Raio-que-o-parta | Folder

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RAIO QUE

16.02 a 07.08

O PARTA 2022

Sesc 24 de Maio

FICÇÕES DO MODERNO NO BRASIL Rua 24 de Maio, 109, São Paulo/ SP

sescsp.org.br/24demaio


Que o Raio Parta No dito popular, “vá para o raio que o parta” manifesta indignação diante daquilo que tira a pessoa do sério. Na arquitetura brasileira, porém, parte da expressão foi usada para nomear uma vertente paraense que tomava de empréstimo elementos da estética modernista no desenho das casas, em meados do século 20. Nelas, o emprego de fachadas ornamentadas, molduras inclinadas, cobogós e afins respondia aos anseios de grupos sociais emergentes, que buscavam se livrar dos modelos arquitetônicos eclético e neocolonial. A exposição Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil se vale da efeméride de 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922 para incursionar pelo Brasil, indo muito além das fronteiras paulistas, a fim de sondar o país em suas manifestações descentralizadas de modernidade. Sensível às exigências de representatividade, diversidade e decolonialidade, Raio-que-o-parta desafia a versão canônica de viés paulistocêntrico. Se o raio há de partir a pretensa coesão dessa narrativa, que o faça para trazer à tona as mais distintas ficções modernas brasileiras. Aqui, é a simultaneidade de ensaios de modernidade que interessa justapor e deixar falar por si. Para isso, o grupo curatorial, formado por profissionais oriundos de diferentes estados brasileiros, aposta na variedade de meios, extrapolando as linguagens consagradas das belas-artes. Daí a presença da fotografia, do cinema, das revistas ilustradas e, ainda, da documentação de ações efêmeras, cruciais para expandir o entendimento das muitas modernidades experimentadas no Brasil. O Sesc realiza esta exposição no âmbito de sua ação em rede Diversos 22: projetos, memórias, conexões, colocando em pauta não somente a Semana, mas também a Independência do Brasil (1822). Refletir sobre esses marcos implica conjugá-los às urgências do agora; por isso a busca por contemplar o que extrapola o ambiente paulista, visibilizando outros legados. Como constituir perspectivas que possibilitem pensar o país de forma diversa e complexa, com suas contradições e potências, vertendo-as em recursos propositivos? Eis a questão.

Danilo Santos de Miranda Diretor do Sesc São Paulo


Esta exposição parte de um trampolim histórico – os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, realizada a poucas quadras do Sesc 24 de Maio, no Theatro Municipal de São Paulo. Como qualquer trampolim, o desejo que move esta mostra é de projetarmos nosso corpo e nossas pesquisas para o ar, nos distanciarmos deste ponto de partida e, na sequência, mergulharmos na profundidade de uma piscina de múltiplas possibilidades artísticas, curatoriais e, portanto, discursivas. Muitas seriam as formas de sugerir narrativas para uma exposição que tem como dado primordial a distância temporal. A partir do trabalho coletivo de sete pesquisadores que atuam não apenas em diferentes regiões do Brasil, mas cujas áreas de pesquisa são complementares, uma primeira decisão foi tomada: dedicar a mostra exclusivamente à reunião de obras históricas que criaram fricções com a noção de arte moderna. Em um segundo momento, optamos por não realizar um corte severo no que diz respeito às bordas temporais da relação entre o modernismo e as artes visuais no país. Focar nos anos 1920 seria – como tantas vezes a história da arte no Brasil fez – projetar um evento pontual paulistano como farol para um país continental. Nesse sentido, qualquer critério geográfico ou qualquer predileção por uma linguagem em detrimento de outra caminhava em uma contracorrente com os anseios da exposição. Raio-que-o-parta homenageia, em seu título, a arquitetura apelidada pejorativamente com o mesmo nome e produzida entre os anos 1950 e 1960 em Belém do Pará. Batizados por arquitetos com formação acadêmica, esses prédios – que resistem à especulação imobiliária – são exemplares de uma arte moderna no Brasil que escapa às bolsas de estudo no exterior e aos grandes nomes da aristocracia intelectual no país. Inspirando-nos em suas cores e formas fragmentadas, que indicam descontinuidade e roçam tanto na figuração quanto na abstração, desejamos que esta exposição também traga a noção de interrupção e heterogeneidade. Os quase 200 artistas aqui reunidos convidam o público a estabelecer relações incongruentes entre desejos existenciais, anseios intelectuais e opções formais contidas em quatro núcleos ficcionais intitulados a partir de diferentes manifestações modernistas no país. Esperamos que o público – assim como a equipe curatorial e de pesquisa – aprenda especialmente sobre artistas que ainda não foram institucionalizados por uma história da arte hegemônica e que, em seu conjunto, nos levam a concluir que a arte moderna – principalmente em um país tão assimétrico quanto o Brasil – é plural, contraditória, muitas vezes incongruente e elástica.

Equipe Curatorial


Vicente do Rego Monteiro Motivo indígena, 1922 óleo sobre madeira Coleção Airton Queiroz

Deixa falar

O título deste núcleo remete à agremiação carnavalesca considerada uma das primeiras escolas de samba, a Deixa Falar. Fundada em 1926, reunia os bambas do Estácio e do Morro de São Carlos, localizados próximo à zona central do Rio de Janeiro. Empoderar-se, segundo Joice Berth, é, antes de tudo, abrir e manter caminhos para que outros possam entrar e permanecer. Se a presença de personagens e manifestações advindos dos povos originários, afro-brasileiros e minorias imigrantes foi central na criação de uma ideia de arte moderna, ela muitas vezes figurou pelo olhar de uma elite que observava o “povo” como se coleciona fetiches curiosos nos museus etnográficos, não raro silenciando seu lugar de fala e ativamente destruindo seus locais de resistência com o pretexto de impulsionar a mesma ideia de modernidade. As culturas empoderadas resistiram nas cosmotecnologias, rituais e cerimônias indígenas e afrodescendentes, sempre atentas à fetichização do olhar branco, à sede das elites por culturas subalternas em busca de mitos de pureza e originalidade.


Centauros iconoclastas Franklin Cascaes Cabra, sem data argila e gesso policromado Coleção Elizabeth Pavan Cascaes Acervo Museu de Arqueologia e Etnologia Professor Oswaldo Rodrigues Cabral da UFSC/MArquE

Ainda que saibamos pouco sobre o grupo literário Centauros Iconoclastas – surgido em Recife durante a década de 1920 –, seu nome aponta para uma das ênfases modernas da arte produzida no Brasil: o interesse por formas de existência que ultrapassam o humano e a “razão pura”. Entre centauros e iconoclastias, vemos surgir uma pujante produção que investiga as múltiplas possibilidades dos corpos, das humanidades, das animalidades, dos mitos, das metamorfoses. Ansiando desafiar as concepções positivistas historicamente construídas sobre os corpos, muitos artistas buscaram, em suas ancestralidades e seus delírios, outros horizontes para compreender potências e limites dos mesmos. Aproximando-se da então nascente psicanálise, alguns artistas foram buscar, na psique, outro fértil território de performatividade. Interessavam-se, assim, não só pelos corpos, mas também pela subjetividade das formas, atribuindo agência a imagens e a materialidades que, vivas, percebiam estar continuamente em transformação.


“Eu vou reunir, eu vou guarnecer, meu boi vai rolar no terreiro”, dizem os versos de uma toada do bumba meu boi. Artistas que buscavam uma autonomia criadora em romances e telas viram em brincantes – juntos, guarnecidos e enfeitados, por meio de brincadeiras e cordões populares – esse caminho do novo e do sentimento de identidade da aldeia e da metrópole. Mais do que isso, tanto o sentimento da festa quanto o êxtase e o arrebatamento – ou, em sua versão oposta, o tédio e a tristeza – soavam como síntese da comoção nacional e seu potencial de perpetuação e de transformação. É como se estivéssemos, por meio da festa e da melancolia, revisando alguns dos principais predicados do modernismo nacional, incluindo aqui uma imensa utopia pelo informal, pelo espontâneo, pelo descontraído, pelo falado e pelo distenso das ruas. Emboladas e cordéis, carimbós e batucadas ampliavam os versos de uma métrica tantas vezes sonhada.

Eu vou reunir, eu vou guarnecer Mercedes Baptista (fotografada) Fotografias de autoria não identificada do Ballet Folclórico, déc. 1950 cópia de exibição Fundo Correio da Manhã, Arquivo Nacional


Alois Feichtenberger Série Queimada, 1938 cópia de exibição Museu da Imagem e do Som de Goiás/Secult-GO

Vândalos do apocalipse As contradições e os conflitos do Brasil moderno – gerados no encontro entre a herança colonial e o projeto de modernização do uso do solo nacional, dos modos de vida, modelos de urbanização, meios de produção e sistemas de consumo, difundidos após o estabelecimento do regime republicano, em 1889 – são problematizados pelas obras presentes neste núcleo. Seu título é emprestado do grupo formado em Belém do Pará, em 1921, com o propósito de criticar os discursos de atualização e os parâmetros de progresso e desenvolvimento vigentes no país. Os trabalhos apontam para situações que demonstram os equívocos e as desmesuras do novo projeto brasileiro; revelam que a noção de ecocídio, introjetada nos processos tanto de colonização quanto de modernização do país, se agrava à medida que o programa se estende e se consuma sobre locais não explorados e sobre populações vulneráveis.


AÇÃO EDUCATIVA Programa composto por visitas mediadas para grupos e atividades educativas que visam promover o acesso e potencializar a experiência dos diferentes públicos com os temas presentes na exposição Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil. Acesse toda a programação em sescsp.org.br/24demaio Visitas mediadas para grupos pelo email: agendamento.24demaio@sescsp.org.br

ACESSIBILIDADE A exposição possui recursos de acessibilidade que estão à disposição do público para acesso livre e autônomo. Os horários de visitação podem ser alterados conforme as normas e recomendações do Governo do Estado de São Paulo. Antes da sua visita, consulte os horários de funcionamento da unidade e as regras de visitação.


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