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O desafio da construção

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É daqui!

É daqui!

O sonho do barco-fábrica era antigo, mas a construção começou mesmo em 2018. Quem aceitou o desafio de tirar do papel o projeto holandês foi o construtor naval Jeison Coninck dos Santos, cujo pai fundou o primeiro estaleiro de barco de aço de Santa Catarina. Para ele existem dois tipos de armadores: o que entende mais de peixe e o que entende mais de barco. “O Cordeiro entende dos dois, mas é focado mesmo em barco. Ele ficava em cima de todos os detalhes e sabia o que estava fazendo, porque já foi pescador. Ele sabe como a pesca funciona lá fora e isso fez muita diferença no resultado final”, diz o responsável pelo estaleiro Caçapava Construções Navais.

Apesar dos 28 anos de experiência na construção de barcos de aço, Jeison diz que o Cordeiro de Deus E foi desafiador.

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“Eu nunca tinha feito algo assim, o casco é completamente redondo, com o bulbo na frente, foi algo bem diferenciado que precisou de mais mão de obra do que outras embarcações normais de pesca”, explica.

O formato arrojado do casco de 27 metros garante mais estabilidade e segurança. “Lá no talude (região com declive bastante acentuado, situada após a plataforma continental) as condições são diferentes. É mais difícil a navegação e mesmo com correnteza e ventos fortes, a gente percebe que ele tem muita estabilidade. Em 32 anos de pesca este é o barco mais preparado, confortável e equipado que eu já trabalhei”, afirma o mestre Éto.

Mas para além do espaço e conforto, a embarcação conta com tecnologia de ponta e divisão do espaço interno perfeitamente ajustada à atividade.

No convés de popa, uma escotilha hidráulica permite que o camarão capturado seja despejado da rede diretamente na tina, antes de ser direcionado à esteira de processamento. Na parte inferior da embarcação, um vestiário equipado com uma lavanderia para higienizar diariamente as roupas da indústria antecede a sala de manipulação, onde os tripulantes classificam, selecionam e embalam os camarões-carabineiros. Um túnel de congelamento rápido, que chega a 30 graus negativos, garante que todas as propriedades do produto sejam preservadas. Depois de processada, a mercadoria segue para a câmara fria, de onde saem em caixas já prontas para a venda. Toda a tripulação tem treinamento de boas práticas e a embarcação possui todos os certificados e exigências sanitárias do SIF (Serviço de Inspeção Federal).

Inovação e sustentabilidade

Sem meio termo, Manoel Cordeiro diz que muitos dos problemas que a pesca enfrenta atualmente são frutos de decisões equivocadas dos empresários do Setor ao longo dos anos. As críticas vão desde a falta de investimentos para melhorar a qualidade dos produtos e o conforto nas embarcações, até a sobrepesca. “Nós temos que saber a hora de pescar e a hora de parar, se a gente capturar tudo de uma vez só, ou pescar indivíduos pequenos, qual vai ser o futuro?”, questiona. “Eu quero e defendo uma pesca sustentável, porque meu diferencial é a qualidade do produto”, afirma o armador.

Dominada por embarcações estrangeiras no início dos anos 2000, a pesca de profundidade na Zona Econômica Exclusiva brasileira das regiões Sudeste e Sul tem atualmente cerca de 12 embarcações divididas entre as modalidades de arrasto (duplo e simples) e de emalhe, segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). O Cordeiro de Deus E é o único que atua na pesca de arrasto do camarão-carabineiro. Assim como em outras pescarias, a pesca demersal carece de gestão.

Embora não tenha sido colocado em prática, um plano de manejo do camarão-carabineiro realizado pela Univali foi apresentado ao Comitê Permanente de Gestão da Pesca demersal ainda em 2008. O estudo previa, entre outras coisas, cotas de captura, regiões de amortecimento da pressão pesqueira, além do rodízio de ocupações de áreas de pesca e monitoramento dos cruzeiros. “Isso tudo é válido, mas precisa ser revisto, afinal, lá se vão alguns anos. Mas recomendações cruciais como as cotas de captura dependem da figura do Observador de Bordo, que à época era um instrumento oficializado pelo programa governamental PROBORDO e que acabou esfacelado pelas autoridades de pesca e, de certa maneira, inviabiliza um controle das capturas. Outra preocupação atual muito importante, prejudicada pela falta de observador, é a destruição de áreas coralinas”, frisa o professor Dr. José Angel Alvarez Perez, da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), que comandou o mais recente estudo sobre o tema.

O projeto “Subsídios Científicos para o Manejo Espacial e com Enfoque Ecossistêmi- co da Pesca Demersal nas regiões Sul e Sudeste do Brasil”, realizado em parceria com a ONG Oceana e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aponta novos caminhos para a gestão pesqueira no Brasil. O estudo foca no espaço marinho e não apenas nas espécies ou nas modalidades de pesca. “Nas chamadas Unidades Geográficas de Gestão (UGG) seriam definidos planos de manejo incluindo o que se pesca, como, quando, com que tecnologia e quanto. Em nosso estudo delimitamos esses espaços, caracterizamos a pesca demersal dentro deles e definimos suas “vocações”. A partir daí, caberia uma fase de construção desses planos de manejo com a participação de todas as partes interessadas da sociedade”, explica Perez. O conteúdo completo do projeto deverá ser publicado nos próximos meses.

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