E Lá Fora o Silêncio

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E Lá Fora o Silêncio com LABTD | Texto de Ave Terrena Direção de Diego Moschkovich

Crístofer precisa se mudar de casa e encontra cartas que tinha enviado de dentro da prisão para sua irmã, na época em que esteve encarcerado. Cartas antigas, do tempo do chumbo, que ele lê uma a uma, e que ganham vida em cena ao narrar a vida de presas políticas com quem convivia no presídio. Em cada carta, uma parte da história de alguém, até que os fragmentos começam a se embaralhar e criam uma confusão entre tempos. A peça tem a forma de uma apresentação de rodada de negócios onde Crístofer e seu sobrinho tentam vender uma série audiovisual a potenciais financiadores do projeto.

Sobre “E lá fora o Silêncio”

E lá fora o Silêncio é o terceiro espetáculo do LABTD a partir do material documental da ditadura civil-militar, após as 3 uiaras de SP city e O corpo que o rio levou. O ponto inicial de pesquisa foi a presença de homens trans nos presídios femininos e sua convivência com presas políticas integrantes da luta armada durante a década de 1970.

Algumas referências são os livros A Queda para o Alto (1982), de Anderson Herzer e Mulheres na Luta Armada (2018), de Maria Claudia Badan Ribeiro, que inspiraram os debates iniciais e a escrita da dramaturgia.

Em processo desde 2018, a peça se caracteriza por um questionamento filosófico sobre o conceito de Memória, com base no estudo sobre diferentes formas de clandestinidade. Passamos por um período de entrevistas, aprofundando a metodologia da História Oral de Vida, depois improvisações presenciais em sala de ensaio, antes da pandemia, e leituras coletivas com sobreviventes da época, em modo remoto. Um dos materiais produzidos, durante a quarentena, foi o minidoc E lá fora o silêncio – Artes Cênicas em Processo, disponível online no youtube do Sesc Pinheiros.

A versão que estreia no Auditório do Sesc Pinheiros é a terceira do texto, que já chegou a se chamar A verdade atirada em seu rosto como 1 pano sujo, assumindo o título E lá fora o silêncio quando de sua publicação no 1º edital Peças em Processo do ContempladoTUSP.pelo

14º Prêmio Zé Renato da Secretaria Municipal de Cultura, em 2022, o processo se verticalizou na pesquisa de criação coletiva com a participação ativa de observadores-documentadores. O compartilhamento de percepções, proposições artísticas e relatos sobre os ensaios foram decisivos na construção do espetáculo, que se abriu às contribuições da equipe criadora e às reflexões da crítica convidada Paloma Franca Amorim, incorporando-as e abrindo o texto original em metamorfose permanente.

É esse momento de E lá fora o silêncio que apresentamos ao público como ato convocatório das vidas pulsantes. Justiça poética àqueles que foram apagados da história e postos à margem da condição de sujeito. Nessa interseccionalidade fundamos e pluralizamos nossa investigação da memória, que, como diz a professora Jaqueline Gomes de Jesus, tem dimensão coletiva e caráter de seleção e reconstrução contínua. No nosso caso, essa busca não é por um tempo perdido, mas sim reencontrado a cada minuto.

A reunião de subjetividades destituídas de seus direitos mais básicos lança desafios às formas já existentes de fazer teatral. Nada é pacífico. Pra quem vive em guerra cotidiana pela sobrevivência, e nisso se incluem as trabalhadoras da cultura, é um desafio enorme encontrar o ritmo comum, a ética do espaço compartilhado, o tempo das contra narrativas. Nossa peça é uma proposta de convivência dos modos inesperados de existir, reafirmação do compromisso político dos grupos de teatro, reverência às pessoas mais velhas e ao seu legado. Buscamos o ensinamento de sublevações diversas em confronto às estruturas opressoras, autoritárias e desumanizantes. Lá fora ainda reina o silêncio. Aqui dentro,o tumulto, o caos, que gera destruição, mas também inaugura novos momentos.

Viva o povo do teatro! Viva as pessoas trans e travestis que obstinadamente insistem em não se submeter. Viva nós, latino-americanas.trabalhadoras Que possamos nos apropriar do que é nosso por direito. MERDA!

Sobre a Encenação

O texto de Ave Terrena é um presente para o encenador, eu acho. É um texto curto, direto, simples, mas que, à medida que vai sendo explorado – lido, relido, experimentado, ou, como dizemos no LABTD: aberto – vai revelando um semfundo de camadas e mais camadas sobrepostas. Assim, criamos, em nossa tradução cênica do texto, três planos. Um: o plano aqui, agora, hoje, da rodada de negócios audiovisuais. A ideia é que esse plano junte palco e plateia numa só situação, numa só dimensão. Dois: o plano do passado. À medida em que vamos sendo apresentados às Cartas Prisioneiras, vamos tendo contato com o passado, a história do encarceramento de Crístofer e sua relação com as presas políticas e com sua irmã. Três: o futuro. O plano do passado, ao se aprofundar, mistura-se com o do presente e cria um outro: o plano do futuro. Não apenas as palavras decifradas ganham vida e corpo, mas instauram a intersecção e a continuidade das lutas por memória, verdade e justiça.

Sobre a Ave Terrena Ave Terrena é poeta, dramaturga, diretora teatral, performer, atualmente uma das coordenadoras da Escola Livre de Teatro de Santo André e integrante do LABTD desde 2015. Com o grupo, escreveu as peças as 3 uiaras de SP city, premiada na IV Mostra de Dramaturgia do CCSP, e O corpo que o rio levou. Integrou diversos projetos presenciais e digitais a convite de outros grupos e curadorias em São Paulo e em outras cidades do Brasil e do mundo. Entre elas: Lugar da Chuva (Macapá, Brasil), O que vem depois da esperança? (Porto, Portugal) e Cartas de una travesti brasileña (Cidade do México e Oaxaca, México). Publicou três livros, um de poesias, Segunda Queda (Ed. Kazuá) – que se tornou um espetáculo poético musical –, e duas dramaturgias: As mulheres dos cabelos prateados (nosotros editorial) e O corpo que o rio levou (Ed. Giostri). Desenvolve pesquisas sobre relações entre poesia e dramaturgia e historicidade dos textos e formas espetaculares na cultura LGBTQIA+, além de orientar processos pedagógicos formativos em dramaturgia com diversas escolas e instituições, destacando-se sua atuação no Núcleo de Dramaturgia da ELT.

Sobre LABTD

O Laboratório de Técnica Dramática (LABTD) é um grupo de teatro da cidade de São Paulo que existe desde 2015. Atualmente, seus integrantes são a dramaturga Ave Terrena, o ator Diego Chilio e o diretor Diego Moschkovich, com produção de Iza Marie Miceli.

Valorizando a pesquisa contínua e a encenação de textos autorais, já encenou as 3 uiaras de SP city, premiada na IV Mostra de Dramaturgia do CCSP, que investiga as violações de direitos humanos da população trans e travestis nas operações de extermínio da década de 1980; e O corpo que o rio levou, contemplada pelo 4º Prêmio Zé Renato, inspirado em documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

As peças já circularam em teatros, ocupações de luta por terra e moradia, bibliotecas municipais e instituições de acolhimento à população LGBTQIA+.

O grupo também participou da Feira Paulista de Opinião, organizada em comemoração aos 50 anos da 1a Feira Paulista de Opinião, com o texto A grande exposição.

A cada trabalho, o núcleo do grupo cria parcerias com artistas convidadas, fincando o pé nos processos colaborativos e ampliando suas metodologias de pesquisa e as intersecções poéticas e política dentro e fora da sala de ensaio.

Ficha Técnica Idealização LABORATÓRIO DE TÉCNICA DRAMÁTICA [LBATD] , AVE TERRENA, DIEGO CHILIO E DIEGO MOSCHKOVICH Direção DIEGO MOSCHKOVICH Atuação DIEGO CHILIO, JESSICA MARCELE E LEO MOREIRA SÁ Participação audivisual ANA MARIA RAMOS ESTEVÃO, CRIMÉIA DE ALMEIDA E DULCE MUNIZ Músicos em cena FELIPE PAGLIATO E GABRIEL BARBOSA Iluminação e cenário WAGNER ANTÔNIO Figurino DIOGO COSTA Criação em vídeo e projeção mapeada AMANDA AMARAL Design Visual RAFAEL CRISTIANO Crítica em processo PALOMA FRANCA AMORIM
Assistente de direção RODOLPHO CORRÊA Operação de luz FELIPE FLY Operação de vídeo e projeção GIVVA Assessoria de imprensa e mídicas sociais CANAL ABERTO Observadores-documentadores CARLA MIYASAKA, FELIPE FLY, RAIANE SOUZA, RODOLPHO CORRÊA E ORU FLORIDO Estagiária THAINÁ TEIXEIRA Intervenção Núcleo Trans GIVVA, LEO MOREIRA SÁ, RODOLPHO CORRÊA, ORU FLORIDO, FELIPE FLY E AVE TERRENA Produção executiva LUCAS LEITE Direção de produção IZA MARIE MICELI Entrevistas de História Oral de Vida AMELINHA TELLES, ANA MARIA RAMOS, CIDA COSTA, CRIMEIA ALMEIDA, GUIOMAR LOPES E LEO MOREIRA SÁ Diálogos com a pesquisadora MARIA CLAUDIA BADAN RIBEIRO
22 setembro a 15 outubro 2022 quinta a sábado, 20h auditório, 3° andar Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195 Tel. 3095 9400 Faria Lima (350 metros) Pinheiros (350 /sescpinheirosmetros) www.sescsp.org.br/pinheiros
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