ABEL
(Grita) Eta! Que saco! (Carinhosa) Nem parece que a gente mora
aqui, que está longe de tudo, no inferno... LEILA
É por isso que eu sinto medo. Porque tudo está longe de tudo. (Olha,
demoradamente, nos olhos de Abel.) Mas às vezes é diferente... E nem parece que é desse jeito. ABEL
A gente já nasce errada... Nasce errada num mundo errado, do lado
de uma gente errada... A gente gosta do medo... O medo defende a gente. É assim... (Bem humorada.) Deus tem lá as suas preferências... (Ri.) É isso! Aqui, no inferno, a gente dá o cu pro primeiro que aparece e nem sabe dizer por que fez isso, na primeira vez... Depois acostuma. Mas é porque a gente gosta do medo. Tem gente que nasceu pra ficar com medo. LEILA
Você nasceu pra isso? Só pra isso?
ABEL
E você não? Por que será?
LEILA
Será que a gente num vai deixar nunca de ter medo?
(Abel sorri. Olham-se, muito de perto, nos olhos.)
LEILA
Quando eu olho pra você, é diferente... Aqui em casa...
ABEL
(Prática.) Mas tem a rua... Que é a sala das nossas visitas. Aonde
tomam do nosso cafezinho coado com merda. Uma merda que todo mundo cheira sorridente, pensando que é perfume... Como é bom o perfume da bosta, menina! LEILA
Eu conheço teu cheiro. É outro.
ABEL
Ontem eu chupei um pau tão escroto que vomitar nele ia ter
melhorado o gosto. Mas a gente não vomita... Sente o perfume. Finge que não tem doença ali e faz do pau duro doente uma estátua dura de um santo duro, que quer ser beijada. LEILA
Não precisa contar os detalhes. Eu conheço isso, mesmo sem ver. Eu
vejo no canto do seu olho, quando você chora. Ou quando você ri. (Tempo. Leila recorda-se.) Na hora do tiro... ABEL
Não era tiro.
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