pequena framboesa. Luc notou que lhe endureciam os testículos e seus joelhos quase lhe fraquejaram. Afastou a boca e tomou ar. Fazia muito tempo que não se sentia tão excitado, e teve que deter-se. —Luc —sussurrou Jane, depois lhe agarrou a cabeça e fez que suas bocas voltassem a unir-se. Percorreu seus ombros e o peito com as mãos, e o beijou como o faria uma mulher que desejasse meter-se na cama imediatamente. Um beijo pleno, com a boca aberta. Ele acariciou seu mamilo com a palma da mão e ela lhe rodeou a cintura com a perna. Ele esfregou sua ereção contra o púbis de Jane. O calor de seus corpos quase lhe levou a perder a cabeça. Apertou-se a ela e esqueceu a possibilidade de deter-se. —Aqui não —disse Luc quando suas bocas se separaram—. Nos prenderiam. Acredite, sei do que falo. —Respirou fundo e acrescentou—: Há um motel em Best Western ou um Ramada a poucos quilômetros daqui. Alugarei um quarto enquanto você espera no carro. —Como? Deus do céu, desejava-a. Queria tombar-se em cima dela e permanecer ali durante um bom momento.

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—Passaremos a noite fazendo o amor —repôs ele—. E também meia manhã. E quando pensar que já não pode mais, voltaremos a começar. —Tinha passado tanto tempo da última vez que tinha querido fazer loucuras que logo não podia pensar em outra coisa que tirar as calças—. Vou fazer maravilhas com você. Ela não disse nada e ele a olhou nos olhos. Jane separou a perna de sua cintura e pôs o pé no chão. —Em uma quarto de motel? —Sim. Podemos ir no meu carro. —Não. —Onde, então? Ela o empurrou, afastando o de si. —Em nenhum lugar. —E isso por que? Estou quente, e não tenho que pôr a mão em seu ventre para saber que você está úmida. —Está-me tratando como a uma qualquer —disse Jane entre dentes. Ele não tinha pensado nunca nela nesses términos. Ou sim? Não, não o tinha feito. —Você não gosta da palavra «úmida»? Como o definiria? —De maneira nenhuma, e eu não transo. Eu faço amor. Transa é para piranhas. —Cristo bendito —disse Luc—, a quem lhe importa isso? Uma vez que põe, é o mesmo. —Não, não o é, e me importa. —Ela seguiu empurrando-o—. Não sou uma dessas. Sou jornalista! Luc não entendia a quem estava tentando convencer, se a ele ou a si mesma. —É uma estreita —lhe espetou girando sobre seus pés. Colocou uma de suas mãos no bolso de sua jaqueta e apertou as chaves em seu punho até fazer dor. Arrependia-se de ter conhecido Jane. Arrependia-se de ter posado os olhos nela, e ainda se arrependia mais de que ela o excitasse até o ponto de beijá-la e ter que retornar a casa frustrado... uma vez mais. Enquanto caminhava para seu carro, ouviu que entrava em marcha o Honda de Jane. Antes de que estivesse ao volante, ela se foi, deixando detrás de si o brilho das luzes vermelhas traseiras. Isso e a dor que Luc sentia sob ventre e o batimento do coração nas têmporas e a consciência de que teria que voltar a vê-la três dias mais tarde.

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«Eu faço o amor», havia-lhe dito. A primeira vez que se viram, ele supôs que ela era uma dessas mulheres antiquadas, uma dessas mulheres sempre levam anos sem ir-se à cama com um homem. E sua intuição tinha sido certa. —«Fazer o amor» —disse para si enquanto acendia o motor. Jane não queria fazer amor. Ou não tinha interpretado corretamente os sinais. Uma mulher que quer «fazer o amor» não beija como uma rainha do pornô. Uma mulher que quer «fazer o amor» não toma seu tempo. Não rodeia a cintura de um homem com a perna enquanto este a empurra contra uma parede de concreto. Saiu do estacionamento e se dirigiu a sua casa. Alguém deveria ensinar a aquela dissimulada um par de coisas. Mas não ia ser ele. Jane Alcott era água passada. Desta vez deixava claro.

11 Como enganar ao rival Três dias depois do incidente no estacionamento, Jane estava sentada na cabine de imprensa do Key Arena, olhando para a pista. —A comida e a bebida aqui são grátis? —perguntou-lhe Caroline. —Há comida e bebida grátis na sala de imprensa. —levou Caroline consigo para ter alguém com quem falar. Alguém que lhe ajudasse a manter a mente afastada dos problemas com os homens—. Eu não vou até um pouco mais tarde.

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Caroline usava uma camiseta dos Chinooks muito justa e uns jeans igualmente justos. Já tinha chamado a atenção do operador de vídeo do estádio e tinha saído três vezes na enorme tela do marcador. Darby se reuniu com elas poucos minutos antes do espetáculo prévio à partida. Usava o cabelo engomado e a capa de plástico para as canetas no bolso de sua camisa negra de seda. Jane apresentou-o Caroline, e ele abriu os olhos arregalados e ficou boquiaberto quando conheceu a formosa amiga de Jane. A esta não surpreendeu a reação de Darby, mas sim lhe surpreendeu que Caroline deixasse reluzir todo seu encanto e lhe desse corda. Começou o espetáculo prévio à partida e Jane soube que em quinze minutos teria que descer ao vestiário e desejar sorte aos jogadores. Teria que voltar a ver Luc, a quem não via desde que se beijaram no estacionamento e ela tinha perdido a noção. Felizmente, no último minuto tinha recuperado o censo e não se foi com ele a um motel. Isso teria sido muito mau em todos os sentidos. Não podia negar, entretanto, que tinha perdido a batalha com Luc. Estava atraída por ele, como se fosse um gigantesco ímã e ela uma parte de metal. E ao que parecia não podia fazer nada a respeito. Tinha passado a semana anterior viajando pelo país, evitando-o na medida do possível. Evitando o homem capaz de irritá-la e zangá-la, e capaz de fazer também que se derretesse. Durante a maior parte do tempo tinha conseguido manter-se ocupada. Entrevistou Darby para a coluna «Solteira na cidade», e escreveu um artigo sobre os meninos bons que acabavam colocando o gato na água. Recomendava a suas leitoras que evitassem os tipos que fazem que pulse com força o coração e o pensassem duas vezes antes de sair com os meninos bons. Citou Darby e lhe deu brilho a suas palavras e, em troca, supunha-se que ele falaria com os treinadores, pois continuavam sem quere-la por perto. Fez caso de seu próprio conselho e o levou a prática com bastante eficácia, evitando o tipo que fazia pulsar com muita força seu coração. Mas depois que ele a tinha apoiado contra aquela parede e a tinha beijado. Teria que ter se sentido surpreendida e atordoada, mas aproximar-se, com as pálpebras entreabertas e um brilho de luxúria em seus olhos azuis, tinha-a feito sentir débil e excitada ao mesmo tempo. No momento em que seus lábios a roçaram, sentiu que as forças a abandonavam e se deixou levar pelo que com tanto desespero desejava: Luc. Apesar de que seus sentimentos para ele eram pouco mais que um caos, não poderia ocultar por muito tempo a verdade. Desejava Luc. Desejava estar com ele, mas queria ser algo mais que outra mulher a que levar a um hotel.

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Algo mais que uma admiradora. Tinha-a chamado «antiquada». Não era uma antiquada absolutamente. Não lhe importava que os homens utilizassem palavras fortes enquanto faziam amor. Era a autora do Bombonzinho de Mel», pelo amor de Deus, mas também uma mulher decidida a conservar a dignidade, a lutar por ela. A lutar por não apaixonar-se como uma colegial de um tipo indesejável. Se algum dia ele descobrisse que ela era Bombonzinho de Mel, Jane supunha que não teria que lutar nunca mais. O mais provável é que não voltasse a lhe falar, que a odiasse inclusive. Depois de apresentar-se em sua habitação no hotel na semana anterior, em Denver, lhe dizendo que a tinha beijado por culpa daquele vestido vermelho, ela enviou o episódio que tinha escrito descrevendo um bonito goleiro de hóquei de Seattle para o número de março. Havia sentido tanta raiva, havia-se sentido tão ferida, que apertou o botão de enviar e mandou o que tinha escrito pelo ciberespaço. Se Luc topava com a coluna de março e a lia, saberia que tinha sido a última vítima do Bombonzinho de Mel. Disse-se que deveria sentir-se adulado. Que possivelmente se sentisse adulado. Nem todos os homens dos Estados Unidos tinham a honra de entrar em coma nas mãos do Bombonzinho de Mel. Mas, para falar a verdade, não acreditava que Luc fosse sentir se um privilegiado, e isso fazia que se sentisse um pouco culpada. Por desconto, não havia modo de que ele a relacionasse com a autora do Bombonzinho». Nunca saberia que era ela quem escrevia essas histórias. Mesmo assim se sentia culpado. Darby riu devido algo que Caroline lhe disse, tirando Jane de seus pensamentos. Por uns segundos Jane sopesou a possibilidade de lhe dizer a Darby que não era o tipo de menino que gostava sua amiga, que com toda probabilidade lhe daria um fora, mas Darby parecia muito feliz de sentir-se capturado pelo sorriso do Caroline. Em lugar de lhe advertir, Jane deixou que chegasse a supô-lo por sua conta. Colocou sua maleta perto de sua cadeira e se obrigou a ir para o elevador para descer ao andar inferior. Estudou a jaqueta cor azul marinho que usava posta sobre o pulôver de pescoço de cisne branco. Abotoou a jaqueta para assegurar-se de que seus seios ficavam cobertos. Antes que Luc lhe dissesse que seus mamilos sempre estavam eretos, ela nunca parou a pensá-lo. Nunca tinha emprestado muita atenção a seus seios. Eram tão pequenos que sempre tinha dado por certo que ninguém os tinha em alta conta. Ninguém à exceção de Luc.

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Diminuiu a marcha à medida que se aproximava do vestiário, e se deteve ante a porta a escutar o inspirador discurso do treinador Nystrom. Quando terminou, elevou os ombros e entrou no vestiário. Evitou olhar para Luc, mas não precisava vê-lo para saber que estava ali. Podia sentir seu olhar. E não lhe transmitia boas vibrações. —Olá, Piralha - lhe disse Bruce. —Como vai, Fishy —respondeu ela voltando-se para o resto da equipe. Ocupou seu lugar no centro da estadia e começou com seu ritual. —Deixe as cuecas postas, tenho algo que lhes dizer e só tomará um minuto e não quero que sincronizem a baixada de sua cueca. —Ou algo assim— .Viajar com vocês, moços, foi uma experiência que jamais esquecerei. Espero que neste ano ganhem a liga. —dirigiu-se para o capitão, que nesses momentos estava vestindo a camiseta—. Boa sorte com a partida, Assassino. Lhe deu um aperto de mãos. Embora o corte de seu lábio sem dúvida doesse, sorriu. —Obrigado, Jane. —De nada. Rob tinha se recuperado e poderia jogar essa noite, por isso Jane foi até sua bilheteria. —Como se sente, Martelo? —De puta mãe. —ficou em pé e se elevou por cima do Jane com seus patins—. É bom estar de volta. —Eu gosto de ver que é assim. —voltou-se e caminhou para Luc. Estava sentado, umas quantos mechas loiras lhe caíam pela fronte. Observou-a aproximar-se com expressão gélida. Com cada passo, em Jane crescia o nó que se formou em seu estômago. Quase preferia vê-lo furioso. Deteve-se frente a ele e tomou fôlego. —Pedaço de tolo. —Obrigado —disse Luc com voz neutra. —De nada. —Jane pensou que tinha que ir-se, mas não se pôde mover---. Entrevistei Dion na semana passada. —E o que? Não lhe disseram que não me incomodasse antes das partidas? De acordo. Ao que parecia não se livrou de todos seus sentimentos. Obviamente, estava zangado. Bem. Zangado era melhor que indiferente. —Sim. E também me disse que tampouco te incomodasse depois das partidas. —Então, por que continua aqui?

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—Tenho tudo preparado para sua entrevista. —Pior para você. Era o momento de mostrar-se dura com ele. —Fizemos um trato, Martineau. Se não o cumprir, não voltarei a lhe chamar pedaço de tolo nunca mais. —ficou em pé e a olhou inclinando a cabeça para baixo. —Vale. Amanhã, quando voltar pra casa ao acompanhar Marie nas compras, traz o questionário. Ela sorriu. —Estupendo. Jane partiu antes que Luc mudasse de opinião. Quando retornou à cabine de imprensa, Darby e Caroline pareciam ocupados em um profundo bate-papo sobre o traje de Hermes que usava ele. Dirigiu-se a seu assento e retirou a maleta. Mexeu em seu interior e tirou a agenda e um bloco de notas adesivas. «Entrevista com Luc», escreveu em uma delas e a pegou à página correspondente ao dia seguinte. Como se fosse esquecer. Durante o segundo período, Caroline se inclinou para ela e lhe sussurrou ao ouvido: —Nunca tinha visto tanta testosterona junta. Jane sorriu. Os Chinooks perderam contra os Panters da Florida nos últimos quatro segundos da partida, quando um dos jogadores contrários lançou da linha azul. Luc ficou de joelhos, mas o disco lhe penetrou por debaixo. Voltou a cabeça para o gol e lançou o stick contra o poste justo no mesmo momento que soava a buzina. Quando Jane voltou a entrar no vestiário, manteve a cabeça alta e se aproximou de Vlad Fetisov e seu nariz torto. Não sabia dizer o que era pior, se lhe olhar por cima dos ombros ou por debaixo da cintura. Enquanto interrogava Vlad sobre sua lesão, deu um olhar disfarçada a umas quantas bilheterias de distância. Luc lhe dava as costas enquanto tirava os amparos até ficar completamente nu de cintura para acima. Baixou o olhar por suas costas até chegar a seu traseiro. Ele se voltou e nela se fez um nó na garganta. Por cima de sua cueca apareceu, como se de um convite ao pecado se tratasse, a tatuagem da ferradura. Não lhe coube a menor duvida de que estava atraída por ele. Fosse como fosse, aquele homem era um bombom. Recordou como tinha perdido a cabeça quando ele a tocou. Não tinha ficado com ninguém desde Vinny, ao qual tinha despachado fazia coisa de um ano.

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—... São coisas do jogo —acabou Vlad, e ela se alegrou de ter gravado sua resposta porque não tinha ouvido uma só palavra do que havia dito. —Obrigado, Vlad. Talvez fosse o momento de encontrar alguém. Alguém que lhe ajudasse a tirar-se da cabeça Luc e sua tatuagem. Na manhã seguinte, uma névoa cinzenta pendia sobre Seattle quando Jane passou para buscar Caroline e conduziu até o Bell Town. Devido à entrevista que tinha que fazer horas mais tarde com Luc, Jane tinha posto umas calças de lã cinzas e uma blusa branca. Caroline usava umas calças de cor rosa e um body vermelho e rosa. Parecia estar preparada para ir à audição de um programa infantil com trinta e cinco anos de atraso. Em qualquer outra pessoa, aquele vestuário teria parecido totalmente inadequado, mas em Caroline, de algum modo, sentava-lhe bem. Buscarma Marie na porta do edifício do Luc, bem a tempo para chegar ao cabeleireiro à hora indicada. Vonda lhe cortou o cabelo à altura da mandíbula e a penteou. O corte era juvenil e vistoso, e fazia que Marie parecesse quatro anos mais velha. Depois disso, passaram pelas lojas Gap, Bebe e Hot Topic, onde Marie comprou um cinto de pele com tachinhas chapeadas e uma camisa Care Bear. Caroline comprou um novo aro para o umbigo e um esmalte de unhas cor de rosa. Jane comprou uma camiseta da Batgirl. Falaram de meninos e música e das atrizes de Hollywood que estavam começando a despontar. Em cada ocasião Marie pagou com o cartão VISA de Luc. Na loja MAC do Nordstrom, a artista de maquiagem aplicou os cosméticos necessários para destacar os grandes olhos azuis de Marie e realçar sua suave cutis. Marie escolheu uma cor de batom vermelho intenso que ficava realmente bem, mas que lhe acrescentou outro idade. Jane não pôde evitar perguntar-se o que pensaria Luc de que sua irmã parecesse mais velha do que era. Não demoraria para descobri-lo. No que a roupa se referia, Marie aceitou os conselhos do Caroline sem pigarrear. Caroline sabia conduzir às pessoas, evitando passos em falso, de um modo em que não se sentiam conduzidos, desse modo não lhes irritava que Caroline fosse alta e formosa e vestisse como uma supermodelo. —São pequenos para você —indicou a Marie quando esta escolheu uns jeans Calvin Klein—. Os modistas desenham a roupa para garotas anoréxicas ou jovenzinhos —disse—. Graças a Deus, não tem aspecto de menino. — Acrescentou, lhe passando um número cinco.

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Darby Hogue apareceu no departamento de calçado enquanto Marie estava provando umas sandálias Steve Madden com um salto de oito centímetros. —Disse a Darby que lhe ajudaria a escolher um par de camisas —disse Caroline, e se Jane não a tivesse conhecido como a conhecia, teria jurado que a sua amiga lhe tinham subido um pouco as cores. Mas isso era impossível, porque os garotos ruivos do MENSA não eram o tipo do Caroline. Ela gostava de altos, morenos e sem capas de plástico para canetas no bolso da camisa. Caroline mostrou a Marie umas botas negras com umas grandes fivelas chapeadas aos lados. —Ficariam geniais com a saia de camuflagem e o cinto que compraste. Jane, por sua parte, pensou que as botas eram horrorosas, mas Marie exclamou, encantada: —Massa! Jane entendeu aquilo como algo positivo. De novo, sentiu-se velha para ouvir falar com uma adolescente. Para rebater essa sensação, provou-se umas sandálias com um salto de cinco centímetros. Sentou-se junto a Darby para provar as sandálias —O que lhe parecem? —perguntou-lhe levantando-a perna da calça do jeans e observando as sandálias de diferentes ângulos. —Parecem sapatos de espantalho. Deu uma olhada ao Darby, embelezado com sua camisa favorita de seda com caveiras estampadas e suas calças de couro, e se perguntou de onde tinham saído essas palavras. Inclinou-se para ela e lhe disse ao ouvido. —Necessito que fale bem de mim a Caroline. —Nem sonhe. Ofendeste-me com o das sandálias. —Se me conseguir um encontro com ela, comprarei-lhe isso. —Quer me fazer de cupido? —Supõe-te algum problema? Jane olhou sua amiga, que estava ante o mostrador da loja Ralph Lauren estudando um par de prendedores para o cabelo. —OH, sim —disse Caroline. —Dois pares de sapatos. —Esqueça. —Jane tirou as sandálias e as colocou outra vez na caixa—. Mas vou te dar alguns de conselhos: deixas de usar camisa de caveiras e não fale do MENSA. —Diz-o a sério? —Totalmente.

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Quando acabaram na seção de sapataria, ela e Marie subiram pelas escadas rolantes à seção de lingerie, e Caroline e Darby se dirigiram à seção de roupa masculina. Jane e Marie foram carregadas de bolsas olhando os sutiãs. —O que lhe parecem? —perguntou-lhe Marie lhe mostrando um sutiã de renda cor lavanda. —É bonito. —Mas aposto o que não é nada cômodo. —Inclinou a cabeça para um lado—. Não te parece? —Sinto muito, mas não sei se poderei te ajudar. Nunca uso sutiã. —Por que? —Bom, como pode apreciar, não é que o necessite muito. Sempre usei tops... ou nada. —Minha mãe me teria matado se só tivesse usado tops. Jane encolheu de ombros. —Sim, bem, quando cresci, meu pai não gostava de falar de coisas de garotas. Acredito que durante alguns anos se limitou a fingir que eu era um menino. Marie a olhou por cima da etiqueta do preço. —Continua sentindo falta da sua mãe? —Todo o tempo, mas já o superei. Entretanto, aconselho-te que guarde todas as boas lembranças que tenha de sua mãe antes que adoecesse. Não pense nas coisas más. —Do que morreu sua mãe? —Câncer de mama. —OH. Olharam-se por cima de um mostrador com brilhantes sutiãs. Os grandes olhos azuis de Marie se cravaram nos de Jane, e nenhuma das duas fez comentário algum sobre quão doloroso era ver morrer desse modo alguém que se ama. Conheciam a experiência. —Era mais jovem que eu, verdade? —perguntou Marie. —Tinha seis anos, e minha mãe esteve doente muito tempo antes de morrer. Tinha trinta e um anos. Um mais que Jane naquele momento. —Eu conservo algumas flores do enterro de minha mãe —disse Marie—. Se secaram, mas de algum modo me fazem sentir que continuo conectada a ela. —Baixou a vista—. Luc não o entende. Acredita que deveria as atirar. —Contaste-lhe por que as conserva?

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—Não. —Deveria fazê-lo. Encolheu de ombros e desprendeu do mostrador um sutiã vermelho. —Eu tenho o anel de compromisso de minha mãe —confessou Jane—. Meu pai lhe deixou o anel de matrimônio, mas ficou com o de compromisso; eu estava acostumada a levá-lo pendurado no pescoço com uma corrente. —Não havia tornado a falar desse anel, nem do que significava para ela, fazia anos. Caroline não o entendia, já que sua mãe fugiu com um caminhoneiro. Mas Marie, sim. —Onde o tem agora? —Na gaveta de minha roupa intima. Deixei de usa-lo alguns anos depois de sua morte. Suponho que você também te desfará das flores quando tiver passado o tempo adequado para ti. Marie assentiu com a cabeça e escolheu um sutiã branco com enchimento. —Olhe este. —Parece resistente. —Jane também tirou um do mostrador e apertou o enchimento. Era forte e se perguntou o que pensaria Luc respeito a que sua irmã pequena usasse um sutiã com enchimento. Perguntou-se também o que pensaria se ela usasse um—. Talvez Luc não goste que compres um sutiã como este. —Que seja, dá no mesmo. Provavelmente nem sequer se dê conta —disse pegando quatro sutiãs e metendo-se em um provador. Enquanto esperava, Jane agarrou todas as bolsas e se aproximou da seção de calcinhas. Talvez não soubesse muito de sutiãs, mas era uma perita em calcinhas. Gostava das tangas. Ao princípio, odiava-as, mas depois começou a sentir devoção por elas. Não tinhas que subi-las como as calcinhas convencionais pois..., bem, sempre estavam em cima. Enquanto esperava, comprou seis pares de tangas de algodão e lycra com seus respectivos tops. Uma vez tendo saído do provador, Marie deixou um montão de calcinhas e três sutiãs no mostrador. O telefone móvel começou a soar em sua bolsa e ela respondeu. —Olá —disse—. Humm... Sim, acredito que sim. —Olhou Jane—. O perguntarei. Luc quer saber se tem fome. Luc? —Por que? Marie encolheu de ombros.

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—Por que? —perguntou Marie a Luc. Deu a despesa do cartão de crédito de seu irmão, depois se voltou para Jane—. É seu dia de cozinha. Diz que está cozinhando e que, como vais vir a lhe entrevistar, também preparará comida para você. Duas coisas acudiram imediatamente à mente do Jane. A imagem de Luc cozinhando e o que já não se sentia zangada com ele. —Diga-lhe que tenho muita fome. 12 Golpear com força —Parece-me estranho não ter jardim —disse Marie, falando a respeito das diferenças de sua vida agora que vivia no edifício Bell Town com Luc—. E já não tenho que ir à lavanderia —acrescentou ao tempo que saía do elevador no décimo nono. Isso está muito bem. —Luc lava a roupa? Marie riu. —Não. —Percorreram o corredor até a última porta à esquerda—. Vêm busca-la e depois nos trazem limpa e engomada. —Também a roupa intima? —Sim. —Não sei se eu gostaria que alguém tocasse minhas calcinhas —disse Jane enquanto Marie abria a porta. Ao menos, nenhum estranho, pensou ao entrar no piso, detendo-se imediatamente. A visão da espetacular vista fez que Jane se detivesse e deixasse de pensar em pessoas estranhas tocando suas tangas. A janela ia do chão ao teto e ocupava toda uma parede. Além dos telhados dos edifícios, podia ver os navios que percorriam a baía Elliot. Na sala havia um sofá azul escuro, cadeiras e um par de mesinhas de aço e cristal. A habitação não tinha arestas e havia grandes plantas dentro de vasos de aço inoxidável. A sua esquerda, os Devils jogando contra Long Island em uma grande tela de televisão, enquanto Dave Mathews soava no aparelho se som. Luc estava na cozinha aberta, separada do salão por uma coluna de granito. Os armários que havia atrás dele tinham as portas de cristal com puxadores cromados. Os eletrodomésticos, de aço inoxidável, eram de linhas modernas. Luc apertou um botão de controle remoto e a música cessou. Sorriu e se formaram umas pequenas rugas nas linhas de seus olhos. —Está muito bonita, Marie.

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Marie deixou suas bolsas no chão e estendeu o casaco sobre o sofá. Ficou a dar voltas ao redor de seu irmão e disse: —Tenho o aspecto de uma garota de vinte e um anos. —Não tantos. —Luc se voltou sorrindo para Jane e, de novo, esta sentiu seu magnetismo, atraindo-a com uma força superior a todos seus receios—. Gosta de uma cerveja? —Não, obrigado —respondeu Jane—. Não bebo cerveja. —Deixou a maleta e o casaco sobre o sofá. —Alguma outra coisa? —Um pouco de água estaria bem. —Eu tomarei a cerveja de Jane —disse Marie com inocência. —Assim que faça vinte e um —repôs Luc enquanto tirava uma garrafa de água da geladeira de aço inoxidável. —Aposto o que queira que bebia álcool antes dos vinte e um —disse Marie. —Claro, e olhe no que me converti. —Luc fechou a porta com o pé e apontou para Jane com a garrafa—. E você não diga nada. —Não pensava fazê-lo. —Jane caminhou pela sala e se deteve entre dois tamboretes de pele cinza com os pés de alumínio. —Muito bem. —Luc pôs um par de cubos de gelo em um copo e verteu água da garrafa. Subiu as mangas do pulôver cor creme, e a camiseta branca aparecia pelo pescoço. Usava seu Rolex de ouro e umas calças cor verde oliva—. Porque disponho de uma suculenta informação com a que poderia te chantagear. Sabia que ela se excitou muitíssimo quando a tinha beijado e que não gostava de usar sutiã. —Pois não conhece a informação verdadeiramente suculenta. —Verdadeiramente suculenta? —perguntou ele com um sorriso. Era informação que lhe teria deixado a quadros, mas rezava a Deus para que nunca chegasse a imaginá-lo. Nunca saberia que ela era Bombonzinho de Mel. —Que informação? —perguntou Marie sentando-se ao lado do Jane. —Que pertenço a um grupo de motoqueiros—respondeu Jane. Luc arqueou uma sobrancelha com expressão de incredulidade e deixou o copo na mesa. —Bom, pertenci —-particularizou Jane. —E eu —apontou Marie—. Ainda conservo todos minhas bonecas. —Eu nunca fui Boy Scout -—interveio Luc. Marie pôs os olhos em branco.

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—Vá. Luc olhou a sua irmã como se pensasse e lhe dizer algo, mas no último segundo decidiu não fazê-lo. Voltou a colocar a água na geladeira e deixou uma bandeja de peitos de frango marinhados na mesa. —Posso te ajudar em algo? —perguntou Jane. Depois de abrir uma gaveta, Luc tirou um garfo e mexeu nos peitos. —Você sente-se e relaxe. —Eu ajudarei—se ofereceu sua irmã descendo do tamborete. Ele elevou a vista e dirigiu a Marie um olhar cálido, Jane sentiu que o coração lhe pulsava de um modo que pouco tinha que ver com o desejo que sentia por Luc e sim com o fato de apreciar o lado carinhoso e amável do Luc Martineau. —Isso estaria bom. Obrigado. Joga a massa na água fervendo. Marie rodeou o balcão e foi até onde se encontrava Luc, junto à cozinha. Tirou uma caixa vermelha de um dos armários e depois o medidor de água. —Dois copos de água —leu em voz alta—. E uma colher de manteiga. —Quando Marie era pequena —disse Luc quando ela se voltou-—, dizia «ônibus» em lugar de água. —Como sabe? —perguntou Marie enquanto calculava a quantidade de água. —Lhe ouvi dizer isso uma vez que fui de visita quando meu pai ainda vivia. Devia ter uns dois anos. —Era muito bonita pequenina. —Não tinha cabelo. Marie verteu a água em uma panela. ---E o que? Luc elevou a mão e revolveu o cabelo de sua irmã. —Parecia um menino. —Luc! —Marie deixou a panela sobre o fogão e se penteou com a mão, Luc soltou uma gargalhada. —Foi uma menina muito bonita. —Bom, isso está melhor. —Marie se voltou e acrescentou a manteiga--Está ciumento porque você parecia um Teletubby. —O que é um Teletubby? —OH, Meu deus! Não sabe o que é um Teletubby? —Marie meneou a cabeça, sobressaltada ante a ignorância de seu irmão. —Não. —Luc franziu o cenho ao tempo que se voltava para o Jane—. Você sabe?

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—Por desgraça, sim. É um programa de televisão para meninos. Eu só o vi uma vez, e pelo que pude comprovar, os Teletubbies se limitam a dar voltas pela Teletubbylandia balbuciando. —E têm uma tela na barriga —disse Marie. Luc abriu a boca, surpreso; parecia como se lhe tivesse sobrevindo uma repentina dor de cabeça só de imaginá-lo. —Está brincando? —Não. —Jane negou com a cabeça—. E, em minha defesa, tenho que dizer que sei quem som porque faz uns anos Jerry Falwell alertou aos pais de que na Teletubbylandia havia uma mensagem homossexual encoberta. Ao parecer, Tinky Winky é de cor violeta e leva uma bolsa rosa. —Tinky Winky? -—Luc se voltou muito devagar para sua irmã—. Deus do céu. E fala de mim porque eu gosto de olhar as partidas de hóquei. —Não é o mesmo. Que você olhe partidas de hóquei é como se eu olhasse classes de colégio pela televisão. Não deixava de ter razão. Luc, pelo visto, também apreciava a lógica de sua afirmação, pois encolheu de ombros. —Não posso acreditar que veja coisas como esses Telebellies —disse, mas ao mesmo tempo agarrou o controle e apagou a televisão. —Teletubbies —o corrigiu Marie—. Quando vou à casa da Hanna põe as fitas de vídeo para seu irmãozinho de dois anos. Ele fica hipnotizado e assim podemos pintar as unhas. —Hanna? —A garota que vive no terceiro. Já te falei que ela. —Ah, sim. Tinha esquecido seu nome. —Uma vez que Luc tirou as verduras fumegantes, voltou-se para os fogões e pôs a esquentar o frango. —Precisamente, vou ao cinema com ela depois de comer. —Quer que lhes leve? —Não. Luc tinha uma graça inata para tudo o que fazia, fosse deter um disparo a porta ou mexer os peitos de frango no fogo. Seus movimentos eram tão harmoniosos que observá-lo era fascinante. Quase tanto como ver o modo que seu traseiro enchia as calças. O pulôver lhe chegava justo por debaixo da cintura e justo por cima da etiqueta dos bolsos traseiros. Jane ouviu Luc falar com a sua irmã a respeito do que tinham estado fazendo, tudo o que ela tinha comprado e seus planos para mais tarde. Jane sabia, graças às conversações que tinha mantido com Luc, que este não

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acreditava que estivesse fazendo um bom trabalho com Marie. Ao vê-los juntos, Jane não estava tão segura de que em efeito fosse assim. Pareciam dar-se muito bem. Eram uma família. Possivelmente não a família ideal, mas família ao fim e ao cabo. Ali estavam, na cozinha, preparando a comida, tentando incluir Jane, mas mesmo assim um pouco distantes. Marie com aqueles justos jeans que usava quando Jane passou a procurá-la pela manhã, e Luc com aquelas calças que ficavam como uma luva. Luc moveu o frango e Marie lhe falou dos diferentes desenhistas dos quais Caroline lhe tinha falado. —Espero que, finalmente, compre-te uns que cubram e que não fiquem tão justos —disse enquanto se ocupava das verduras. Marie lhe olhou por cima do ombro, seus olhos azuis tinham um leve toque estrábico. Talvez se Luc se precavesse da careta de sua irmã, teria se dado conta que Marie levava a sério suas palavras e não teria acrescentado: —Essas calças são tão justas que é um milagre que as costuras não tenham arrebentado. OH, OH. —Que simpático! Eu não te digo se as calças estão muito apertadas. —Isso é porque não são justas. Eu não gosto que me apertem o traseiro. —Finalmente, Luc olhou pra sua irmã—. O que é o que te incomoda tanto? Marie abriu a boca, mas Jane falou por ela. —Marie comprou algumas roupas muito bonitas que ficam estupendamente. —Bem, exceto aquele cinto com tachinhas—. Caroline a ajudou escolher. Eu não entendo muito bem disso de moda e de cores. Por isso me visto sempre de negro. Luc se voltou para ela e apoiou o traseiro na mesa. —Pensava que se isso devia a Rainha dos Condenados. Ela o olhou nos olhos e franziu o cenho. —Não, menino mau —disse voltando a centrar a atenção em Marie—. Na próxima vez que irei depilar-me à cera, você virá comigo. Antes me depilava com barbeador elétrico, mas agora passei à cera. Dói como um demônio, asseguro-lhe isso, mas vale a pena. —De acordo. —Marie sorriu a seu irmão—. Poderei levar um de seus cartões, Luc? —Não, maldita seja. —Cruzou os pés e os braços—. Compraria oito quilogramas de quinquilharias e algum desses horríveis discos do Britney Spears.

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Marie voltava a estar radiante. —Isso só passou uma vez, e não foram oito quilogramas. E não comprei nenhum disco horrível. —Dois. Todo esse açúcar é mau para você, e escutar Britney Spears deixa qualquer um estúpido. —A tensão se apalpava no ambiente, embora Luc parecia não dar-se conta. Ou isso, ou era muito hábil para passá-lo por alto. Voltou-se para dar uma olhada à comida—. Um dia, se ainda conservar todos seus dentes e seu cérebro não se for feito de fosfatina por culpa de Britney, me agradecerá. Pela cara que fez Marie, esse dia ia demorar uma eternidade em chegar. Quando se sentaram à mesa para comer, Marie tinha emudecido. Apesar de ter sido também uma adolescente, Jane não tinha tido irmão algum que lhe dissesse que estava muito apertada a calça ou que a música que escutava era uma porcaria. Só tinha disposto de um pai que estava acostumado a tirar a humilhá-la simplesmente por ser uma mulher. Luc se sentou em um canto da mesa, e Jane e Marie aos lados. Havia posto copos de leite junto aos três pratos, apesar de que Jane havia dito a Luc que não bebia leite. Ninguém lhe tinha servido leite na hora da comida desde que estudava na escola primária, pensou enquanto colocava seu guardanapo no colo. Muitos homens tinham tentado que bebesse álcool, mas nenhum que bebesse leite. Luc não só tinha engenhado para conseguir, como o que havia cozinhado tinha boa aparência, mas também bom sabor. Assim existia um tipo de aparência tão agradável para comer e capaz de cozinhar bem? Se não fosse por sua coleção de Barbies, e por lhe obrigar a beber leite, teria sido muito bom para ser verdade. —O frango está genial —disse Jane. —Obrigado. O segredo está no suco de laranja. —Você quem fez o molho? —Claro, o segredo... —Sabem de uma coisa? —interrompeu-o Marie—. Os golfinhos são os únicos mamíferos, além dos humanos, que fazem o amor por prazer. Luc franziu o cenho e olhou pra sua irmã. Marie estava tentando incomodá-lo de propósito, e Jane queria ouvir sua resposta, para comprovar se tinha irritado-se e reagia como ela desejava que o fizesse. —Onde ouviste isso? ——perguntou-lhe.

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—Me disse a professora de biologia. E um menino que tinha ido a Disney World, e que tinha nadado com os golfinhos, disse que realmente estavam muito brincalhões. —Não recordo ter ouvido nada de golfinhos brincalhões quando ia ao colégio. Limitávamos a dissecar rãs —disse Luc. Voltou-se para Jane e acrescentou—: Me sinto extorquido. E você, Jane? Teve que aprender algo sobre golfinhos brincalhões? Jane negou com a cabeça e tentou não sorrir. —Não, mas no Discovery Channel vi uma reportagem na qual afirmavam ter encontrado macacos homossexuais na África. Assim, sem dúvida, algumas espécies de macacos também se enrolam por prazer. Luc arqueou as sobrancelhas. —Macacos homossexuais? Como os descobriram? Jane riu meneando a cabeça. Ele também sorriu e lhe formaram umas pequenas rugas nos cantos dos olhos. —Usavam óculos de armação negra e pijamas com vaquinhas? —Não comece outra vez. —Do que falam? —quis saber Marie. —Acredita que meus óculos são horrorosos —repôs Jane com um sorriso. —E seus pijamas. —Como sabe que pijamas usa? Luc olhou pra sua irmã. —Pilhei-a no corredor do hotel de Phoenix com o mais espantoso pijama de vaquinhas que possa imaginar. ---Queria um pouco de chocolate —explicou Jane—. Acreditava que todos os jogadores já estavam em seus quartos. —Luc não sabe o que significa necessitar chocolate. —Marie revirou os olhos—. Só come coisas saudáveis. —Meu corpo é um templo —disse ele antes cravar o garfo em uma boa parte de couve-flor. —E qualquer mulher com as pernas longas e um bom par de melões merece que o adorem —apontou Jane, arrependendo-se imediatamente. Marie se pôs-se a rir. Luc sorriu. Jane trocou de tema antes que ele pudesse fazer algum comentário. —Quem é a senhora Jackson? —A velha que fica comigo quando Luc está de viagem —respondeu Marie.

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—Glorifica Jackson é uma professora retirada —esclareceu Luc—, uma mulher muito agradável. —É velha. —disse Marie—. Também come muito devagar. —Aí o tem, essa sim que é uma boa razão para odiá-la. —Não odeio Glória. O que passa é que acredito que não necessito de uma canguru. Luc soltou um suspiro de exasperação, como se tivessem falado desse tema com antecedência, o que de fato tinha ocorrido várias vezes. Agarrou seu copo de leite e bebeu um bom gole. Quando voltou a deixá-lo sobre a mesa, apareceu sobre seu lábio um bigode branco que ele não demorou em limpar com a língua. —Por que não bebe o leite? —perguntou a Jane. —Já te disse que eu não gosto de leite. —Sei, mas necessita de cálcio. É bom para os ossos. —Não me diga que está preocupado por meus ossos... —Preocupado, não. —Luc esboçou um atrativo sorriso—. Só sinto curiosidade. Suas palavras, assim como aquele olhar, meteram-se dentro de Jane, esquentando pontos de seu corpo que era melhor deixar esfriar. —Será melhor que o bebas, Jane —lhe advertiu Marie, mantendo-se à margem das insinuações sexuais que estavam intercambiando entre os adultos—. Luc sempre consegue o que quer. —Sempre? —perguntou Jane. —Não. —Luc negou com a cabeça—. Não sempre. —A maioria das vezes —insistiu Marie. —Eu não gosto de perder. —Luc deslizou o olhar até a boca de Jane—. Quero conseguir tudo o que me proponho. Jane olhou para Marie, que estava ocupada tentando pegar uma parte do brócolis. —Custe o que custar? —perguntou, e voltou a olhar pra Luc. —Sem dúvida. —E o que tem que a sutileza? —Depende das probabilidades. —Luc a olhou nos olhos—. Às vezes me vejo obrigado a jogar sujo. —Obrigado? Luc esboçou um sorriso malicioso. —Às vezes eu gosto de jogar sujo.

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Sim, Jane sabia algo disso. Tinha-lhe visto golpear com o stick e travar os patins dos adversários e lançar mão de sua força na portaria. Mas sabia que não estava falando de hóquei. Marie irrompeu a conversação trocando de tema. —Quando poderei tirar a carta de conduzir? Os dois adultos a olharam, então Luc se recostou em sua cadeira e Jane recuperou em parte a serenidade. —Não é o bastante adulta. —Sim o sou. Tenho dezesseis anos. —Quando tiver dezoito. —Não, Luc. —Marie bebeu um gole de leite e deixou o copo sobre o prato vazio—. Quero um Volkswagen New Beetle. Posso comprá-lo com meu dinheiro. —Não poderá dispor de seu dinheiro até que cumpra vinte e um. —Trabalharei —disse Marie, recolhendo seu prato e seus talheres e levando-os a cozinha. —Hoje é um desses dias —resmungou Luc. —Está zangada porque lhe disse que os jeans estão muito justos. —É que é assim. Jane agarrou o guardanapo e o deixou sobre a mesa. —Não acredito que esse seja seu problema. Caroline lhe aconselhou que comprasse esse tipo de roupa. —Foi muito amável de sua parte, e da de seu amiga, passar o sábado em compras com minha irmã —disse Luc enquanto ambos observavam Marie sair da Cozinha e percorrer o corredor a caminho de sua habitação— Não posso imaginar nada pior. —Deslizou sua mão para baixo da de Jane e estudo seus dedos. —Caroline se encarregou de tudo. —Sua mão parecia pequena e pálida junto à cálida mão de Luc, e de repente sentiu uma opressão no peito—. Eu não tenho nem idéia de como combinar as cores, por isso quase sempre me visto de negro. —E às vezes de vermelho —disse Luc. Muito devagar, percorreu com o olhar o pulso de Jane, o braço e o ombro até chegar à boca uma vez mais. Inclinou-se para ela, e com voz grave acrescentou—: Fica muito bem de vermelho. Mas acredito que já falamos em uma ocasião desse pequeno teu vestido. —Que te hipnotizou e te obrigou a me beijar? —perguntou ela, que de repente sentiu um nó no estômago.

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—Cheguei à conclusão de que não foi o vestido, a não ser a mulher que ia dentro dele. —Acariciou-lhe a mão com o polegar—. Tem uma pele muito suave. Jane posou a mão livre sobre o estômago, pois sentia um poderoso comichão nessa zona de seu corpo. —Sou uma garota. —Já me dei conta. Inclusive quando não quis me dar conta. Em todo momento sou consciente de sua presença, Jane, seja quando está sentada na parte traseira do avião ou do ônibus, ou ao entrar no vestiário depois da partida, disposta a enfrentar um punhado de tipos que são o dobro mais altos que você... —Provavelmente porque sou a única mulher entre trinta homens —disse ela com um sorriso nervoso—. Resulta difícil não fixar-se. —Talvez fosse assim ao princípio. —Ele contemplou seu cabelo e seu rosto—. Olhava ao redor e te via, e me surpreendia uma e outra vez, porque se supunha que não tinha que estar ali. —Baixou a vista—. Agora te busco. Embora aquelas palavras lhe fizessem pulsar com força o coração, a Jane custava levar a sério. —Acreditava que não queria que viajasse com a equipe. —É certo. —Luc ficou em pé e começou a recolher os pratos e os talheres—. E continuo sem querê-lo. Jane recolheu os copos e o seguiu à cozinha. —Por que? Eu disse que não estava interessada nas intrigas que contava o livro. —E não o estava. «Bombonzinho de Mel» era uma fantasia erótica. Sua fantasia erótica. Luc deixou tudo na pia e, em lugar de responder, esvaziou de um gole o copo de leite de Jane. —Por que não quer que viaje com a equipe? —perguntou Jane. Luc cravou nela seus olhos azuis enquanto limpava com a língua os restos de leite que tinha ficado no lábio. Jane sentia que sua resposta era muito importante. Para ela. Porque, embora desejava que não ocorresse, e apesar do muito que se esforçava por evitá-lo, estava se apaixonando por Luc. Quanto mais resistia, mais empurrava a força do amor. —Já vou —anunciou Marie entrando na cozinha. Por uns segundos Luc continuou olhando fixamente para Jane antes de voltar a cabeça para sua irmã. —Necessita de dinheiro? —perguntou-lhe deixando o copo na pia.

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—Tenho vinte dólares. Acredito que será suficiente. —Marie encolheu de ombros e afastou o cabelo do pescoço—. Talvez passe a noite na casa da Hanna. Embora tenha que perguntar a sua mãe. —Farei-o. —Marie fechou o zíper da jaqueta e se despediu de Jane. Enquanto esta olhava Luc caminhar junto a sua irmã para a porta, sua vista se posou na maleta e recordou por que tinha ido ao apartamento de Luc. Talvez se sentissem atraídos um pelo outro, mas eram profissionais e ela tinha trabalho que fazer. Sabia que não era seu tipo de mulher, e, além disso, não queria apaixonar-se por um homem que poderia lhe partir o coração como quem parte um pedaço de pão. Foi para o sofá da sala de estar. Abriu a maleta e tirou um bloco de papel de notas e seu gravador. Jane não desejava que lhe partissem o coração. Não queria apaixonar-se por Luc Martineau, mas cada pulsar de seu coração lhe dizia que já era muito tarde para voltar atrás. Quando ele fechou a porta uma vez que Marie tinha saído, Jane o olhou. —Preparado para a luta? —perguntou. —É a hora? —Sim. —Jane tirou uma caneta de sua maleta. Foi para ela, cobrindo com um par de pernadas a distância que os separava. O que havia em sua maneira de caminhar para ela, em sua maneira de olhá-la com aqueles formosos olhos azuis, que a fundia de cima abaixo como se fosse de manteiga? —Onde quer que o façamos? —perguntou. —Bom, essa é a questão —respondeu ele com um sorriso cálido e sexy.

13 Três gols em uma só partida - Vai me atacar sexualmente? Luc cruzou os braços e a olhou nos olhos. —Seria um problema para você? —Sim. Estou aqui para te entrevistar para o Times.

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Maldição, pensou Luc. Tinha os ombros erguidos, seu olhar era direto, estava concentrada por completo. Isso não era nada bom. Queria atacá-la. —Sente-se. Fazia muito tempo que Luc não via uma mulher em sua própria casa além de Glorifica Jackson. Desde que Marie foi viver com ele. Horas antes, quando chegou Jane e estiveram no salão, tinha-lhe pareciso estranho vê-la, rodeada de suas coisas. Como lhe aconteceu pouco depois de conhecê-la, quando olhava ao redor e a via sentada no avião em que viajava a equipe ou no ônibus, parecia-lhe desconjurado. Esta vez, entretanto, encaixava com perfeição com o entorno. Como se sempre tivesse estado aí. Luc se sentou em um canto do sofá e Jane se sentou no meio. Vários cachos lhe caíam pelas têmporas e pelas bochechas enquanto olhava o bloco de papel de notas e o gravador que tinha no colo. Vestia calças negras e blusa branca, e Luc sabia que sua pele era tão suave como parecia. —Há algum aspecto de seu passado de que queira falar? —perguntou Jane, mantendo a cabeça inclinada sobre o bloco de papel de notas enquanto o fazia. —Não. - Escreveram muito sobre você. Não quer desfazer-se de nada? —Quanto menos diga sobre o passado, melhor. —O que é o que mais lhe incomoda do que se escreve sobre você? As verdades? —O olhou de esguelha—. Ou as invenções? Nunca ninguém tinha feito essa pergunta, e pensou a resposta durante um segundo. —Provavelmente o que não é certo. —Embora seja adulador? —A que te refere? —Bom, não sei. —Jane respirou fundo—. As mulheres. As noites inteiras de sexo. Estava um pouco decepcionado pela forma na qual Jane levava a entrevista. Como não tinha posto em marcha o gravador, disse: —Nunca houve noites inteiras de sexo. Se permaneci alguma noite acordado foi porque estava preocupado. Ela baixou o olhar de novo e mordeu o lábio inferior. —A maioria dos homens se sentiriam adulados se falassem deles como atletas do sexo. Luc pensou que devia confiar nela, ou não lhe haveria dito o que acabava de lhe dizer. E tampouco o que ia acrescentar:

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—Se passava toda a noite preocupado, não era pelo sexo. Não sei entende o que quero dizer. —Não eram aduladores para você todos esses comentários sobre o sexo e as mulheres? Luc supôs que fazia aquela pergunta porque era um pouco dissimulada e se sentia intrigada por essa classe de coisas. —Na realidade, não. Estou tentando refazer minha carreira e toda essa merda turva o verdadeiramente importante. —OH. —Jane pôs em marcha o gravador—. No ranking dos cinqüenta melhores jogadores desta temporada elaborada pelo Hocke News, ocupa o sexto posto, o segundo entre os goleiros —disse trocando de tema—. O ano passado não apareceu na lista. O que acha que contribuiu para essa brilhante melhora em relação à temporada passada? Devia estar brincando. —Não melhorei nada. O ano passado voltei a jogar. —Disseram muitas coisas este ano a respeito de sua recuperação. — Parecia tensa, como se estivesse nervosa, o que não deixava de ser surpreendente. Luc não acreditava que houvesse muitas coisas capazes de pô-la nervosa—. Qual foi o maior obstáculo que tiveste que superar? —perguntou. —Conseguir que me dessem outra oportunidade para jogar. —Como estão seus joelhos? —Aos cem por cento —mentiu ele. Seus joelhos nunca voltariam a estar como antes da lesão. Enquanto seguisse jogando teria que conviver com a dor e a preocupação. —Tenho lido que quando começou a jogar na liga infantil no Edmonton o fazia de central. O que o levou a se converter em goleiro? Aparentemente, sua investigação tinha ido além de sua vida sexual. Por alguma estranha razão, isso não o irritou como estava acostumado a lhe irritar. —Joguei de central dos cinco anos até os doze. O goleiro de nossa equipe deixou a meia temporada e o treinador olhou a todos e disse: «Luc, ponha-se entre os paus. É o goleiro.» Ela riu, aparentemente mais relaxada. —Sério? Não nasceu com o fervente desejo de parar tudo? Luc gostava de sua risada. Era sincera, e fazia que seus olhos verdes brilhassem. —Não, mas logo me transformei em um bom goleiro. Ela anotou algo no bloco de papel de notas. —Alguma vez teve a tentação de voltar para sua posição original?

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Ele negou com a cabeça. — Assim que me pus entre os paus, já não quis sair dali. Nunca me passou isso sequer. Ela voltou a lhe olhar. —Percebe conta de que às vezes tem um forte acento francês? —Ainda? Trabalhei muito para evitá-lo. —Não o faça. Eu gosto. E ele gostava dela. Queria dar respostas inteligentes, mas ao olhá-la, com seu brilhante cabelo e seus lábios rosados, de repente não lhe importou mostrar-se inteligente. —Então, suponho que não seguirei trabalhando nisso... Jane sorriu, e voltou a centrar sua atenção no bloco de papel de notas. —Algumas pessoas dizem que os goleiros são diferentes do resto de jogadores, que são totalmente diferentes. Está de acordo? —Certamente é verdade, até certo ponto. —Luc apoiou as costas no sofá e estirou os braços sobre o respaldo—. Jogamos uma partida diferente de que jogam outros jogadores. O hóquei é um esporte de equipe, exceto para os goleiros. Um goleiro sempre joga, por dizê-lo de algum modo, um contra um. Se se equivocar, prejudicam-se todos. —Não se disparam os flashs nem grita a multidão quando defende um gol, não é isso? —Exato. —Quanto te custa superar uma derrota? —Isso depende do tipo de derrota. Estudo a gravação da partida e tento compreender como poderia fazer melhor na próxima e, pelo geral, no dia seguinte já o superei. —Quais são seus rituais anteriores às partidas? Permaneceu em silêncio até que, finalmente, ela voltou a cabeça para ele, então perguntou: —Além de que me chame pedaço de tolo? —Não vou publicar isso. —Hipócrita. Ela encolheu de ombros. —Confia em mim. Havia umas quantas coisas que podia imaginar-se em relação com ela, mas confiar não era uma delas. —A noite anterior ao dia da partida como um montão de proteínas e ferro.

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—O goleiro retirado Glenn Hall disse em uma ocasião que odiava todos os minutos que tinha jogado. O que te parece semelhante opinião? «Interessante pergunta», pensou ele enquanto jogava para trás a cabeça e estudava Jane. O que lhe parecia? Às vezes jogar tanto lhe desagradava, em efeito. Outras, entretanto, eram melhores que o sexo. —Na quadra minha concentração é total e sou muito competitivo. Não há nada melhor para mim que estar entre os três paus, detendo disparos. Sim, eu adoro o que faço. Ela anotou algo no bloco de papel de notas, depois passou a página. Elevou a caneta e a levou até seus lábios, atraindo a atenção de Luc para sua boca. Havia algo em Jane que lhe intrigava mais do que o tinha feito qualquer outra mulher. Algo mais que as contradições existentes entre a dissimulada e a mulher que lhe tinha beijado como o faria uma rainha do pornô. Algo que o fazia desejar acariciar seus brilhantes cachos e lhe agarrar rosto entre as mãos. Luc tinha estado com muitas mulheres formosas em sua vida, mulheres fisicamente perfeitas, mas sempre tinha podido controlar seu desejo. Com Jane era diferente. A miúda Jane, com seu escasso peito, sua cabeleira selvagem e aqueles profundos olhos verdes que podiam atravessá-lo. Desde noite do banquete, quando a beijou, imaginava despindo-a e explorando seu corpo com a boca e as mãos. Tinha tentado evitá-la e, em lugar disso, tinha estado a ponto de fazer o amor com ela contra a parede de um estacionamento. E o desejo que sentia por ela não fazia nada a não ser crescer dia após dia. Ao observá-la naquele momento, com sua suave pele e seu brilhante cabelo, perguntou-se por que não tinha podido evitá-la. Penetrou em sua vida. Não ia a nenhuma parte, e ele tampouco. Ambos eram adultos. Se acabasse lhe beijando os seios ao tempo que entrava na cálida profundidade de seu corpo, bem, não haveria nada imperdoável nisso, pois não seriam mais que dois adultos proporcionando-se agradar mutuamente. De fato, isso era provavelmente o que os dois necessitavam. Baixou o olhar até seus pequenos seios. Sabia que, com certeza, era o que ele necessitava. O telefone que havia junto ao sofá começou a soar. Luc levantou o fone. Era Marie para lhe dizer que passaria a noite com Hanna. —Me ligue pela manhã —lhe disse ele, e desligou. —Era Marie? —Sim. Ficará na casa da Hanna. Jane se voltou para ele, apoiando um joelho no sofá e o ombro na almofada que tinha mais à mão. —Quer falar de Marie?

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—Não. Não quero dizer nada que possa lhe complicar ainda mais a vida. —Muito inteligente de sua parte. —Jane deu uma olhada no bloco de papel de notas e depois voltou a olhá-lo—. Quando pensa no futuro, como te vê? Luc não gostava das perguntas como essa. Estava tentando sobreviver a essa temporada sem lesar-se, e não gostava de pensar, além disso. Uma jogada, uma partida, uma temporada... Não ia mais à frente. —Suponho que quando me retirar terei tempo para decidir o que fazer com minha vida. —E quando crê que acontecerá? —Espero que, no mínimo, dentro de cinco anos. Possivelmente mais. —sabe-se que não concede entrevistas. Por que te incomoda tanto falar com os jornalistas? Luc acariciou com seus dedos o braço do Jane. —Porque sempre formulam as perguntas equivocadas. Ela observou as pontas de seus dedos a caminho de seus ombros, e separou ligeiramente os lábios para respirar. —Quais são as perguntas adequadas? Luc apoiou os dedos sob seu queixo e a obrigou a olhá-lo. —Me pergunte outra vez por que não quero que viaje com a equipe. —Por que? Ele roçou com o polegar seu lábio inferior. —Porque me põe como um ferro. —OH—sussurrou Jane. Ele estirou a mão e apagou o gravador. —Acreditei que se afastasse poderia me esquecer de você. Acreditei que se fugisse conseguiria te tirar de minha cabeça. Mas não funcionou. Tirou-lhe a caderneta e a caneta das mãos e os jogou no chão. Depois disso se aproximou de Jane e enredou os dedos entre seus cachos à altura das têmporas. —Desejo-te, Jane. —inclinou-se para ela e agarrou seu rosto entre as mãos. Apoiou sua fronte na dela, e para assegurar-se de que lhe entendesse com perfeição, acrescentou—: Quero te despir e beijar todo seu corpo. Jane abriu os olhos desmesuradamente. —Ontem à noite estava muito zangado comigo. —Para falar a verdade, estava zangado comigo mesmo por te haver feito sentir como uma admiradora mais. —Roçou com sua boca a de Jane—. Quero que saiba que nem por um segundo pensei em você nesses términos. Sei quem é, e apesar de todos meus intentos para fazer caso omisso, não consegui. —

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Beijou-a com suavidade nos lábios, depois se afastou para poder olhá-la nos olhos—. Quero fazer amor com você, e se não me detiver agora, isso é exatamente o que vai acontecer. —Não acredito que seja uma boa idéia —disse Jane, mas não o separou de si. —Por que? —Porque sou jornalista e viajo contigo, com os Chinooks. Beijou-lhe o canto dos lábios e sentiu que ela estremecia. —Terá que me dar uma razão mais convincente nos próximos três segundos ou vais estar nua antes do que imagina. —Não sou uma de suas bonequinhas Barbie. Não tenho as pernas longas nem o peito abundante. Não posso competir com isso. De novo, Luc retrocedeu para olhá-la nos olhos, e se teria posto a rir se não tivesse comprovado que Jane falava a sério. —Isto não é uma competição —disse colocando uma mecha de cabelo detrás da orelha. Jane o agarrou pelo pulso e adicionou: —Não sou o tipo de mulher que está acostumada a inspirar luxúria em um homem como você. Desta vez sim, pôs-se a rir. Não pôde evitá-lo, já que sua tremenda ereção demonstrava o contrário. —Desde aquela primeira manhã em que subiu ao avião da equipe não deixei que me perguntar como seria nua. —Luc deslizou a mão de sua garganta para os botões de sua blusa—. Me tem feito perder a cabeça após isso. —As pontas de seus dedos acariciaram sua pele nua e também o sedoso material de que parecia ser feita a blusa enquanto a desabotoava—. Me inspirastes toda classe de coisas, mas especialmente luxúria. —inclinou-se para ela e lhe beijou o lóbulo da orelha—. Um montão de pensamentos luxuriosos e fantasias úmidas que lhe poriam os cabelos em pé. Tirou as abas da blusa de dentro da calça e observou o Top de seda. —Na outra noite, quando passei pela sala de imprensa e te vi, imaginei que te deitava em cima da mesa e que o fazíamos ali mesmo, em cima das bandejas com as massas. —Sonha um pouco... sujo. —E divertido. Penso em todos os interessantes lugares nos quais poderíamos estar. Quero provar desse doce. Jane parecia estar retendo o fôlego quando disse: —Mas você não toma açúcar.

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Ele riu. —Quero comer a ti —disse justo antes de lhe beijar o pescoço—. Lhe soa estranho, Jane? Jane conteve um gemido. Claro que lhe soava estranho, mas não pelo que Luc acreditava. Que ele tivesse fantasias com ela, na sala de imprensa, era muito estranho. Seu quente fôlego sobre seu pescoço fez que um calafrio percorresse suas costas, e o contato da mão do Luc fez que lhe arrepiasse a pele. O calor também se instalou entre suas pernas. Seus mamilos se arrepiaram dolorosamente enquanto tentava apertar as coxas. Desejava Luc. Desejava-o tanto que lhe nublava a vista e logo não podia respirar. OH, sim, desejava-lhe tanto como ele a desejava, mas tinha medo do que pudesse resultar de todo aquele desejo. Se tivesse sido simplesmente uma questão sexual, a essas alturas ambos já se teriam despido. Mas se tratava de mais. Ao menos para ela. Não importava quanto o desejasse, seu coração também estava comprometido no assunto. Jane respirou fundo e separou os lábios para lhe dizer que não podia fazê-lo, que tinha que ir para casa imediatamente, mas uma das enormes mãos dele se fechou sobre um de seus seios, esquentando sua pele através da seda. —Jane, desejo-a —lhe sussurrou Luc ao ouvido. A seguir a beijou na boca e ela sentiu que ficava sem fôlego. Percebeu seu aroma de limpo, e de sexo. Dezenove andares mais abaixo, um caminhão de bombeiros passou a toda velocidade, fazendo desaparecer o mundo real, levando-as últimas reservas de Jane a seu passo. O bom julgamento desta se esfumou. Desejava Luc tanto como ele a desejava. Talvez mais, e já teria tempo de arrepender-se depois. Nesse momento a única coisa que lhe interessava era sentir sua mão lhe acariciando o mamilo, e aqueles tórridos beijos que a enjoavam e que faziam que ficasse tensa. Escapou-lhe um gemido quando ele a beijou, lhe devorando com uma paixão superior a sua habilidade para controlar os gemidos. Todas suas inibições e receios se converteram em cinzas sob a abrasadora necessidade de fazer amor de um modo selvagem e brutal com Luc Martineau. Beijou-o com ardor, depois se ajoelhou no sofá e ficou escarranchado sobre seu colo. Estava perdida, completamente perdida, arrastada por sensações que a superavam. Levantou-lhe o pulôver e a camiseta deixando seu peito descoberto, e suas bocas se separaram só o tempo necessário para ambos tirarem os objetos pela cabeça. Pôde posar então suas mãos nele. Tocar-lhe ali onde desejava fazê-lo. Seus másculos peitorais e seus ombros. Com os dedos percorreu sua pele e acariciou seu torax. Sentou-se sobre ele, e notou a

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pressão de sua ereção e seu calor abrasador. Com o coração lhe galopando no peito e nos ouvidos, apertou-se mais forte contra ele. Deslizou as mãos por seu plano ventre e lhe agarrou os pulsos. —Maldita seja —murmurou Luc, respirando com dificuldade—. Para um pouco ou me vou finalizar antes de começar. Se cotinuar assim, não durarei nem cinco segundos. Jane captou sua mensagem. Cinco segundos de Luc lhe pareciam melhor que algo que tivesse provado antes. Melhor que algo que pudesse provar no futuro. Luc lhe abriu a blusa, deixando que se deslizasse por seus ombros e seus braços. Acabou atirando-a ao chão e passou ao Top de seda. —É isto o que veste no lugar de um sutiã? —disse. Jane meneou a cabeça e percorreu com as mãos seu quente peito e seus ombros. —Às vezes, nem sequer uso isso. —Apesar da luxúria, Jane recordou por um segundo da tanga que pôs pela manhã, e deu graças a Deus por ter escolhido uma das mais atrativas que tinha. —Sei —grunhiu Luc—. Saber que anda por aí só com parte de sua roupa de baixo me trouxe alguns problemas. —Rodeou a cintura de Jane com suas grandes mãos e descendeu para seus joelhos, depois a reclinou para trás e enterrou a cara em seu ventre. Levantou o Top de seda e seu fôlego morno lhe esquentou a pele ao falar—.Tire isto —disse, e passou a lhe dar úmidos beijos no estômago. Jane tirou o Top pela cabeça e o deixou a seu lado no sofá. Luc jogou a cabeça para trás para contemplá-la. Percorreu seus seios com o olhar, depois tomou fôlego sem pronunciar palavra. Jane se sentou de novo em seu colo e disse, cobrindo-se com as mãos: —Não é ao que está acostumado, verdade? —Os peitos grandes freqüentemente são uma grande decepção. É formosa, Jane. É melhor que em minhas fantasias. —Apertou-lhe os pulso e lhe levou as mãos para trás, lhe fazendo arquear as costas e lhe deixando os seios muito perto do rosto—. Esperei muito tempo para te ver assim. Para fazer isto —sussurrou sobre um de seus mamilos. O meteu na boca e procedeu a suga-lo com suavidade. Soltou-lhe os pulsos e ela levou suas mãos até a cabeça de Luc. Sem deixar de sugar seu mamilo, Luc lhe roçou o ventre com os dedos e desabotoou sua calça, depois introduziu a mão nela. Alcançou seu púbis por cima da tanga enquanto ela gemia de prazer.

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—Está úmida, Jane —disse ao tempo que afastava sua minúscula calcinha e tocava sua pele quente e molhada. Teria sido extremamente fácil sucumbir nesse preciso instante. Permitir-lhe que a levasse ao orgasmo. Mas não queria alcançar este sozinha, queria chegar com ele. —Um momento —lhe disse agarrando-o pelo pulso. Ele deslizou a mão de seu estômago a seus seios, brincando com eles, rodeando os mamilos. Depois o fez com a boca. Da garganta de Luc surgiu um som de intensa masculinidade, primária e possessiva, levando-a tão ao limite que Jane temeu alcançar o orgasmo com o simples contato de sua boca no seio. —Pare —suplicou. Ele afastou a cabeça e lhe dirigiu um olhar carregado de paixão. —Me diga o que quer. Eram muitas as coisas que desejava, mas como talvez não voltasse a dispor de outra oportunidade, disse: —Quero lamber a tatuagem. Luc piscou várias vezes como se não desse crédito ao que tinha ouvido, depois abriu os braços. Jane se separou de seu colo e fez que Luc ficasse em pé. Se livrou dos sapatos e das meias três-quartos e baixou as calças. Vestida unicamente com a tanga, beijou-lhe os ombros e o peito. Acariciou sua forte musculatura e descendeu por seu corpo deixando um caminho de beijos. Então se ajoelhou frente a ele, apoiou as mãos aos lados de sua cintura sobre as calças, e apoiou a cara em seu liso ventre. Lambeu os cantos da tatuagem saboreando sua pele com a língua. —Não deixei que me perguntar como seria grande sua ferradura — sussurrou enquanto lhe beijava o umbigo—. Quis fazer isto há muito tempo. —Tinha que ter me pedido isso antes. Teria-te deixado fazê-lo. —Luc enredou seus dedos entre os cachos de Jane, afastando-os de seu rosto—. A próxima vez não terá que me pedir isso. Ela sorriu, e o teria mordido se sua carne não estivesse tensa como a pele de um tambor. Desabotoou-lhe as calças e a fez descender por seus quadris e suas coxas. Ele estava de pé em frente a ela, a ferradura negra desaparecia sob a cueca branca. Uma impressionante ereção enchia aquele objeto de algodão, e ela a beijou por cima do tecido. Então baixou a cueca. Liberado, o pênis apontou para ela, e Jane descobriu que o resto da ferradura desaparecia sob o pêlo pubiano para alcançar a base daquele. Havia uma tatuagem em forma de cinto justo por cima do escuro pêlo loiro, unindo ambos os lados da ferradura. LUCKY, escrito com grosas letras negras, era o que podia ler-se.

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Ela pôs-se a rir e beijou a aveludada ponta de seu pênis. —Não vai pedir-me que o faça? —Não! —gemeu ele. Pela primeira vez desde que ele a beijou, Jane sentiu que tinha o poder e o controle em suas mãos. Abriu a boca e introduziu nela tudo o que pôde, sentindo o peso de seu testículo na palma de sua mão. Nunca tinha feito algo assim a um homem em um primeiro encontro, pois temia gerar um mal precedente, mas com Luc não lhe importou. Desejava fazê-lo. Não por ele, mas sim por ela mesma. E não lhe importava que depois possivelmente se arrependesse, pois sabia que não tinha futuro com Luc. Assim, não havia precedente que gerar. Ia levar por diante tudo o que pudesse. Nesse momento era Bombonzinho de Mel. Ia pôr toda a carne no assador para tentar deixá-lo em estado de erupção. Luc a agarrou pelos ombros e a fez ficar em pé. Atraiu seu rosto e lhe colocou a língua na boca. Levou as mãos até o traseiro de Jane, elevou-a e lhe rodeou a cintura com as pernas. Sua dura carne nua pressionou em seu ventre através da tanga, e com um par de patadas acabou por se livrar de suas calças e sua cueca. Não deixou de beijá-la apaixonadamente enquanto saíam do salão em direção a seu escuro dormitório. As luzes que penetravam pela enorme janela caíam sobre a cama, e ele a posou com delicadeza sobre o edredom azul. Ela se apoiou nos cotovelos, elevando-se um pouco, para observar como Luc se movia entre sombras. Abriu uma gaveta da mesinha de noite e depois se colocou em frente a ela. —Acredito que tenho que me desculpar antes que começamos a tarefa — disse enquanto fazia rodar o preservativo de látex sobre a glande e depois pelo resto de seu grosso pênis. Ela tirou a tanga e o jogou longe de si. A luz do exterior iluminava um dos lados do rosto de Luc. —Por que? Ele a cobriu com seu quente corpo, descansando o peso nos cotovelos. —Porque não acredito que dure muito. Então, ela sentiu a ponta de sua glande, suave, dura e quente, e pensou que Luc não tinha por que preocupar-se, já que ela tampouco ia demorar muito. Começou a penetrá-la, mas Jane sentiu que seu corpo resistia à intrusão. Colocou suas mãos nos ombros de Luc e lhe deteve, tomou seu rostos entre as mãos e o beijou com carinho. Luc se retirou e depois voltou a empurrar entrando um pouco mais. —Está-me apertando muito forte —ofegou.

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Beijou-lhe roubando o fôlego enquanto ele saía dela quase por completo, só para cravar-se tão dentro que lhe sentiu no colo do útero. Do peito de Luc surgiu um profundo grunhido que abraçou o coração de Jane. Rodeou-lhe a cintura com uma de suas pernas. —Luc —sussurrou justo quando ele começava a mover-se, alcançando o ritmo perfeito do prazer—. Mmm, isso está muito bom. —Como o quer? —perguntou ele. —Tal como está fazendo. O atlético e treinado corpo do Luc se esticou. Cada uma de suas células parecia concentrada no trabalho de investir. —Mais? —Sim. Me dê mais —grunhiu Jane, e ele a agradou. Mais rápido, mais forte, com maior intensidade. Seu áspero fôlego roçava as bochechas de Jane com cada nova investida, empurrando-a para cima na cama. E justo no ponto em que acreditava não poder resistir mais, Jane gritou e apertou os punhos. Seu clímax foi tão intenso que não viu nem ouviu nada mais além dos batimentos de seu coração e das comovedoras sensações que percorriam sua carne. O fogo que ele tinha acedindo em seu interior arrasou seu corpo, e seus músculos internos se apertaram, lhe arrastando ainda mais para dentro até que também ele alcançou o clímax. Uma explosão de maldições saiu da garganta de Luc. Nenhum dos dois disse nada durante um bom momento, até que sua respiração e seu coração alcançaram o ritmo normal. Luc se dirigiu ao banheiro. Jane o viu afastar-se entre as sombras. Sua mente ainda estava muito nublada para pensar no que acabava de fazer, mas seu coração sabia com perfeição. Amava Luc Martineau com uma intensidade que a assustava. Quando ouviu a água da torneira, olhou para a porta do lavabo. Luc caminhou para ela, nu e belo, rodeado pelas manchas de luz que percorriam o dormitório. Ao olhá-lo, Jane sentiu uma pressão no peito, como se fosse sofrer um ataque cardíaco. —A que hora tem que ir ? —perguntou ele. A realidade caiu sobre ela como um jarro de água fria. Luc nem sequer tinha esperado a que se desvanecesse sua sensação de bem-estar. Simplesmente tinha feito o amor de forma selvagem e já estava preparado para que partisse. Jane se sentou e olhou ao redor em busca de sua roupa intima, esperando não desmoronar-se e chorar antes de sair pela porta. —Não tenho que obedecer nenhum toque de silêncio. —Girou sobre si e alcançou o canto oposto da cama. Não viu a calcinha—. Irei assim que encontre

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minha roupa intima. Sem dúvida tem que descansar para a partida de amanhã de noite. Ele a agarrou pelo tornozelo. —Amanhã estarei no banco —disse—. O que te perguntava era se gostaria de ficar. Luc fez que Jane desse a volta e a olhou no rosto. —Sério? —Tinha calculado que o faríamos algumas vezes mais antes de te acompanhar à porta. —Algumas vezes mais? —Sim. —Ele a apertou de novo contra seu corpo, por isso ela pôde sentir que continuava excitado—. Isso é um problema para você? —Não. —Bem, porque tinha planejado marcar três gols.

14 O banquinho de castigo Jane confiava que Caroline a acompanhasse na partida da noite seguinte. Necessitava de algo que a ajudasse a não pensar muito, deixar de lhe dar voltas ao que tinha passado a noite anterior. Mas na realidade, de todos os modos, sabia, ia analisar todos seus atos ao milímetro. Fizera amor com Luc Martineau três vezes. Três selvagens, demolidoras e ardentes vezes. E em cada uma delas, com cada roçar, com cada palavra que saía de sua boca, haviase sentido mais e mais apaixonada por ele, até chegar a pensar que seu coração não conseguiria recuperar-se.

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Por volta das duas da manhã ele dormiu entre uma confusão de lençóis banhados pela luz da lua que entrava pela vidraça. Segundos antes tinha estado falando de sua infância no Edmonton e, aos poucos, adormeceu como se alguém tivesse apagado um interruptor em sua mente. Jane nunca tinha visto dormir tão rápido a ninguém, e esteve contemplando-o durante um momento para assegurar-se de que estava bem. Afastou-lhe uma mecha de cabelo da fronte e lhe acariciou a bochecha e o forte queixo. Depois recolheu sua roupa e se foi sem despertá-lo. Nunca tinha ficado rendida por um homem com semelhante rapidez nem semelhante intensidade, e partiu sem despertá-lo porque, para falar a verdade, não teria sabido o que lhe dizer. «Obrigado»? «Voltaremos a fazê-lo outro dia»? «Nos vemos amanhã na partida»? Se foi porque era o estabelecido nos encontros de uma só noite: ir-se antes do amanhecer. Foi sem sua tanga. Não tinha sido capaz de encontrá-la na escuridão do dormitório, e não quis despertá-lo acendendo a luz. Seu maior temor ao partir foi que encontrasse a mulher da limpeza ou, o que era pior, Marie. Não, isso não era certo. Seu maior temor não era que alguém encontrasse sua calcinha. Era ver o Luc da noite seguinte e sentir o horrível pulsar desbocado de seu coração. Tinha tido namorados e também tinha estado com homens de uma só noite. Tinham-lhe feito mal, e ela também tinha feito mal a outras pessoas. Mas nada podia comparar-se com o dano que lhe podia fazer Luc. Sabia. Sabia que se estava aproximando, e também que não tinha modo de evitá-lo. Tudo era horrível e maravilhoso, e em meio de tanta confusão estava o sentimento de culpa. Ele tinha confirmado na noite anterior o que ela já sabia. Não podia dizer-se que Luc acharia aduladora a história do Bombonzinho de Mel. Importaria-lhe, e muito, e não havia nada que ela pudesse fazer a respeito. Não podia fazer nada por ocultá-lo, e saber que lhe seria muito difícil descobrir que estava por detrás daquela história não evitava que se sentisse culpada. Amava-lhe, e nem sequer se incomodou em lhe mentir lhe dizendo que não se vestiu para ele. Pintou os lábios de vermelho e se pôs uma blusa de seda vermelha sob a jaqueta negra, e as calças de lã. Havia-se sentido estúpida, saindo pra comprar aquela blusa só porque lhe havia dito que gostava quando vestia de vermelho. Como se com isso fosse conseguir que ele a amasse. Meia hora antes da partida, encaminhou-se aos vestiários. Enquanto recitava o discurso ritual de boa sorte, pôde sentir sobre si o ardente olhar de Luc, e ela recusou posar os olhos nele, sobre tudo depois do

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ocorrido na noite anterior, das coisas que fizeram juntos em seu dormitório. Quando acabou, fechou a boca e se dirigiu à porta. —Esqueceu algo —lhe disse Luc. Não. Não o tinha esquecido. Olhando-as pontas das botas, voltou-se e cruzou o vestiário. Quando esteve diante dele, elevou a vista de seus patins, subiu por seus amparos, deixou para trás o peixe desenhado na camiseta e chegou à boca que tinha beijado tão apaixonadamente como todo seu corpo. —Acreditava que esta noite não fosse jogar. —E não vou jogar, mas se o goleiro se lesa, deverei substitui-lo. —Sim, claro. —Jane suspirou. Graças a alguma força benéfica do destino, suas bochechas não ficaram rubras e, finalmente, olhou a seus surpreendentes olhos azuis—. É um pedaço de tolo. —Obrigado —disse ele com um sorriso zombador—, mas não era isso ao que me referia quando disse que esquecia algo. Tinha falado seu discurso sobre as cuecas, tinha dado a mão ao capitão, tinha chamado Luc de pedaço de tolo. Não tinha esquecido nada. —Do que está falando? Luc se inclinou para ela e disse entre dentes: —Ontem à noite deixou a calcinha em minha cama. Jane sentiu que ficava sem fôlego e lhe detinha o coração. Olhou ao redor para comprovar se alguém os tinha ouvido, mas todos pareciam ocupados em suas coisas. —Esta manhã a encontrei sob meu travesseiro, e não sabia se as teria deixado ali por algum motivo concreto. Algo assim como um presente de bom dia. Jane enrubesceu, e lhe fechou a garganta. Tudo o que conseguiu balbuciar foi: —Não. —Por que não me despertou quando foi? —Estava dormindo —repôs ela detrás esclarecê-la garganta. —Só estava descansando um pouco. Merda, ontem à noite parecia um foguete. —Olhou-a de perto e arqueou as sobrancelhas—. Se sente incômoda? —perguntou-lhe, perplexo. ---Sim! —por que? Ninguém pode nos ouvir. —OH, Meu deus —sussurrou ela enquanto se afastava dele jogando faíscas.

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Quando chegou à cabine de imprensa, Darby já estava ali. E tinha levado consigo Caroline. —Como estão? —disse-lhes enquanto se sentava—. Se soubesse que queria ver outra partida, Caroline, te convidaria. —Está bem. Não sou uma autêntica aficionada, mas Darby me chamou e não tinha outra coisa que fazer. —encolheu-se de ombros—. Te liguei ontem à noite. Onde estava? —Em nenhum lugar. Desconectei o telefone. —Eu não gosto que faça isso. —Caroline a estudou durante uns segundos, depois se inclinou para ela—. Está mentindo. —Não. —Sim, está mentindo. Conheço-te desde que foi uma mucosa. Sei quando mentes. —Entreabriu os olhos—. Onde esteve? Jane deu uma olhada ao Darby. Estava falando por telefone. —Saí. —Com um homem? —Ao ver que Jane não respondia, Caroline a agarrou do braço—. Um dos jogadores de hóquei! —Cristo! —Quem? —perguntou Caroline com um sussurro e olhou ao redor para comprovar se alguém podia as ouvir. —Depois falamos —disse Jane, cortante. Abriu seu computador portátil quando na pista começou o espetáculo de luz e som. Durante a partida, tomou notas e tentou manter a vista afastada do goleiro que estava sentado no banco, com os braços cruzados, observando o desenvolvimento do jogo. Luc se voltou várias vezes para as cabines de imprensa. Três escadarias mais acima, seus olhares se cruzaram e ela sentiu que o coração lhe subia até a garganta. Afastou o olhar. Nunca se havia sentido tão insegura. Sendo uma mulher que se responsabilizava das coisas e obrava em conseqüência, sofria com aquela incerteza. Tinha um nó no estômago e lhe doía a cabeça. —Jane? —Caroline a agarrou pelo ombro e a sacudiu tentando chamar sua atenção. —O que acontece? —Chamei-a três vezes. —Sinto muito, estava pensando em minha crônica —mentiu. —Darby quer que vamos tomar uma taça os três juntos depois da partida.

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Jane se inclinou para frente e olhou o ajudante do diretor esportivo. Duvidou que Darby a quisesse de carabina. —Não posso —respondeu, o qual era certo, e supunha que Darby sabia de sobras—. Tenho que falar com os jogadores e escrever a crônica antes da hora de fechamento. —Também tinha que pôr em ordem a entrevista que tinha feito com Luc—. Vão sem mim. Darby se esforçou por parecer decepcionado. —Está segura? —perguntou. —Completamente. —Quase sentiu pena por Darby. Queria Caroline, mas sua amiga ia partir coração do pobre Darby. Uma vez mais pensou que talvez deveria lhe advertir a este, mas já tinha suficientes preocupações com seu próprio coração. Os Chinooks perderam contra os Bruins por três a dois. Depois da partida, Jane respirou fundo e entrou de novo no vestiário. Os amparos do Luc penduravam de sua bilheteria, mas ele se foi. Jane soprou ao sentir uma estranha mescla de alívio e raiva. A horrível tira frouxa própria do amor. Luc sabia que ela desceria ao vestiário depois da partida, e tinha partido sem despedir-se. Jane entrevistou o treinador Nystrom e ao segundo goleiro, que tinha parado vinte tiros ao gol. Falou com Martelo e com Fish. Depois disso, com a maleta e a jaqueta pendurando de um braço, enfiou-se no túnel de saída. Luc estava junto à porta, observando como se aproximava. Usava seu traje Hugo Boss azul marinho com gravata de seda. Estava muito bonito, e em Jane deu água na boca. —Tenho algo para você —disse ele afastando-se da parede. —Do que se trata? Luc olhou atrás dela e viu passar um jornalista de outro periódico. —Jim —disse Luc assentindo. —Martineau. O repórter piscou um olho pra Jane quando passou por seu lado, e ela soube o que devia estar imaginando respeito de sua relação com aquele goleiro que tinha fama de paquerador. Luc olhou além do Jane de novo e a seguir tirou do bolso de sua jaqueta a calcinha vermelha. —Isto. Embora deveria ficar como um amuleto de boa sorte —disse entregando- a pendurada em um dedo—. Talvez deveria ter haver feito um molde de bronze e colocá-la em uma placa sobre minha cama.

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Jane a agarrou e a meteu na maleta. Voltou-se para olhar o corredor vazio. —Não lhe deram sorte. Esta noite não jogou. —Estava pensando em um tipo diferente de sorte. —Luc a atraiu para si e passou os dedos por seu cabelo—. Vem comigo. OH, Senhor. Jane permaneceu perfeitamente calma apesar de que o que desejava era apoiar a cabeça contra seu peito. —Aonde? —A algum lugar. Fazendo provisão de forças, Jane se separou dele. Sentia que lhe derretia o coração. —Sabe que não podem me ver contigo —disse. —Por que não? —Já sabe por que. —Porque quer que todos pensem que é uma profissional. Tinha-o pilhado —Isso. —Viram-lhe com o Darby. —Isso é diferente. —Em que sentido? Não estava apaixonada por Darby. Olhar pra Darby não a fazia sentir como se atirassem nela de diferentes direções. E, por outra parte, se negasse ter uma relação com o Darby Hogue, todos acreditariam, ao contrário do que ocorreria se tivesse que negar uma relação com Luc. —Não tem a má reputação que tem você. E uma vez que aparecesse o número de março da revista Him, sua reputação pioraria. Luc a olhou como se não pudesse acreditar no que acabava de dizer. —Ou seja, se fosse bicha, poderiam vê-la comigo? —Por Deus santo. Darby não é bicha. —Equivoca-te, meu bem. Meu bem. Jane se perguntou a quantas mulheres em diferentes estados do país teria chamado de meu bem. Perguntou-se quantas dessas mulheres teriam perdido a cabeça por ele pensando que eram diferentes das demais. E se perguntou também quantas teriam sido bastante tolas para apaixonar-se por Luc. «lhe deixe.» Quando elevou a vista e a posou no arco de seus lábios, no azul de seus olhos e suas largas pestanas, «lhe deixe» soou como se ela tivesse

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o controle. Como se tivesse opções. Mas não as tinha e não as tinha tido, ou não teria «deixado» que acontecesse. Com o coração lhe pulsando com força, desejosa de jogar os braços ao redor do pescoço e não lhe deixar escapar jamais, forçou-se a dizer: —o de ontem à noite foi um engano. Não podemos permitir que volte a ocorrer. —De acordo. «De acordo!» A ela lhe estava rompendo o coração e ele se limitava a dizer «de acordo». Não sabia se lhe dava um murro à altura da tatuagem ou saia correndo antes de tornar-se a chorar. Enquanto se decidia, ele abriu a porta que havia a suas costas, agarrou-lhe a mão e a meteu no quarto da limpeza. Fechou a porta e acendeu a luz. —O que está fazendo, Luc? —Cumprindo com essa má reputação da que falava. Ela elevou a maleta entre os dois. —Para. Ele sorriu, e não soube se devia ao aroma dos produtos de limpeza ou ao aroma de Luc, mas sentiu que doia um pouco a cabeça. —De acordo. Estirou a mão e fechou o ferrolho da porta. Ela olhou a maçaneta da porta e logo olhou pra ele. —Luc! —Não podia fazer uso dela cada vez que lhe viesse em vontade. Ou sim? Não!—. Acredito que ontem à noite te levou uma impressão errônea de mim. Habitualmente eu não... O que quero dizer é que nunca me deitei com alguém a quem tivesse entrevistado. Ele colocou um dedo sobre os lábios do Jane, —Sua vida sexual não é meu assunto. Não me interessa saber com quem o tem feito nem as posturas que pratica. Seu desinteresse lhe doeu mais do desejado. —Mas eu quero... —Quieta —a interrompeu Luc—. Alguém poderia te ouvir, e não quer que lhe vejam comigo, recorda-se? —Colocou suas mãos na porta, a ambos os lados da cabeça de Jane, e se inclinou sobre ela, forçando-a a retroceder. Sua maleta era a única coisa que separava seus corpos—. Não deixei de pensar em você desde que me levantei esta manhã. Jane temia lhe perguntar no que tinha estado pensando concretamente.

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—Tenho que ir —disse, consciente de que se se voltasse e abrisse o ferrolho ele deixaria que se fosse. E não podia fazê-lo—. Devo escrever minha crônica. —Uns poucos minutos não lhe atrasarão muito. O aroma de sua colônia se mesclava com o dos produtos de limpeza, e não conseguiu esgrimir uma razão pela qual não pudesse ficar uns poucos minutos. Rodeou-lhe a cintura com um braço e aproximou seu do seu. Sua voz era áspera quando disse: —Faça o que fizer, mantém a maleta na frente de seus seios. Então a beijou. Seus lábios eram mornos, sua boca quente e, como tudo nele, sexy e provocador. Seu beijo teve um matiz agressivo a princípio, mas depois se dedicou a procurar sua língua com doçura. Em um segundo, a consciência percorreu a pele de Jane até instalar-se na boca do estômago. «Só uns poucos minutos mais.» Lhe acariciou a bochecha até chegar à garganta. Apartou o pescoço da blusa e, com cuidado, lambeu-lhe a pele. —Você é tão suave —sussurrou enquanto se dirigia para sua orelha—. Por dentro e por fora. Ao outro lado da porta se ouviram risadas de homens e o marcado acento do Stromster. Luc a olhou. Sua voz e sua respiração se fizeram mais graves quando disse: —Continua apertando a maleta, meu bem? Ela assentiu com a cabeça e apertou com mais força. -—Bem. Não a solte, e não me faça caso se te disser que o faça —lhe advertiu—. Se não acabará tombada no chão comigo em cima. Jane sabia que podia recriminar-se o seu comportamento. Beijar Luc Martineau no quarto da limpeza do Key Arena tinha sido uma completa estupidez, mas uma borbulha de felicidade tinha feito saltar seu coração e lhe tinha provocado vontades de rir. Luc a desejava. Podia apreciá-lo no modo em que a olhava, no timbre de desejo que evidenciava sua voz. Talvez não a amava, mas queria estar com ela. Luc retrocedeu uns passos. —Esta não foi uma de minhas melhores idéias —disse. Chegou mais ruído do túnel. —Acredito que deveríamos ficar aqui um momento —acrescentou. Agarrou um cubo grande de plástico e lhe deu a volta para que ela pudesse sentar—. O sinto. Sabia que Jane também devia desculpar-se. Tinha uma hora para entregar a crônica. Estava encerrada em um quartinho com Luc, e se os

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descobriam, as repercussões seriam más para os dois. Embora não se sentia arrependida. Sentou-se em cima do cubo e olhou pra Luc. Devolveu-lhe o olhar com os olhos entreabertos. Jane observou sua gravata, o cinto negro, o zíper de suas calças. Tinha uma enorme ereção. Recordou com toda claridade como era quando estava nu. Seu corpo forte, seu duro pênis, e sua irresistível tatuagem. De repente, já não teve tão claro que uma repetição do que tinha passado a noite anterior fora um mau plano. Não nesse momento, entretanto, decidiu enquanto deixava a maleta a um lado. —Como está sua irmã? —perguntou Jane, trocando de tema—. O penteado de ontem agradava, mas sempre é diferente no dia seguinte. —Como? —Luc cravou seu olhar nos olhos verdes de Jane; não pôde entender a abrupta mudança de seus pensamentos. Fazia tão somente um segundo, tinha-a visto contemplar sua ereção, e de repente queria falar de sua irmã. —Vi-a na hora da comida e estava bem. —No outro dia falamos um pouco de sua mãe. Luc retrocedeu um par de passos e apoiou um ombro contra a porta. —O que te disse? —Não muito, mas tampouco tinha por que fazê-lo. Sei como se sente. Minha mãe morreu quando eu tinha seis anos. Não sabia que Jane fosse tão jovem quando tinha perdido a sua mãe, mas não lhe surpreendeu. Tudo o que sabia dela era que trabalhava para o Seattle Times, que vivia no Bellevue, que tinha a língua muito rápida e os nervos de aço. Gostava de sua risada e também de falar com ela. Sua pele era tão suave como parecia só de olhar. Todo seu corpo. Também sabia bem. Em todos os sentidos. Sabia que fazia o amor como os deuses, e tudo o que era capaz de pensar desde que se levantou da cama essa mesma manhã era como voltar a colocá-la nela.Na realidade, sabia de Jane mais coisas das que tinha sabido de muitas outras mulheres. —Sinto por sua mãe. —Obrigado —disse ela com um sorriso triste. Luc fez escorregar suas costas pela porta até sentar-se no chão aos pés de Jane. Seus joelhos quase se tocavam. —Marie está passando por uma má fase, e não sei o que fazer ao respeito —disse, centrando a propósito seus pensamentos em sua irmã e seus problemas—. Não quer ir a terapia.

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—O tem proposto? —Claro, mas deixou de ir depois das duas primeiras sessões. Troca de humor com extrema facilidade. Necessita de uma mãe, mas, obviamente, eu não a posso proporcionar. Pensei que a melhor solução seria um internato, mas acreditou que queria me liberar dela. —E tinha razão? Luc desabotoou a jaqueta e apoiou os pulsos nos joelhos. Nunca falava de sua vida pessoal com ninguém, a menos que fosse da família, e se perguntou o que tinha Jane que o levava a falar com ela. Talvez se devesse, por alguma razão que não atinava a compreender, confiava nela. —Não acredito que tenha pretendido me liberar de minha irmã. Embora talvez sim. Em qualquer caso, sou um bode. —Eu não te julgo, Luc. Ele a olhou nos olhos e acreditou. —Quero que seja feliz, mas não o é. —Não, não o é, e não o será durante um tempo. Estou segura de que tem medo. —Jane inclinou a cabeça e seus cachos caíram sobre seu rosto—. Onde está o pai de Marie? —Nosso pai morreu fará uns dez anos. Naquela época eu vivia no Edmonton com minha mãe. A mãe dela e meu pai viviam em Los Angeles. —Ou seja, também sabe o que é perder um de seus pais. —Em realidade, não. —Sua mão escorregou do joelho e, com a ponta dos dedos, percorreu suas calças—. Via meu pai uma vez ao ano. — Sim, mas deve seguir te perguntando como seria sua vida se ele ainda vivesse. —Não. Meus treinadores de hóquei se fizeram mais de pais para mim que meu próprio pai. A mãe de Marie era sua quarta esposa. —Tem irmãos? —Eu. —Luc elevou a vista—. Sou tudo o que tem, e temo que não é suficiente. A luz do teto caía sobre os cachos e, em cujos nos lábios se instalou de novo um sorriso triste. Luc odiava ver-se desse modo, por isso pensou na possibilidade de agarrar Jane pelas lapelas e beijá-la. Mas beijá-la teria levado a outras coisas, e essas outras coisas não foram ter lugar no quarto da limpeza, com seus companheiros de equipe do outro lado da porta. —Eu, ao menos, continuo tendo a meu pai —disse Jane—. Vestiu-me como a um menino até que fiz treze anos, e não tinha senso de humor. Mas me quer e sempre esteve a meu lado.

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Vestia-a como a um menino? Isso explicava a roupa e o calçado que usava. Jane umedeceu os lábios com a língua. —Bom, nada poderá substituir nunca a sua mãe. Isso lhe asseguro. Sigo sentindo falta da minha, e me pergunto como teria sido minha vida se ela não tivesse morrido. Mas com o tempo deixa de pensar nisso cada minuto do dia. E te equivoca ao acreditar que não é suficiente para ela. Se quer sê-lo, será-o. Olhou-o fixamente. Como se fosse tão singelo. Como se ela tivesse mais fé nele que ele mesmo. Como se não fosse o bode egoísta que sabia que era. Deslizou a mão por debaixo da calça e tocou a meia três-quartos. Depois a alargou para tocar Jane na panturrilha e apalpar sua suave pele. N noite anterior, tinha-lhe beijado detrás dos joelhos enquanto subia para suas coxas. Suas pernas estavam úmidas depois ter passado pela jacuzzi, e a mera lembrança fez que se excitasse. —Passo muito tempo fora de casa —disse lhe acariciando a pele com o polegar—. Se lhe perguntar a Marie, provavelmente te dirá que não sou muito bom irmão. Jane colocou o cabelo depois da orelha e lhe observou durante uns segundos antes de dizer: —Quando lhes vi juntos, fez-me ter saudades de ter um irmão. Luc a olhou nos olhos e sentiu de novo desejos de beijá-la. Foi como um duro golpe contra o torax que o deixou aturdido. Do túnel chegaram vozes, mas dentro do quarto da limpeza o silêncio se impôs entre os dois. Finalmente ele esboçou uma risada forçada para que desaparecesse o nó que se formou em seu peito. —Não me diga que você gostaria de ter um irmão como eu... —Não, como você não. —Nos lábios do Jane brilhou um sorriso, e seu mundo ao completo brilhou—. Se tivesse um irmão como você, Prenderiam-me por pensamentos indecentes. Luc se sentiu atraído por seu sorriso, e apertou a perna de Jane como se tratasse de uma âncora em meio de uma tormenta. Ela não pareceu notá-lo e ele se obrigou a soltá-la. apoiou-se de novo contra a porta. —Será melhor que vá. Tem que escrever a crônica. Jane franziu o cenho e piscou. —Encontra-te bem? —Sim. O que acontece é que recordei que tenho que falar com Marie antes que vá se dormir. —Crê que o túnel estará vazio? —perguntou agarrando a maleta e a jaqueta e ficando em pé.

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—Não sei. —Tirou o ferrolho e abriu a porta um pouco. Passou Martelo falando com o encarregado de manutenção da equipe. Luc botou para fora a cabeça e comprovou que os dois homens partiram e o túnel estava adequadamente deserto. Jane e ele saíram do quarto, e ela vestiu a jaqueta. Pelo geral, ele a teria ajudado a fazê-lo. —Tenho que falar com o Nystrom —mentiu, e começou a caminhar de volta para os vestiários. Com cada passo respirava melhor. —Acreditava que tinha que falar com Marie. Era isso o que havia dito? —Mais tarde. Primeiro tenho que falar com o treinador. —OH. —Ela elevou a mão e se voltou para partir. Luc observou sua nuca, meteu as mãos nos bolsos das calças e permaneceu quieto vendo-a afastar-se. «Que demônios aconteceu?», perguntou-se assim que ela desapareceu depois da porta. Perguntou-se se lhe tinha metido algo na cabeça ou tinha inalado muita amônia no quarto da limpeza. Estava pensando em lhe beijar a parte de atrás dos joelhos e, no segundo seguinte, não podia respirar. Jane acreditava que era um bom irmão. E o que? Ele não acreditava, mas inclusive embora fosse o melhor irmão do mundo, por que teria que lhe importar tanto a opinião do Jane? Por alguma inexplicável razão, entretanto, importava-lhe, mas não queria pensar no significado de algo assim. Tinha muitas outras coisas que fazer em sua vida antes que perder a cabeça por uma jornalista baixa com um traseiro arrebitado e uns duros e rosados mamilos. Na noite anterior, Jane fizera saltar pelos ares todas as hipóteses que tinha feito sobre ela. Estava claro que não era uma dissimulada, e quanto mais tempo passava com ela, mais tempo desejava passar a seu lado. Inclusive ao penetrá-la e sentir cada fibra de prazer, desejava-a já para uma próxima vez. Ao despertar essa mesma manhã se havia sentido seriamente contrariado por não encontrá-la a seu lado. Mas Jane era uma complicação que não necessitava. Quando lhe havia dito que fazer o amor tinha sido um equívoco e que não podia voltar a acontecer, deveria havê-la escutado em lugar de arrastá-la ao quarto da limpeza para lhe demonstrar que não estava certa. —Lucky. —Jack Lynch lhe deu uma palmada nas costas—. Uns quantos vamos comer algo e a tomar umas cervejas. Vêem conosco. Luc olhou à defesa por cima do ombro. —Aonde vão? —Ao Hooters. Talvez fosse o que necessitava. Ir a um lugar onde as mulheres usavam shorts curtos e apertados tops. Mulheres de peito abundante que se inclinavam

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quando serviam a comida. Mulheres que flertavam com os homens e que lhes deslizavam seus números de telefone. Mulheres que não esperavam nada dele. E quando acabasse, ele não o lamentaria nem o recordaria uma e outra vez, como lhe acontecia com o Jane. Deu uma olhada a seu relógio. Logo dispunha de tempo. —Me reserve uma cadeira. —Farei-o —disse Jack, e seguiu seu caminho. Sim, iria ao Hooters. Comportaria-se como um homem. Faria coisas de homens. Não queria uma noiva que lhe olhasse mal se ia a um local desse tipo. «Quando lhes vi juntos, fez-me ter saudades de ter um irmão.» Decididamente, Jane era uma mulher perigosa. Luc não só pensava muito nela, mas também, se não tivesse cuidado, acabaria convertendo-se em seu Pepito Grilo particular. Não queria algo assim, e não lhe importava o que dissesse dele. Estava bem como estava. Luc tirou as mãos dos bolsos e com elas as chaves do carro. Tinha que dar marcha atrás a seu plano original e não emprestar atenção em Jane. Embora, até então, essa tática não tinha funcionado. Nesta ocasião, tentaria-o com mais força.

15 Como jogar tudo a perder Na terça-feira pela manhã, Jane entrou no escritório do editor de esportes Kirk Thornton no Seattle Times. Desde que tinha ocupado o posto de Chris Evans, só se tinha encontrado com Kirk em uma ocasião. Essa manhã, ele estava sentado atrás de seu escritório coberto de periódicos desordenados e fotografias esportivas. Tinha o telefone em uma mão e uma xícara de café na

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outra. Elevou a vista para ela, franziu o cenho e apertou os dentes. Separou um dedo da xícara e apontou para uma cadeira vazia. Jane se perguntou se sempre estava de mau humor ou se só o estava quando a via. De repente, já não parecia boa idéia ter passado pela redação. Ela estava naqueles dias, não se sentia muito bem, e não queria mostrar-se desagradável com ele. —Noonan cobrirá a partida dos Sonics —disse Kirk ao telefone—. Tenho Jensen para a partida de esta noite dos Huskies. Jane se voltou e olhou através do cristal da porta para a redação, onde se trabalhavam em excesso os outros jornalistas esportivos. Nunca seria um deles. O tinham deixado claro. Mas não passava nada. Ela não queria ser um deles. Ela queria ser melhor. Seu olhar posou na mesa vazia de Chris Evans. Esse trabalho não duraria para sempre; Chris voltaria a ocupar seu posto. Mas quando tudo acabasse, ela teria uma estupenda experiência que acrescentar a seu curriculum e encontraria algo melhor. Talvez no Seattle Post-Intelligencer. —No que posso te ajudar? —perguntou-lhe Kirk. Jane se voltou para ele. —Por que não publicou minha entrevista com Pierre Dion? Ele bebeu um gole de café e depois meneou a cabeça. —O Post-Intelligencer publicou uma entrevista um dia depois de que assinasse o contrato. —A minha era melhor. —A tua, a essas alturas, era água passada. —Kirk olhou os papéis que havia sobre sua mesa. Não acreditou. Se algum dos meninos tivesse feito a entrevista, teria publicado em vez de enterrá-la em sua crônica habitual. —Alguma outra coisa? —Tenho uma entrevista com Luc Martineau. Isso chamou a atenção de Kirk. —Ninguém pode entrevistar Martineau. —Pois eu o fiz. —Como? —O pedi. —Todo mundo o pede. —Devia-me um favor. —Jane baixou a vista até seus pés, depois voltou a elevá-la. Kirk era muito preparado para dizer o que pensava, mas ela sabia. —Que favor te devia?

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Esteve tentada de dizer a Kirk que se deitou com o Luc, mas depois da entrevista. assim, tecnicamente não tinha intercambiado favores sexuais para consegui-la. —Quando me despediram, só pus uma condição para voltar, fazer uma entrevista exclusiva com Luc. —E lhe concedeu isso? —Sim. —Jane lhe estendeu uma cópia impressa da entrevista junto com um disquete. Poderia havê-la enviado por correio eletrônico como fazia com as crônicas, mas queria lhe ver a cara quando a lesse. Estava orgulhosa do que tinha feito e recordava de cor cada palavra da entrevista Martineau entre as traves

A controvérsia não lhe é alheia ao goleiro dos Chinooks Luc Matineau. Tanto sua vida privada como sua carreira profissional foram dissecadas e debatidas, e se tem escrito tanto sobre ele que ninguém sabe já qual é a verdade. O próprio Martineau afirma que a maior parte do que têm escrito sobre sua vida pessoal é pura ficção e que não tem nada que ver com a realidade. Realidade ou ficção assegura que seu passado só pertence a ele, e que na atualidade só lhe interessa o que acontece entre as traves. Quando me sentei para entrevistar este enigmático goleiro, descobri que é uma pessoa franca e distante a partes iguais. Relaxado e intenso. Contraste que fazem deste antigo ganhador do troféu Conn Smythe um dos melhores goleiros de todos os tempos na NHL. O que está fora de dúvida é que faz dois anos que se disse que ele estava acabado, que seus dias na liga nacional de hóquei estavam contados. O que equivocados estavam aqueles que afirmaram algo semelhante. Situado atualmente no segundo posto do ranking de goleiros, Martineau é o líder da liga em paradas, com uma média de 2,00. Umas velozes mãos e um frio autocontrole são as marcas da casa deste goleiro de primeira linha. Demonstra sempre tanta habilidade como caráter, e quando está entre as traves, seu atômico olhar intimida... Ao tempo que Kirk ia avançando na leitura, foi aparecendo em seu rosto um meio sorriso. Uma amostra de respeito, embora reticente, suavizava as linhas de seu rosto, e seu humor mudou quase imediatamente. Jane não queria deleitar-se com a mudança de atitude de Kirk Thornston respeito dela. Mas o fez. Só ao final soube o muito que se deleitou, e se sentiu orgulhosa. Kirk olhou sua agenda.

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—Deixarei um espaço para isto na edição do domingo; não deste, mas sim do seguinte. Estaria de viagem esse domingo. —É um bom artigo, verdade? —perguntou-lhe para assegurar-se. —Sim. Quando Jane saiu do edifício, o sol brilhava radiante, as montanhas se elevavam ao longe e a vida era uma fonte de bondade. Enquanto caminhava pelo John Street para seu Honda, permitiu-se desfrutar de seu momento de triunfo. Tanto se a queriam entre eles como se não, os cronistas esportivos teriam que levar-lhe um pouco mais a sério a partir de agora. Ou, com um mínimo, não poderiam denegri-la com facilidade por ser a autora das estúpidas colunas de «Solteira na cidade». A Associated Press adquiriria a entrevista com Luc, e todos se inteirariam. Não fazia falta dizer que isso facilitaria as coisas nas salas de imprensa. Também cabia a possibilidade de que ocorresse o contrário, mas não lhe importava. Fizera a entrevista pela qual todos eles estariam dispostos a matar. Sim, a vida era formosa. No dia anterior tinha sido outra história. O dial anterior se sentou em casa diante do telefone como uma adolescente, esperando uma chamada. Depois de sair do Key Arena no domingo de noite, estava segura de que Luc a chamaria. Depois da cena miserável do quarto da limpeza e obrigá-la a expor-se de novo sua decisão de não deitar-se nunca mais com ele, esperava que a telefonasse ou aparecesse por sua casa. Disse-se que tinham estabelecido uma conexão pessoal, que tinham falado de temas importantes que foram além da roupa intima, e estava segura de que ele tinha se conectado com ela. Mas não era assim, e enquanto ficava sentada no sofá vendo reportagens sobre pássaros no Discovery Channel, descobriu que apaixonar-se por Luc era a maior tolice que tinha cometido em sua vida. É obvio, sabia de antemão a estupidez que entranharia o que já era um fato, mas não tinha tido força suficiente para opor-se. Jane conduziu até a lavanderia e lavou sua roupa suja em quatro máquinas de uma vez. Sob a roupa levava umas calcinhas comuns. Embora importava bem pouco, esse detalhe ilustrava sua vida naquele momento. Enquanto observava a roupa dar voltas na secadora, Darby chamou a seu telefone móvel para lhe pedir conselho. Ao que parecia, também ele tinha perdido o coração pela pessoa equivocada. —Acha que Caroline gostaria de sair comigo? —perguntou.

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—Não sei. Como foi tomar um drink com ela? —perguntou-lhe, apesar de que Caroline lhe tinha chamado a manhã seguinte para lhe contar todos os detalhes. O encontro tinha começado bem mas logo tinha cansado. —Acredito que não a impressionei muito. —Contou-lhe que pertence ao MENSA... —Sim, e o que? —Disse-te que não o fizesse. Nós que temos um coeficiente intelectual padrão nós não gostamos de ouvir falar de seu enorme cérebro. —Por que? Jane pôs os olhos em branco. —Você gostaria de ouvir o Brad Pitt falando de quão bonito é? —Não é o mesmo. —Sim que o é. —Não. Brad Pitt não precisa falar de quão bonito é. Todo mundo pode apreciá-lo. Jane teve que admitir que estava no certo a respeito do Brad. —De acordo. O que te parece uma estrela pornô? Você gostaria de ouvir falar com uma estrela do pornô de seu enorme pacote? —Não. Jane passou o telefone à outra orelha. —Olhe, se quer impressionar a uma mulher, e em particular ao Caroline, não lhe diga quão preparado é. Deixa que sua inteligência se manifeste de maneira sutil. —Não me dou muito bem com a sutileza —disse ele, e não estava brincando. —A Caroline a impressionam os tipos que sabem o que quer e não precisam ficar falando de si. —Isso não é de maricas? E uma camisa com chamas e caveiras estampadas, não é? —Não. Leva-a algum lugar bonito. —E aceitará? —Você propõe um lugar realmente bonito. Caroline adora vestir-se bem. —Refletiu por um instante e perguntou—: É membro do Columbia Tower Clube? —Sim. Tinha-o suposto.

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—Leva-a ali. Isso lhe dará uma razão para vestir o vestido do Jimmy Choos que acaba de comprar. E se começar a falar de sapatos e de moda, fínge estar interessado. —Estou muito interessado em desenhistas de moda —disse ele. Jane sorriu. —Boa sorte. Depois de desligar, chamou Caroline no Nordy's e a avisou que Darby ia chamá-la. Surpreendeu-se de que seu amiga não pusesse grandes reparos a um encontro com ele. —Pensei que te tinha arrasado com seu bate-papo sobre o MENSA —lhe recordou Jane a seu amiga. — Mas também me fez graça —respondeu Caroline, e Jane decidiu que o melhor era manter-se à margem. Como não demorou para recordar-se, tinha seus próprios problemas. Essa noite, na partida entre os Chinooks e os Lightning, Luc apenas prestou atenção em Jane quando o chamou de pedaço de tolo. Não se meteu com ela nem lhe recordou a noite que tinham passado juntos. No gol, esteve quase perfeito, detendo os tiros com suas rápidas mãos e seu longo corpo. A partida acabou em empate, e logo não quis colocar Jane em um quarto da limpeza nem beijá-la até perder a cabeça. Tampouco o fez duas noites depois, quando contra os Oilers conseguiu manter a portaria a zero pela sexta vez nessa temporada. No vôo a Detroit à manhã seguinte, apenas lhe deu uma olhada quando passou por seu lado, e para ela se fez evidente que Luc tentava evitá-la na medida do possível. Perguntouse o que teria feito para que ele tivesse essa atitude, e analisou uma e outra vez a conversar que mantiveram no quarto da limpeza. A única coisa que lhe ocorreu foi que Luc tinha descoberto o que ela sentia por ele e tentava sair correndo na direção contrária. Pintou os lábios de vermelho e comprou uma blusa vermelha só por ele. Era uma mulher patética, pensou. Luc lhe disse que tinha tido fantasias com ela imaginando que o fazia o amor sobre a mesa da sala de imprensa e tinha acreditado. Que tola tinha sido! E depois ele tentava evitá-la de tudo, e ela estava surpreendida do muito que lhe doía sua atitude. Fizeram amor e ela acreditava que o tinham feito realmente bem. Não lhe tinha pedido nada, e ele a tinha metido no quarto da limpeza e lhe tinha feito acreditar que queria algo mais que uma noite de paixão. Tinha acrescentado que não a via como a uma de suas admiradoras, mas o fato era que de repente a tratava como se fora uma qualquer. A Jane não só

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doía, mas também a irritava. Irritava-a até tal ponto que o fazia odiá-lo. Inclusive chegou a pensar que o melhor seria deixar o trabalho para não ter que enfrentar a seu desinteresse. Mas segundos depois se disse que não ia prejudicar a si mesma por culpa de um homem. Nem sequer pelo homem que amava com todo seu coração. Nem sequer quando cada vez que o visse se sentisse desventurada. Uma vez em sua habitação esse mesmo dia, tentou escrever uma azeda coluna da «Solteira na cidade», mas em lugar de escrever ficou olhando o lago Michigan de sua janela. Sua relação com Luc teria acabado igualmente, dissese. Melhor logo que tarde. Como mínimo, desse modo não se sentiria culpada pelo artigo do Bombonzinho de Mel». Mas isso não tranqüilizou sua consciência. Umas quantas horas depois, ao ver que o telefone não soava, tentou convencer-se se dizendo que Luc estava muito ocupado com as coisas da equipe para ligar. Ou para encontrar-se com uma de suas bonequinhas Barbie. Não queria pensar nele com outra, mas não podia evitá-lo. E ao imaginar Luc beijando ou tocando a uma mulher que não fosse ela temia enlouquecer. As seis da tarde, encontrou-se com Darby em um dos restaurantes do hotel. Ao longo do jantar, bebeu dois martinis enquanto lhe escutava falar de Caroline. Depois do jantar, foram ao bar do hotel. Cinco dos jogadores dos Chinooks estavam sentados bebendo cerveja, comendo algo, e vendo como os Denver davam aos Kings um repasse. Luc estava entre eles. Ao vê-lo, sentiu apreensão e alívio de uma vez. Não estava com nenhuma Barbie. —Olá Piralha —a saudaram. Todos menos Luc. Seu cenho franzido e o frio olhar de seus olhos azuis lhe fizeram saber que Luc não se alegrava de vê-la, o que a desencorajou ainda mais. Sentou-se entre o Daniel e Fish, e teve muito cuidado de não cruzar o olhar com o Luc. Temia que todos os jogadores sentados à mesa descobrissem que estava apaixonada pelo por goleiro. Que ele também se desse conta e se mostrasse inclusive mais distante, o que com toda probabilidade era impossível. Entretanto, não podia obrigar-se a fazer caso omisso dele, e acabou olhando para o outro lado da mesa. À exceção de seu intenso olhar, que parecia disposto a atravessar o cérebro de todo aquele que ficasse diante. Alargou o braço para agarrar seu copo e bebeu um gole de água. Manteve um cubo de gelo na boca e uma gota ficou pendurando do lábio. Sorveu o gelo e ela afastou o olhar. —Tenho lido sua coluna «Solteira na cidade» —lhe disse Fish—. Acredito que está certa ao dizer que os meninos bons são os que acabam levando o gato

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à água. Eu sou um menino bom, e tive que deixar minha casa no Mercer a minha ex algema. —Isso foi porque te pegou com outra mulher —lhe recordou isso Sutter a judiou muito. —Sim, não me recordo —grunhiu isso Fish, e olhou pra Jane—. O que está escrevendo agora? Jane não tinha nada entre mãos. Nada sobre o que queria falar, em qualquer caso, mas disse: —Encontros de uma noite são boa idéia? —perguntou. Arrependeu-se imediatamente. —Eu acredito que sim —repôs Peluso do outro extremo da mesa. —Sim. —Eu acredito que sim. —A menos que esteja casado —apontou Fish—. Não estará pensando em experimentá-lo, verdade? Ela encolheu de ombros e se forçou a mostrar-se distante e fria. Alheia. Como um homem. —Estou dando voltas no assunto. Há um jornalista esportivo de Detroit que não é nada mal. Falei com ele a última vez que estive ali. Luc ficou em pé, e lhe viu aproximar-se do balcão. Vestia uma camisa de raias azuis e brancas e tinha o traseiro embainhado em uns Levi'S. Se alguma vez necessitar ajuda com suas colunas, podemos te explicar o que pensam os tios na realidade —disse Peluso. Jane preferia não sabê-lo. Assustava-lhe muito. —Talvez lhe pergunte isso quando tiver claro o enfoque que quero dar à coluna. —Estupendo. Jane elevou a vista justo para ver o Luc retornar com os dardos. —Deve-me a desforra —lhe disse—. Joguemos com as mesmas regras da vez anterior. —Acredito que não—repôs ela. —Pois eu sim. —Agarrou-a do braço e a fez levantar-se—. Escolhe os que lhe pareçam melhores —acrescentou lhe pondo os dardos na palma da mão. A seguir lhe sussurrou ao ouvido—: Não me obrigue a arrastá-la até a linha. Seu olhar tinha um brilho feroz, louco. De acordo. Já que não podia lhe chutar o traseiro, daria-lhe uma boa surra com os dardos. —Recorda as regras —disse Luc enquanto ela examinava os dardos—. Depois não poderá chorar como uma menina se perder.

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—Não poderia ganhar nem em seu melhor dia. —Jane meneou a cabeça e escolheu os três melhores dardos—. Este não é um esporte para joaninhas como você, Martineau, e aqui não tem casco nem companheiros que lhe protejam. —Isso foi um golpe baixo, Piralha —lhe disse Sutter. —Assim é como vocês falam—replicou Jane. —O que disse não está bem —assinalou Fish. —Na última vez, moços, chamaram-me lésbica —lhes recordou. Todos encolheram de ombros—. Jogadores de hóquei... —disse e percorreu a distância que a separava da zona de dardos. Roçou o braço de Luc com o ombro e sentiu o contato em todo seu corpo. Ampliou a distância entre eles. —O que está fazendo aqui com ele? —perguntou Luc quando se detiveram na linha. —Com quem? —Com Darby. —Jantamos juntos. —Está se deitando com ele? Se não tivesse se sentindo tão contrariada, Jane se teria posto a rir. —Não é seu assunto. —E o que há com o jornalista de Detroit? Não havia nenhum jornalista de Detroit, mas não ia dize-lo. —O que tem ele? —Está se deitando com ele? —Acreditei que não se interessava com quem me deitava ou em que posições prefiro fazê-lo. Ele a olhou fixamente, depois disse entre dentes: —Começa a atirar de uma maldita vez. Jane elevou a vista para olhá-lo nos olhos, que pareciam lançar chamas azuis, como quando um adversário pretendia lhe fazer um gol. Era evidente que estava zangado com ela. —Se afaste —lhe disse quando se preparou para lançar o primeiro dardo—. Vou dar uma surra. —No primeiro lançamento conseguiu um dobro e acabou anotando oitenta pontos em total. Luc anotou quarenta e entregou os dardos com brutalidade. —A luz aqui é uma merda. —Não. —Ela sorriu e, com grande prazer, acrescentou—: Casulo. Ele entreabriu os olhos.

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As conseqüências de semanas de raiva e dor afloraram sem que nenhum dos dois pudesse nem quisesse evitá-lo. —Pior ainda... —acrescentou Jane—. É um rabugento. Os companheiros de Luc soltaram um assobio. —Lucky vai comer vivo a Piralha—disse Sutter. Por acordo tácito, ambos foram a seus respectivos lugares. Jane lançou para anotar sessenta e cinco. Luc anotou trinta e quatro. —Me refresque a memória. Por que lhe chamam Lucky, o afortunado? — perguntou Jane, mordaz, enquanto ia em busca dos dardos. Ele os arrancou do alvo lentamente, ao tempo que aparecia em sua boca um sorriso licencioso. Um sorriso que fez Jane que estava recordando-a de joelhos beijando sua tatuagem. —Estou seguro de que, se te esforçar, obterá a resposta por você mesma. —Não. —Jane negou com a cabeça—. Há coisas que não vale a pena recordar. Estendeu a mão e ele depositou os dardos em sua palma. Em lugar de ir onde estavam seus companheiros, Luc ficou junto à ela e lhe disse: —Poderia fazer lhe recordar isso. —Não, obrigado —disse ela. A seguir obteve um triplo oito e um triplo vinte—. Uma vez foi suficiente. —Ah sim? —disse ele—. Então, por que o fizemos três vezes? —Que problema tem? —Olhou-o por cima do ombro—. Seu ego necessita um pouco de estímulo esta noite? —Sim. Entre outras coisas. Luc tinha decidido falar com ela, seguro de que cairia rendida a seus pés e voltaria a beijar sua tatuagem. Foi um engano de cálculo. —Não me interessa. Procure outra. —Não quero a ninguém mais. —Suas palavras pareceram uma tenra carícia quando acrescentou—: Quero você, Jane. A raiva desapareceu, dando passo a uma profunda dor. Jane sentiu um nó no estômago e que lhe dava um pulo o coração. Antes de voltar a chorar como uma menina, entregou-lhe os dardos. —Má sorte —disse antes de voltar-se e sair do bar. Chegou a sua habitação no andar vinte e um antes de que lhe rabiscasse a visão. Não queria chorar diante de Luc Martineau, disse-se enquanto enxugava os olhos com um lenço de papel. Dez minutos depois de chegar a sua

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habitação, ele chamou a sua porta com força. Temendo que o estrondo alertasse os de segurança, deixou-lhe entrar. —O que quer, Luc? —perguntou com os braços cruzados, marcando as distâncias. Ele entrou na habitação e a obrigou a retroceder uns quantos passos. —Você —respondeu enquanto fechava a porta a suas costas. —Não me interessa. Luc se aproximou tanto dela que os antebraços de Jane lhe roçaram o peito. Estava invadindo seu espaço de maneira deliberada, e ela seguiu recuando para o outro lado da habitação, longe do perfume de sua colônia. —Disse-me que não pensava em mim como se fosse uma mais, mas assim é como faz que me sinta. —Lamento-o. —Luc baixou a vista—. Não queria que se sentisse assim. —Já é muito tarde. Não pode ir pra cama comigo e depois me deixar de lado, como se não fosse ninguém. —Nunca pensei que não fosse ninguém. —Voltou a olha-la de frente com seus profundos olhos azuis—. Não deixei de pensar em você nem um instante, Jane. —Quando? Enquanto estava com outras mulheres? —Não estive com ninguém desde que estive contigo. Jane se sentia aliviada, mas ao mesmo tempo furiosa. —Pensava em mim enquanto tentava me ignorar? —Sim. —E quando fugia? —Em todas essas ocasiões e em todos os momentos intermédios. —Sim, claro. —Estive pensando em você, Jane, juro-lhe isso. —Avançou para ela até deter-se poucos centímetros de seu corpo—. Todo o tempo. Semanas atrás lhe havia dito exatamente o mesmo, e tinha acreditado. Mas desta vez não. —Já conheço essa história, e não acredito —replicou ela, mas algo no profundo de seu ser queria acreditar. Mau sinal. Deu um passo atrás e se chocou contra o borda da cama. —É verdade. Dormindo ou acordado, não posso te tirar da minha cabeça. —Agarrou-a pelos ombros e a obrigou a deitar-se na cama—. É uma complicação desnecessária para mim. —Colocou as mãos a ambos os lados da cabeça de Jane e o joelho entre suas coxas—. Mas é a complicação que quero, que vou assumir.

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Jane apoiou suas mãos sobre o peito de Luc para detê-lo. Através do algodão de sua camisa sentiu o calor que desprendia seu peito. —Não acredito que saiba o que quer. —Sim sei. Quero vocÊ, e estar com você é um milhão de vezes melhor que estar sem. Não vou lutar mais contra isso. —Beijou-a entre as sobrancelhas—. Não vou lutar contra o que sinto por vocÊ. É uma batalha perdida, e não vou libera-la. Aquelas palavras fizeram que a raiva que Jane sentia se desvanecesse, mas o medo seguia oprimindo seu coração. —O que é o que sente? —perguntou, embora não estivesse completamente segura de querer conhecer a resposta. Luc lhe roçou a fronte com os lábios. —Sinto como se me tivesse golpeado entre os olhos com um stick. Não havia dito que estava apaixonado por ela, mas o de sentir-se golpeado por um stick na cabeça soava bastante bem. Em lugar de afastar-lo de seu lado, acariciou-lhe o peito com as mãos. —E isso é bom? —Não o parece. Converteste minha vida em um caos. Gostou de ouvir isso, porque ela também se sentia enterrada no caos. Tentou manter-se na lembrança a dor, mas o que fez foi lhe tirar a camisa das calças. Olhou-o nos olhos e depois contemplou sua boca. —Como te fez essa cicatriz no queixo? —perguntou-lhe. —Caí da bicicleta quando tinha uns dez anos. —E a da bochecha? —Ela deslizou as mãos sob sua camisa e lhe tocou os marcados músculos e a carne escura. —Uma briga em um bar, quando tinha vinte e três anos —respondeu ele em voz muito baixa—. Alguma outra pergunta antes que te dispa? —Doeu-te quando lhe fizeram a tatuagem? —Não o recordo. —inclinou-se sobre ela e a beijou—. Estava bastante perdido naquela época. Silenciou qualquer outra pergunta com um beijo que foi fazendo-se mais e mais profundo. O beijo foi suave, carinhoso, mas Jane não estava de humor para suavidade e carinho. Fez-lhe rodar sobre a cama e se colocou em cima dele, como se tratasse de uma montanha que já tinha conquistado, mas que estava disposta a explorar outra vez. O beijo se fez mais apaixonado à medida que lhe desabotoava a camisa. Com as mãos sob a cabeça, Luc observou Jane enquanto ela percorria seu corpo com as mãos e a boca. Ao chegar a seus ombros, lhe afastou o cabelo do rosto e a atraiu de novo para si para beijá-la.

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Então foi ele quem a fez rodar até deixá-la de barriga para cima e a despiu enquanto a beijava: os ombros, o pescoço, os seios. Jazeram abraçados, e quando já não puderam resistir mais, ela desenrolou um preservativo em seu ereto membro e de novo se colocou escarranchada sobre ele. Quando Jane desceu para encaixar-se nele, Luc elevou os quadris para entrar até o mais profundo de seu interior. —Jane —sussurrou—, não se mova. Ela apertou os músculos ao redor de Luc, de cujo peito brotou um gemido. Luc fechou os olhos, e quando voltou a abri-los, a luxúria brilhava nos olhos de Jane. Ele deslizou uma mão por sua nuca e com a outra a agarrou pelo quadril enquanto a beijava nos lábios com doçura. Sua língua logo roçou a de Jane. Percorreu suas costas com uma mão e voltou a baixá-la até quadril, acariciando-a, acendendo um poderoso fogo em seu interior. Jane afastou sua boca ao tempo que Luc acelerava o ritmo de seus movimentos. Em seus olhos azuis se refletia a paixão. Sussurrou seu nome como se de uma suave carícia se tratasse. A ardente tensão de seu interior fez que Jane apertasse com força até chegar ao clímax em um arrebatamento incontrolável de prazer. Seu orgasmo excitou ainda mais Luc, que cravou os dedos nos quadris de Jane enquanto entrava e saía dela sem parar, cada vez com maior intensidade até chegar ao orgasmo. Jane desabou em cima de Luc, e ele a abraçou com força, respirando de forma entrecortada. Apertou-a contra seu peito suado como se quisesse retêla ali. —Meu Deus —sussurrou ao ouvido de Jane respirando com dificuldade—. Foi melhor que a última vez. E a última vez foi sobressalente! Ela assentiu com a cabeça; estava muito entusiasmada para falar. Tinha passado algo. Algo diferente. Algo melhor. Algo que ia mais à frente do prazer físico. Algo que não podia descrever. —Jane. ---Sim? —Nada. Só queria me assegurar que continuava viva. Ela sorriu e lhe deu um beijo no pescoço. Esse algo devia dizer que ele também a sentia em seu interior. Não era tão tola para dizer que se tratava de amor. Mas era algo. Ficou com isso, porque, fosse o que fosse, era muitíssimo melhor que não ter nada absolutamente.

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16 Apagar as luzes A tarde seguinte, quando Jane entrou nos vestiários do Joe Louis Arena, suas emoções seguiam enterradas no caos. Luc passou a noite em sua habitação, e tomaram o café da manhã na cama antes que ele fosse se treinar. Ele a beijou, acariciou-lhe o cabelo e lhe disse que se veriam depois. Mas de verdade lhe alegraria voltar a vê-la? —Olá, meninos —disse enquanto caminhava para o centro do vestiário. —Olá, Piralha. Enquanto os jogadores vestiam seus uniformize, ela pronunciou depressa seu discurso enquanto lançava olhares de esguelha a Luc, que estava conversando com o treinador de goleiros e não parecia haver-se precavido de sua presença. Deu a mão ao Bressler. —Boa sorte com a partida, Assassino. —Obrigado. —Bressler se deu um golpezinho na mandíbula e estudou o rosto de Jane—. Hoje parece diferente —acrescentou. Pôs-se um pouco de rímel, também um pouco de maquiagem para cobrir as olheiras, e tinha pintado ligeiramente os lábios de cor rosa. Esperava que ele se fixasse nisso e não em seu arroubo. —E é para bem? , ----Sim. Fish e Sutter se uniram ao capitão e também a elogiaram. Quando foi para Luc, todos seus medos e seus desejos amorosos se mesclaram formando um nó em seu estômago. Luc estava de pé frente a sua bilheteria falando ainda com o treinador de goleiros, e quando ela se aproximou, olhou-a por um instante com o canto do olho e voltou a fixar sua atenção no treinador, que nesse momento estava lhe dizendo: —O tcheco sempre dispara da parte alta. Se te colocar gol será daí.— Passou a página de sua caderneta—. E Federov cortará em diagonal e disparará de perto da parte esquerda do círculo. —Obrigado, Dom —disse Luc, e se voltou para Jane quando o treinador de goleiros se afastou.

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—O que lhe disseram Fish e Sutter? —quis saber. —Disseram-me que esta noite parecia mudada. —Incomodaram-lhe? —Não. Pedaço de tolo. Ele olhou ao redor e disse: —Estive pensando. —OH, OH. Luc baixou a voz. —Pensei que para me dar sorte deveria beijar minha tatuagem antes de cada partida. Jane tossiu para evitar soltar uma gargalhada. —Acredito que estou começando a sofrer perseguição sexual. Ele esboçou um sorriso malicioso. —É obvio. O que opina? Quer beijar minha tatuagem? —Nem pensar —respondeu ela, e se voltou antes que alguém pudesse ouvir a conversar. Chegou à cabine de imprensa e se sentou junto a Darby. Este lhe disse que estava fazendo alguns progressos com certas sugestões que estava levando a cabo e lhe falou de um defesa que esperava poder contratar antes da data limite para os transpasses, em 19 de março, para a que faltavam quatro semanas. —Caroline diz que sairá comigo quando voltarmos à cidade —acrescentou depois de falar de seus negócios. —Aonde vais leva-la? —À Columbia Tower Clube, tal como sugeriu. Ela observou sua gravata com estampa de pimenta-malaguetas muito curta e sorriu. Caroline tinha decidido converter ao Darby Hogue em seu seguinte conserto de altos vôos, e tinha o trabalho ideal para fazê-lo. Jane tirou seu bloco de papel e tomou algumas notas, também anotou sua entrevista na agenda. Assim que começou a partida, ligou seu computador portátil. Luc deteve vários disparos de forma espetacular. Cobriu os ângulos com brilhantismo, e Jane teve que fazer um esforço para concentrar-se no jogo em lugar de fazê-lo no goleiro dos Chinooks. Essa noite, no avião em que viajava a equipe, a caminho de Toronto, ela escreveu sua crônica para o Seattle Times. Durante o vôo, sentiu que Luc a olhava, e ela também o olhou um par de vezes. Estava apoiado contra a parede do avião, com as mãos detrás da cabeça, observando-a trabalhar. Perguntou-se

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o que estaria pensando, e decidiu que, provavelmente, fosse melhor não sabêlo. Ela seguia sem saber o que era esse algo que tinha mudado em sua relação sexual na noite anterior. Perguntava-se se o tinha imaginado, quando Luc foi ao seuu quarto de hotel, pegou sua mão e a levou a seu p´roprio quarto. Passou umas quantas horas em sua cama tentando fazer-se à idéia. Não teve êxito essa noite, por isso voltou a tentá-lo em Boston, em Nova Iorque e em São Luis. Quando voltaram a estar juntos em Seattle, ela já estava cansada de tentar descobrir no que consistia esse algo e decidiu que não voltaria a analisar uma e outra vez cada palavra e cada gesto. Ia seguir adiante enquanto durasse. Tinha tentado não apaixonar-se por Luc, e tinha perdido. Contrariamente ao que ditava o bom julgamento, estava-se deitando com ele. E o estavam fazendo às maravilhas. Suas sessões sexuais punham em perigo seu trabalho, mas sabia que não podia evitá-lo apesar das conseqüências que isso poderia supor para sua carreira ou para seu coração. Estava apaixonada por ele e não tinha outra alternativa. Ao longo das seguintes semanas, seu amor cresceu e se expandiu até encher sua vida. De corpo e alma. Estava muito apanhada para livrar-se desse sentimento. Uma manhã, pouco depois de sua volta de São Luis, chegou a casa com as bolsas da roupa limpa e encontrou ao Luc esperando-a no alpendre. O céu era da mesma cor azul que os olhos do Luc. Parecia levar um pôster que rezava: «Perigoso para sua saúde.» Deu-lhe um beijo de boas vindas e a ajudou com as bolsas da roupa. Depois a levou até sua moto, que tinha estacionada na calçada. —Com isto ninguém verá teu rosto —lhe disse mostrando um capacete—. Assim não terá que preocupar-se de minha má reputação. Se não lhe tivesse conhecido tão bem, teria pensado que se sentia ofendido. —Não me preocupa sua reputação, a não ser o fato de que as pessoas dêem por certo que me deitei contigo para conseguir a entrevista. —Tinha pensado falar contigo a respeito disso. —Por que? Fixou a correia do capacete de Jane em sua mandíbula e roçou com os dedos sua garganta. —Disse que sou distante. ---E o que? —Não sou distante. O que passa é que não concedo entrevistas. Ela arregalou os olhos. —O que te pareceu o resto do artigo?

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Ele a beijou nos lábios. —Na próxima vez que falar da rapidez de minhas mãos, poderia dizer algo a respeito de quão grandes são. E também meus pés. Ela riu. —Grandes pés. Grandes mãos. Grande... coração. —Isso. Jane se acomodou na moto, detrás dele, e partiram rumo às cataratas do Snoqualmie. Não fazia precisamente calor, e Jane usava jeans, um pulôver e um jaquetão para um passeio de trinta minutos. As cataratas não eram nada novo para ela. Tinha estado ali umas quantas vezes, quase sempre em excursões escolar, mas nunca se deixou impressionar pelo fascinante poder e a beleza daquele salto de água de oitenta metros de altura. Estavam sozinhos na plataforma de observação, Luc detrás dela e com os braços ao redor de seu corpo. O sol da tarde formava um arco íris na cortina de água que havia em cima deles. Sob seus pés, a plataforma tremia devido às forças da natureza. Entre os braços de Luc, Jane sentia que lhe tremia o coração. Ele apoiou seu queixo na cabeça de Jane, e falaram da cascata e da temporada de hóquei. Os Chinooks tinham ganhado quarenta das sessenta e uma partidas que tinham disputado, e a menos que ocorresse uma catástrofe antes de 15 de abril, virtualmente tinham uma praça assegurada nos playoffs. A percentagem de paradas do Luc tinha subido até um impressionante 1,96, o melhor de sua carreira. Falaram de Marie, que parecia ter feito amizades e haver-se adaptado um pouco mais a viver em Seattle com um irmão ao que até fazia uns meses logo que conhecia. Falaram do internato, e que ele ainda não tinha tomado uma decisão a respeito. E falaram de suas respectivas infâncias e, para sua surpresa, Jane se inteirou de que Luc não tinha sido rico e famoso toda a vida. —Conduzia uma caminhonete enferrujada—disse—. Economizei durante um ano para comprar uma equipe de música e umas abas para o pára-lama nos que saía fotografada uma garota do Playboy. Acreditei que era alguém. Por desgraça, era o único em acreditá-lo. —Não posso acreditar que não fosse um paquerador no colégio. —Dedicava-lhe muito tempo ao hóquei para ligar. Tive alguns enrroscos. Mas provavelmente você teve mais encontros que eu. Ela se pôs a rir. —Meu penteado era um desastre, por não falar de minha roupa, e conduzia um Mercury Bobcat com um arame a modo de antena.

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Ele a apertou contra seu forte peito. —Eu teria saído com você. Ela o duvidava. —Não acredito. Eu não teria saído com alguma fã aficionada parecida com modelos da playboy. Comeram algo no Salish Lodge, que se tinha feita fama graças à série de televisão Twin Peaks. Sob a mesa, ele a agarrou pela mão enquanto lhe sussurrava coisas inapropriadas para ver como lhe avermelhavam as bochechas. De volta pra casa, Jane lhe abraçou por debaixo da jaqueta de couro, cruzando os dedos sobre seu ventre. Através da camisa pôde sentir seus músculos, e através dos Levi's sentiu sua poderosa ereção. Quando chegaram ao apartamento de Jane, ele a ajudou a descer da moto e quase a arrastou até a porta de entrada. Luc jogou seu capacete e sua jaqueta sobre o sofá. —Vais arrepender de ter ficado me esquentando na última meia hora. Ela abriu muito os olhos ao tempo que se tirava o jaquetão e o lançava junto à jaqueta de Luc. —O que vais fazer? Me preparar o jantar? —Já jantamos. O que vou fazer é te dar algo melhor que comida. Ela riu. —O que pode ser melhor que um hambúrguer do Salish? —A sobremesa. —Sinto muito, não tomo sobremesa. Engorda. —Bom, pois hoje fará uma exceção. —Luc tomou a o rosto de Jane entre suas mãos—. Vou ser a cereja de seu bolo. E foi. Várias vezes, além disso. Duas noites depois, convidou-a a seu apartamento para comer com Marie. Enquanto ele preparava o salmão, Jane ajudou a sua irmã com os deveres de inglês. Ao longo da tarde, só se produziu um momento de tensão quando Luc obrigou Marie a beber leite. —Tenho dezesseis anos —argumentou a garota—. Não preciso beber leite. —Quer ficar baixa e fraca? —perguntou-lhe ele. Marie entreabriu os olhos. —Não sou baixa nem fraca. —Agora não, mas pensa em tia Louise. Evidentemente, a tia Louise devia ser pouco menos que um monumento a osteoporose, porque sem acrescentar nada em sua defesa, Marie bebeu o copo de leite. Luc centrou então sua atenção em Jane. Observou seu copo de leite.

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—Eu já sou baixa e fraca —disse ela. —Embora seja baixa, ainda pode perder altura. —Um formoso sorriso iluminou o rosto do Luc, que agarrou seu copo de leite e o bebeu. À noite antes a que partissem para uma excursão de dez dias, Luc foi a seu apartamento. Quando bateu na porta, ela estava escrevendo a última entrega do Bombonzinho de Mel» e não estava se saindo muito bem. Em grande medida porque não deixava de pensar em Luc e lhe era muito difícil não inclui-lo na história. Fechou seu computador portátil e lhe deixou entrar. Uma forte chuva tinha molhado seu cabelo e os ombros de sua jaqueta. Remexeu no bolso e tirou uma caixinha branca do tamanho da mão de Jane. —Vi isto e pensei em você —disse. Ela não tinha nem idéia do que podia tratar-se. Não estava acostumada a receber presentes dos homens, exceto lingerie barata. Sempre tinha acreditado, além disso, que essa classe de obséquios estavam mais pensados para o que os fazia que para quem os recebia. Dentro da caixa, envolta em fino papel branco, havia um pequeno tubarão de cristal. Nem roupa intima comestível nem calcinhas abertas na frente; era o presente mais atento que lhe dado um homem. E a comovou mais do que nunca. —Eu adoro —disse estendendo-o para a luz. Um arco íris de cores apareceu sobre a jaqueta do Luc e sob garganta. —Não é grande coisa. Estava equivocado. Muito equivocado. Jane fechou a mão ao redor dos retalhos de luz, mas não pôde abranger o amor que sentia nesses momentos no centro de sua alma. Quando o viu baixar o zíper da jaqueta e joga-la sobre o sofá soube que tinha que lhe contar sobre «do Bombonzinho de Mel». Devia lhe advertir e depois fazer o amor com ele. Mas se o dizia, corria o risco de perdêlo, essa mesma noite. Não podia dizer-lhe Em caso de fazê-lo, ele provavelmente pusesse fim a sua relação, e por outro lado não podia permitir que ninguém dispusesse de semelhante informação. Assim guardou silêncio. Ficou com aquilona cabeça, onde faria que seguisse lhe remoendo a consciência, enquanto tentava convencer-se de que, possivelmente, não lhe pareceria mal a história. Não havia tornado a lê-la desde que a enviou. Talvez não fosse tão óbvia como ela a recordava. Jogou os braços ao pescoço de Luc. Queria lhe dizer que o lamentava e que lhe amava. —Obrigado —disse—. Eu adoro. Depois dessas palavras, levou-o a dormitório e lhe pediu desculpas do único modo que pôde.

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Quando chegou por fim a primeira semana de março e Luc seguia sem saber nada do Bombonzinho de Mel», começou a relaxar-se. Em Los Angeles, disse-lhe que não podiam fazer o amor porque veio a regra e não se encontrava muito bem. Ele chegou a seu quarto depois do treino, levando consigo uma balde com gelo em uma mão, e um pacote de M&M's cheios de amendoim na outra. - Comprei os doces que você gosta. A noite que a pegou com o pijama de vaquinhas estava comprando M&M's com amendoins. Acordou-se. Ela se pôs-se a chorar. —Que demônios aconteceu? —perguntou-lhe Luc enquanto derrubava o gelo sobre uma toalha. —Estou um pouco sensível e chorona —respondeu ela, mas se devia a outra coisa muito mais importante. Sentaram-se juntos apoiados na cabeceira, e ele colocou um travesseiro sob seu joelho esquerdo e pôs em cima deste o gelo. —Você machucou o joelho —disse Jane, como tantas vezes. Tomou-se vários Advils. —Só o esquerdo, nesta ocasião. E só um pouquinho. Sem dúvida era algo mais que um pouquinho, pois se tinha levado o gelo consigo. Durante a entrevista em seu apartamento lhe havia dito que sua velha lesão não lhe incomodava. Mas naquele momento não confiava em Jane o suficiente para lhe permitir comprovar o que tinha estado lhe perguntando desde que se conheceram. Seus joelhos lhe incomodavam às vezes. Ela se sentou a seu lado e lhe agarrou a mão. —O que aconteceu? —perguntou. —Nada —respondeu Jane. —Conheço esse olhar, e sei que ocorre algo. Ela tentou esboçar um sorriso, mas não o conseguiu. —Sabe alguém mais que te incomoda o joelho? —Não. —O olhar do Luc se posou na boca de Jane e depois subiu até seus olhos—. Não vai dizer a ninguém, verdade? Ela apoiou a bochecha em seu ombro. —Seu segredo está a salvo comigo, Luc. Nunca direi a ninguém. —Sei, ou não estaria aqui. —Deu-lhe um beijo nos lábios, e ela se apertou contra ele. Talvez sua relação pudesse funcionar. Ele confiava nela, e apesar de que isso a fazia sentir um pouco culpada, também lhe dava esperanças pela primeira vez desde que tinham começado a ficar juntos. Possivelmente não tivesse por que acabar. Possivelmente Ken nem sempre escolhesse uma Barbie. Possivelmente no final, escolhesse-a a ela.

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Luc meteu na boca a última bolacha salgada e se recostou na cadeira. Ao outro lado da mesa, Assassino estava dando conta de um prato de asinhas de frango. Luc afastou o olhar do capitão e o dirigiu para a entrada do bar do hotel. Fora, o sol de Phoenix luzia na metade do céu e a temperatura alcançava os trinta graus. Alguns dos moços estavam sozinhos, outros formavam grupos, e Jane se encontrava em sua habitação escrevendo a coluna «Solteira na cidade». Havia-lhe dito que se encontrariam no bar quando acabasse. Disso fazia uma hora, e ele começava a sentir-se tentado de ir a sua habitação. Mas não o fez, porque não acreditava que gostasse da idéia, e embora estivesse impaciente, respeitava seu trabalho. —Inteiraste-lhes que suspenderam ao Kovalchuck? —perguntou Assassino enquanto limpava os dedos com o guardanapo. —Quantas partidas? —Cinco partidas. —Azarento —disse Fish, que estava sentado junto ao capitão da equipe— . Embora eu já tenha visto sanções piores. Daniel Holstrom e Grizzel se uniram a eles, e a conversar se centrou nas piores sanções da NHL, lista encabeçada pelo jogador dos Chinooks, Rob Sutter. Manchester e Lynch aproximaram suas cadeiras à mesa e se começou a falar a respeito de quem ganharia em uma hipotética briga entre o Bruce Lee e Jackie Chan. Luc apostava pelo Bruce Lee, mas tinha outras coisas na cabeça e não entrou no debate. Voltou outra vez o olhar para a porta do bar. O único momento em que não pensava no Jane era quando estava entre as traves. De algum modo, ao meter-se na cama com ela, a meteu na cabeça. Às vezes sentia que Jane ocupava todo seu corpo, e lhe surpreendia que gostasse da sensação. Não podia assegurar que estivesse apaixonado por ela, que experimentasse a seu lado o amor eterno, em um motivo de paz, na classe de amor que sua mãe nunca tinha encontrado e que seu pai jamais tinha procurado. Só sabia que queria estar com ela, e que quando não estavam juntos não podia tirar-se a da cabeça. Confiava em Jane o suficiente para havê-la deixado entrar em sua vida e na de sua irmã. Desejava com todas suas forças que ela não traísse sua confiança. Gostava de observá-la, falar com ela e estar com ela. Gostava dos vaivens de sua mente, e gostava do fato de que podia ser ele mesmo a seu lado. Gostava de seu senso de humor e gostava de fazer amor com ela. Não, adorava

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fazer o amor com ela. Adorava beijá-la, tocá-la e estar dentro dela, olhando seu rosto enrubescido. Quando estava em seu interior, não deixava de imaginar possíveis maneiras de voltar a entrar. Era a única mulher com a qual havia sentido algo assim. Adorava ouvir seus gemidos, e adorava o modo como ela o tocava. Adorava quando ela tomava o controle da situação e ele estava a seu serviço. Jane sabia o que fazer com suas mãos e sua boca, e adorava como o fazia. Mas a amava? Talvez, e lhe surpreendeu o que isso não lhe assustasse. —Luc? Afastou o olhar da entrada e o dirigiu a seus companheiros de equipe. A maioria deles estavam detrás do Stromster, olhando a revista aberta que havia sobre a mesa. —O que acontece? Daniel elevou o exemplar do Him. Estava estudando inglês outra vez. . —Viu isto? —perguntou-lhe Grizzell. —Não. Daniel lhe mostrou a revista, aberta pela seção «educativa» favorita do sueco. —Lê —disse. Concentrou-se na leitura.

A vida do Bomboncito de Mel Um de meus lugares favoritos no mundo é o mirante do Space Needle de Seattle, quando já é de noite. E qualquer um que me conheça sabe do que eu gosto de verdade. Acabava de jantar no restaurante que há debaixo do mirante, deixando a minha entrevista dessa noite, um autêntico cavalheiro, sentado na mesa esperando a que retornasse do lavabo. Usava meu pequeno vestido vermelho sem costas nem mangas, com o broche dourado na nuca e a fina cadeia de ouro pendurando na metade de minhas costas. Usava sapatos de salto de oito centímetros, e gostava de algo mais que peixe-espada do Pacífico. Meu companheiro era bonito, como todos os homens. Mas não gostava de brincar por debaixo da mesa, assim estava começando a me aborrecer. Todo um perigo para os homens de Seattle. Luc deixou de ler e olhou para a porta justo no momento em que entravam duas mulheres. Não necessitou mais que um rápido olhar para saber que se tratava de um par de caçadoras. Fez caso omisso delas e reatou a leitura.

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A porta do elevador que estava a minha esquerda se abriu, e um homem vestido com um smoking negro saiu dele. Percorri com o olhar os quatro botões de sua jaqueta até chegar a seus olhos azuis. Seu olhar posou em meus seios perfeitos, apenas cobertos pelo vestido vermelho. Esboçou um sorriso de aprovação e, de repente, minha saída se fez muito mais interessante. Reconheci-o imediatamente. Jogava hóquei. Era um goleiro de rápidas mãos, célebre por sua mente lasciva. Eu gostava daquele homem. Um milhão de mulheres em todo o país fantasiavam com ele. Eu também, em um par de ocasiões. —Olá —disse—. Bonita noite para olhar as estrelas. —Olhar é uma de minhas atividades favoritas. —Seu nome era Lucky, que eu achei apropriado, podia confiar em seu sorriso, porque me pareceu que acabava de ter um golpe de sorte.

Luc se deteve e olhou seus companheiros. —Cristo bendito —disse—. Não pode ser eu. —Mas tinha o mau pressentimento de que sim o era.

Inclinei-me para diante. A parte de atrás de meu vestido se elevou mostrando minhas longas e torneadas pernas, tão próximas à idéia do paraíso. Olhei-lhe de esguelha e sorri. Seu olhar se cravou em meu decote, e tentei me sentir culpada pelo que ia fazer com ele. Mas a culpa e eu deixamos de nos relacionar faz já uns vinte anos, e tudo o que sentia era o palpitar que crescia em meu peito e entre minhas pernas. —E a ti? Você gosta de olhar? —Sou, mais bem dos que atuam. —aproximou-se de mim e me afastou uma mecha do rosto—. Parece-me mais interessante. —Eu gosto dos tipos ativos. De fato eu gosto de fazê-lo em um montão de posições diferentes. —Lambi meus vermelhos lábios—. Interessa-te? Seus olhos azuis tinham um brilho sonhador quando posou sua mão em minhas costas e me acariciou com os dedos, fazendo que minha pele ardesse. —Como te chama? —Bombonzinho de Mel. —Eu gosto —disse enquanto se colocava atrás de mim. Deslizou as mãos por meu ventre e me sussurrou ao ouvido—: Você gosta das experiências diferentes, Bombonzinho de Mel?

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Joguei-me para trás e pressionei meu traseiro contra o que parecia um bom stick de vinte centímetros. Com suas talentosas mãos me acariciaram os seios através do tecido do vestido e conseguiu que me excitasse. Fechei os olhos e arqueei as costas. Ele não sabia, mas estava perdido. —O último homem com o que estive não conseguiu recuperar-se. Disso fazia um par de dias, e Lou seguia em coma depois de deixá-lo atirado no elevador de serviço do Four Seasons. —O que lhe fez? —Tirei-lhe todo o suco do corpo... Meus mamilos se endureceram contra as cálidas palmas de suas mãos, e me pus como uma moto. Ninguém ia impedir que fizesse o que ia fazer com aquele grandalhão jogador de hóquei e seu poderoso stick. —Está-me deixando louco com esses lábios vermelhos e seu pequeno vestido. —Mordeu-me no pescoço, e sussurrou em meu ouvido—: Tem frio ou está excitada? —Que demônios é isto? —-disse Luc, perplexo.

Estava verdadeiramente brincalhona. —Faz que me dê vontade de te chupar, mais que de te beijar. —O que? —perguntei-lhe agarrando sua mão e levando-a a meu ventre? Fiz que me acariciasse por cima do vestido e de minha tanga vermelha. Atordoado, Luc deixou a revista e se tornou para trás na cadeira. Sentiu como se um disco tivesse batido contra sua cabeça a toda velocidade. Não podia acreditar o que acabava de ler. Era completamente impossível. Estava imaginando coisas que, em realidade, não existiam. —Conhece Bombonzinho de Mel? —perguntou Bressler. —Não —respondeu Luc, mas havia algo familiar nela. —Agora é famoso —brincou o capitão da equipe—. Continue lendo. Bombonzinho de Mel te deixou em estado de erupção. O resto dos meninos riram, mas Luc não via graça no comentário. Não, encontrava-o incomodado. —Por que terá escolhido você? —quis saber Fish—. Terá te visto jogar e terá querido dar uma olhada de perto em seu stick. Luc sentiu que a raiva crescia em seu peito, mas se conteve e disse: —Posso lhes garantir que não viu nada.

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A raiva só lhe faria sentir pior. Sabia por experiência própria. Precisava esclarecer seus pensamentos. Sentia-se como se estivesse observando um desses quebra-cabeças que formam uma enorme fotografia —uma imagem de sua vida—, mas no qual todas as peças estivessem mescladas. Se conseguisse as pôr em ordem, tudo voltaria a adquirir claridade. —Acredito que eu gostaria que Bombonzinho de Mel me deixasse em estado de erupção —disse alguém —Não é real —comentou Lynch. —Tem que ser real —argumentou Scott Manchester—. Alguém escreve essas histórias. A conversação passou rapidamente a centrar-se nas conjeturas a respeito de onde Bombonzinho de Mel podia ter visto Luc. Todos coincidiram em que devia viver em Seattle, mas não ficavam de acordo a respeito de seu sexo. Perguntavam se Bombonzinho de Mel teria conhecido já Luc, e se em realidade se trataria de um homem. O consenso geral ditava que se não era um homem, pensava como se fosse. A Luc importava bem pouco se Bombonzinho de Mel era em realidade um homem ou uma mulher. Passou os dois últimos anos tentando livrar-se dessa classe de merda, e aí estava de novo, avivando o fogo que ele tinha tratado de extinguir. Só que nesta ocasião era pior que antes. —É uma invenção —disse alguém. Mas a Luc não o parecia. Parecia-lhe tão familiar que lhe arrepiou o pêlo da nuca. O vestido vermelho. A parte em que falava dos mamilos eretos. O de ter frio ou estar excitada. As calcinhas vermelhas. A referência ao chupar mais que beijar. Uma das peças do quebra-cabeças se colocou em seu lugar. Tinha que ser Jane. Alguém lhes tinha estado espiando, mas não parecia possível. «Faz, que me dê vontade de te chupar, mais que de te beijar...» Luc recordava ter pronunciado essas palavras, ou outras muito parecidas, quando tocou sua suave pele. Na noite que usava o vestido vermelho, queria lhe deixar uma marca, um chupão. Acaso lhes tinham seguido? Moveu umas quantas peças mais do quebracabeças, mas continuava sem aparecer a imagem. —Olá, meninos. O que estão fazendo? Luc elevou a vista das páginas da revista e se fixou nos olhos verdes de Jane. Tinha que dizer-lhe ou ia subir pelas paredes. —Olá, Piralha —disseram os moços. Jane viu Luc e sorriu. Depois reparou na revista e seu sorriso se congelou.

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—Ouviste falar da vida do Bombonzinho de Mel»? —lhe perguntou Sutter. Jane fixou os olhos em Luc. —Sim. Ouvi falar. —Bombonzinho de Mel tem escrito sobre Luc. Jane empalideceu. —Estão seguros? —Absolutamente. —Sinto muito, Luc. Luc ficou em pé. Ela entendia o que significava isso para ele. Entendia o que seus companheiros não podiam entender. Uma vez que se escreve aquilo a respeito dele, citariam a história do Bombonzinho de Mel e a usariam como desculpa para dissecar sua vida privada. Para escavar em assuntos que nem foram nem lhes vinham. Caminhou até ela e a olhou nos olhos. —Encontra-se bem? Ela assentiu e depois sacudiu a cabeça. Sem pensar sequer, Luc a agarrou do braço e saíram do bar. Cruzaram o vestíbulo e subiram no elevador. -—Lamento-o, Luc —disse quase em um sussurro. —Não é sua culpa, Jane. Apertou o botão do andar planta de Jane, depois a olhou. Ela se tinha situado em um canto do elevador. Tinha os olhos úmidos e, de repente pareciam muito pequenos. Quando chegaram a sua habitação, as lágrimas rodavam por suas bochechas. Nem sequer lhe tinha falado de suas estranhas hipóteses e ela já estava chorando. —Jane —disse ele assim que fecharam a porta—, sei que isto te soa muito estranho... —Fez uma pausa para ordenar seus pensamentos—. Nessa merda de história do Bombonzinho de Mel, há certas coisas que estão muito perto da realidade para ser uma coincidência. Coisas que descrevem o que você e eu fizemos. Não sei como pode saber tanto. É como se alguém nos tivesse estado observando e tivesse tomado notas. Ela se sentou na borda da cama e colocou as mãos entre os joelhos. Permaneceu calada e ele continuou. —Seu vestido vermelho, por exemplo. Descreve seu vestido vermelho com a corrente dourada nas costas. —OH, Deus... Ele se sentou junto a ela e lhe passou um braço pelos ombros. As coisas que sabia a pessoa que tinha escrito a história lhe inquietavam. Jane também

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parecia contrariada, por isso não entrou em detalhes já que temia assustá-la mais do necessário. —Não posso acreditar que tenha voltado a acontecer. Tomei cuidado em me manter afastado dessa classe de lixo. —As idéias se acumulavam em seu cérebro, mas não tinham sentido—. Estou fora. Paranóico. Talvez contrate um investigador privado para que chegue ao fundo de tudo isto. Ela ficou de pé de um salto e foi até a cadeira que havia junto à janela. Mordeu o lábio inferior e olhou um ponto por cima da cabeça de Luc. —Não se sente lisonjeado? —perguntou. —Maldita seja, não! —respondeu ele—. Sinto-me como se tivessem estado espiando. Aos dois. —Se alguém nos tivesse seguido nos teríamos dado conta. —Certamente tem razão, mas não sei como explicar o da revista. Sei que parece uma loucura. —E o certo era que o parecia, inclusive para ele—. Talvez um dos meninos... —Meneou a cabeça e prosseguiu—: Não quero pensar que um dos meninos tenha algo que ver com isto, mas quem poderia ser? —encolheu-se de ombros—. Talvez me tornei louco. Jane o olhou longamente e finalmente disse: —Eu escrevi. —O que? —Sou a autora da série «Bombonzinho de Mel». —Como? Jane respirou fundo e disse: —Eu sou Bombonzinho de Mel. —Certo. —Sou-o —repetiu ela entre lágrimas. —Por que diz isso? —Maldito seja! Não posso acreditar que tenha que lhe demonstrar isso Nunca quis que soubesse. —Jane se enxugou as bochechas e se cruzou de braços—. Quem mais poderia saber que você me perguntou se tinha frio ou estava excitada? Estávamos sozinhos no apartamento. E então, uma a uma, as peças do quebra-cabeças foram encaixando. As coisas que só ele e Jane sabiam. A nota enganchada em sua agenda lhe recordando algo a respeito «do Bombonzinho de Mel»... Jane era Bombonzinho de Mel. Mas não podia ser. —Não. —Sim.

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Luc ficou em pé e olhou Jane, do outro lado da habitação. Observou seus cachos escuros, que tanto gostava de tocar, sua suave e pálida pele e aquela boca rosada que adorava beijar. Essa mulher se parecia com Jane, mas se realmente era Bombonzinho de Mel, não era a mulher que ele acreditava conhecer. —Agora não será necessário que contrate a ninguém —disse Jane como se isso supusesse um consolo—. E já não terá que suspeitar de nenhum dos meninos. Ele a olhou nos olhos como se pudesse ler neles a incrível verdade. Sentiu um repentino vazio no peito. Tinha confiado nela o bastante para colocála em sua casa e em sua vida. E também na vida de sua irmã. Sentia-se arrasado. —Escrevi-a na noite depois de que me beijasse pela primeira vez. Poderia-se dizer que me inspirou. —Jane deixou cair as mãos aos lados do corpo, abatida—. A escrevi muito antes de que tivéssemos uma relação. —Não muito antes. —Sua própria voz lhe pareceu estranha. Era uma voz oca, como se esperasse que a raiva a enchesse ao igual a seu peito. Faria-o, mas não naquele momento—. Sempre soubeste o que penso dessas idiotices que escrevem sobre mim. Disse-lhe isso. —Sei, mas, por favor, não se zangue. Ou bom, se zangue, porque tem todo o direito de fazê-lo. O que passa é que... —As lágrimas alagaram seus olhos de novo, e as secou com os dedos—. Me sentia tão atraída por você, e me beijou..., e escrevi a história. —E a enviou para que a publicassem em uma revista pornô. —Esperava que se sentisse lisonjeado. —Sabia que não seria assim. —A raiva que tinha estado contendo encheu o peito de Luc. Tinha que sair dali. Tinha que afastar-se de Jane. A mulher a qual acreditava haver-se apaixonado—. Deve ter rido quando te disse que era uma dissimulada. Quando pensei que minhas fantasias lhe impressionariam. Ela negou com a cabeça. —Não. Não só o tinha traído, mas também tinha conseguido lhe enlouquecer. —Que mais vou ler sobre mim? —Nada. —Bom. —Luc caminhou até a porta e se dispôs a partir. —Espera, Luc! Não vá. —Ele se deteve. A voz chegou até ele; era uma voz chorosa e cheia da mesma dor que lhe formava um nó no estômago—. Por favor —suplicou—. Podemos solucioná-lo. Posso arrumá-lo.

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Luc não se voltou. Não queria vê-la. —Não acredito, Jane. —Te amo. Suas palavras foram como outra adaga que se cravou em suas costas, e a raiva que tinha estado contendo seguro de poder controlá-la, estalou finalmente. —Então prefiro não saber o que é capaz de lhe fazer às pessoas que não quer. —Abriu a porta—. Afaste-se de mim, e se afaste de minha irmã. Saiu ao corredor. A elaborada sianinha do tapete se fez imprecisa. Jane, sua Jane, era o Bombonzinho de Mel. Teria que passar um tempo até que pudesse assimilá-lo. Caminhou até sua habitação e apoiou as costas na porta fechada. Durante muito tempo tinha acreditado que Jane era uma dissimulada, a verdade era que escrevia histórias pornográficas e sabia mais de sexo que ele. Tinham compartilhado muitos momentos, tinha confiado nela, e Jane os tinha passado tomando notas. Havia-lhe dito que o amava. Não tinha acreditado em suas palavras nem um só segundo. Tinha-lhe usado para escrever sua história pornográfica. Sabia como ele se sentiria, mas o tinha feito igualmente. Ele se tinha tomado o cuidado de não fazê-la sentir-se como uma mulher mais, e entretanto... Quem era Bombonzinho de Mel? Uma ninfomaníaca? Era Jane uma ninfomaníaca? Não. Ou sim? Não sabia. Não sabia nada dela. A única coisa que sabia era que o tinha feito ficar como um tolo.

17 Em dique seco Comportou-se como uma estúpida. Várias vezes. Em primeiro lugar, apaixonando-se por Luc, inclusive sabendo que ele ia parti-lhe o coração. Depois, por lhe olhar no rosto e lhe confessar que ela era Bombonzinho de Mel. Ele não sabia, e cabia a possibilidade de que nunca se inteirasse. Mas ela sabia, e isso lhe queimava como uma malha ardente. Ao fim das contas, o havia dito para que não se sentisse tão mal. Estava tão fora de si

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pensando que alguém os tinha espiado... e Jane sabia quem tinha sido. Ela. E o disse para aliviar também sua própria consciência. Assim, por que não se sentia melhor? Jane jogou sua maleta ao chão e pôs-se a chorar. Tinha passado quase sete horas entre táxis, aeroportos e aviões tentando retornar pra casa. Tentando que as coisas não se fossem pelas mãos. Mas já não podia mais. A dor que sentia ante a perda de Luc era muito profunda. Sabia que lhe perder doeria, mas nunca imaginou a cota que ia alcançar essa dor. A luz da lua atravessava a janela do pequeno dormitório de seu andar, e fechou a cortina. Ocultava-se na escuridão. Tinha pego o primeiro avião disponível desde Phoenix aquela mesma tarde. Fez escala em São Francisco, onde teve que esperar duas horas para seguir a Seattle. Estava sofrendo um afundamento físico e emocional. Devia partir. Não tinha alternativa. Não poderia ter entrado no vestiário na noite seguinte e ver a o rosto de Luc. Teria se desmoronado. Justo ali, em frente a todo mundo. Antes de ir, chamou Darby e lhe disse que tinha que atender um problema familiar. Necessitavam-na em casa, e voltaria a cobrir a campanha da equipe quando retornassem a Seattle. Apesar de que não tinha por que fazê-lo, Darby ajudou a conseguir o bilhete de avião, e ela se deu conta de que era algo mais que um perito em trambiques. Debaixo daqueles trajes de mil dólares e aquelas horríveis gravatas pulsava um coração. Talvez inclusive fosse uma boa pessoa para Caroline. Também chamou Kirk Thornton, quem não se mostrou tão pormenorizado como Darby. Perguntou-lhe a respeito da urgência familiar e ela se viu forçada a mentir. Disse-lhe que seu pai tinha sofrido um ataque cardíaco. Na realidade, era seu próprio coração que havia se quebrado. Tombou-se na cama e fechou os olhos. Não podia deixar de pensar em Luc, ou de recordar seu rosto quando ela entrou no bar do hotel. Parecia atônito, como se alguém lhe tivesse jogado um tijolo na cabeça. Podia rememorar cada pequeno detalhe. O pior tinha sido seu interesse por ela. E quando finalmente aceitou que ela era Bombonzinho de Mel, seu interesse se converteu em desprezo. Nesse momento soube que o tinha perdido para sempre. Jane deitou de lado e agarrou o travesseiro que tinha mais perto. Luc tinha sido a última pessoa a utilizar aquele travesseiro. Acariciou o suave tecido de algodão, depois a aproximou do nariz. Quase pôde sentir seu perfume.

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A culpa e a ira se mesclaram com a dor em seu interior, e se arrependeu de lhe haver dito que o amava. Seria melhor que ele não soubesse. Em grande medida, desejava que lhe importasse. Mas não tinha sido assim. «Então prefiro não saber o que é capaz de fazer às pessoas que não quer», havia dito. Lançou o travesseiro a um lado, sentou-se na cama e se enxugou as lágrimas. Vestiu uma camiseta grande, depois foi à cozinha. Abriu a geladeira e olhou dentro. Tinha passado bastante tempo da última vez que a limpou. Agarrou uma velha lata de embutidos e a pôs na mesa. Encontrou um pote de mostarda vazio e um litro e meio de leite coalhado e os pôs junto à lata de embutidos. Doía-lhe o peito e sua cabeça parecia cheia de algodão. Teria-lhe agradado dormir até que a dor desaparecesse, mas embora isso tivesse sido possível, teria que voltar a confrontar o despertar. Soou o telefone e não respondeu, quando cessou o timbre, desprendeu-o. Tirou o cubo do lixo e detergente líquido de debaixo da pia e os colocou sob a luz que saía da geladeira aberta. Limpava para manter-se ocupada. Para manter a raia da loucura. Isso não a estava ajudando muito porque não podia evitar rememorar cada maravilhoso, cada excitante e cada horrível momento que tinha passado com Luc Martineau. Recordava o modo que tinha de lançar os dardos, como se pudesse acertar no centro graças à força de seus músculos. O modo em que conduzia sua motocicleta e como se sentou sentada detrás dele. Recordava a cor exata de seus olhos e seu cabelo. O som de sua voz e o perfume de sua pele. O toque de suas mãos e a pressão de seu corpo sobre ela. O sabor de Luc em sua boca. O modo como a olhava quando faziam o amor. Amava tudo o que tinha a ver com Luc. Mas ele não a amava. Sabia que tudo acabaria. Cedo ou tarde. A história do Bombonzinho de Mel só tinha acelerado o inevitável. Embora nunca a tivesse enviado, embora nunca a tivesse escrito, a relação entre ela e Luc não teria funcionado, apesar de suas esperanças. Ken sempre acabava junto a Barbie. Mick tinha entrevistas com supermodelos, e Brad se casava com Jennifer. Assim era a vida. Que tivesse acabado não era culpa dela. Ele a teria deixado. Certamente, o melhor era que a tivesse deixado naquele momento, disse-se, em lugar de permitir que acontecessem meses, dando tempo a Jane de descobrir e confirmar que ainda estava mais apaixonada por ele. A dor teria sido maior. Embora não podia imaginar nada mais doloroso. Sentia como se uma parte de si mesmo tivesse morrido. Deixou o detergente na mesa e olhou para o outro canto do piso, onde tinha deixado a maleta sobre a mesinha de café.

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«Na merda de história do Bombonzinho de Mel, há certas coisas que estão muito perto da realidade para ser uma coincidência», havia dito Luc. Ela sempre tinha suposto que ele se reconheceria na história, mas não tinha imaginado que reconheceria a ela. Foi até o sofá e se sentou. «Coisas que descrevem o que você e eu fizemos.» Tirou seu computador portátil e o pôs em marcha. Abriu sua pasta «Bombonzinho de mel» e pulsou o clique no arquivo Março. Até aquele momento se negou a lê-lo. Temia que fosse horrível e não adulador, não tão bom como originalmente pensou que era. Enquanto o lia, chocou-lhe o óbvio que era tudo. O realmente surpreendente teria sido que não suspeitasse nada. Quanto mais lia, mais se perguntava se tinha deixado todas aquelas pistas de propósito. Parecia como se tivesse ido saltando de um lado a outro das páginas agitando as mãos e gritando: «Sou eu, Luc. Sou Jane. Eu tenho escrito esta história.» Tinha querido lhe dar a entender que ela era a autora dessa história? Não. É obvio que não. Isso teria sido uma estupidez. Teria significado que prejudicava de propósito sua relação. Apoiou as costas no sofá e olhou para o suporte que havia sobre a lareira. A foto em que estava com o Caroline. O tubarão de cristal que Luc lhe tinha dado. Quando tinha se apaixonado por ele? Foi na noite do banquete? A primeira noite que lhe beijou? Ou no dia que lhe deu de presente o livro de hóquei pacote com uma fita rosa? Possivelmente foi apaixonando-se um pouco por ele em cada uma dessas ocasiões. Disse-se que o tempo não tinha mais importância que a grande pergunta. O que era o que sempre dizia Caroline a respeito da verdade? Não lhe havia dito que iniciava as relações com um pé na porta? Com um olho fixo no pôster da saída? Tinha escrito aquela historia com tantas referências óbvias para acabar com a relação antes de estar muito apaixonada por Luc? Em caso de ser assim, tinha-a escrito muito tarde. Apaixonou-se com mais força e profundidade que nunca tinha feito antes. Nem sequer poderia ter imaginado que fosse possível chegar a apaixonar-se assim. Soou o timbre da porta e ela ficou de pé. Eram duas da manhã, e não podia imaginar quem estaria do outro lado da porta. O coração deu um salto, apesar de dizer-se que não podia ser Luc; não teria percorrido o país de uma ponta à outra como Dustin Hoffman no Graduado. Era Caroline. —Telefonei a todos os hospitais —disse sua amiga enquanto abraçava com força Jane—. Ninguém quis informar.

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—Do que? —Jane se liberou dos braços do Caroline e deu um passo para trás. —Seu pai. —Caroline olhou Jane nos olhos—. O ataque cardíaco. Í Jane meneou a cabeça. —Meu pai não sofreu nenhum ataque —disse. —Darby me chamou para me dizer isso. OH, não. —Isso é o que expliquei no periódico, mas só queria vir pra casa e necessitava de uma boa desculpa. —O senhor Alcott não se está morrendo? —NÃO. —Alegra-me ouvi-lo, asseguro-lhe isso. —Caroline se deixou cair no sofá—. Mas me encarreguei flores. Jane se sentou a seu lado. —Sinto muito. Pode cancelar o pedido? —Não sei. —Caroline se voltou para ela—. E por que tiveste que mentir? Por que voltaste para casa? Por que estiveste chorando. —Tem lido a história do Bombonzinho de Mel deste mês? Caroline estava acostumada a ler tudo o que Jane escrevia. —É obvio. —Era Luc. —Imaginava. Não se sentiu lisonjeado? —Nada —respondeu Jane, e então lhe explicou por que. Sem deixar de chorar, contou tudo a sua amiga. Quando acabou, Caroline franziu o cenho. —Já sabe o que vou dizer. Sim, Jane sabia. E uma vez pensou que sua amiga tinha razão. Jane sempre tinha sido a inteligente. Caroline a bonita. Essa noite, Caroline era a bonita e a inteligente. —Pode arrumá-lo? —perguntou Caroline. Jane recordou o olhar do Luc quando lhe disse que se separasse dele e de Marie. Tinha-o deixado bem claro. —Não. Não quererá me escutar. —recostou-se no sofá e olhou para o teto—. Os homens são uns casulo. —Sacudiu a cabeça e olhou sua amiga—. Façamos um pacto para passar deles por um tempo. Caroline mordeu o lábio inferior. —Não posso —disse—. Estou saindo com o Darby, mais ou menos. Jane se incorporou.

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—Sério? Não sabia que a coisa fosse a sério. —Bom, ele não é o tipo de homem que está acostumado a me interessar. Mas é amável e me agrada. Eu gosto de falar com ele e também o modo que me olha. E bom, a questão é que me necessita. Sim, necessitava-a. Jane tinha imaginado que Darby provavelmente afligiria Caroline com uma vida de necessidade. À manhã seguinte, Jane recebeu um buquê de flores da organização dos Chinooks expressando suas condolências. A meio-dia, chegaram as flores do Times e, por sua parte, Darby enviou outro ramo. Às três, chegaram as que Caroline tinha encarregado. Todos os Ramos eram preciosos e a fizeram sentir culpada. Prometeu a Deus que se fizesse que deixassem de chegar Ramos de flores nunca voltaria a mentir. De noite, viu pela televisão a partida dos Chinooks contra os Coiotes. Através de seu protetor facial, os olhos azuis do Luc a olharam com tanta dureza e frieza como o gelo sobre o que estavam jogando. Quando jogavam perto de sua portaria, podia apreciar a apertada linha que formavam seus lábios. Olhou à câmara e esta captou toda a raiva que havia em seu olhar. Não parecia concentrado. Sua vida pessoal o estava afetando no jogo, e se Jane tinha abrigado alguma esperança a respeito de arrumar sua relação, a esperança morreu nesse instante. Tudo se tinha acabado. Luc cometeu três faltas, movido pela raiva que sentia. —O que te passa, Martineau? —perguntou-lhe um dos jogadores da equipe contrária depois da primeira falta—. Tem a regra? —Que lhe dêem pelo traseiro —lhe respondeu, lhe travando os patins com o stick e fazendo-o cair. —É um idiota, Martineau —disse o tipo enquanto o olhava do chão. Montou-se uma comoção e enviaram Bruce Fish ao banco de castigo em lugar de Luc. Luc agarrou a garrafa de água e molhou o rosto. Mark Bressler se aproximou. —Tem problemas para conter sua raiva? —perguntou-lhe o capitão. —Você acha isso? —A água correu por seu rosto e pelo protetor facial. Jane não estava na cabine de imprensa. Nem sequer estava no mesmo estádio, mas não conseguia tirar-la da cabeça.

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—Isto é o que penso. —Bressler o golpeou no ombro com sua enorme luva—. Tenta não fazer mais falta e talvez ganhemos esta partida. Tinha razão. Luc precisava concentrar-se mais na partida que na mulher que não estava na cabine de imprensa. —Não mais falta estúpidas —conveio. Mas na seguinte jogada, golpeou um jogador na tíbia e o tipo caiu ao chão. —Venha já, que não pode te haver doído —lhe disse Luc enquanto olhava o jogador, que gemia de dor agarrando-a perna—. Levante e te ensinarei o que é a dor. O público começou a assobiar e Bressler se foi ao banco meneando a cabeça. Depois da partida, o vestiário parecia mais cinza do normal. Tinham metido dois gols ao final do terceiro período, mas não tinha sido suficiente. Perderam por cinco a três. Os jornalistas esportivos do Phoenix interrogaram os jogadores em busca de declarações altissonantes, mas ninguém falou muito. O pai de Jane tinha sofrido um ataque cardíaco e todos sentiam a ausência desta. Luc não tinha acreditado na história do ataque, e lhe tinha surpreendido que saísse correndo. Isso não era próprio da Jane que conhecia. Não constituía a não ser outra prova de que não a conhecia absolutamente. A autêntica Jane tinha mentido e lhe tinha humilhado. Sabia coisas dele que Luc não gostava de ler nos periódicos. Sabia que colocava gelo nos joelhos e que não estava cento por cento. Era um idiota. Como demônios tinha permitido que uma pequena jornalista de cabelo encaracolado e língua afiada penetrasse em sua vida? Nem sequer tinha gostado ao princípio. Como tinha se apaixonado por aquela maneira dela? Tinha posto patas acima de sua vida, e ele tinha que descobrir o modo de tirar-la da cabeça. De voltar a concentrar-se. Podia fazê-lo. Tinha lutado contra coisas similares antes, tinha combatido demônios piores que Jane Alcott. Disse-se que tudo o que precisava era determinação e um pouco de tempo. Darby lhes havia dito que não voltaria para o trabalho até a semana seguinte. Uma semana. Uma vez que tinha saído de sua vida fisicamente, não lhe custaria muito tempo fazê-la sair de sua cabeça e voltar a centrar-se na competição. Uma semana depois, soube que estava certo. Ou ao menos em parte. De novo estava concentrado. Voltava a jogar em lugar de deixar-se levar pelas

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emoções, mas não tinha conseguido afastar completamente Jane de seus pensamentos. O dia que retornaram a Seattle, sentia-se machucado por dentro e por fora. Como sempre ocorria com sua irmã, quando as coisas pareciam que estavam bem, ao minuto seguinte começavam a ir mal. Explicou-lhe como lhe tinha ido na escola e a seguir tirou seu largo pulôver... Luc ficou boquiaberto depois de ver a justa camiseta que usava lhe marcando os seios. Eram muito maiores que uma semana antes que partisse. Não é que se fixou em excesso, mas não pôde evitar apreciar a diferença. —O que tem posto? —Minha camiseta. —Seus seios estão muito maiores que a semana passada. Usa um sutiã com enchimento? Marie cruzou os braços como se estivesse perante um pervertido. —É um wonderbra. —Não pode pôr isso quando sair de casa. Não podia deixá-la sair com aqueles seios que pareciam torpedos. —Usei-o no colégio toda a semana. Merda. Teria apostado o que fosse a que os meninos da escola se fixaram também. Toda a semana. Enquanto ele tinha estado de viagem. Cristo bendito, sua vida era um desastre. —Aposto o que queira a que os meninos de seu colégio passaram um bom momento te olhando as pêras, e seguro que não terão pensado coisas bonitas sobre você. —Pêras —grunhiu ela—. Que desagradável. Por que sempre me diz coisas desagradáveis? «Pêras» não era uma palavra desagradável. Ou sim? —Estou te dizendo como pensam os meninos. Se usar esse enorme sutiã pensarão que é uma qualquer. Olhou-lhe como se fosse um pederasta em lugar de seu próprio irmão que tentava protege-la dos pervertidos do colégio. —É um doente. Doente —Não, não o sou. Só tento te dizer a verdade. —Você não é minha mãe nem meu pai. Não pode me dizer o que tenho que fazer. —Tem razão. Não sou seu pai nem sua mãe. E possivelmente tampouco seja o melhor irmão do mundo, mas sou o único que tem.

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As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Marie e estragaram sua maquiagem. —Odeio você, Luc. —Não, não me odeia. Só está molesta porque não quero que vá por aí com um sutiã com enchimento. —Aposto algo que você gosta das mulheres que usam com um sutiã com enchimento. Nesses momentos, para falar a verdade, Luc tinha uma crescente afeição, ou mas bem uma obsessão, pelos seios pequenos. —É um hipócrita, Luc —acrescentou ela—. Estou segura de que suas namoradas usam sutiã com enchimento. Entre todas as mulheres que tinha conhecido, a que mais lhe tinha fascinado nem sequer usava sutiã. Tentou não lhe dar importância, mas a deu. Sentia que sua cabeça era uma panela a pressão a ponto de explodir. —Marie, tem dezesseis anos —raciocinou—. Não pode ir por aí com um sutiã que faz que os tios se excitem. Tem que usar outra coisa. Talvez um sutiã com fechamentos de segurança. —Tentava soar engraçado. Como sempre, Marie não entendeu o senso de humor, e pôs-se a chorar. —Quero ir a um internato! —gritou antes de sair correndo para sua habitação. Luc ficou impressionado. Não havia tornado a pensar no internato fazia tempo. Se a enviava a um internato, não teria que preocupar-se de se usava sutiãs com enchimento quando estivesse fora da cidade. Sua vida seria muito mais simples. Mas, de repente, a idéia de tê-la longe de si não lhe parecia nada atrativa. Ela tinha um humor vacilante e chorava com freqüência, mas era sua irmã. Estava-se acostumando a tê-la perto, e pensar no internato já não lhe parecia a melhor solução. Seguiu-a até sua habitação e se apoiou contra o batente da porta. Estava deitada na cama olhando para o teto, com os braços abertos como um mártir na cruz. —A sério quer ir a um internato? —perguntou-lhe. —Sei que não quer que esteja aqui. —Eu nunca disse isso. —Tinham tido já uma conversação similar—. E não é certo. —Quer te liberar de mim —disse ela entre soluços—. Assim irei pra longe.

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Luc sabia o que era o que Marie precisava escutar e o que era o que ele precisava dizer. Pelo bem de ambos. Tinha estado indeciso durante tempo suficiente. —Muito tarde —disse cruzando-se de braços—. Não irá a nenhuma parte. Vai viver aqui, comigo. E se você não gosta, dane-se Ela o olhou. —Inclusive se quiser ir ? —Sim —respondeu Luc, e se surpreendeu do muito que lhe importava Marie—. Embora queira ir, está atada a esta casa. É minha irmã e quero que viva comigo. —encolheu-se de ombros—. É como um espinho cravado no traseiro, mas eu gosto que esteja por aqui me dando trabalho. —De acordo —sussurrou ela ao cabo de um instante—. Ficarei —De acordo, então. —Luc se separou do batente da porta e voltou ao salão. Olhou pela janela para a baía. A relação que tinha com sua irmã não era a melhor possível. Seu modo de vida não era o ideal; ele estava fora tanto tempo como o que acontecia a cidade. Mas queria conhece-la melhor antes que fosse à universidade, crescesse e se convertesse em uma pessoa adulta. Deveria havê-la visto mais freqüentemente nos últimos dezesseis anos. Não tinha desculpa. Nenhuma boa, em qualquer caso. Tinha estado tão ocupado com sua própria vida, que tinha pensado pouco nela. E isso fazia que se envergonhasse pelas vezes que tinha passado por Los Angeles e não tinha feito o esforço de ir vê-la. Para conhecê-la. Sempre tinha sabido que isso o convertia em um egoísta. Nem sequer tinha pensado que ser egoísta fosse algo mau... Até agora. Ouviu os passos de Marie e se voltou. Com o rosto banhado em lágrimas, abraçou-o e apoiou a cabeça em seu peito. —Eu gosto de viver aqui e te dar trabalho. —Bem. —Luc a apertou contra si—. Sei que nunca poderei ocupar o lugar de sua mãe ou de seu pai, mas vou tentar te fazer feliz. —Hoje me sinto feliz. —Mesmo assim, não pode levar esse sutiã. Ficou quieta um instante, depois deixou escapar um comprido suspiro. —Vale. Permaneceram juntos olhando a vista durante um bom momento. Ela falou de sua mãe e lhe explicou o motivo pelo qual conservava as flores secas em sua penteadeira. Ele acreditou havê-lo entendido, embora seguia pensando que era um pouco desagradável. Disse-lhe que também tinha falado disso com

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Jane, e que lhe havia dito que algum dia se livraria delas, quando estivesse preparada. Jane. O que ia fazer com o Jane? A única coisa que queria era viver sua vida em paz. E assim tinha sido, mas não havia tornado a ter um momento de paz desde que tinha conhecido Jane. Não, isso não era certo. Durante as poucas semanas que tinham passado juntos se havia sentido melhor que em qualquer outra época de sua vida. A seu lado se sentiu em casa pela primeira vez desde que vivia em Seattle. Mas tinha sido uma ilusão. Ela havia dito que o amava. Ele sabia que não era certo, embora no mais profundo de seu ser desejava que aquela mentira fosse verdade. Era um casulo e um imbecil. Ia vê-la na noite seguinte pela primeira vez em toda a semana, mas esperava que, como qualquer outra dor, depois da espetada inicial se fizesse imune e não voltasse a senti-la. Isso era o que esperava, mas não foi o que aconteceu quando ela entrou no vestiário na noite seguinte. Luc sentiu sua presença antes inclusive de que aparecesse. Ao vê-la sentiu um golpe no peito que o deixou sem fôlego. Quando Jane falou, sua voz penetrou em seu interior, e apesar de sua férrea vontade, absorveu-a como se de uma esponja se tratasse. Estava apaixonado por ela. Não podia negá-lo por mais tempo. Apaixonou-se por Jane, e não tinha nem idéia do que fazer a respeito. Quando se sentou com os pés metidos nos patins, com os cordões nas mãos, viu-a caminhar para ele, e com cada passo notou que seu coração se acelerava um pouco mais. Vestida de negro, com aquela fina e pálida pele, parecia a mesma de sempre. Seu cabelo escuro lhe caía sobre o rosto, e Luc se obrigou a atar os patins, quando em realidade o que queria era sacudi-la, e depois abraçá-la com força até absorvê-la por completo. O mais difícil que Jane tinha tido que fazer em sua vida foi atravessar o vestiário e deter-se em frente a Luc. Quando se estava aproximando, ele agachou a cabeça e começou a atar os patins. Durante uns quantos segundos, ela o observou, e ao ver que não elevava a vista, disse: —Pedaço de tolo. Ele teve que apertar os punhos para refrear seu desejo de acariciá-la. —Quero que saiba —disse— que não tenho a menor intenção de escrever nada mais sobre vocÊ —acrescentou Jane. Finalmente, Luc elevou a vista. Tinha o cenho franzido sobre seus olhos azuis. —Espera que acredite? —disse com o cenho franzido.

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Ela negou com a cabeça. Seu coração chorava por ele. Por ela. Por isso que podiam ter compartilhado. —Não. Não o espero, mas tinha que lhe dizer isso de todos os modos. Olhou-lhe de novo e partiu. Reuniu-se com Darby e Caroline na cabine de imprensa e tirou seu computador portátil para tomar notas. —Que tal está seu pai? —perguntou Darby, lhe fazendo sentir um pouco mais culpada. —Muito melhor. Já está em casa. —Sua recuperação foi assombrosa —acrescentou Caroline com um sorriso de reconhecimento. No primeiro período, os Chinooks fizeram colocaram um gol nos Ottawa Senators, mas estes saíram com força no segundo tempo e também marcaram. Quando soou a buzina assinalando o final, os Chinooks ganhavam por dois gols de diferença. Enquanto Jane caminhava para o vestiário de novo, perguntou-se o quanto poderia resistir. Ver Luc constantemente era mais do que seu coração podia resistir. Não sabia quanto tempo poderia seguir cobrindo os partidos dos Chinooks, embora isso significasse deixar o melhor trabalho que tinha tido e a oportunidade de melhorar sua carreira. Respirou fundo e entrou no vestiário. Luc estava sentado frente a sua bilheteria habitual. Estava nu de cintura para acima. Tinha os braços cruzados, e a observava como se estivesse tentando resolver um quebra-cabeça. Ela fez o menor número de perguntas possíveis aos jogadores e saiu dali a toda pressa antes de tornar-se a chorar diante de toda a equipe. Eles dariam por certo que chorava pela enfermidade de seu pai e, com toda probabilidade, enviariam-lhe mais flores. Quase saiu correndo do vestiário, mas quando estava a meio caminho da porta de saída, deteve-se. Se alguma vez tinha havido algo ou alguém em sua vida pelo que lutar, esse era Luc. Apesar de que lhe havia dito que a odiava, ao menos o comprovaria. Voltou-se e apoiou o ombro na parede cinza, no mesmo lugar que Luc a tinha esperado uma ocasião. Foi o primeiro a aparecer no túnel, e seu olhar se encontrou com Jane quando caminhava para ela, com aquele aspecto tão obscenamente atrativo, vestido com traje e gravata vermelha. Com o coração na garganta, lhe encarou. —Tem um minuto? —por que?

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—Quero falar contigo. Tenho algo que te dizer, e acredito que é importante. Deu uma olhada ao túnel vazio, abriu a porta do quarto da limpeza no qual já tinham estado uma vez, e a empurrou dentro. Acendeu a luz ao tempo que fechava a porta a suas costas, jogou o ferrolho e ficaram encerrados no lugar no que ele a tinha beijado apaixonadamente. Quando olhou seu rosto, comprovou que Luc nem sorria nem parecia zangado, seus olhos transmitiam cansaço mas não pareciam distantes. Nenhuma emoção das que ela tinha percebido no vestiário. —Acreditava que tinha que me dizer algo. Jane assentiu com a cabeça e se apoiou na porta. O aroma da pele do Luc a alcançou lhe devolvendo antigos momentos e despertando nela um profundo desejo. Uma vez que tinha chegado o momento, não sabia como começar. —Quero te dizer o muito que sinto muito pela história do Bombonzinho de Mel. Sei que é muito possível que não me acredite, e não o culpo. —Sacudiu a cabeça—. No momento em que a escrevi, estava me apaixonando por você, e simplesmente me sentei e deixei voar minha imaginação. Nem sequer estava segura de enviá-la ou não. Limitei-me a escrevê-la, e ao acabar soube que era o melhor que tinha escrito —separou-se da porta e caminhou pelo pequeno quarto. Não podia lhe olhar e lhe dizer ao mesmo tempo tudo o que tinha que lhe dizer—. Quando a acabei, disse-me que não podia enviá-la, porque sabia que você não gostaria. Sabia como se sentia respeito a todas as mentiras que se escrevem sobre você. Deixou-me isso bem claro. —lhe dando as costas, passou o braço depois de uma estante de metal—. Mas a enviei igualmente. —por que? Por que? Isso era o mais duro de explicar. —Porque te amava e você não me amava . Não sou o tipo de mulher com a qual está acostumado a sair. Sou baixa e não tenho peito, e logo não sei me vestir. Acreditava que nunca pensaria em mim do modo como eu pensava em você. —Ou seja, se vingou de mim? Olhou-lhe por cima do ombro e se forçou a voltar-se. Para confrontar a questão tinha que lhe olhar nos olhos de novo. —Não. Se simplesmente tivesse querido me vingar porque não estava apaixonado por mim, me teria mantido no anonimato. —cruzou-se de braços para evitar que a dor a fizesse cair ao chão—. O fiz para pôr fim a nossa relação antes que começasse. Assim poderia jogar a culpa na história do Bombonzinho de Mel. Assim não me comprometeria muito.

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Ele negou com a cabeça. —Isso não tem sentido. —Não. Estou segura de que não o tem para ti, mas sim o tem para mim. —É a desculpa mais estúpida que ouvi em minha vida. Seu coração se afundou. Não acreditava. —Estive dando muitas voltas ao longo da semana, e me dei conta de que em todas minhas relações com homens sempre deixei uma via de escapamento por medo de que me ferissem. A história do Bombonzinho de Mel era minha via de escapamento. O problema foi que não pude sair tão depressa como queria. — Respirou fundo e acrescentou—: Te amo, Luc. Apaixonei-me por você, e tinha medo de que nunca me quisesse. Em lugar de pensar que uma relação contigo não tinha nenhum futuro deveria ter lutado por obter que funcionasse. Deveria... Não sei o que. Mas agora sei que o danifiquei. Sei que a culpa é minha, e te peço desculpas. —Ao ver que não dizia nada, seu coração caiu em picado. Não tinha nada mais que dizer, exceto—: Esperava que pudéssemos seguir sendo amigos. Ele arqueou uma sobrancelha com expressão de dúvida. —Quer que sejamos amigos? ---Sim. —NÃO. Nunca tinha imaginado que uma só palavra pudesse ferir daquele modo. —Não quero ser seu amigo, Jane. —Entendo-o. —Jane inclinou a cabeça e caminhou para a porta. Não acreditava ter mais lágrimas para chorar. Acreditava que já tinha chorado tudo possível, mas estava equivocada. Não lhe importava se o resto da equipe dos Chinooks estava no túnel; tinha que sair dali e afastar-se. Agarrou a maçaneta da porta e a girou, mas não aconteceu nada. Girou com mais força, mas a porta não se moveu. Desprezou o ferrolho, mas mesmo assim não se abriu. Viu então que a mão de Luc, apoiada na parte de acima da porta, impedia que se abrisse. —O que está fazendo? —perguntou-lhe Jane voltando-se para lhe olhar de frente. Estava tão perto, que seu nariz ficou a escassos centímetros de seu peito e pôde cheirar o aroma do algodão limpo da camisa misturado com o do desodorante. —Não brinque comigo, Jane. —Não estou brincando. —Então, por que me diz que está apaixonada por mim e imediatamente diz quer que sejamos amigos? —Luc colocou os dedos sob o queixo de Jane e a obrigou a lhe olhar—. Já tenho amigos. Eu quero algo mais que isso. Sou um tipo

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egoísta, Jane. Se não poder ser seu amante, se não poder ter tudo de você, então não quero nada. Inclinou a cabeça e a beijou, foi uma ligeira pressão em seus lábios, e as lágrimas que ela tinha estado tentando conter lhe encheram os olhos. Agarrou então a camisa de Luc e apertou forte. Queria ser seu amante, e nesta ocasião não inventaria razões para acabar contudo. Queria-o com todas suas forças. Ele deslizou sua boca pela bochecha do Jane e lhe sussurrou ao ouvido: —Te amo, Jane. E senti sua falta. Minha vida é uma merda sem você. Lhe empurrou e o olhou no rosto. —Diga-o outra vez. Ele elevou as mãos até seu rosto acariciou as bochechas com os polegares. —Eu te amo, e quero estar contigo porque a seu lado me sinto melhor. — Colocou-lhe o cabelo detrás da orelha—. Uma vez me perguntou o que era o que via quando olhava para meu futuro. —Pegou sua mão—. Eu vejo você —adicionou, e lhe beijou os nódulos. —Não está zangado comigo? —perguntou Jane. Ele negou com a cabeça e seus lábios roçaram o reverso de sua mão. —Acreditei que o estava. Acreditei que ia estar zangado contigo para sempre, mas não o estou. Não entendo realmente suas razões para enviar a história do Bombonzinho de Mel, mas já não me importa. Acredito que me incomodou mais o fato de me sentir enganado que a história em si. —Apoiou a mão em seu peito—. Quando te vi me esperando, minha raiva se evaporou e soube que seria o homem mais tolo do mundo se te deixasse ir. Quero passar o resto de minha vida conhecendo seus segredos. —Não tenho mais segredos. —Está segura de que não há outro mais? —Passou um braço por suas costas e a beijou no pescoço. —A que se refere? —Não será ninfomaníaca? —Fala a sério? —Pois... Jane negou com a cabeça e disse em voz baixa: —Não —antes de tornar a rir. —Cristo. —Luc a separou de si e a olhou à cara—. Alguém poderia te ouvir, e seria nosso fim. Ela não podia parar de rir, por isso ele a silenciou com um beijo. Seus lábios eram mornos e acolhedores, e ela se abandonou a seu beijo como uma

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autêntica ninfomaníaca. Porque há vezes na vida em que Ken não escolhe a Barbie. E por esse motivo, Luc tinha que ser recompensado.

Epílogo Lança e anota! Luc saiu do elevador ao mirante do Space Needle e olhou a sua esquerda. Uma mulher vestida de vermelho olhava para o brilhante centro de Seattle. O cabelo, encaracolado e escuro, caía-lhe sobre os ombros e a cálida brisa de agosto tinha arrojado algumas mechas sobre seu rosto. Acabavam de jantar no restaurante que havia debaixo e, enquanto ele esperava a conta, ela tinha subido até o mirante. Enquanto lhe observava caminhar para ela, as linhas de seus vermelhos lábios se curvaram formando um sedutor sorriso. —Bonita noite para olhar as estrelas —disse ele. Ela mordeu o lábio inferior, depois sussurrou: —Você gosta de olhar? —Mas bem prefiro fazer. —Rodeou-a com os braços e a atraiu por volta de seu peito—. E justo agora quero te fazer minha esposa. —Isso não estava no guia —disse Jane. Fazia cinco semanas que se casaram. Cinco semanas de despertar a seu lado cada manhã. De olhá-la ao outro lado da mesa da cozinha, e de levar juntos os pratos a pia. De vê-la escovar os dentes e vestir meias três-quartos. Nunca, nem em um milhão de anos, teria imaginado que todas essas atividades cotidianas podiam ser tão excitantes. E o melhor de tudo era que gostava de vê-la trabalhar. Imaginar todas essas histórias eróticas, ver além de seu rosto sem maquiar, e ver a autêntica mulher. Desde seu compromisso, deixou de escrever sobre o fato de ser solteira em Seattle. E Chris Evans retornou a seu posto depois do tratamento médico. O Times a deixou partir e ela se converteu na nova cronista esportiva do periódico rival: o Seattle Post-Intelligencer. Tiveram que planejar as bodas durante os playoffs, e como Luc esteve fora da cidade a metade desse tempo, Jane, Marie e Caroline tiveram que fazer a maior parte do trabalho. O qual lhe caiu muito bem. Tudo o que teve

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que fazer foi dizer: «Sim quero.» Resultou-lhe bastante fácil. Vê-la dançar com o mascote da equipe na recepção não foi tanto. Poucos meses antes das bodas, os Chinooks chegaram a final, mas ficaram sem a Stanley Cup porque caíram derrotados ante os Colorados Avalanche na terceira partida. Luc inclinou a cabeça e enterrou o nariz no cabelo de Jane. Sempre poderiam tentá-lo no próximo ano. —Quer ir a algum outro lugar? —perguntou Jane. Tinham passado muito tempo percorrendo Seattle juntos. Ele, Jane e Marie. Jane conhecia todos os lugares destacados e os que teria que evitar. —Quero ir pra casa —disse. Marie ia passar a noite com a Hanna, e Luc queria aproveitar esse tempo a sós com sua esposa—. O que me diz? Ela se voltou e lhe abraçou. —Nossa casa é meu lugar favorito. Também o era para Luc. Mas sua casa era para ele ali onde estivesse Jane. Nunca em toda sua vida tinha amado a ninguém tanto como a amava. Tanto que às vezes lhe dava medo. Ele a apertou com força e olhou para a cidade. Estava apaixonado por sua mulher. Sim, sabia o que isso significava. Que se tinha retirado, caçado por uma mulher baixa de caráter forte. Sim, isso era o que significava, e não lhe importava.

Fim

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