Entre o rio e a serra

Page 193

Procura-se ver algo que aqui não está. Os condicionantes são outros, assim como a dinâmica dos agentes de configuração do espaço urbano. Suas referências culturais, arcabouços técnicos, suas possibilidades financeiras, são outras. Em síntese: as Expectativas são outras. É possível ver como elas se desenvolvem, ao olhar as residências oferecidas pelo Carnê do Baú, ou retratadas nas propagandas do programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, ou ainda no humorístico de televisão “A Grande Família”. Nelas, temos a residência com 01 ou (no máximo) 02 pavimentos, um pequeno ajardinamento frontal e um estacionamento coberto. O acabamento com argamassa pintada, e a cobertura com telhas cerâmicas. Nesse esquema, é impossível a associação direta com o modelo de urbanização suburbana estadunidense, com seu ajardinamento frontal e seus lotes generosos. Ou com o modelo de urbanização na península Ibérica, com suas residências alinhadas na calçada, sem recuo frontal. O modelo “vendido” nesses programas não corresponde totalmente à realidade encontrada. Mas dá pistas da Expectativa Hegemônica da população. Ajudando a compreender em que ponto as propostas dos técnicos especializados se distanciam das reais demandas da sociedade. Ao longo do trabalho, vimos que há uma repetição de certos padrões, tanto de processos, como de produtos. Ainda hoje, vemos que a expansão se dá por tipos edificados similares àqueles implementados há décadas, com padrões de parcelamento semelhantes, e tecidos urbanos parecidos. A estruturação dos interesses não parece ter mudado, assim como as reações à ele. A lógica é mantida, num “Estranho Projeto” que, não sendo de fato um desígnio assinado por toda população, não é rejeitado por ela, consolidado como a soma de projetos individuais ou de coletividades restritas, de extensões limitadas. Responde a imperativos técnicos, econômicos, locacionais e culturais, em 3 padrões básicos de desenho. O Irregular, que pouco tem a ver com a questão fundiária, e se distingue pela resposta a situações residuais, imperativos topográficos ou hidrográficos, buscando alguma continuidade com o entorno imediato; o Orgânico, que se adapta à topografia, aproveitando melhor o terreno onde está colocado; e o Reticular, que busca impor uma regularidade ao terreno, sendo por isso, exógeno, aparecendo de forma pontual na estrutura urbana analisada. Em meio a essa trama, dominada por diferentes momentos de um mesmo tipo edificado (a residência unifamiliar isolada ou geminada de um só lado), aparecem pontos de ruptura. A ruptura, do ponto de vista da paisagem urbana, se dá pelos extremos do estrato social, ora pelas Favelas, ora pelos Condomínios fechados (horizontais e verticais). E o Estado, enquanto agente de controle do espaço e da forma urbana, parece atuar apenas nesses dois extremos. No extremo dos estratos de renda superior, atua controlando aspectos edilícios e construtivos, de forma a homogeneizar os padrões de produção do mercado imobiliário para as médias e altas rendas. No extremo dos estratos de renda inferior, atua promovendo despejos, e provisionando (de forma ineficiente, diga-se) habitação. Ou seja, é seletivo na sua atuação, deixando todo o restante do espaço urbano periférico com uma normatividade mais generalista e distante. Processos de constituição da paisagem urbana periférica

193


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.