Lisboa. Cinema e Identidade

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Lisboa Cinema e Identidade

expressão genuína e fiel de Belarmino. Um interrogatório demasiado académico para ele que apenas compreende o dialecto das ruas lisboetas. Belarmino está cercado por todos os lados: pela cidade por um lado, por outro lado pelo mundo do boxe - um filme em tom de metáfora da prisão social lisboeta, em que Fernando Lopes tenta mostrar essa realidade com vários planos que literalmente “o engaiolam” nos enquadramentos que faz.[41] Filmado a preto e branco, começa e acaba entre bares, a “triste cidade” de Cesário Verde é revivida neste filme. Belarmino é um homem só, isso é evidente quando surge a sequência das fachadas da Mouraria, diante das quais ele distribui piropos às mulheres que saem das lojas da Baixa ignorando-o completamente.[40] “ Esperam de 1 a 10 que a gente, oxalá, não se levante - e a gente levanta-se, pois pudera, sempre.” 73 Como diz Bénard da Costa “(…) essa portentosa Lisboa só pode levá-lo ao K.O. em qualquer round”74 mas nunca leva Berlarmino definitivamente ao tapete. Lisboa é retratada como agente e contexto de subordinação social e de humilhação pessoal da personagem, um fatalismo diferente de Verdes Anos, segundo Bénard da Costa “um peso surdo, pesado e prolixo”75 , características intrínsecas do Cinema Novo. “Penso que a questão é esta: a gente - certa gente – sai à rua, cansa-se, morre todas as manhãs sem proveito nem glória e há gatos brancos à janela de prédios bastante altos! Contudo e já agora penso que os gatos são os únicos burgueses com quem ainda é possível pactuar - vêm com tal desprezo esta sociedade capitalista!”76 Este filme dá-nos a conhecer uma Lisboa crepuscular dos anos 60 , cidade cinzenta, engravatada, dispersa e anónima.[39] Mergulhado nesse contexto, Belarmino espelha nitidamente o modo de ver as coisas que uma geração sofrida mas rebelde impunha. Um filme que demonstra o perfil da personagem principal e ao mesmo tempo o do País: humilde, marginal, analfabeta e decadente. 73 Alexandre O’Neill, poema “Amigos Pensados:Belarmino”, Poesias Completas, 2000 74 Bénard da Costa, Histórias do Cinema, 1991, pág.121 75 Bénard da Costa, Histórias do Cinema, 1991, pág.121 76 Mário Cesariny de Vasconcelos , Louvor e Simpificação de Álvaro de Campos, 1953

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