Victoria aveyard a rainha vermelha 01 a rainha vermelha

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posso atribuir rostos a cada uma das moradias silenciosas. Cheguei até a matar os proprietários de algumas. — Beira Rio — explica Maven. — Casas de campo para quando os lordes desejam escapar da cidade. Meu olhar se detém sobre a mansão dos Iral, uma maravilha em colunas de mármore preto. Panteras de pedra sobre duas patas guardam a varanda. Até as estátuas me fazem tremer ao me lembrar de Ara Iral e suas perguntas insistentes. — Não há ninguém nas casas. — Passam a maior parte do ano vazias. Ninguém se arriscaria a deixar a cidade agora com essa história da Guarda. Ele abre um sorriso pequeno e amargo antes de continuar. — Preferem se esconder atrás dos muros de diamante e deixar meu irmão lutar em seu lugar. — Se ninguém precisasse lutar… Maven balança a cabeça. — Não adianta sonhar. Observamos calados Beira Rio ficar para trás. Outra floresta se ergue nas margens. As árvores são estranhas: altíssimas, com casca negra e folhas vermelhas e escuras. Um silêncio mortal, que nenhuma floresta deveria ter, predomina. Não há canto de pássaros, e o céu escurece adiante, mas não por causa do pôr do sol. Nuvens negras se amontoam sobre as árvores e pairam como um cobertor grosso. — O que é isso? Até minha voz sai abafada e fico subitamente feliz pela proteção de vidro ao redor do deque. Para minha surpresa, os outros saíram e nos deixaram sozinhos para observar a triste paisagem. Maven corre os olhos pela floresta com o rosto contorcido de desgosto. — Árvores de barreira. Evitam que a poluição suba o rio. Os verdes da família Welle as criaram anos atrás. Pequenas ondas de espuma marrom resvalam no navio e deixam uma película de lodo preto no casco brilhante. O mundo assume cores estranhas, como se eu o observasse através de um vidro sujo. As nuvens baixas não são nuvens de verdade, e sim a fumaça que jorra de mil chaminés e tapa o céu. Longe estão as árvores e a grama: esta é a terra das cinzas e da decadência. — A Cidade Cinzenta — murmura Maven. As fábricas cobrem até onde a vista alcança. São sujas, enormes e vibram de eletricidade. Aquilo me atinge como um soco, quase me derruba. Meu coração tenta acompanhar o pulso extraordinário. Meu sangue acelera nas veias. Preciso sentar. Pensei que meu mundo era errado, que minha vida era injusta. Mas nunca pude sequer sonhar com um lugar como a Cidade Cinzenta. As usinas de força brilham na escuridão, bombeando eletricidade azul e verde no emaranhado doentio de fios pelo ar. Veículos lotados de carga rodam sobre as pontes e levam bens de uma fábrica a outra, fluindo como sangue negro e letárgico em veias cinzentas. O pior de tudo são as casinhas ao redor de cada fábrica, formando um quadrado perfeito. Uma se ergue sobre a outra, com vielas entre si. Favelas. Sob um céu tão cheio de fumaça, duvido que os trabalhadores consigam ver a luz do dia. Caminham da fábrica para casa e enchem as ruas durante as mudanças de turno. Não há soldados, não há estalar de chicote, não há olhares perdidos. Ninguém os força a nos ver passar. O rei não precisa se exibir aqui. Eles já nascem acabados.


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