CarlosZara_TaniaCarvalho

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Meu tiozão, meu tio Nico Assim o chamava na adolescência, tiozão. Quando pequenininha, durante a infância, simplesmente tio Nico. Foi aquele que alimentou meus sonhos de menina durante os difíceis tempos da ditadura. Tinha apenas 7 anos e não sabia o paradeiro de meu pai. Foram dias tristes e frios, também muito escuros. Mas sempre presente, tio Nico sabia ser pai. Esperava por ele todas as noites. Ele vinha ver a gente (eu, meu irmão e minha mãe) e também meu avô Ricardo e minha avó Annita. Chegava por volta das 9 horas e ficava até umas 10, após um dia inteiro de gravações na TV Tupi. Era eu que preparava seu uísque, bastante gelo, num copo alto que sempre ficava no mesmo lugar da cristaleira. As conversas regadas a dúvidas e notícias nem sempre tão boas ocupavam a quase totalidade da visita. A maior parte do tempo tinha um semblante muito sério, uma cara brava, sua marca registrada. Mas sempre sobrava um tempinho para eu contar sobre a escola, os amiguinhos, as brincadeiras e, no final, aquela deliciosa gargalhada e aquele abraço tão especial, tão forte, que tanto precisava. Ele me ensinou muitas coisas, valores como honestidade e sinceridade. Tio Nico nunca foi político, sempre falou o que achava diante de qualquer pessoa, não fazia média com ninguém, não escondia suas opiniões, mesmo que essas não

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fossem lhe trazer benefícios. Por isso, quem gostava dele, gostava de verdade. E eu adorava seu jeito direto e sincero de ser. Assim o amava. Domingo era dia de festa, tio Nico sempre abriu as portas de sua casa para muitos amigos e parentes. Isso também aprendi com ele. Ele gostava de reunir todos nesses almoços, verdadeiros banquetes da dona Olívia, sua cozinheira, uma senhora negra, baixinha, de uns 70 anos, que fazia as delícias que ele queria. Isso tudo ao som de Toquinho e Vinícius. Quando as gravações das novelas terminavam, memoráveis feijoadas da dona Olívia eram degustadas por um batalhão, me lembro bem, como no final da novela Meu pé de laranja-lima. Fui crescendo, e ele sempre ao nosso lado, viajando para o Chile, Argentina, à procura do papai. O exemplo que dele tive de amor a um irmão me engrandeceu como pessoa. Admirava sua incondicionalidade. Não havia carreira, fama ou novela que o afastasse da gente. Aos 15 anos, saí com o pessoal do colégio para uma passeata, era 1978. Claro, fui presa junto com mais cem estudantes. Passamos a noite no Deops, somente para um susto, devidas fichas e “pianinhos”. No dia seguinte, quem estava lá, com minha mãe, atordoada, para me buscar? Tiozão. Sempre, o tiozão.

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