Revista Grandes Temas 01

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Grandes Temas TCCs em destaque

Enxadristas

Empoderamento feminino Audálio Dantas Quadrinistas na internet

Universidade Anhembi Morumbi Os melhores TCCs do Curso de Jornalismo Número 01 | 2016 ISSN 2525-6939 Publicação sem fins lucrativos Não pode ser comercializada



Educação em revista Prof. Dr. Paolo Tommasini e Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias

Paolo Tommasini é Reitor da Universidade Anhembi Morumbi

Luiz Alberto de Farias é Diretor Acadêmico da Escola de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Anhembi Morumbi

Na sociedade pós-capitalista contemporânea, na qual produzir o conhecimento tem tanto ou mais valor do que “fazer ou movimentar coisas”, como já nos alertou Peter Drucker, as organizações estão cada vez mais assumindo o papel de serem, também, produtoras e disseminadoras de conteúdos relevantes e interessantes. Os hubs e os decodificadores de sentido também mudaram de endereço ou passaram a ser fluidos, como o mundo. Os antigos gatekeepers, que por décadas dominaram a produção de conteúdo nas chamadas “mídias tradicionais”, são hoje apenas uma parte dos milhões de atores sociais capazes de produzir boa informação e, principalmente, disseminar isso para um sem número de pessoas. Em grandes centros de geração de pensamento e de diálogo, como a Universidade Anhembi Morumbi, isso se torna ainda mais importante. Sabemos que é nossa função alavancar, cada vez mais, a produção de conteúdos relevantes e impactantes, feitos em parceria com nossos estudantes, parceiros na geração de conhecimento. Isso tem sido marcante nos trabalhos realizados cotidianamente por nossos professores, alunos e demais protagonistas do nosso cotidiano universitário. E comunicar ou disseminar isso para que as pessoas possam compartilhar, aprender e evoluir é, sabemos, uma importante força geradora e fortalecedora da cidadania. Nesse sentido, orgulha-nos muito publicar esta edição que você tem agora em mãos com uma amostra dos melhores trabalhos de Conclusão de Curso feitos no ano passado por nossos estudantes de graduação em Jornalismo, da área de Comunicação da Escola de Ciências Humanas e Sociais. Trata-se de uma revista que para nós tem múltiplos significados. Ela nos permite compartilhar com a sociedade como são bem feitos, relevantes e socialmente importantes os trabalhos produzidos por nossos alunos. São uma pequena amostra – dentre os inúmeros instrumentos gerados regularmente por disciplinas, atividades interdisciplinares e complementares –, mas que exemplifica a capacidade dos jovens

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de todos os nossos cursos. São estudantes dedicados que passam os semestres imersos em suas respectivas disciplinas, atividades e projetos, sempre orientados por professores altamente capacitados, e que deixam cotidianamente suas marcas e contribuições para o engrandecimento da ciência e do conhecimento humano. Além disso, divulgar os trabalhos dos nossos alunos é também dar a visibilidade necessária a esses jovens que, como sabemos, são os que movimentarão nosso país e permitirão continuarmos a sonhar. Acreditamos que ao conseguirem disseminar suas contribuições acadêmicas, esses jovens poderão fortalecer ainda mais seus portfólios e currículos, aumentando a credibilidade junto ao mercado e fortalecendo a empregabilidade. Ao mesmo tempo, acreditamos que também é função social de uma grande universidade contribuir com produção de bom conteúdo para fortalecer o debate público de ideias, para fomentar as boas e civilizadas discussões, baseadas em informações confiáveis, no efetivo investimento na manutenção da tolerância, condição essencial à sociedade e também parte do fazer jornalístico. E, assim, gerar mais diálogos de alto nível que possam ajudar a esclarecer e a resolver os diversos e complexos problemas sociais com os quais nos deparamos no cotidiano da contemporaneidade. Esperamos, então, que todos apreciem as reportagens a seguir. Elas são a manifestação de inteligência coletiva. Foram pensadas e repensadas nas salas de aulas. Produzidas e lapidadas nos laboratórios, nas discussões e nos debates entre estudantes e professores. Temos certeza de que as próximas páginas são a manifestação concreta de algo cada vez mais fundamental para fazer evoluir a sociedade: a educação de excelência. E, por fim, que esses 18 anos do curso de Jornalismo sejam parte de uma longa jornada capaz de levar à sociedade profissionais de alto nível e cidadãos que farão a diferença. Boa leitura! 3


18 anos de desafios Prof. Dr. Nivaldo Ferraz Embora seja uma das atividades mais gratificantes que se possa ter, “ensinar” é sempre um constante desafio. Ensinar jornalismo, então, apresenta contornos ainda mais provocadores. É nos bancos escolares de um curso dessa profissão que se lida, diariamente, com os jovens talvez mais “críticos”. Jornalista, sabemos, é aquele que vai apontar os problemas. É o que mostra as mazelas. É aquele que vai fazer as perguntas que muitos não querem responder. Perguntas que muitos sequer têm coragem de fazer. É o que deverá confrontar os poderes. Investigar a corrupção. Ref letir sobre a miséria social. Cutucar as feridas. E muitas vezes, por tudo isso ou por ao menos uma dessas coisas, é visto como “inconveniente”, “impertinente”, “desagregador”... Por outro lado, pode ser, também, depois de formado, seduzido pelo mercado para ser um soldado do sensacionalismo. Poderá ser cooptado pelo grande capital dos grupos para produzir a notícia que se vende e que se compra com facilidade. Todo esse “caldo” faz do “aluno-jornalista” um ser excepcional, crítico, pensador, inquieto, irreverente, fascinante e, sempre, um desafio para os professores. Esse desafio é o que vivemos diariamente em nosso curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Nesta lida diária, o curso chega a seus 18 anos. Não é pouca coisa. São milhares de alunos em formação e já formados, grande parte deles atuando no dia a dia dos veículos jornalísticos, dos menores e mais segmentados aos maiores e mais conhecidos. Das grandes emissoras de televisão e rádio às assessorias de comunicação. Das revistas aos jornais. Dos blogs às mídias sociais. Temos, então, a honra de dizer, com orgulho, que hoje uma parte do jorna4

lismo produzido no Brasil tem as marcas, as mãos, a cabeça de quem já foi ou ainda é nosso aluno. Não é tarefa fácil e, claro, é fruto de um imenso trabalho coletivo. É legado de uma série de professores, de coordenadores, diretores e demais funcionários que já contribuíram e contribuem cotidianamente para a formação do futuro jornalista. Nesse contexto, temos algumas bases de pensamento. Uma delas e que talvez seja a principal das premissas é fazer o máximo esforço para “entregar ao mercado” um profissional completo. Que una a excelência das práticas e competências do dia a dia à capacidade de fazer a mais profunda, honesta e inteligente ref lexão sobre os temas que permeiam a produção jornalística. Um profissional que domine as técnicas, mas que também seja ético e humano. Isso tudo pode ser percebido nas reportagens que formam essa edição especial com alguns dos melhores trabalhos finais de cursos produzidos no ano passado por nossos alunos. São grandes reportagens de temas relevantes escolhidas por terem sido as que conquistaram as melhores notas nos processos de avaliação. Estão em meio a muitos outros trabalhos produzidos cotidianamente nas disciplinas do curso, no rádio, no telejornalismo, na produção de documentários, de reportagens de internet, de trabalhos teóricos... Todos neste curso têm o mesmo intuito: ensinar jornalismo que agregue humanidade à crítica, para promover a melhor formação possível a quem terá a nobre missão de cotidianamente mostrar e traduzir a sociedade. Ou como diz frequentemente o jornalista Mino Carta – que inclusive repetiu isso em uma palestra feita recentemente a nossos alunos – um jornalismo que busque a verdade factual. Que nunca esqueça o espírito crítico e responsável. E que jamais deixe de fiscalizar o poder.

Nivaldo Ferraz é Coordenador e professor do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi

Grandes Temas


Reportar é preciso Prof. Me. Alexandre Possendoro e Prof. Me. Francisco Bicudo

Alexandre Possendoro é Coordenador Adjunto e professor do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi

Francisco Bicudo é professor do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi

Poucas tarefas são tão fortes no jornalismo como a grande reportagem. Nela, os que professam essa atividade, “a melhor profissão do mundo”, como escreveu Gabriel García Márquez, prêmio Nobel de Literatura, podem ir a fundo nos temas, investigar verdadeiramente os problemas, mergulhar com propriedade nos personagens, para garantir a melhor versão possível da realidade. É o auge da profissão. Metodologicamente mais livre, positivamente transformadora, natural e ousadamente “apontadora de feridas”, a grande reportagem é talvez a forma mais provocativa do fazer jornalístico, ainda mais nestes tempos bicudos em que superficialidade e inutilidade preenchem boa parte das páginas dos jornais, revistas e sites. E em que o espetáculo e o sensacionalismo ocupam tempo precioso de programas jornalísticos de rádio e TV. Então, como nos diz Ricardo Kotscho, mestre nessa arte, em “A prática da reportagem” (2000), é ela que poderá romper “todos os organogramas, todas as regras sagradas da burocracia e, por isso mesmo, é o mais fascinante reduto do Jornalismo, aquele em que sobrevive o espírito da aventura, de romantismo, de entrega, de amor pelo ofício”. Muito disso é o que nos move a cada ano na missão de estimular nossos estudantes de Jornalismo a produzirem grandes reportagens no chamado Trabalho de Conclusão de Curso, mais conhecido como TCC. Nele, durante um ano inteiro, nossos futuros jornalistas são convidados a mergulhar fundo na reportagem, seguindo, claro, um passo a passo devidamente planejado, respeitadas todas as etapas necessárias do processo de ensino e aprendizagem. A começar da escolha do tema, nossos estudantes são incentivados a exercitar o foco e investigar temas realmente jornalísticos, factualmente relevantes, de interesse público e importância social, contemporâneos e “universais”, que dialoguem com a cidadania, como já nos explicou, por exemplo, Otto Groth (1875-1965). São ainda provocados a ter olhares ori-

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ginais sobre as pautas. A pensar no “fôlego” e na acessibilidade da informação, dos personagens. A refletir sobre a necessidade de escapar das fáceis fórmulas sensacionalistas de mercado que, sabemos, mais prejudicam do que constroem. São chamados, num primeiro momento, a transformar tudo isso num detalhado e rico projeto acadêmico/jornalístico de natureza mais teórica. Trabalham os necessários contextos e delimitação do tema, os objetivos e as justificativas. Detalham todo processo metodológico que os levarão a produzir a grande reportagem. Fundamentam, referenciados em autores, as bases da pauta. E definem meticulosamente como tudo se transformará num produto jornalístico. Na segunda etapa, colocam em prática os fundamentos construídos e produzem então a reportagem: as entrevistas, a imersão na vivência da pauta, a produção de texto, a edição, a produção do layout... E, finalmente, a materialização do produto. Nesse processo, são acompanhados passo a passo por professores orientadores e submetidos a pelo menos duas bancas, que avaliam e orientam todo o processo. Mais do que isso, discutem jornalismo e, assim, aprendem as linhas mestras da profissão, ao mesmo tempo que contribuem para evolução da prática e da ciência comunicacional. Tudo isso poderá ser experimentado nas “ampliadas” páginas seguintes, que trazem quatro das melhores reportagens impressas produzidas como TCC em 2015 por nossos estudantes de jornalismo. Elas são a manifestação mais concreta e prática desse mergulho possível do repórter: o da reportagem. Pois, como nos diz Edvaldo Pereira Lima, outro mestre do tema, no livro “Páginas Ampliadas”, é na reportagem que pode ocorrer a necessária compreensão da realidade “que ultrapassa o enfoque linear, ganhando contornos sistêmicos no esforço de estabelecer relações entre as causas e consequências de um problema contemporâneo”. 5


expediente

Universidade Anhembi Morumbi Reitor Prof. Dr. Paolo Tommasini Pró-reitor Acadêmico Prof. Dr. Ricardo Fasti Diretor da Escola de Ciências Humanas e Sociais Prof. Dr. Luiz Alberto de Farias Coordenador do curso de Jornalismo Prof. Dr. Nivaldo Ferraz Coordenador Adjunto do curso de Jornalismo Prof. Me. Alexandre Possendoro

Revista “Grandes Temas” ISSN 2525-6939 Número 1 . Outubro 2016 Coordenação editorial Prof. Dr. Nivaldo Ferraz e Prof. Me. Francisco Bicudo Edição executiva Prof. Me. Alexandre Possendoro Direção de Arte e Layout Prof. Me. Ricardo Senise Produção editorial e gráfica Prof. Me. Luiz Vicente de Lima Lazaro

Créditos das reportagens Quadrinistas na internet - pág. 7

Os tempos de Audálio Dantas - pág. 65

Reportagem produzida pelos alunos Bianca Custódio Gustavo Nascimento Lohaine Trajano Paulo Dias Taísa Barcelos

Reportagem produzida pelos alunos Camila Parker Gabriel Figueiredo Clemente Garcia Gemma Macellaro Olivia Pimenta Sirol Rafael de Castro Peres

Orientação Prof. Me. Alexandre Possendoro (7º sem.) Profª. Me. Rose Naves (8º sem.)

Orientação Prof. Me. Alexandre Possendoro (7º sem.) Prof. Me. Fabio Silvestre Cardoso (8º sem.)

Feminismo 2.0 - pág. 37

Educação em xeque - pág. 81

Reportagem produzida pelos alunos Ana Carolina Machado Caroline Venco Chaian Raiad Luiza Ten Marcela Rocha Roberta Freitas

Reportagem produzida pelos alunos Carlos Alberto Proença Guilherme Bomfim Larissa Karoline Rodrigo Bifani Thainá Marques

Orientação Profª. Me. Maria Cristina Rosa de Almeida (7º sem.) Prof. Me. Francisco Bicudo (8º sem.)

Orientação Prof. Me. Alexandre Possendoro (7º e 8º sem.)

A revista “Grandes Temas” é uma publicação experimental, laboratorial e não comercial do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Tem como intuito ser um laboratório de produção jornalística para que os estudantes possam vivenciar a produção e publicação de seus trabalhos desenvolvidos durante o curso. As reportagens aqui publicadas são desenvolvidas pelos alunos, orientados por professores. As opiniões contidas nas matérias assinadas não expressam necessariamente a opinião do curso de Jornalismo ou da Universidade. Essa revista não pode ser vendida por quaisquer meios ou ter comercialização publicitária. Sua circulação restringe-se aos campi da Universidade. Todos os direitos reservados. Não pode ser reproduzida sem a autorização expressa dos autores das reportagens e dos responsáveis pelo curso de Jornalismo da Universidade. Essa publicação visa contribuir para a formação dos estudantes e fortalecer o diálogo social em prol da cidadania.

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QUADRINISTAS NA INTERNET

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conteúdo HQS: DA TINTA AOS PIXELS Uma breve viagem pela história dos quadrinhos, desde os primórdios até a era digital

pág. 10

DONOS DO PRÓPRIO TRAÇO Saiba mais sobre as ferramentas de venda online de quadrinhos que alavancaram o cenário independente

pág. 12

INDEPENDENTE EM PAUTA Ugra Zine Fest se consolida como importante vitrine e mesa de debate da nona arte

pág. 14

PRAZER, LAERTE A quadrinista fala sobre sua relação com a internet e as mídias digitais

pág. 16

TROFÉU HQMIX E A BOMBA DE MACHISMO Entenda a polêmica que marcou de forma negativa o prêmio máximo das HQs no Brasil

pág. 17

FAÇA QUADRINHOS, NÃO GERE TABU Como as webcomics estão se transformando em instrumento de voz para debater temas quentes

pág. 18

ARTISTA INTINERANTE O artista Diego Sanchez compartilha suas experiências no meio editorial

pág. 20

“MAGRA DE RUIM” E SEUS DRAMAS VITORIANOS Sirlanney é novata, mas já se configura como uma das principais quadrinistas brasileiras atualmente

pág. 22

QUADRINHOS.HTML Cátia Ana mostra que HQs na internet podem ganhar vida por meio dos recursos intermidiáticos da web

pág. 24

POR TRÁS DE ARMANDINHO Um dos personagens mais carismáticos das redes sociais tem pai. Saiba quem é

pág. 26

BATE-PAPO EM QUADROS SEQUENCIADOS Uma conversa descontraída com dois quadrinistas sobre HQs e cotidiano

pág. 28

DEUS É BRASILEIRO E VIROU WEBCOMIC Conheça a trajetória do criador do quadrinho de sucesso Um Sábado Qualquer

pág. 30

ROTEIROS À MÁQUINA, GIBIS À MÃO Fora da internet, Ziraldo Alves Pinto resiste às transformações do tempo

pág. 32

SE COMPARTILHAR, CREDITE Direitos autorais mostram que a web é livre, mas não é terra sem lei

pág. 35

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tripulação REDATORES Bianca Custódio, Gustavo Nascimento, Paulo Dias, Lohaine Trajano e Taisa Barcelos DESIGN Bruna Pais COLABORADORES Alexandre Beck, Bianca Pinheiro, Bruno Maron, Carlos Ruas, Daniel Lopes, Daniela Utescher, Diego Sanchez, Edgar Franco, Cátia Ana, Kris Barz, Luciana Foraciepe, Maria Luiza de Freitas, Pablo Carranza, Ramon Vitral, Ricardo Coimbra, Sirlanney Nogueira, Toninho Mendes, Ziraldo AGRADECIMENTOS Rosinei Naves, Alexandre Possendoro, Nivaldo Ferraz

Esta é uma edição elaborada como proposta de Trabalho de Conclusão de Curso dos alunos de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da professora Rosinei Naves. É proibida a reprodução total ou parcial de textos, fotos e ilustrações por qualquer meio sem prévia autorização dos artistas, do editor ou dos redatores da revista.

O UNIVERSO DOS QUADRINHOS NA INTERNET Há décadas, os quadrinhos são uma importante fonte de entretenimento e informação. Historicamente veiculados no meio impresso, esse tipo de arte está experimentando uma convergência cada vez mais intensa entre o bom e velho papel, os novos dispositivos digitais e a internet. Antenada, a nova geração de quadrinistas, que experimentou as maravilhas da tecnologia desde cedo, está promovendo uma verdadeira revolução na arte sequencial. Ela tem mostrado ao mundo sua arte usando o alcance e facilidades da internet. Nesta edição você conhecerá um pouco mais sobre quem são essas pessoas, como vivem, trabalham e criam. Também ficará por dentro do mercado de quadrinhos e como artistas já consagrados há décadas estão lidando com a internet.

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HQS: DA TINTA

AOS PIXELS Inicialmente pensadas como forma acessível de diversão, as histórias em quadrinhos desempenharam diferentes papéis ao longo de mais de um século de história. Agora elas aportam na web, onde encontram terreno fértil para se expandirem ainda mais. Se você usa a internet, especialmente as redes sociais, provavelmente já se deparou com eles, os quadrinhos. Surgidos nos Estados Unidos, no final do século 19, as histórias em quadrinhos mantiveram por séculos sua estrutura totalmente voltada ao meio impresso. A situação mudou nas últimas duas décadas, especialmente após a popularização da web. Esse tipo de arte sequencial tem ganhado cada vez mais força e admiradores, tudo ao alcance de um clique. O INÍCIO O pesquisador espanhol Roman Gubern define história em quadrinhos como uma “estrutura narrativa formada pela sequência progressiva de pictogramas aos quais podem integrar-se elementos de escrita fonética”. Foi em 1985 que o quadrinista e pesquisador americano Will Eisner, considerado um dos maiores especialistas mundiais na área, atribuiu à nona arte o termo “arte sequencial”, destacando que o trabalho de um quadrinista tem forte cunho artístico. Narrativas sequenciais existem desde os tempos das cavernas, já que muitas das figuras rupestres buscavam contar uma história através de desenhos seguidos. Mas os quadrinhos, com a linguagem que conhecemos hoje, surgiram em 1894. Naquele ano, o artista Richard Outcault criou o personagem Yellow Kid (Garoto amarelo, numa tradução livre). A primeira aventura do pequeno garoto dentuço com traços e aparência orientais foi publicada pela revista americana Truth no final de 1894. O personagem ganhou local fixo, a partir de 17 de fevereiro de 1895, no jornal New York World, onde foi publicado até 1898. Inicialmente, o personagem só se comunicava através de frases em sua roupa. Tempos depois, Outcault introduziu balões nos quadros para demonstrar falas, criando a estrutura básica que caracterizaria a chamada “nona arte”.

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por: Paulo Dias ilustrações: Richard Outcault e divulgação

Nos anos 1920, o gênero aventura chegou com força ao universo dos quadrinhos, trazendo consigo histórias longas e folhetinescas. Foi nessa época que surgiram as comic books ou revistas em quadrinhos. Em nosso país, a produção de quadrinhos ainda era tímida e, na maioria dos casos, reprodução do que se fazia no exterior. POLÍTICA, MORALISMO E SUBVERSÃO O período entre guerras foi marcado pelo surgimento das gigantes Marvel e DC Comics, que criaram personagem como Superman, Capitão América e Batman, figuras que traziam em suas histórias forte teor político e serviam como instrumento de influência da população, especialmente nos Estados Unidos. Tais quadrinhos foram trazidos ao Brasil em 1945 pelo empresário Adolfo Aizen, pela sua recém-criada Editora Brasil-América. Nos anos 50 e 60, os quadrinhos sofreram com uma onda de moralismo que questionava as histórias, muito devido ao caráter político herdado. Essa onda dá embalo para o surgimento dos quadrinhos independentes e underground. Enquanto isso, no Brasil, Victor Civita e sua Editora Abril lançavam os quadrinhos do Pato Donald. Em 1959, o jovem Mauricio Araújo de Sousa criava o que viria a ser o maior sucesso comercial e midiático da história dos quadrinhos brasileiros: a Turma da Mônica. Nos anos 1970 se popularizam nos Estados Unidos os quadrinhos underground. Eram publicações independentes, com histórias mais pesadas, forte teor político e pouca preocupação com estética. Por não serem ligadas a editoras ou veículos de comunicação, tais publicações estavam livres de censura. No Brasil, os chargistas e quadrinistas Glauco e Laerte iniciaram suas carreiras de sucesso também baseando seus quadrinhos em política e questões da sociedade. A ditadura, porém, dificultou muito o trabalho desses quadrinistas que, assim como os demais artistas, foram censurados.

Apesar de ter durado apenas quatro anos, Yellow Kid influenciou diversos artistas. O que se viu nas décadas seguintes foram quadrinhos com forte teor de humor, na maioria das vezes veiculados em jornais.

GRAPHIC NOVELS E O INÍCIO DA ERA DIGITAL A partir dos anos 1980 surgem as graphic novels ou novelas gráficas que, segundo Will Eisner, “são trabalhos mais bem elaborados, edições bem cuidadas, com papel de qualidade, arte refinada e encadernação luxuosa”. Ainda nos anos 80, aqui no Brasil, o cartunista Ziraldo lançou O Menino Maluquinho, outro grande sucesso da história dos quadrinhos brasileiros.

Os quadrinhos apareceram no Brasil em 11 de outubro de 1905, na revista O Tico-Tico, em uma pequena história sem nome voltada ao público infantil.

Em meados da década de 1980, a digitalização e o computador pessoal entraram no universo dos quadrinhos. O gênero, que parecia já ter atingido o ápice no suporte

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PARA FICAR POR DENTRO

papel, encontrou novos ares e possibilidades no meio digital. Pesquisador e quadrinista, Edgar Franco divide a era dos quadrinhos digitais em três fases: início e popularização do computador pessoal, criação dos suportes de distribuição digital, como disquete e CD-ROM e, por fim, a explosão da web (com seus sites, blogs e redes sociais). Vários especialistas, inclusive Edgar Franco, consideram Shatter – quadrinho criado nos Estados Unidos em junho de 1985 por Mike Saenz e Peter Gillis – a primeira história em quadrinhos feita exclusivamente no computador. Alguns anos depois, em 1990, o quadrinista catalão Pepe Moreno criou Batman: Digital Justice, o primeiro HQ produzido com softwares de computador. Nesse período, a popularização do CD-ROM revolucionou o mundo por possibilitar o armazenamento e a distribuição de uma grande quantidade de dados num pequeno espaço físico. Com os quadrinhos também não seria diferente. Num momento no qual a web ainda não havia se popularizado, quadrinhos digitais distribuídos nesses suportes pareciam tendência. O marco dessa época foi o quadrinho multimídia em CD-ROM Sinkha, projeto do quadrinista italiano Marco Patrito, que começou a ser desenvolvido em 1991 e foi lançado oficialmente em 1995 na Europa. Yellow Kid, o precursor das histórias em quadrinhos, foi o responsável pela estrutura das HQs como a conhecemos hoje

Sinkha, de 1995, representou uma revolução

na forma como os quadrinhos digitais eram produzidos

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Não há registros sobre produção de quadrinhos digitais no Brasil nesse período. Por aqui chegava o que se produzia no exterior, enquanto quadrinistas do impresso como André Dahmer, Lourenço Mutarelli e Allan Sieber ganhavam importância. POPULARIZAÇÃO DA INTERNET Entre o meio e o final da década de 1990 a web começou a ganhar força. Plataformas digitais como sites e blogs viraram tendência. Esse processo se intensificou no começo dos anos 2000 com o surgimento das redes sociais. Os quadrinhos assumem uma nova perspectiva, principalmente no que diz respeito à velocidade da propagação via rede mundial de computadores. Surgem quadrinistas amadores que ganham voz e milhares (em alguns casos, milhões) de seguidores na internet. Brotam, aqui e ali, coletivos on-line de quadrinistas, que se unem virtualmente para discutir quadrinhos. Plataformas de financiamento coletivo como o Catarse deslancham, possibilitando transições entre impresso e virtual. Ao mesmo tempo, grandes nomes dos quadrinhos nacionais, como Laerte e Ziraldo, procuram entender a web e tentam se adaptar aos novos tempos, buscando manter a essência de sua obra, ainda fortemente destinada ao impresso. Seja por profissão, para transmitir uma mensagem social e política, ou pelo simples prazer de veicular seu trabalho, os quadrinistas tomaram conta da internet. Ao longo das próximas páginas, você vai conhecer Carlos Ruas, Sirlanney, Alexandre Beck, Bruno Maron e outros quadrinistas que nasceram na internet ou se renderam a ela, atraindo multidões e fazendo dela instrumento de voz, renda e realização pessoal.

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DONOS DO PRÓPRIO TRAÇO Quadrinistas e pequenas editoras de quadrinhos engordaram o mercado editorial independente no país. E muito dessa ampliação se deve à internet, um espaço sem fronteiras, de custo quase zero para divulgação e onde surgem novas ferramentas e formatos de vendas. Enquanto alguns artistas não abrem mão das comodidades de serem assessorados por grandes editoras, outros preferem embarcar na aventura de publicar quadrinhos por conta ou por meio de pequenas editoras. A vantagem apontada por eles é controlar todas as etapas de produção, desde a concepção até o produto final. O paulista Marco Oliveira, autor do blog Overdose Homeopática, é um deles. Seu livro homônimo, que reúne tirinhas postadas na internet e outras inéditas, foi publicado em 2013 de forma autônoma. “Decidi que essa minha primeira publicação tinha que ter a minha cara”, conta. Para ele, a qualidade do produto final das publicações independentes já não fica mais atrás das edições feitas por grandes editoras. Hoje, com a internet acessível a um número maior de pessoas, crescem as formas de publicar e distribuir quadrinhos

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por: Gustavo Nascimento quadrinhos: Marco Oliveira e Daniel Lopes

de maneira independente. Nesse sentido, o financiamento coletivo e as facilidades do e-commerce estão revolucionando a cadeia produtiva da arte sequencial e fazendo com que cada vez mais pessoas realizem o sonho de ver seu trabalho saltar das telas do computador para as páginas de um livro. A EXPLOSÃO DO FINANCIAMENTO COLETIVO O financiamento coletivo (ou crowdfunding) é uma ferramenta que se popularizou na web nos últimos anos. O site Catarse, lançado em janeiro de 2011, é considerado referência brasileira nesse tipo de negócio. Desde então, ele já recebeu 200 projetos relacionados a quadrinhos para tentativa de financiamento, segundo dados oficiais. Desses, 131 conseguiram atingir a meta. A taxa de sucesso é de 66%, a quarta maior entre todas as categorias da plataforma. É um bom resultado, considerando que a primeira colocação tem 76% de sucesso. Foi lá que o projeto MÊS saiu do papel. Trata-se de uma antologia de histórias divulgadas na página do Facebook Batatas Fritas Murchas, onde um coletivo de autores postava tiras semanais até 2014. Na caixa, vinham todas as zines lançadas ao longo do ano e duas revistas de histórias

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CENÁRIO INDEPENDENTE

já publicadas. “Acho que vários fatores contribuíram para que conseguíssemos financiar o projeto. Éramos mais conhecidos localmente, mas tínhamos um material bem consistente, o que foi legal”, analisa o brasiliense Daniel Lopes, que assina uma das revistas e a capa desta edição. MÊS acabou se tornando um selo de publicações sobre quadrinhos, ilustração e artes plásticas. Para 2015, a editora planejou lançar outra coletânea, atualmente no Catarse. A edição segue os moldes da MÊS de 2013, mas com a adição de conteúdo extra, em formato maior e capa dura. “O Catarse é importante, mas quem é que vai ler esses quadrinhos todos?”, rebate o jornalista e editor Toninho Mendes. Ele também acredita que o modelo crowdfunding nem sempre reúne trabalhos de qualidade. “Hoje todo mundo quer fazer Catarse, aí vira um clube de esquina”, complementa Toninho, que tem bastante propriedade para falar de mercado editorial. Afinal, ele foi o responsável pela criação da Circo Editorial, nos anos 80, sucesso de vendas que serviu como vitrine para grandes quadrinistas brasileiros a exemplo de Laerte, Glauco e Angeli. E-COMMERCE PARA ARTISTAS E PEQUENAS EDITORAS Outra alternativa de economia criativa nos quadrinhos é o e-commerce, forma mais viável, econômica e lucrativa para quem não pode arcar com o custo de uma loja física. Segundo o relatório Webshoppers, do E-bit, o e-commerce brasileiro faturou R$ 18,6 bilhões no primeiro semestre de 2015, um crescimento de 16% em relação ao mesmo período do ano passado. Carlos Ruas, criador do site de tiras Um Sábado Qualquer, é um exemplo de artista que decidiu ir além da tela do

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computador. Aproveitou a enorme popularidade de suas tirinhas e montou uma loja virtual para comercializar, além de coletâneas impressas, objetos como pelúcias, almofadas e canecas. “Quando criei a loja, o site já estava bombando. Ou seja, o espaço foi uma consequência de um trabalho que já estava bem divulgado na internet”. A publicitária Luciana Foraciepe também seguiu o mesmo caminho. Criou, em 2012, a página Maria Nanquim no Facebook, repostando e compartilhando quadrinhos de autores que gostava. Deu tão certo que o título da página virou, um ano depois, uma loja virtual. Ali, ela vende serigrafias, imãs, bonecos, pôsteres e livros – inclusive os de seu próprio selo, homônimo. Como editora, ela diz que prefere trabalhar de uma forma diferente. “As editoras no mercado costumam pagar 10% do valor da venda. Eu costumo pagar 30%. Acho justo”, relata Luciana. Em certas editoras independentes, a loja on-line também disponibiliza a publicação em formato digital gratuitamente, até mesmo antes da compra. O quadrinista aracajuense Pablo Carranza, por exemplo, costuma reunir num blog as tirinhas de todas as edições de seu livro Smegma, do selo Beleléu. Porém, só faz isso após o lançamento, para não furar o ineditismo da versão impressa. “Eu não acho que o digital atrapalha o impresso. Pelo contrário, incentiva, porque a pessoa esclarece a dúvida da compra ao acessar o trabalho”, avalia ele. Tiago Lacerda, editor e criador da Beleléu, conta que o modelo de pré-venda também alavanca as vendas. “Lá fora, as editoras sempre fizeram isso. No nosso caso, colocamos pouco tempo [de pré-venda], dois ou três meses, mas teve bom retorno. O produto saiu quase pago”, finalizou.

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INDEPENDENTE EM PAUTA

por: Taisa Barcelos fotos: Taisa Barcelos

Criada por acaso há cinco anos, a Ugra Zine Fest reúne as principais publicações independentes. Fomos conferir uma das edições. Também ouvimos dos criadores a história e análises sobre o futuro do evento. Centenas de artistas, quadrinistas e leitores se reuniram nos dias 19 e 20 de setembro do ano passado na 5ª edição da Ugra Zine Fest. O evento anual, organizado pela editora Ugra, aconteceu no Centro Cultural São Paulo e proporcionou ao público palestras, oficinas gratuitas e uma feira de publicações. Seu principal objetivo é traçar um panorama do universo dos quadrinhos e publicações alternativas. Busca também ser um espaço para fomentar e discutir assuntos relacionados ao segmento.

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A primeira edição da feira aconteceu em 2011. Douglas Utescher, que na época cursava pós-graduação em Design Gráfico, resolveu pesquisar sobre zines. Animado com o que descobriu, uniu-se a seu amigo Leandro Márcio Ramos e juntos fizeram uma convocatória para tentar reunir quem faz esse tipo de publicação. Tiveram uma surpresa quando receberam mais de 100 exemplares de zines. Dessa pesquisa e parceria surgiram a editora Ugra e o anuário de zines, feito até hoje. Para comemorar o lançamento da publicação e da editora, Diego e Leandro fizeram uma festa de lançamento, reunindo publicações e expositores. Nascia então a Ugra Zine Fest, com oficinas temáticas, bate-papos e muita música. Desde então, a fei-

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ra acompanha a movimentação e o retorno das zines e das publicações independentes e o aumento de fãs e pessoas interessadas.

“A web para mim é uma ferramenta, não um objetivo. Acho a leitura no digital desconfortável se comparado ao impresso”, comentou durante sua palestra no evento.

A partir da resposta surpreendentemente positiva do público, a Ugra Zine Feste passou a ser realizada todos os anos, com números de vendas e expositores sempre crescente. “Na primeira edição tivemos dez expositores e na última edição foram cerca de 120 stands. Isso mostra como a repercussão tem sido boa”, constata Daniela Utescher, esposa e sócia de Douglas Utescher.

Opinião diferente tem o designer, editor e quadrinista Tiago Lacerda. Na mesa Quadrinhos independentes no Brasil, ele opinou que “cada vez menos as pessoas se importarão com a questão do físico. O que elas querem é ver o trabalho dos quadrinistas, independentemente do suporte. Nesse sentido, a internet é uma ferramenta essencial para os artistas independentes, principalmente na captação de público e interação com ele”.

Em 2013, o evento recebeu uma indicação ao troféu HQMix na categoria de melhor evento, como prova de que a Ugra Zine Fest está se expandindo cada vez mais. A edição de 2015 contou com convidados importantes no mundo da arte sequencial, que participaram de palestras e bate-papos. É o caso da quadrinista Laerte Coutinho, que integrou o bate-papo Machismo, representação e feminismo nos quadrinhos e atraiu um grande público. A internet e as mídias digitais são assuntos recorrentes nas edições da Ugra Zine Fest. Em 2015, também foram mencionadas em praticamente todas as palestras do evento. O quadrinista Marcatti, que está na carreira há mais de 38 anos, considera a internet interessante, mas não essencial.

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Os idealizadores da Revista Animal, publicação underground da década de 90 e que foi uma das inspirações da dupla fundadora da Ugra, também estiveram na feira. Eles participaram do bate-papo O legado da Revista Animal, com a mediação do quadrinista e fundador do prêmio HQMix, Alberto Costa. Para 2016, a Ugra Zine Fest prometeu uma reformulação em seu formato, mas manterá sua tradicional feira de zines, HQs e publicações independentes. “Em sua próxima edição, o evento precisará crescer um pouquinho, com temas mais contemporâneos e focados no que está rolando de mais atual”, finaliza Daniela Utescher.

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“Estou em crise com os quadrinhos de humor. Eles têm me feito repensar muita coisa. Sempre retratam travestis com pernas peludas. Mas digam vocês, qual travesti vocês conhecem que deixa a perna peluda?”. E foi assim que Laerte iniciou a conversa, arrancando risos das cerca de 100 pessoas que foram até o Centro Cultural São Paulo para ouvi-la falar sobre feminismo, quadrinhos e internet. “Gosto muito das redes sociais, acho uma ferramenta fantástica! Mas preciso me policiar para não passar muito tempo por lá, principalmente dando atenção a quem não merece; pessoas que só estão lá para fazer comentários idiotas, por exemplo. Acho que a internet e as redes, quando usadas para propagar mensagens importantes e bacanas, além de úteis são interessantes”, diz.

PRAZER, LAERTE por: Paulo Dias

quadrinho: Laerte

> uol.com.br/laerte/

foto: Marcello Casal Jr - Agência Brasil/ CC BY 3.0 br

“Gosto muito das redes sociais, acho uma ferramenta fantástica!

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Laerte Coutinho tem 64 anos, é paulistana e trabalha com quadrinhos desde a década de 1970. Fundou a empresa Oboré, em 1979, e foi uma das criadoras da revista em quadrinhos Balão, ao lado de Luiz Gê. Publicou em veículos como O Bicho, O Pasquim, O Estado de S. Paulo e Folha de São Paulo, onde ainda é colaboradora. Criou e editou a revista Piratas do Tietê, em 1990, que deu origem às tiras diárias publicadas até hoje nas versões impressa e digital da Folha. Participou da redação dos programas TV Pirata, TV Colosso e Sai de Baixo. Em 2004, os holofotes se voltaram para Laerte quando ela assumiu sua transexualidade. Desde então, ela tem sido frequentemente chamada para debater assuntos como feminismo, sexualidade e gênero, temas que também aborda em seus quadrinhos. Em 2014 ganhou uma retrospectiva de sua obra no Itaú Cultural, na chamada Ocupação Laerte. “Sempre fui gay, comecei minha vida sexual como gay, mas entrei em pânico e bani isso para baixo do tapete. Só depois de muito tempo me entendi como uma pessoa bissexual. Foi transformador aceitar viver o inesperado, isso me levou a transgeneridade”, disse, em entrevista ao portal iGay em março de 2014, às vésperas de estrear sua ocupação. Essa inquietação consigo mesma parece ser uma constante na vida de Laerte. Os quadrinhos a ajudam a lidar com essa overdose de pensamentos e reparti-los com o público a torna cada dia mais querida. Laerte tem um site no qual publica uma tira nova por dia e uma página no Facebook com cerca de 120 mil seguidores, onde compartilha reflexões, matérias e, é claro, quadrinhos.

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ATITUDE

TROFÉU HQMIX E A BOMBA DE MACHISMO por: Lohaine Trajano foto: reprodução da internet

Em 3 de setembro de 2015, quadrinistas tupiniquins mobilizavam-se contra a organização do HQMix, considerado o prêmio mais importante dos quadrinhos brasileiros. O protesto tomou conta da página do troféu no Facebook. A polêmica começou quando os organizadores publicaram um convite eletrônico do evento. Tratava-se de uma foto da modelo Renata Molinaro usando biquíni, de costas, em pose insinuante. Junto à peça, estava o logo de campanha da premiação – uma bomba – e a frase “Venha Bombar”. A postagem ficou no ar por apenas quatro horas, mas foi tempo o suficiente para despertar a ira de muitos, especialmente das mulheres, alegando tratar-se de um conteúdo extremamente machista. José Alberto Lovetro, mais conhecido como Jal, organizador do prêmio, surpreendeu-se com a mobilização e emitiu uma nota oficial, na qual dizia que a peça não passava de conteúdo de cunho humorístico: “Fomos chamados de machistas por uma postagem de campanha humorística sobre o próximo troféu HQMix. Essa postagem foi mal interpretada por várias pessoas. Estamos sendo bombardeados como se não houvesse passado, como se bastasse qualquer fato para apagar tudo o que foi feito por uma vida. Se houve alguém que se sentiu desrespeitado, posso garantir: não foi nossa intenção.” O pronunciamento, no entanto, não acalmou os ânimos. “Eles quiseram nos silenciar. Quando Jal se pronunciou, parecia uma carteirada, como se ele julgasse conhecer mais sobre feminismo que nós, mulheres”, diz Sirlanney, quadrinista criadora da Magra de Ruim. Ela destaca o ano de 2014 como muito importante para as quadrinistas mulheres. Tal acontecimento pode ser visto como uma sabotagem. Em carta aberta divulgada pelo coletivo Mulheres em Quadrinhos, artistas afirmaram que a peça gráfica foi intolerável: “Há anos, mulheres envolvidas na produção e consumo de histórias em quadrinhos lutam por mais espaço e representatividade. É inadmissível que um prêmio tão importante para o reconhecimento e valorização das HQs brasileiras produza uma campanha desrespeitosa como essa, invisibilizando e ridicularizando a articulação das mulheres quadrinistas e outras agentes”, diz um trecho da carta. Gabriela Masson, responsável pelos quadrinhos Garota Siririca, avalia que o episódio colocou em xeque todo o esforço e recriminação que as mulheres enfrentam no cenário dos quadrinhos: “Essas meninas são esquecidas na hora de ganhar prêmio ou serem convidadas para eventos. São hostilizadas e ridicularizadas pelos outros quadrinistas. Um homem faz uma tirinha boa sobre feminismo e ganha prêmio. Já uma mulher... nada!”.

A polêmica peça publicitária gerou debates acalorados nas redes sociais e trouxe à tona a discussão sobre machismo e feminismo nos quadrinhos

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Nenhum outro pronunciamento foi feito pelos organizadores do HQMix. O assunto foi abafado, mas deixou uma mancha na história da premiação e provavelmente voltará à tona sempre que se falar na relação entre feminismo e quadrinhos brasileiros. O prêmio foi entregue em 12 de setembro de 2015, no teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo.

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FAÇA QUADRINHOS, NÃO GERE TABU por: Paulo Dias e Lohaine Trajano quadrinhos e ilustrações: Krisagon Barz

Na web, pessoas dizem o que pensam para um público vasto. E, não raro, os assuntos mais sérios causam alvoroço. Fique por dentro das HQs que encontraram na web espaço para abordar esses temas sem deixar de lado o humor. Nem só de entretenimento vivem os quadrinhos na internet. Não raro, utilizam-se do humor e do cotidiano para tratar de temas sérios como feminismo, sexualidade e política. Se no impresso eles já cumpriam esse papel social, na internet observa-se uma segmentação e alcance ainda maiores. Não há assunto – por mais tabu que seja – que não possa render ao menos uma tira, que é postada e compartilhada centenas, milhares de vezes, suscitando diversas reações. Não são raros os exemplos de quadrinistas que usam o espaço conquistado para tratar de assuntos que tornam-se recorrentes. Conheça dois deles: Kris Barz e Gabriela Masson. QUADRINHOS EM SETE CORES “Eu vou te processar por me usar como inspiração!”. Foi assim que, aos risos, um leitor explicou ao carioca Kris Barz o quanto se via representado em suas histórias em quadrinhos. Naquele momento, Kris entendeu a real dimensão do universo que criou.

> www.tortadeclimao.com.br

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Krisagon Barz tem 30 anos. É jovem de idade e de espírito. Nascido em Valença, Rio de Janeiro, é gay assumido, ama viajar e já morou em diversas cidades do Brasil. Formado em Design Gráfico pela Universidade Estadual de Londrina (Paraná), atualmente vive no Rio de Janeiro e, como a maioria dos conterrâneos, adora caminhar, andar de bicicleta, praticar ioga e jogar vôlei na praia. Apesar de usar bastante a internet, prefere o lápis e papel, pois é onde desenvolve melhor a criatividade. Em 2012, começou a dar forma a um projeto que já ansiava desenvolver: quadrinhos com personagens gays discutindo temas ligados a esse universo. Foram dois anos de trabalho antes de lançar no Facebook, em setembro de 2014, o Torta de Climão. “Queria criar quadrinhos que tivessem homens gays como personagens principais, baseados no que eu conhecia da realidade de amigos, conhecidos e situações pelas quais passei ou que me contaram. Algo que fosse leve, educativo, mas que também abordasse de maneira informal assuntos tabus ou que não eram tratados em quadrinhos com temática LGBT”, conta.

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QUESTÕES SOCIAIS

Os quadrinhos de Kris passaram um ano sendo divulgados apenas no Facebook, que tem atualmente cerca de 20 mil seguidores. Em setembro de 2015, no primeiro aniversário da página, Kris lançou o site do Torta de Climão e, desde então, tenta fazer com que ele seja a principal vitrine de seu trabalho. Ele explica: “Minha página alcança média de 200 mil pessoas por mês, mas tenho notado que o próprio Facebook está diminuindo o alcance das publicações. Paciência, eles são uma empresa, é direito deles. Por isso meu esforço maior é para promover o site.”

canetas “fine” de diferentes espessuras, além de retocar digitalmente os trabalhos.

Protagonizado por Bruno, Juca, Lino, Tomas, Mari, Ana e Joana, os quadrinhos do Torta de Climão geralmente são curtos e bem-humorados, embora também toquem em assuntos como homofobia e o preconceito velado que muitos gays enfrentam. Tratam de assuntos e piadas que podem soar estranhos a quem não conhece ou frequenta o meio gay. Mas tratam de amor, carreira e cotidiano, assuntos comuns a todos nós. Justamente por isso, o artista não acredita que seus quadrinhos sejam excludentes: “Prefiro dizer que faço algo que envolva reflexão, gerando discussão sobre o que as pessoas não pensam muito, seja sexualidade ou questões mais filosóficas como felicidade e a vida.”

Desde suas primeiras tiras, a brasiliense aborda tabus como a sexualidade feminina, aborto e masturbação. Seu primeiro trabalho foi a zine Ética do Tesão na Pós-modernidade I e II. Nele, Lovelove6 coloca em prova a essência amor-sexo-corpo.

Kris explica que recebe diariamente várias mensagens de leitores, a maioria de gays e jovens entre 18 e 24 anos, que gostam de seus quadrinhos. “As mensagens são de apoio, crítica (na maioria das vezes construtivas), sugestões e histórias pessoais. Eles se veem representados e são muito carinhosos. Percebo pelo tom das mensagens quando o meu trabalho realmente teve um impacto na vida deles, e isso é bem gratificante”, diz, empolgado. Kris lançou, em 4 de novembro, a primeira coletânea impressa das histórias do Torta de Climão. Para o futuro, o artista quer ampliar ainda mais o alcance do seu trabalho. Pretende dar corpo a um sonho antigo: criar uma graphic novel voltada ao público LGBT. “Vivo constantemente na busca por uma vida feliz e positiva. O que espero é continuar a fazer coisas diferentes, desde que prazerosas.”

Lovelove6 desenha desde os nove anos de idade. De Pokémon ao anime japonês Mahou Tsukai Tai, suas primeiras referências foram os mangás. Ela conta que passou boa parte da adolescência consumindo apenas revistas em quadrinhos japonesas. Até que descobriu Sandman, HQ americana escrita por Neil Gaiman. “Desenhei mangá durante muito tempo, mas não tinha paciência. Só comecei a fazer quadrinhos mesmo no começo de 2013”, conta.

No meio de 2013, criou a personagem Garota Siririca. “Com 20 anos, quando entendi como orgasmos funcionavam, percebi que muitas amigas nunca tinham gozado”, diz. Todas as histórias eram publicadas às sextas-feiras, na revista on-line Samba. Com elas, o público podia acompanhar a trajetória de uma personagem viciada em masturbação. Para Gabi, o tema é bem mais complexo do que parece: “É uma história sobre sexualidade e sobre amizade entre mulheres. A ideia é mostrar a masturbação feminina como algo natural. Buscar opor-se às representações estereotipadas, negativas e superficiais de mulheres nas histórias em quadrinhos.” O feminismo é usado como tema essencial para a produção dos quadrinhos de Lovelove6. A quadrinista quer desconstruir mentalidades opressoras ou discriminatórias: “Só de fazer uma história que não reproduz uma série de mentalidades recorrentes da pornografia, sem machismo, sexismo, racismo, transfobia, lesbofobia e homofobia, já vira algo muito diferente do que estamos acostumados a ver por aí”, explica.

SEXUALIDADE FEMININA EM QUADRINHOS Quem frequenta feiras de quadrinhos independentes provavelmente já viu a figura de dreads rosas, óculos de armação retrô e tatuagens pelos braços. A personagem é Gabriela Masson, que tem 24 anos e é aluna de licenciatura de Artes Plásticas na Universidade de Brasília.

Com um público fiel, em fevereiro de 2015, a brasiliense decidiu levar o Garota Siririca para a plataforma Catarse. O objetivo foi captar recursos para publicar o livro da personagem. Conseguiu, e alguns meses depois o livro ficou pronto. “Foi uma experiência superintensa, e eu estou colhendo muitas oportunidades a partir dela”. A relação com os leitores também é positiva: “Em geral, o feedback é muito bom. Muitas meninas vêm e falam das próprias experiências! É mais uma barreira sendo quebrada.”

Na web, Gabriela é conhecida como Lovelove6. É considerada uma das maiores quadrinistas representantes do feminismo no Brasil. A paleta de cores dos seus trabalhos, bastante característica, varia de tons vibrantes a pastéis. A técnica favorita da artista é o desenho com grafite em tipos de papéis mais encorpados. Como toque final, usa

Para o futuro, Gabriela Masson pretende continuar a produzir quadrinhos relacionados à masturbação feminina, sexo e relacionamentos. A artista ainda conta que quer incentivar cada vez mais outras garotas e mulheres a explorarem, sem culpa, a curiosidade em relação ao próprio corpo.

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TRAÇO & OBRA

ARTISTA ITINERANTE Da internet ao financiamento coletivo, do crowdfunding à editora. Diego Sanchez conta sobre sua obra e as experiências editoriais que teve ao longo de sua breve – porém já consistente – carreira. Lá estava Diego Sanchez. Sentado na banca da editora Mino, na Ugra Zine Fest 2015, o quadrinista parecia concentrado, autografando Hermínia, sua obra mais recente. Esse carioca de 26 anos começou a desenhar muito cedo, sob a influência do irmão e da mãe, professora de educação artística. Entrar para a faculdade de Belas Artes foi natural para ele. “Lá comecei a desenhar sério”, conta. Diego explica que sempre gostou de HQs. “Os quadrinhos foram uma resposta para um mistério que me perseguia: o que eu quero fazer para sempre?” Problemas pessoais o levaram a não concluir a faculdade, o que não o impediu de continuar fazendo quadrinhos. Em parceria com amigos, começou a postar sua produção numa página do Facebook. Ganhou visibilidade e conquistou fãs. “Foi ótimo porque começou a dar resultado. Alcançamos um público novo e criamos laços com ele”, conta empolgado. Em 2013, aos 23 anos, o acúmulo de ideias o levou a publicar o seu primeiro livro, Perpetuum Mobile, por meio do site de financiamento coletivo Catarse. Ele precisava de R$ 2 mil e conseguiu R$ 9 mil. Nas 100 páginas em preto e branco, Diego Sanchez conta a história de uma pessoa normal, com seus relacionamentos afetivos e sua vida profissional: “Eu sentia o dever de colocar todas as ideias e o máximo possível do que me viesse, para justificar a compra de um livro meu. Foi uma primeira sessão de terapia”. Já em 2014, Diego Sanchez publicou seu segundo livro, Pigmaleão. Dessa vez lançado por uma editora, a Circuito

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por: Taisa Barcelos ilustrações: Diego Sanchez foto: acervo pessoal > diegomas.tumblr.com

Ambrosia. Depois de toda expressividade do livro anterior e com a experiência adquirida por ter sido o próprio editor, a criação da obra foi tranquila. “A experiência da produção do livro foi muito similar à sensação que o livro passa, bem calma e silenciosa, cheia de caminhadas pelo Arpoador de madrugada sozinho.” O álbum em quadrinhos tem um clima onírico, com linguagem rápida. Nele, Sanchez narra o reencontro de um jovem casal em crise. Em setembro de 2015, Diego Sanchez lançou o seu terceiro livro de quadrinhos, Hermínia, pela Editora Mino. “A experiência com o Hermínia foi bastante diferente. Pela primeira vez, as sugestões da editora tiveram muita importância para o produto final. Foi um processo exaustivo, mas gratificante.” Para compor seus quadrinhos, Diego Sanchez usa como inspiração sua própria vivência e inquietações. “A ideia surge a partir de algo que vivi, e descubro o personagem enquanto estou desenhando. O próximo passo é esboçar o roteiro. Vou escrevendo, desenhando e começo a entender mais do que se trata a história”, explica. Talvez essa fluidez entre inspiração, vivência e pensamentos explique como o livro Hermínia se tornou um dos pontos mais altos de uma carreira recente. Em 88 páginas, Diego Sanchez mostra o quanto seus quadrinhos ganharam ao explorar de forma plena certas possibilidades da narrativa sequencial. O livro evidencia o lado mais eficaz e fascinante desse jovem quadrinista. Mesmo tendo lançado seu último livro há pouco, Sanchez já pensa no próximo trabalho. Apesar de estar focado no meio impresso, a relação entre o artista e a internet é de gratidão. Afinal, foi por meio dela que a carreira do carioca deslanchou.

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Grandes Temas


QUESTÕES SOCIAIS

“MAGRA DE RUIM” E SEUS DRAMAS VITORIANOS por: Lohaine Trajano ilustrações: Sirlanney > www.sirlanney.com

Sirlanney saiu do interior do Ceará com o sonho de ser escritora. Mas foi na web e no traço que se encontrou, tornando-se um dos principais nomes femininos dos quadrinhos nacionais. “Espera aí, quero um ângulo bom!”, exclamou Sirlanney minutos antes de posar para a foto. Já estava em seu segundo dia de participação na feira de quadrinhos independentes da Ugra. Ao lado de exemplares de seu livro, o Magra de Ruim, a artista posou com ar de distraída. A entrevista começou da forma mais descontraída possível. Sirlanney Nogueira (e não Sirlanney, como costumam chamá-la) tem 30 anos. É natural de Morada Nova, região do Vale do Jaguaribe, no Ceará. Aos doze anos, sonhava em ser escritora e já publicava seus textos no jornal da escola. A paixão pelos textos foi crescendo até que, aos 16, decidiu criar seu blog. Não se sentindo realizada, mudou-se para o Rio de Janeiro, em 2008. Era hora de perseguir o sonho de viver escrevendo. Ao chegar em terras cariocas, Sirlanney começou a trabalhar em uma livraria. Foi lá que entrou em contato com os quadrinhos autorais. “Quando li Persépolis, da Marjane Satrap, percebi que ela fazia a mesma coisa que eu, só que com desenhos e quadrinhos”, conta. A artista, que não havia concluído a faculdade de moda, resolveu prestar vestibular para graduação em Artes Plásticas. O objetivo era aperfeiçoar seu traço. Ingressou na faculdade e, aos 22 anos, quis dar uma cara nova a seu blog. Batizou-o de Magra de Ruim. O espaço, onde antes só existiam contos, passou a abrigar quadrinhos feitos por Sirlanney. A transição não foi difícil. A quadrinista manteve a mesma personagem e as histórias autobiográficas de seus contos. Sexo, términos de relacionamentos, feminismo e questões cotidianas, tudo virava tiras. Em 2012 a cearense criou uma página no Facebook, preservando o nome de seu blog. “No começo tinha pouca repercussão. Passei um ano com mais ou menos duzentas curtidas”, relembra. Paralelo a isso, uniu-se aos quadrinistas Diego Sanchez e Felipe Portugal para criar a página Quadrinhos Insones. Era uma espécie de coletivo, no qual os três publicavam suas obras. Enquanto isso a página do Magra de Ruim crescia cada

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vez mais, numa média de cinco mil novas curtidas por mês. Sirlanney resolveu testar o poder de mobilização da internet e, ainda em 2012, criou o primeiro projeto de financiamento coletivo no Catarse. Por meio dele, Sirlanney publicou uma zine (pequeno livro de quadrinhos com traços mais livres e menos preocupados com a estética). Ao notar que a plataforma realmente funcionava, ela se uniu a outras quadrinistas mulheres para tentar viabilizar o projeto Zine XXX. A ideia principal era dar visibilidade para as obras de quadrinistas mulheres que já publicavam ou que estavam começando a postar conteúdo no meio on-line. A expectativa era arrecadar R$ 11 mil, mas elas conseguiram atingir R$ 28 mil. “Com esse projeto, conheci muitas meninas que estavam criando ou tentando fazer quadrinhos experimentais na internet. Foi legal porque eu senti que dava para fazer quadrinhos para além dos meios tradicionais.” Já havia se passado um ano desde o sucesso da Zine XXX. Sirlanney percebeu que era hora de tentar realizar seu maior sonho: publicar o próprio livro em quadrinhos. “Eu já tinha bastante material, mas não era considerada quadrinista, acho. Faltava eu ter algo impresso”, comenta. Sem dinheiro para arcar com os custos, ela recorreu novamente à plataforma Catarse. “Foi muito trabalhoso, mas deu tão certo!”. No total, mais de 400 pessoas apoiaram o projeto. A meta de arrecadar R$ 18 mil foi superada. Ela conseguiu quase R$ 24 mil para seu livro, lançado em 2014. Sirlanney comenta que o mais gratificante é o carinho recebido de seus leitores. “Minha relação com eles é intensa, algo lindo. Não sei nem como agradecer.” A página Magra de Ruim no Facebook também se tornou um sucesso, fazendo de Sirlanney um dos maiores nomes femininos dos quadrinhos nacionais. Hoje são cerca de 100 mil seguidores e uma média de duas mil curtidas por postagem publicada. “A internet foi fundamental porque eu não precisei passar por nenhuma editora. Foi o público que gostou dos meus quadrinhos. É algo lindo. Esse trabalho é muito maior que eu.”

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QUADRINHOS.HTML por: Gustavo Nascimento quadrinhos: Cátia Ana foto: acervo pessoal

> www.odiariodevirginia.com

Saiba mais sobre a artista que aproveitou os recursos da web para fazer uma HQ autobiográfica. Isso em meio a debates sobre qual é, de fato, o conceito que define a linguagem da nona arte.

Para publicar a história, Cátia Ana optou por explorar o máximo que pôde os recursos da web. O resultado disso é que cada episódio da série traz elementos gráficos próprios da linguagem html, como tela infinita, sons e gifs.

Em 2010, a paulistana Cátia Ana amargava um período bastante infértil em sua vida. Havia perdido a mãe no mesmo momento em que se formava em Design Gráfico pela Universidade Federal de Goiás. Não sabia muito o que fazer com o diploma e menos ainda com o sentimento de perda.

Quem lê O Diário de Virgínia mal pode imaginar o trabalho que dá para embarcar em experimentações desse tipo. A começar pelo processo criativo. Segundo Cátia, às vezes as ideias vêm soltas à cabeça. Em outras, as imagens e cenas vêm prontas. “Quase sempre faço também uma pesquisa visual de imagens, pessoas, lugares ou objetos que possam se relacionar com a história.” Este estudo, para ela, desperta outras possibilidades que melhoram o final imaginado.

A primavera chegou na vida de Cátia quando ela conheceu Retalhos, graphic novel autobiográfica assinada pelo quadrinista norte-americano Craig Thompson. Ela conta que se apaixonou “pelos traços, pela história, pela possibilidade de lidar com problemas pessoais e pelas belíssimas metáforas visuais que o autor utilizava para isso.” Retalhos fez com que Cátia, então com 26 anos, voltasse a desenhar como maneira de exorcizar seus fantasmas. Nesse processo surgiu Virgínia, seu alter ego nos quadrinhos e protagonista da webcomic O Diário de Virgínia. Trata-se de uma série dividida em capítulos que abordam situações relacionadas ao cotidiano da personagem (e, até certo ponto, de todos nós).

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A etapa seguinte é sentar e pôr tudo no papel. “No início eu esboçava, finalizava o traço a nanquim, digitalizava, coloria e montava tudo no Photoshop. Mas os últimos capítulos que fiz foram desenhados e coloridos à mão, com lápis aquarelável em papel tamanho A4.” As páginas recebem texto logo após serem digitalizadas. Então, Cátia monta a página infinita no Photoshop. Cria um novo arquivo em baixa resolução. Fatia a imagem em vários pedaços e exporta para a web. Monta tudo cuidadosamente como num quebra-cabeça, certificando-se de que o produto

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TRAÇO & OBRA

está bem encaixado em dois navegadores, no mínimo. Por fim, ela posta a página finalizada no servidor e a divulga no perfil da série no Facebook e Twitter.

guagem. Sua HQtrônica NeoMaso Prometeu foi menção honrosa no 13º Videobrasil - Festival Internacional de Arte Eletrônica, realizado no Sesc Pompeia, em 2001.

A labuta acabou por influenciar a periodicidade da série. No início, era um post por mês. Mas foram ficando mais e mais espaçados. “Criar e montar os capítulos consome muito tempo e, principalmente, muita energia física e mental”. Mas dá um bom retorno. O Diário de Virgínia já foi indicado por duas vezes ao HQMix, prêmio máximo dos quadrinhos nacionais, na categoria webcomic.

O jornalista Ramon Vitral, autor de reportagens sobre quadrinhos para grandes veículos, além de manter seu próprio blog, o Vitralizado, acredita que a falta de consenso sobre a definição de quadrinhos é constante entre críticos e estudiosos. Até mesmo quando se trata de sua linguagem tradicional. Quando entrevistou Scott McCloud, um dos maiores quadrinistas e teóricos do tema, Vitral questionou justamente esse assunto. McCloud respondeu que era uma discussão muito ampla e objetiva, mas extremamente mutável. O jornalista acrescenta: “É como o cinema: não era preto e branco? Não era mudo? Colocaram cor e fala. Continua sendo cinema? Claro!”

A leitura favorita de Cátia é Bianca Pinheiro, outra quadrinista que usa algumas animações em sua webcomic Bear. “Faço a página normalmente apenas colocando animação no quadrinho específico”, conta Bianca. “O próprio Photoshop tem esse recurso, então é bem tranquilo. Embora minhas animações sejam simples”. Ainda assim, o formato intermidiático da obra gera polêmica por passar longe – como dizem os mais conservadores – da linguagem característica às HQs. Lá fora, esse formato é chamado simplesmente de webcomic, como NAWLZ, do australiano Sutu. Aqui no Brasil, ele é frequentemente chamado no meio acadêmico de HQtrônica, termo cunhado pelo pesquisador e também quadrinista Edgar Franco. Em 2004, o mineiro havia acabado de lançar o livro HQtrônicas: do suporte papel à rede internet, quando veio palestrar na Universidade de São Paulo (USP) sobre o assunto. Foi retaliado. “A ideia era mostrar que estava surgindo algo novo, mas acreditaram que minha intenção era desfazer um paradigma”, disse ele, que produz quadrinhos impressos até hoje, mas também se aventura por essa nova lin-

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A verdade é esta: sem os recursos próprios das HQtrônicas, O Diário de Virgínia não teria a mesma graça. Cátia Ana defende o conceito deste novo meio como mais uma opção narrativa para o artista. Portanto, não acredita que o impresso morrerá um dia. “Os dois meios vão coexistir, cada um com suas peculiaridades, vantagens e desvantagens”. Aliás, Cátia parece ter conhecido uma das desvantagens da web. Pouco tempo após a entrevista, a autora revelou no YouTube que O Diário de Virgínia seria descontinuado, porque seu objetivo terapêutico fora finalmente alcançado. Como o site da série é pago, o término do contrato desaparecerá com o lar de Virgínia. Cátia, por sua vez, continua aberta a experimentações e está sempre em busca de mais histórias para serem escritas. Sua página sairá do ar, mas ela sabe: histórias são eternas.

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POR TRÁS DE ARMANDINHO por: Paulo Dias quadrinhos: Alexandre Beck foto: acervo pessoal

> facebook.com/tirasarmandinho

Criação de Alexandre Beck, Armandinho nasceu no jornal impresso para crescer entre os usuários das redes sociais. Hoje, figura como uma das páginas de tiras de maior sucesso no Facebook. Homem sério, de voz calma e sorriso convidativo. Esse é Alexandre Beck, catarinense de 43 anos que atualmente vive em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Pai da Fernanda e do pequeno Augusto, Beck é o homem por trás de um dos personagens mais queridos e populares das redes sociais brasileiras: o menino Armandinho. Apesar de cultivar o interesse por quadrinhos e pela arte de desenhar desde pequeno, Alexandre Beck quase tomou um rumo completamente diferente na vida. Isso porque sua primeira formação universitária foi em Agronomia. “Eu tinha 16 anos quando prestei vestibular. Na época, achava que era o certo a fazer”. Mesmo estudando Agronomia, Beck não deixou as ilustrações de lado. A paixão

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por desenhos cresceu a ponto de ele voltar para a faculdade, anos depois, para cursar Comunicação Social com habilitação em Publicidade. Foi o passo que faltava para colocá-lo de vez no universo das ilustrações e dos quadrinhos. Quando terminou o curso, em 2000, ingressou no jornal Diário Catarinense como ilustrador. Dois anos depois, foi convidado pelo jornal para fazer tirinhas, função que desempenhou até deixar o veículo, em 2005. Quatro anos mais tarde, Beck voltou à equipe do jornal produzindo tirinhas, desta vez como colaborador. Uma de suas primeiras demandas foi elaborar um conjunto de três tiras que ilustrassem uma matéria sobre pais, filhos e economia doméstica. “Os personagens que eu já tinha não serviam, e não havia muito tempo para produzir novos. Não queria recusar a proposta, foi então que usei o desenho pronto de um menino e fiz rapidamente dois pares de pernas para representar os pais”, conta Beck. Nascia aí o peque-

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HUMOR

no Armandinho, menino de espírito curioso e contestador, chamativos cabelos azuis, cabeça desproporcionalmente grande e que tem um sapo como animal de estimação.

Às vezes, não enxergamos o óbvio, e um olhar de criança pode nos lembrar do que já fomos: curiosos e questionadores”.

O nome Armandinho veio através de um concurso promovido pelo próprio jornal. “As pessoas sugeriram e deram a justificativa. Armandinho, segundo o leitor que venceu, é porque ele sempre está armando algo”, explica Beck.

Alexandre Beck usa a internet como ferramenta de trabalho e, portanto, navega com moderação. “Não estou sempre conectado e procuro reduzir esse tempo ao mínimo necessário. Pra você ter uma ideia não tenho nem internet no telefone. Prefiro olhar as árvores”, revela.

Armandinho foi publicado exclusivamente no impresso desde sua criação até meados de 2012. No começo de 2013, Beck produziu uma tira homenageando as vítimas do incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, e reproduziu na internet. A tira ganhou as redes numa proporção que Beck jamais poderia imaginar e apresentou Armandinho ao Brasil inteiro. “Aquele foi um dia longo e triste. Mas quando caiu a noite, veio uma lua cheia linda e um céu estrelado. Fiz a tirinha e publiquei no Facebook. Não foi para o jornal. Era um desabafo nosso [meu e da minha família].” Hoje, Alexandre Beck tem quase 800 mil seguidores no Facebook, seis livros do Armandinho publicados e uma média de dez mil curtidas e dois mil compartilhamentos a cada nova postagem. Apesar de ser uma das páginas de tiras de quadrinhos mais compartilhada da internet, Beck sente receio da palavra sucesso, pois acredita que ela pode ser mal interpretada. “Se eu conseguir provocar pequenas mudanças de comportamento das pessoas no dia a dia, dos pais para com os filhos, por exemplo, já fico muito satisfeito”, responde o quadrinista. De onde vem o espírito questionador e ao mesmo tempo ingênuo de Armandinho? Beck diz que é resultado de “um esforço em buscar ver as coisas de maneira mais pura, menos contaminada pelas falsas verdades dos adultos.

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É justamente por tratar a internet como meio de trabalho, que Beck lida com parcimônia em relação ao feedback que recebe dos internautas. Ele considera importante ouvir os leitores, mas admite: “Muitas das tiras que gosto não coincidem com as que têm o maior retorno dos leitores da rede social. Não quero cair na tentação de agradar os outros e deixar de fazer aquilo que julgo importante”. Apesar do sucesso na internet, Beck não sai do impresso. Continua publicando suas tiras no jornal e já lançou seis coletâneas impressas das tiras de Armandinho. Ao comentar sobre seus livros, ele explica: “Eu creio que é muito importante não criar expectativas para evitar decepções. Faço os livros como se fossem apenas para mim. Como gostei do resultado, já me dou por satisfeito”. O próprio Beck diagrama, edita, revisa e envia os livros à gráfica. A Editora Matrix, de São Paulo, faz a distribuição nacionalmente. Para o futuro, Alexandre Beck quer investir em outros projetos, como quadrinhos com fins educativos. Mas nem pensa em deixar Armandinho de lado, tanto é que já trabalha na tradução das tiras para o espanhol. O pequeno e curioso garoto de cabelos azuis está fazendo as malas para ganhar o mundo.

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BATE-PAPO EM QUADROS SEQUENCIADOS Bruno Maron e Ricardo Coimbra conseguiram realizar-se no mundo dos quadrinhos começando pelo formato de blog. Num boteco de Perdizes, em São Paulo, eles contaram à nossa reportagem como isso se deu. Maron e Coimbra têm 37 anos. Moram há cerca de três anos na capital paulista. Foi aqui também onde se conheceram. Desde o primeiro contato, notaram uma infinidade de coisas em comum, especialmente a paixão pelos quadrinhos. Logo se tornaram grandes amigos e ao lado de Calote, Bruno di Chico e Luciana Foraciepe (vulgo Maria Nanquim e noiva de Maron) formam o quinteto que criou a Xula, revista de quadrinhos independente.

por: Gustavo Nascimento e Paulo Dias fotos: Gustavo Nascimento Ricardo Coimbra > vidaeobrademimmesmo.blogspot.com.br Bruno Maron > dinamicadebruto.wordpress.com

Bruno Maron é formado em Design Gráfico pela PUC-Rio. Já trabalhou como ilustrador nos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Atualmente colabora com veículos como as revistas TRIP e Cult,o caderno Ilustríssima da Folha de S.Paulo e o jornal Le Monde Diplomatique. É criador do Dinâmica de Bruto, projeto que rendeu até o momento um blog, uma página no Facebook e um livro impresso. Ricardo Coimbra é formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É mineiro de Recreio, cidade de dez mil habitantes. É criador do blog Vida e Obra de Mim Mesmo.

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HUMOR

Quando seu blog surgiu, Ricardo?

[Ricardo] Meu blog surgiu em 2009, embora eu já desenhasse antes. Vim a São Paulo para trabalhar. Logo em seguida fiquei desempregado, e foi aí que eu fiz o blog. E O Dinâmica de Bruto, Bruno?

[Bruno] O blog em si surgiu em 2008 em parceira com um amigo do RJ. Mas não era um blog de quadrinhos, era de manifestações diversas, frases, vídeos, contos etc. Foi então que em 2010 eu cheguei para ele e falei que queria fazer e divulgar quadrinhos no blog. Ele acabou saindo, e eu assumi sozinho. De onde vem o nome de seu projeto?

[Bruno] Aconteceu em 2000. Na época, eu fiz uma dinâmica numa entrevista de emprego para trabalhar no núcleo de produção gráfica e videográfica de uma emissora de televisão. Em algum momento da dinâmica, cada um teve que fazer uma pergunta para a outra pessoa. Para mim, era para desarticular o concorrente. Algumas pessoas jogaram pesado. Voltei para casa “esfrangalhado” por causa da entrevista, aí veio a ideia do Dinâmica de Bruto, porque quem vence, é bruto. É o cara que consegue aniquilar o outro por uma brutalidade não-física. E como é o seu processo de criação de quadrinhos, Bruno? De onde surgem o texto, o desenho, as ideias?

[Bruno] Sempre ando com um Moleskine para todo lado, fazendo anotações, sempre atento. Eu tenho o costume de digitalizar e arquivar todas as minhas anotações. Fazer uma espécie de arquivo de ideias, mesmo que vagas. Com o tempo eu olho para aquelas ideias soltas e começo a estabelecer conexões, formo uma espécie de cartografia, e de repente percebo que isso constitui uma história. Eu desenho no papel e digitalizo no computador. Lá eu trato, edito e dou cor aos desenhos num programa, para então publicá-los. E com você, Ricardo, é a mesma coisa?

[Ricardo] Também vou anotando num bloquinho, num guardanapo que seja, e guardo. Depois eu passo a limpo num arquivo, e quando quero fazer, pego alguma ideia e rabisco, escaneio, coloro com o baldinho do Photoshop e pronto. Vocês recebem críticas negativas em relação a seus quadrinhos e as mensagens presentes neles? Como vocês reagem?

[Bruno] Sim, diversas vezes. Eu acho interessante quando algo que eu faço deixa alguém revoltado. Mas já foi pior, hoje em dia raramente recebo críticas, acho que estou mais cauteloso. Na verdade, acho que estou mais preocupado em não causar polêmica gratuitamente, coisa que eu fazia bastante no começo. Hoje, foco em recolher informações e tento ser menos preconceituoso e menos ácido. Ou talvez eu só esteja à procura de um novo tipo de acidez, porque a acidez tradicional não está colando, as pessoas não estão aceitando mais.

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Explique melhor isso.

[Bruno] Os quadrinhos que me inspiraram a criar meu blog, entre 2008 e 2010, atingiram o ápice de sacanagem e zoação. Isso deixou as pessoas enjoadas desse tom. Nesses últimos cinco anos muita coisa mudou em nosso país, principalmente nas pessoas e na atenção que dão para tudo, inclusive para os quadrinhos. É nesse sentido que tento não ser polêmico gratuitamente, não gerar burburinho desnecessário. [Ricardo] Acredito que as pessoas são muito reativas. É característico na internet as pessoas entrarem nas páginas para brigar. Mas, no humor, os quadrinistas perderam a coragem de provocar. Tem que provocar, causar desconforto numa certa medida. Esse é o meu esforço. No final das contas, as pessoas gostam porque são meio masoquistas. E, de uma certa forma, elas lembram mais de quem não gostam se comparado a quem gostam. Como foi o processo de produção das obras impressas?

[Bruno] A ideia surgiu em 2014, numa conversa com a Lulu (Luciana Foraciepe). Eu já tinha um volume considerável de quadrinhos. Publiquei de forma independente com o selo da Maria Nankim. Foi bem legal, tanto que já estou produzindo a segunda coletânea. A primeira incluiu trabalhos meus de 2010 a 2012. Essa segunda edição terá trabalhos de 2013 até 2015. Vendi mais ou menos 200 livros até agora. Lançamos em março deste ano e está vendendo uns três livros por semana. [Ricardo] Ah, a minha foi meio que uma picaretagem, porque eu reuni as tirinhas já publicadas. Tipo um greatest hits, sem os greatest... E sem os hits também [risos]. É como se fosse uma banda lançando o primeiro disco só com sucessos, porém sem ter sucessos. O número de quadrinistas na internet aumentou bastante nos últimos tempos. Mas e em relação à qualidade, melhorou também? O que pensam a respeito?

[Bruno] A qualidade não acompanha quantidade, é fato. A cada dia devem nascer uns vinte quadrinistas vagabundos no Brasil. Mas é aquela coisa, o tempo filtra tudo, o que não for realmente bom surge e some. Sinto que existe uma moda. Está na moda ser quadrinista, ainda mais com a facilidade da internet. Mas é como eu disse, é moda, surge e some. [Ricardo] A internet tem disso: expande o alcance, mas aumenta também a possibilidade de conteúdo ruim publicado. E tem outra coisa: o lugar onde você publica determina a maneira com que você vai criar a obra. O quadrinista nem sempre faz uma coisa porque ele acha demais. Faz porque pensa em quem vai curtir. Mas não acho totalmente ruim, principalmente porque na minha época não existiam muitas formas de divulgar o próprio pensamento. Quem se expressava era gente com grana pra publicar suas ideias. A internet mudou isso. Aliás, eu só me tornei quadrinista por causa da internet.

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HUMOR

DEUS É BRASILEIRO... E VIROU WEBCOMIC por: Bianca Camargo quadrinhos e ilustrações: Carlos Ruas > www.umsabadoqualquer.com

Ele transformou um de seus hobbies em sua principal fonte de renda e conquistou milhares de fãs. Conheça a história de Carlos Ruas, criador do blog Um Sábado Qualquer, sucesso de público na web. Se para a maioria dos quadrinistas os quadrinhos são um hobby que deu certo, para o carioca Carlos Ruas as histórias são uma valiosa fonte de renda. Formado em Design, Ruas é o criador do site e da página no Facebook Um Sábado Qualquer. Bem-humorado, o jovem de 31 anos mostra irreverência em suas histórias, ao falar de maneira bastante cômica sobre um dos assuntos mais polêmicos do mundo: a religião. O site no qual posta suas histórias é um dos mais acessados do país no gênero, com cerca de 47 mil acessos diários. Um Sábado Qualquer traz como personagens centrais Deus e Luci (alusão à Lúcifer). Segundo Ruas, a ideia para criar os quadrinhos surgiu de sua fixação por estudar religião e mitologia. Carlos Ruas começou a desenhar seus quadrinhos em 2008, ainda no papel. O que era um passatempo eventual aos poucos passou a ocupar os fins de semana e noites do designer. Antenado, ele acabou optando por expor suas histórias na internet. Foi uma explosão: a página do Facebook já ultrapassa os 2,5 milhões de seguidores, com cerca de 20 mil curtidas por postagem. A popularidade de seus personagens e o grande número de acessos em sua página na web levaram o designer a repensar sua carreira. “Quando o trabalho de qualquer artista começa a dar certo, surge a necessidade de empreender. Não é uma tendência natural. Não é que você queira virar empreendedor, é uma necessidade”, conta.

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No entanto, o caminho para o sucesso teve os seus desafios. Carlos decidiu sair do emprego em uma agência de publicidade para investir na carreira de quadrinista. A popularidade de seus personagens o levou a criar uma marca, desenvolvendo produtos que vão desde canecas até bichos de pelúcias. Porém, com o aumento da demanda, Carlos precisou de reforços para conseguir atender os pedidos e continuar com as histórias. “No início tentei me aventurar sozinho, mas comecei a perder muito dinheiro por desinformação. Sem contar que a loja estava preenchendo meu tempo de criação, e isso não podia acontecer”, lembra Ruas. Atualmente, seis anos após a criação do blog e com uma equipe de quatro pessoas, Carlos divide sua atenção entre dois projetos. Além de Um Sábado Qualquer, ele também dedica seu tempo à produção da série Cães e Gatos. Criados em agosto de 2015 e publicados semanalmente no site e no Facebook, os quadrinhos que narram as aventuras de um cão e um gato já são mais um sucesso na carreira de Ruas: têm cerca de 150 mil curtidas no Facebook. Carlos não para. Após conquistar a internet, ele quer um novo público: o dos usuários de celular. Pensando nisso, criou um aplicativo para mobiles. Lançado em meados de 2015, já passou de 1,5 mil usuários. O principal objetivo do aplicativo é compartilhar diariamente tiras de quadrinhos com os usuários e proporcionar maior agilidade na compra de produtos da marca. O humor ácido, aliado à visão empreendedora, faz de Carlos um exemplo de sucesso profissional. Seu Um Sábado Qualquer foi agraciado com o prêmio Troféu HQMix, em 2012, e já ganhou versões em inglês (Once Upon a Saturday) e em francês (Un Samendi Quelconque).

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TRAÇO & OBRA

ROTEIROS À MÁQUINA, GIBIS À MÃO por: Bianca Camargo quadrinhos e ilustrações: Ziraldo foto: Tomaz Silva - ABr/CC BY 3.0 br via Wikimedia Commons

Em meio aos avanços tecnológicos, o quadrinista Ziraldo Alves Pinto mantém suas histórias e personagens afastados do meio digital. Ainda assim, ele continua arregimentando fãs de todas as idades. Os leitores mais novos de Ziraldo já devem ter se perguntado porque as aventuras de seus personagens ainda não estão presentes na web. Teriam O Menino Maluquinho, O Pererê e outros célebres personagens infantis de suas histórias resistido aos avanços das novas tecnologias? Parece que sim. E o motivo é simples: redes sociais, sites e blogs não fazem parte da realidade do quadrinista mineiro. Ziraldo recebeu a reportagem no quarto de hotel em que estava hospedado, na zona oeste de São Paulo. Homem de voz serena e sorriso amigável, alertou de imediato que provavelmente pouco poderia contribuir com o tema. “Eu tenho a cabeça de um nascido no século 19. Não sei quase nada sobre internet. Se tem algo na internet sobre as minhas histórias, certamente não fui eu quem as colocou lá!”, comenta soltando uma gargalhada. Ziraldo Alves Pinto é cartunista, quadrinista, escritor e jornalista. Nascido em Caratinga, interior de Minas Gerais, tem 82 anos, dos quais mais de 75 anos são de dedicação aos quadrinhos e à literatura brasileira. Publicou seu primeiro desenho em um jornal local quando tinha apenas seis anos de idade. Desde então, suas obras conquistaram fãs pelo Brasil e pelo mundo. Apaixonado por máquinas de escrever, Ziraldo ganhou a sua primeira em 1960 e diz que “não abre mão da velha e boa máquina”. Faz uso dela para compor

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suas histórias, mas conta com o auxílio de sua equipe para transcrevê-las no computador. O processo de desenho também é parecido: ele traça à mão e seus colaboradores transferem os desenhos para modernos programas de computação. As aventuras de seu personagem mais marcante, o Menino Maluquinho, surgiram em 1980. Trata-se de um garoto esperto de dez anos, reconhecido facilmente por sua inseparável panela na cabeça, usada como chapéu. Ainda hoje, o personagem cativa crianças e adultos atraídos por sua tagarelice, inocência e pelas aventuras que desbrava. Tanto é que os fãs foram responsáveis pelo pontapé inicial da inserção da obra de Ziraldo na internet. Eles criaram duas páginas no Facebook: uma dedicada ao Menino Maluquinho e outra dedicada à Professora Maluquinha. Estreada em janeiro de 2012, a do Menino possui cerca de três mil curtidas é administrada de maneira colaborativa, na maioria das vezes alimentada por meio da digitalização de quadrinhos do personagem. A da Professora segue a mesma linha e tem cerca de quatro mil curtidas. “Eu não sabia que meu trabalho estava lá [no Facebook]”, surpreende-se Ziraldo. “Não fiz perfil, não entendo como funciona, e mesmo assim eu e meu trabalho estamos lá!”, comenta admirado.

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Embora não marque presença oficial na internet, Ziraldo admira as ferramentas e possibilidades da web. “Em 1964, decidi criar a primeira revista de histórias em quadrinhos brasileira: a Turma do Pererê. Não tive quem divulgasse meu trabalho, era tudo boca a boca. Hoje em dia é bem mais fácil para os que estão começando pois existe a web”, opina. Ziraldo é movido a desafios. Seus personagens já conquistaram as telas dos cinemas, os palcos de teatro e até a televisão. Por mais receoso que esteja em relação a web, parece que é questão de tempo até que o Menino Maluquinho e seus amigos entrem oficialmente no universo da internet. “Há conversas sobre o assunto, há planos, mas não há prazos”, esclarece. De todo modo, Ziraldo segue fazendo o que sabe fazer de melhor: encantar crianças de todas as idades com suas histórias. Até porque, nas palavras do próprio, “um trabalho bem feito sempre será prestigiado, seja no impresso ou na internet”.

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TRAÇO & OBRA

Não é só na música ou na literatura que se discutem direitos autorais. No universo dos quadrinhos, a questão também é levantada há alguns anos, tanto no Brasil quanto no mundo. Contratos abusivos impostos pelas editoras em relação aos quadrinistas e roteiristas, ascensão da internet e das redes sociais e plágio de ideias são algumas das polêmicas suscitadas na área.

SE

COMPARTILHAR,

CREDITE por: Taisa Barcelos

Basicamente, duas questões são apontadas pelos quadrinistas e roteiristas como fundamentais quando se discutem direitos autorais: créditos aos criadores dos quadrinhos em todas as obras publicadas (no impresso) e compartilhadas (no digital) e o pagamento de royalties referentes aos personagens. Segundo a advogada Maria Luiza Egea, especialista em direito autoral, diretora da Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA) e membro da Comissão de Direitos Autorais da OAB-SP, o Brasil não tem uma lei que enquadre especificamente os quadrinhos, mas a legislação geral sobre direitos autorais contempla esse tipo de obra tanto quanto livros, músicas e outras artes. É a Lei Federal nº 9.610/98, que explana dois aspectos: patrimonial e moral. “O aspecto moral aplicado aos quadrinhos implica que qualquer pessoa desejosa de reproduzir tais obras precisa creditar o quadrinista ou roteirista autor da mesma. Ninguém pode copiar, divulgar, reproduzir a obra dele sem a autorização”, esclarece Maria Luiza. A advogada explica que “o aspecto patrimonial diz respeito ao direito do autor sobre sua obra. Só ele pode dispor e autorizar sua utilização ou fruição por terceiros, seja economicamente ou não, por meio de reprodução, comunicação ao público ou por distribuição, entre outros”. Assim, o direito de reconhecimento e remuneração é obrigatoriamente para o criador da obra. Em cada utilização por terceiros, quer seja de representação ou reprodução, deverá haver autorização prévia e explícita do quadrinista/roteirista. A exceção à regra diz respeito aos casos de obras que caem em domínio público. Ter o direito autoral assegurado no Brasil independe da formalidade de registro, desde que, de alguma maneira, o quadrinista/roteirista prove legalmente que ele é o autor da obra. Isso pode ser feito através de publicações em jornais, revistas de quadrinhos, sites e outros. O que se vê atualmente em relação aos quadrinistas da internet é uma flexibilidade em relação ao assunto. Eles sabem que o ambiente on-line é caracterizado pela reprodutibilidade e compartilhamento. Por isso, na maioria das vezes apenas pedem para que sejam creditados em todas as reproduções de seus quadrinhos em páginas que não tenham fins lucrativos. É o caso do quadrinista Alexandre Beck, criador do personagem Armandinho. Ele explica: “Não me importo que reproduzam minhas tiras, internet é isso mesmo. Só fico de olho se eles me creditam. Se assim o fizerem, está tudo bem”.

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FEMINISMO 2.0

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POR QUE A DISCUSSÃO DOMINOU A INTERNET? CONHEÇA HISTÓRIAS DE PESSOAS QUE UTILIZAM A REDE PARA PROMOVER A IGUALDADE DE GÊNEROS

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40 | ESPECIAL Saiba a importância do feminismo 42 | PERFIL #HeforShe Alex Castro é um dos militantes do movimento no Brasil 46 | PERFIL #EuNãoMereçoSerEstuprada Gisele Tronquini desabafa sobre a cultura do estupro 50 | PERFIL #StoptheBeautyMadness Saiba como Juliana Romano aprendeu a aceitar o seu corpo plus size 54 | PERFIL #Arquivos Feministas Veja como a estudante Carolina Ribeiro encontrou forças nas redes sociais após ser assediada no transporte público 58 | PERFIL #ChegadeFiuFiu Juliana Vaz fala como conseguiu se empoderar após ser abusada 62 | PARA FECHAR Conheça grupos que são contra o feminismo

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ORIENTAÇÃO FRANCISCO BICUDO REDAÇÃO E EDIÇÃO ANA CAROLINA MACHADO, CAROLINE VENCO, CHAIAN RAIAD, LUIZA TEN, MARCELA ROCHA E ROBERTA FREITAS EDIÇÃO DE IMAGEM OLIVIA RODRIGUES REVISÃO DANIELA VILLA-FLOR E SIMONE BLANES ARTES BARBARA TUBELO, CHARIS TSEVIS E DALEY PRODUÇÃO GRÁFICA CAROLINE VENCO IMAGENS CLAUDIA REGINA, CHAIAN RAIAD, GUSTAVO LACERDA, MARIANA ZARPELLON E TOMAZ RANGEL CAPA J. HOWARD MILLER [PUBLIC DOMAIN], VIA WIKIMEDIA COMMONS PESQUISA DE IMAGENS ANA CAROLINA MACHADO, CAROLINE VENCO, CHAIAN RAIAD, LUIZA TEN, MARCELA ROCHA E ROBERTA FREITAS

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

AS ORIGENS DO MOVIMENTO E A DEFINIÇÃO DO CIBERFEMINISMO POR LUIZA TEN, MARCELA ROCHA E ROBERTA FREITAS

O

feminismo e a divulgação de seus ideais percorreram um longo caminho até que alcançassem os atuais contornos e manifestações. “A agenda surgiu a partir das falhas na concepção da cidadania moderna, que excluía as mulheres. Pode ser explicado como um movimento que se opõe a qualquer privilégio exclusivamente masculino”, diz Natalia Mendez, historiadora e professora de História Antiga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O livro “O que é feminismo”, de Branca Moreira Alves e Jacqueline Pitanguy, mostra que as diferenças entre os sexos acontecem desde a Grécia Antiga, onde mulheres eram niveladas com os escravos e não tinham, por exemplo, direito ao estudo. Para quem pensa que o feminismo é recente, aquele que é considerado o protesto inicial a favor dos direitos das mulheres aconteceu na Roma Antiga, quando elas foram excluídas do uso do transporte público. Mas quem teria sido a primeira feminista da história? Segundo a escritora Simone de Beauvoir, em seu famoso livro “O segundo sexo”, o mérito é de Christine de Pisan (1364-1430). Poetisa oficial da corte francesa do século XIV, ela foi a primeira mulher a abrir uma

discussão sobre igualdade entre os gêneros em sua obra “A Cidade Das Damas”, ainda em 1405, onde cria uma cidade ideal para as mulheres. Em 1872 o termo “feminismo” foi usado de maneira pejorativa por um jornalista francês, que tinha como objetivo relacionar a expressão aos homens afeminados. Apesar dessa intenção maliciosa, a luta feminista ganhou força e organização no âmbito político ainda durante a Revolução Francesa (1789-1799). A primeira luta significativa das feministas ocorreu somente no final do século XIX com o movimento sufragista, classificado como a “primeira onda do feminismo”, onde mulheres reivindicavam o direito ao voto. Todavia, foi na década de 1960 que a voz dessas mulheres ganhou força, assim que as exigências por igualdade na esfera dos direitos civis começaram a ser aceitas nos EUA e em países da Europa. Simultaneamente, para conhecer o feminismo em sua profundidade, sobretudo no Brasil, era necessária uma grande pesquisa, pois os ideais não eram tão difundidos. “Eu ganhei um livro chamado ‘A Mulher Eunuco’ nos anos 70 (da autora australiana Germaine Greer, de 1970) que falava de feminismo e fiquei encantada. Eu e mi-

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FOTOS REPRODUÇÃO/J. HOWARD MILLER [PUBLIC DOMAIN], VIA WIKIMEDIA COMMONS

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AFINAL, O QUE QUEREM AS FEMINISTAS?


FOTOS REPRODUÇÃO E ARQUIVO PESSOAL

nhas amigas tínhamos a impressão que não existia mais ninguém que discutia esse tipo de coisa”, conta Rachel Moreno, psicóloga e autora do livro “A Beleza Impossível”, de 2008. Surge então a chamada “segunda onda do feminismo”, que compreende as décadas de 1960 e 1970, caracterizada como a busca pela total igualdade entre os sexos e, principalmente, o direito sobre o próprio corpo, incluindo a contracepção e o direito ao aborto. A terceira onda veio nos anos 1990 e representa uma redefinição da militância. A ideologia abre-se nas seguintes ramificações: feminismo negro, feminismo lésbico e feminismo em países de terceiro mundo. Atualmente, inclusive, o movimento tem ganhado grande proeminência nas redes sociais. Com a facilidade e rapidez de um clique é possível saciar a curiosidade sobre qualquer assunto relacionado ao tema, além de participar de debates nas comunidades. “Já na América Latina dos anos 1990, alguns grupos feministas utilizavam a internet para trocar informações. Mas houve uma explosão dessa prática na última década, possivelmente associada ao crescimento das redes”, diz Natalia. Antes do advento da internet, estas mulheres trabalhavam arduamente para divulgar o movimento. “Os jornais feministas foram uma ferramenta importante. Além deles, grupos escreviam panfletos e, como parte do ativismo, cabia também divulgá-los. As discussões tinham que ser presenciais ou por correspondência”, recorda Natalia. Rachel

Natalia Mendez em uma palestra na UFRG

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fez parte de uma publicação feminista, o jornal “nós, mulheres”, criado no porão da revista “Versos”. “A gente debatia a situação da mulher trabalhadora. Então tinha de um lado ‘nós, mulheres’, do outro o movimento negro unificado que nascia. E dele, algumas colegas vieram participar do jornal e discutiam o machismo dentro do próprio movimento. Um tempo depois acabaram lançando o que chamam de feminismo negro”, relembra a escritora. QUARTA ONDA? Natalia observa que a presença do feminismo nas mídias online colocou suas pautas de volta sob os holofotes. “A linguagem das redes sociais causou uma aproximação das jovens com o feminismo. É através delas que podemos falar sobre o movimento, mesmo sem que tenham participado de uma organização feminista de fato. Há questões que não são novas, mas que ganharam evidência, como, por exemplo, o combate ao assédio, que ocorre principalmente nas ruas.” Prova disso é o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2015 que sugeriu uma dissertação sobre a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. Mesmo sendo um assunto amplamente divulgado e vigente, fomentou uma polêmica inflamada nas redes sociais e até a criação da hashtag #EnemFeminista, usada para criticar negativamente a escolha do tema. Circularam também os seguintes comentários: “Dos assassinatos, mulheres são somente 8,6%”, “Tema do #enemfeminista: violência contra elas. É tipo se o tema fosse racismo contra brancos” e “agora aguenta as feministas retardadas”. A historiadora destaca que a resistência e a intolerância aos valores feministas não são novidades. Se hoje existem aqueles que manifestam seu ódio por meio do anonimato nas redes (os chamados haters), antes os opositores utilizavam a tática do deboche. “As feministas sempre sofreram hostilidade.

Rachel Moreno em uma de suas primeiras manifestações feministas (1979)

Rachel Soihet, feminista e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), estudou o uso do ‘humor’ como forma de satirizar o feminismo sufragista, aquele que defendia o voto das mulheres”, conta Natalia. Rachel Moreno dá o exemplo da infame entrevista com Betty Friedan, líder feminista, publicada no jornal “Pasquim” na década de 70. Nela, ícones como Millôr Fernandes e Ziraldo colocaram Betty como um estereótipo ruim das feministas, ou seja, feia e masculinizada. Respondendo a afronta que sofrera, a ativista soltou palavrões. “A tática era ridicularizar”, completa. Quando voltamos para o feminismo atual, observamos uma nova faceta do movimento: o empoderamento feminino. A expressão surgiu em 2010 com os Princípios de Empoderamento das Mulheres (Women Empowerment Principles), da ONU, nos quais eram apresentados sete princípios que as empresas e comunidades poderiam aderir para “empoderar” as mulheres. O conceito, portanto, surge como uma tradução para a palavra “empowerment”, que foi incorporada à luta feminista. A expressão ganhou novos significados e, atualmente, apresenta uma ação conjunta, ou seja, de todas para todas as mulheres. Natalia defende a popularização do termo: “Ver meninas tão jovens já falando com propriedade sobre o machismo, questões de gênero, citando Simone de Beauvoir e tentando entender o que é empoderamento feminino é instigante”, diz.

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Alex Castro Foto Claudia Regina

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SAIBA QUANDO A AJUDA DOS HOMENS É BEM-VINDA E QUAL DEVE SER O LIMITE DESSA PARCERIA

ELES POR ELAS E TODOS CONTRA O MACHISMO POR ANA CAROLINA MACHADO E MARCELA ROCHA

Cerca de 60 coletivos feministas do país publicaram uma carta no site Imprensa Feminista, em repúdio ao espaço concedido pela Revista Fórum ao escritor Alex Castro. As ativistas acusavam a publicação de colonizar o tema ao permitir que um homem, cisgênero, heterossexual e branco falasse em nome da causa. Ele não se pronunciou, mas algumas feministas saíram em defesa dele. Foi o caso da blogueira Lola Aronovich que, citada no manifesto e questionada por seus seguidores, escreveu: “Acredito em homens feministas. Acredito que eles existem e que podem fazer um ótimo trabalho. Não no papel de protagonistas, mas sim no de aliados”. Carioca, Alexandre Moraes de Castro e Silva nasceu em 1974. Cresceu em um apartamento de 600 m2, com acesso a todos os benefícios que a sua condição de homem, branco e de família rica podiam lhe proporcionar. Para ele, o maior desafio tem sido tornar conscientes os privilégios intrínsecos à sua condição cultural e social. O escritor acredita que hoje o mundo é clara-

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mente dividido entre as pessoas que têm todas as possibilidade de escolhas, em função da sua identidade de gênero, cor e classe social, e outras de chances limitadas. Sua trajetória online começou em 2003, quando passou a usar a web para divulgar seu trabalho como escritor. Seu romance em formato de e-book, “Mulher de Um Homem Só”, cuja trama é narrada sob o ponto de vista de uma personagem feminina, foi baixado mais de 30 mil vezes até se tornar versão impressa. Ele diz que usa a literatura como espaço para dar visibilidade ao seu lado artista que atualmente mantém, além do blog pessoal, uma coluna no site “Papo de Homem” e outra na revista “Fórum”, palco da polêmica. Alex não se coloca como feminista, mas sim como alguém que tem uma posição mais vantajosa e que escolheu falar contra seus próprios privilégios. A temática ganhou seu interesse quando viveu nos EUA durante seu doutorado. À medida que tomava consciência de suas van-

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tagens, temas como feminismo, racismo e identidade de gênero se tornavam gradativamente mais recorrentes nos textos do escritor. “Cresci cercado por mulheres. Meus melhores amigos são do sexo feminino. E era comum ouvir que elas se sentiam em uma condição pior que as suas avós. Se antes, na escala hierárquica, elas vinham em quarto lugar, hoje se sentem em quinto: depois de trabalho, marido, casa e filhos”, diz o escritor. A participação dos homens no movimento sempre ocorreu de forma periférica, como apoiadores de causas e ideias. A historiadora Natalia Mendez cita como exemplo dessa postura mais empática a frase de um dos teóricos da Revolução Francesa, Condocert. Dizia ele: “por que os indivíduos expostos à gravidez e outras indisposições passageiras seriam incapazes de exercer direitos que ninguém sonhou em negar às pessoas que sofrem de gota todo o inverno ou que adquirem resfriados facilmente.” Para

“SE ANTES, NA ESCALA HIERÁRQUICA, ELAS VINHAM EM QUARTO LUGAR, HOJE SE SENTEM EM QUINTO: DEPOIS DE TRABALHO, MARIDO, CASA E FILHOS” 44

ela esse é um debate complexo porque o feminismo se caracteriza justamente por ser um movimento que surge a partir da experiência de ser mulher em uma sociedade que favorece os homens. “Cada grupo deve ter autonomia para definir se considera interessante ou não a participação deles em suas organizações”, diz. A historiadora Renata Saavedra também acredita que não é preciso ser mulher para lutar na campanha, mas que os homens precisam entender seu espaço na luta. “Posso dialogar, contribuir, mas sempre entendendo a centralidade da experiência do outro.” Ela acrescenta que eles sempre ocuparam a posição de destaque na nossa cultura. E que o desafio é desconstruir esses lugares de fala cristalizada, multiplicando as vozes e os protagonistas. Diretora-executiva da Associação Mulheres pela Paz e doutora em comunicação, Vera Vieira também defende que a participação masculina deve ser para a desconstrução de

estereótipos sexistas da sua própria formação e da influência que sofrem em todas as suas redes de relações (família, igreja, escola, mídia). Ela acredita que apenas dessa forma eles poderão viver em harmonia e auxiliarão a construir uma sociedade com equidade de gênero. “Os homens não podem se colocar de forma alguma como pessoas que estão ‘ajudando às mulheres’, pois estarão ajudando a si próprios. Consequentemente, isso beneficiará a sociedade como um todo”, afirma. E por que é importante inserir esse assunto na roda masculina? Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2013 mostram que as mulheres trabalham 4,8 horas semanais a mais que o homem – o que inclui fora e afazeres domésticos –, possuem uma melhor média de tempo de estudo, 7,9% contra 7,5% deles, sendo a taxa em relação às que possuem nível de educação superior 17,6% contra 12,7% dos homens. No campo político, elas estão bem aquém

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FOTO REPRODUÇÃO GNT/FELIPE COSTA

Caio Blat é um dos apoiadores da campanha #ElesporElas


No Twitter, artistas internacionais apoiam a campanha #HeforShe

em representatividade. No pleito de 2012, o percentual de vagas ocupadas por elas alcançou 13,3%, do total de assentos nas Câmaras Municipais, 10% do total de vagas na Câmara dos Deputados e 16% no Senado. Pensando em acelerar o processo dessas diferenças, foi lançado o movimento global “He for She”. O foco é informar, conscientizar e mobilizar homens para que eles assumam também a responsabilidade na promoção da igualdade de gênero. No Brasil, o “Eles por Elas” ganhou o apoio de organizações e famosos. Foi promovido pelo canal de TV fechado GNT. O discurso lançado pela atriz e embaixadora da ONU Mulheres, Emma Watson, apresentando a campanha foi amplamente divulgado. Nele, a atriz defende que o trabalho de conscientização cultural de gênero pode ser potencializado pelas tecnologias da informação e pelo poder das redes sociais, além de abrir uma discussão

“PESSOAL, @EMWATSON ENTENDEU BEM. IGUALDADE DE GÊNERO NÃO É SOBRE ASSUMIR UM LADO. É SOBRE DIGNIDADE HUMANA PARA TODOS. ESTA É A EVOLUÇÃO #ELESPORELAS”

“SE VOCÊ QUER REALMENTE DEIXAR O MEU DIA MELHOR, TIRE UMA FOTO DE VOCÊ APOIANDO OU ME MANDE UMA IMAGEM FALANDO PORQUE VOCÊ APOIA A IGUALDADE DE GÊNEROS #ELESPORELAS”

FOTOS DIVULGAÇÃO/PEDRO GABRIEL E REPRODUÇÃO/TWITTER

“E FALANDO SOBRE FEMINISMO, @EMWATSON ESTÁ TOCANDO UM GRANDE PROJETO CHAMADO #ELESPORELAS. CONFIRA AQUI HEFORSHE.ORG”

sobre a lógica econômica e social da igualdade. No Brasil, o movimento visa a desconstrução do machismo naturalizado. “Nosso país mantém características patriarcais. Então, procuramos, no contexto da campanha, conscientizar os homens sobre a importância do empoderamento das mulheres e da igualdade de gênero para os direitos humanos e o desenvolvimento. Também trabalhamos para mostrar às empresas, governos e outras organizações, de modo geral,

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que todos têm uma responsabilidade importantíssima nesse movimento”, explica Amanda Lemos, coordenadora da campanha. “A questão mais importante é debater com os homens, em especial os que se aproximam do feminismo. E mais relevante do que saber se um homem pode ou não se dizer ‘feminista’ é saber se eles estão, de fato, dispostos a assumir que detêm uma condição social privilegiada”, completa Natália Mendez. Assim como Alex, que não tem dúvida da sua posição.

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O QUE É ESTUPRO PARA VOCÊ

SAIBA POR QUE O SEU MACHISMO FAZ VÍTIMAS

POR MARCELA ROCHA

MEU ESTUPRO IMPEDIU QUE EU ME RELACIONASSE COM QUALQUER HOMEM POR MAIS DE UM ANO. ME FEZ PARAR DE BEBER, ME DEIXA TEMEROSA DE CONHECER HOMENS NOVOS. FOI O QUE ME FORTALECEU E ME TORNOU A FEMINISTA QUE SOU HOJE, ME FEZ ENTENDER QUE A CULPA NÃO FOI MINHA. FOI O ACOLHIMENTO DAS MINHAS AMIGAS E O CÍRCULO DE PROTEÇÃO QUE ELAS CRIAM AO REDOR DE MIM, TODOS OS DIAS...” O DESABAFO DE GISELE É CONTRA A CULTURA DO ESTUPRO QUE, MUITAS VEZES, CULPABILIZA A VÍTIMA

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isele tem 25 anos. É estudante de História e, segundo ela, feminista desde que começou a aprender os plurais e questionar os professores do por quê um só menino entre cinco meninas determinar o “eles”. Mas militante mesmo passou a ser depois que virou um desses casos de agressão à mulher em 2011, quando foi parar na delegacia depois de apanhar de um namorado. “Durante a denúncia, conheci uma menina que havia sido estuprada, mas que só pediu ajuda uma semana depois do ocorrido, quando já era quase impossível acusar o agressor. Aquilo mexeu comigo”, diz. Um ano após o episódio, decidiu que era hora de tentar se relacionar novamente e, na Virada Cultural de São Paulo em 2012, foi vítima mais uma vez. “Eu estava ficando com um cara e bebemos muito. Como tinha que esperar o metrô abrir, decidi dormir em um motel. Avisei que não iria rolar nada, que queria dormir e ele disse que iria junto mesmo assim. Chegando lá, começou a forçar a barra e apesar de todos os ‘nãos’, só parou de me penetrar quando me viu chorando”, lembra. Apesar de já ter conhecimento dos seus direitos enquanto mulher, ela se culpou, tentou repetir para si mesma que aquilo foi só uma transa ruim. E que, provavelmente, a

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responsável tinha sido ela, já que “foi dormir em um motel com um cara depois de beber”. Ver a mulher como alguém que provoca por estar embriagada ou com uma roupa curta protege o agressor. O medo de sofrer duas vezes, uma com o ato e outra com o julgamento das pessoas, é o que faz com que somente 10% dos estupros sejam relatados à polícia, segundo uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgada em 2011. Aos poucos, os estereótipos são abraçados e reproduzidos por essa cultura do estupro, o que torna pertinente refletir sobre o título dessa matéria: O que é estupro para você? Segundo o Ipea, em 88% dos casos a vítima é uma mulher, que para muitos ainda pode ter “provocado” a situação. “Isso é incentivado por nossa percepção do que é ser ‘macho’. Ensinamos que um homem de verdade deve ir até o fim sempre, que a mulher é um objeto sexual e sua liberdade não deve ultrapassar esse limite”, explica Rachel

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Moreno, psicóloga e escritora. Mas, enquanto estamos aqui, discutindo o assunto em vez de combatê-lo, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados em outubro do ano passado – uma provavelmente entrou para essa estatística enquanto você lia esse texto. A própria definição do crime era limitada até 2009, quando deixou de ser penetração vaginal forçada para ser tipificado como qualquer ato libidinoso sem permissão de uma das partes. “Até pouco tempo atrás o estupro era considerado crime contra honra. E como você recuperava a dignidade? Casando com o agressor”, explica Ana Paula Lewin, defensora pública e coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa da Mulher. Parece primitivo afirmar que uma mulher deve se casar com seu estuprador. Mas por que é aceitável dizer que ela mereça ser estuprada por andar com roupa curta?

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Foi o que 26% dos entrevistados disseram, em uma pesquisa do Ipea em 2014: sim, ela merecia. “Eu já me considerava feminista, mas depois da divulgação desses dados decidi agir, me despi e escrevi no meu corpo que eu não merecia ser estuprada por isso”, conta Nana Queiroz, jornalista e organizadora do protesto online “Eu Não Mereço Ser Estuprada”, que convida mulheres a mostrarem seu corpo com a frase que deu nome ao movimento. Mais de 40 mil apoiaram a causa, entre elas, mulheres que nunca tiveram relação com o feminismo, famosas e até a presidenta Dilma Rousseff. A hashtag #EuNãoMereçoSerEstuprada invadiu a internet com mais de 5 mil compartilhamentos com fotos de mulheres que fizeram o mesmo que a jornalista e tiraram a roupa. Nana Queiroz diz que entendeu a força das redes sociais e de sua campanha quando recebeu a declaração de uma mulher relatando que, por causa da sua ação, confrontou seu pai pelo abuso que sofreu dele na infância e ouviu que ele não tinha “efetivamente” a estuprado porque não houvera penetração. “Com isso eu entendi duas coisas: o brasileiro não sabe o que é estupro, e eu não sabia o poder que a internet tinha, que é justamente isso: você escreve sem saber quem está recebendo aquilo. E pode ser tudo o que alguém precisa para, por exemplo, confrontar seu agressor”, diz a jornalista. Segundo Nana, a ideia era uma atividade entre amigas, mas a repercussão foi assombrosa. “Recebi mais de 500 ameaças de gente dizendo que iria me estuprar, o que me assustou muito, mas que também deu visibilidade à causa. Tentei usar esse momento em que a mídia deu

voz ao movimento para conscientizar sobre a cultura do estupro e o machismo”. A repercussão dessas campanhas é difícil de ignorar. “As redes sociais unem as pessoas para que se apoiem e ganhem poder juntas”, explica Lígia Baruch, psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica. É por isso que essas comunidades ganharam papel fundamental na criação de ferramentas contra o machismo, grande aliado do estupro. “A internet ajuda as mulheres a entenderem o que de fato é a opressão que elas sofrem”, diz Ana Freitas, jornalista especialista em tendências digitais. A história de Gisele é paralela à de Nana, mas com um ponto em comum: as duas usaram a internet para combater a cultura do estupro. Uma para se empoderar e superar o trauma, e a outra para desmistificar. A estudante elogia o movimento “Eu Não Mereço Ser Estuprada” porque, em sua opinião, a iniciativa é importante para politizar e apoiar mulheres contra a cultura do estupro. “Demorei alguns meses para admitir que havia sido estuprada e, ao me lembrar daquela menina que eu havia conhecido e que demorou uma semana para denunciar seu abuso, entendi que nenhuma mulher está a salvo de sofrer com isso e se calar. Por isso, busquei ajuda de algumas feministas nas redes sociais para contar o que havia acontecido comigo. E foi espantoso ver que tantas mulheres já sofreram o mesmo. Foi justamente essa troca que me fez superar e seguir em frente mas, agora, com um propósito: lutar contra o machismo todos os dias, na internet ou fora dela”, diz, emocionada.

A CAMPANHA DE NANA QUEIROZ TEVE GRANDE ADESÃO NAS REDES SOCIAIS. A IMAGEM AO LADO MOSTRA EXEMPLOS DE MULHERES QUE TIRARAM A ROUPA E SE MANIFESTARAM CONTRA O ESTUPRO

“EU JÁ ME CONSIDERAVA FEMINISTA, MAS DEPOIS DA DIVULGAÇÃO DESSES DADOS DECIDI AGIR, ME DESPI E ESCREVI NO MEU CORPO QUE EU NÃO MERECIA SER ESTUPRADA POR ISSO”

FOTO REPRODUÇÃO GOOGLE

NANA QUEIROZ, JORNALISTA E ORGANIZADORA DO PROTESTO ONLINE “EU NÃO MEREÇO SER ESTUPRADA”

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NÃO, VOCÊ NÃO PRECISA SE ENCAIXAR NOS PADRÕES A HISTÓRIA DE JULIANA ROMANO, UMA BLOGUEIRA PLUS SIZE QUE ENTROU NO MUNDO DA MODA, QUESTIONOU OS PADRÕES DE BELEZA E VIROU CAPA DE REVISTA POR ROBERTA FREITAS E LUIZA TEN

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Juliana Romano Foto: Reprodução Elle

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esde criança, Juliana Romano era diferente das outras garotas: baixinha, coxas grossas e quadril largo. Comparada às meninas da sua turma de balé, sabia que seu corpo não era igual ao das outras. Nada que afetasse seu humor. Porém, com seu crescimento surgiu também o desejo de se encaixar. “Eu tinha 15 anos. E, como todos nessa idade, queria ser aceita, o que significava ser magra. Cheguei a vestir tamanho 36, mas só confiava na minha imagem no espelho. E eu me via gorda. Então, vomitava e me sentia frustrada, até não precisar do cabo da escova para forçar o vômito. A culpa por comer já fazia isso por mim.” Em tempos de exigências cruéis, milhares de meninas e mulheres são bombardeadas com imagens do que se considera um “padrão estético ideal”. Uma pesquisa mundial da marca de cosméticos Dove mostra que dentre 6.400 entrevistadas apenas 4% se acham bonitas. A ditadura da beleza como conhecemos hoje, porém, tem uma origem recente. “Ficou mais popular na década de 1960, motivada pela indústria que viu nas mulheres um alvo para consumo de produtos com concepções inatingíveis de determinado padrão de beleza”, diz Natalia Mendez, historiadora e professora de História Antiga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Essa imposição é uma das mais perversas formas de controle do corpo da mulher.” Juliana é um bom exemplo disso. Em nome desses “padrões”, ela passou por muitos problemas, do uso de remédios à baixa autoestima. “Na época, conheci o meu primeiro namorado, que me fez muito bem. Mas surgiu uma viagem,t e bateu o desespero: tinha um mês para fazer com que ele não passasse vergonha entre os amigos com uma gorda como eu.” O que a ajudou foi descobrir sua real personalidade, além de terapia com um psicólogo. “Vi que o meu eu ia além do corpo. Antes eu pensava no que os outros iriam dizer. Depois, passei a me vestir do jeito que me sentia bem.” Essa mudança fez com que Juliana fosse procurada

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por outras meninas que queriam suas dicas de moda e beleza. Daí nasceu seu blog, “Entre Topetes e Vinis”, um dos mais importantes da cena plus size brasileira, criado em 2008. Nele, a agora jornalista, formada em 2011, compartilha seus truques e ajuda a empoderar outras meninas que também se sentem fora do padrão. “Um blog une as pessoas que sofrem e lutam pela mesma causa. Eu descobri uma questão maior. Queria mostrar para a gorda que ela não é nenhuma coitadinha.” Esses padrões de beleza impostos na vida de Juliana são comuns no mundo todo. Nos Estados Unidos, por exemplo, um projeto que ganhou visibilidade é o Stop the Beauty Madness (Pare a Loucura da Beleza, em tradução livre), das ativistas Robin Rice e Lisa Meade. Com grande força nas redes sociais, prega contra a ideia das mulheres que pensam não ser bonitas o suficiente, através de postagens com imagens em formato de propagandas que mostram frases perturbadoras como exemplos dessa ditadura da beleza. Uma das principais porta-vozes da campanha é Allison Epstein, que desde 2013 mantém o blog The Body Pacifist, sobre transtornos alimentares. “Toda vez que você liga a televisão ou folheia uma revista é bombardeada com mensagens e julgamentos sobre aparência. É exaustivo”, diz. E como a internet nos ajuda a quebrar essas regras? “Nas redes sociais é mais fácil que vozes sejam ouvidas. Qualquer um tem potencial para achar seu público e fazer sua mensagem ressoar”, completa Allison. Antes da popularidade da web, Juliana era uma que só conseguia informações sobre beleza em revistas. “As de moda só ensinavam a esconder. Tem peitão e bundão? Esconde. Não ensinavam a valorizar o que você tem de bom.” Lígia Baruch, psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica, também aponta o poder de ampliação das opiniões na internet. “A rede social ajuda no empoderamento feminino graças à mobilização das pessoas. Se não fosse isso, cada uma estaria no seu canto, em casa, sozinha com a sua dor.” O Stop The Beauty Madness também realiza ações de auto-aceitação, como o “Desafio sem Make”, que estimula mulheres a postarem fotos sem maquiagem. De acordo com uma pesquisa do Renfrew Center Foundation, fundação

FOTO FESTIVAL CONTATO/CC BY 2.0 via Wikimedia Commons

Karol Conká

“Eu trabalhei com uma pessoa que era tão louca que tive que demiti-la. Ela dizia: ‘vamos arrumar a barriga, dar um jeito nesse cabelo, colocar silicone…’ E o que eu disse foi: ‘eu sou feliz assim. O importante é não se intimidar’.” Karol Conká, rapper

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FOTOS DIVULGAÇÃO

Imagens da campanha #StopTheBeautyMadness

que busca a consciência dos transtornos alimentares, 44% das mulheres americanas não se sentem atraentes sem usar ao menos um pouco de maquiagem, e 25% começaram a se maquiar aos 13 anos. “Acho ótimo vê-las lutando contra a ideia de que só são bonitas quando ocultam como são e apagam suas ‘falhas’”, diz Allisson. “Não é uma crítica contra maquiagem. É um grito pela beleza real”, defende Juliana, que entrou no desafio. No Brasil, a campanha teve duas representações notáveis. A primeira no blog Girls With Style (Meninas com Estilo, em tradução livre), de Nuta Vasconcellos e Marie Victorino. Intitulada #TerçaSemMake, convidava leitoras a postar fotos sem maquiagem na terça-feira. “Para que as meninas vissem que maquiagem é legal, mas que não precisam ser escravas dela”, conta Marie. Já a segunda ação veio pela revista Glamour, com o projeto “De Cara Lavada com Glamour”, que começou com fotos de celebridades sem maquiagem. “Vimos que tinha um potencial maior. Se as pessoas postassem, iria viralizar”, diz Bruna Fioreti, redatora chefe da Glamour. A tag #SemMakeComGlamour invadiu as redes sociais com cerca de seis mil publicações de meninas de cara lavada. E foi importante para quebrar paradigmas, já que vinha justamente de uma publicação feminina, antes incentivadora de tais padrões. Depois, a revista Elle fez uma edição especial “Ame seu Corpo”, com a própria Juliana Romano na capa. “Li comentários do tipo ‘Não é saudável’, ‘É apologia à obesidade’ e não é. Sou saudável sim. E quem fala isso é porque não conhece a minha história.” Ver todos os tipos de belezas conquistarem espaço na internet e em veículos tradicionais pode ser uma saída para tantas mulheres incomodadas com a aparência. “Vermos referências alternativas ao modelo oficial faz com que as pessoas se sintam mais confortáveis em escolher”, aponta Rachel Moreno, psicóloga e autora do livro “Beleza Impossível”. Mas Juliana, mesmo sendo uma porta-voz daquelas que querem mudar esses conceitos, acredita que isso não seja obrigação: “Eu não acho que toda blogueira tenha que empoderar. E, sim, que toda mulher tem que defender o direito de outra, mas isso não significa levantar uma bandeira”.

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Carolina Ribeiro Foto: Chaian Raiad

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AS REDES SOCIAIS COMO DESABAFO QUANDO O MEDO É MAIOR DO QUE A VONTADE DE GRITAR, AS PÁGINAS VIRTUAIS SURGEM COMO ALTERNATIVA PARA DENÚNCIAS DE ABUSOS POR CHAIAN RAIAD

FOTO REPRODUÇÃO/FACEBOOK

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ulher, negra, gorda, filha de nordestinos e moradora da periferia de São Paulo. Apesar das características parecerem vitimizar Carolina Ribeiro Moraes, 20 anos, ela tem orgulho de quem é e de suas origens. Estudante de design digital, ela ama seus traços negros, e a questão do peso seria um problema se relacionado à saúde. Não é o caso, já que Carol, como gosta de ser chamada, não deseja seguir os padrões impostos. Moradora do bairro Capão Redondo, da cidade de São Paulo, ela diz que percebeu o machismo velado pela primeira vez quando o seu corpo começou a se desenvolver, e começaram as cantadas na rua. Crescer sem nenhuma representatividade negra na grande mídia ou não receber qualquer orientação por parte da família também levaram a jovem a ficar um bom tempo sem “se tocar” sobre o que acontecia à sua volta. Na desconstrução de preconceitos do dia a dia, a irmã mais nova e as redes sociais surgiram como opções essenciais para o seu empoderamento. O feminismo apareceu na vida da caçula, Fernanda

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Moraes, 18 anos, em 2012. Acostumada a alisar o cabelo, a garota não se sentia bem em mostrá-lo na forma natural. Até o dia em que a mãe esqueceu o secador na casa de uma tia, e ela teve que ir para o colégio sem as madeixas chapadas. Para sua surpresa, as amigas gostaram, e surgiu a curiosidade em descobrir mais sobre o cabelo afro por meio das redes sociais. A partir disso, acabou se interessando também por assuntos relacionados ao papel da mulher na sociedade. No segundo ano do ensino médio, Fernanda conquistou uma bolsa em um cursinho na USP e através do contato com garotas mais velhas acabou se envolvendo com o movimento feminista de internet. Todo o conhecimento que adquiria pelas páginas e sites eram passados para a irmã. Dentre vários conteúdos, as irmãs eram pautadas principalmente por uma blogueira tão jovem quanto elas, mas com uma grande bagagem de vida: Andreza Delgado, de 20 anos, que escreve para o “Blogueiras Negras”, focado em temas como feminismo e racismo, e “Capito-

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lha estava com o órgão genital para fora da calça. Um sorriso de canto de boca, como se aquilo fosse sexy, marcou para sempre e negativamente mais uma mulher. Mil coisas passaram pela cabeça da jovem, que se calou. Ao chegar a seu destino final, porém, ela disse: “Eu vi o que você fez”. Desesperada e sem nenhum guarda na plataforma, a estudante subiu as escadas e foi em direção ao banheiro. A vontade de chorar era enorme. O local estava cheio, mas a faxineira do local notou o comportamento da garota. Então Carolina desabafou. “Naquele momento, aquela senhora me amparou e deu força. Outras mulheres também me abraçaram e contaram casos que aconteceram com elas, mas o que mais me ajudou foi o pedido para que eu não me deixasse abalar e nem estragasse meu dia por aquilo.” Segundo dados divulgados pelo Estado de São Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação, a cada dois dias uma mulher registra um boletim de ocorrência por assédio no Metrô e na CPTM. Contudo, o número será bem maior se contarmos as mulheres que assim como Carol não tiveram coragem para denunciar. São histórias como a de Carol que levaram cinco garotas a criar a página “Arquivos Feministas”, em maio de 2015. De diferentes Estados, nem todas se conhecem pessoalmente, mas as redes diminuem a distância entre elas. “Há diversas relações entre nós. Algumas que se conheceram pessoalmente pela militância. Outras, virtualmente. E até mesmo as que não se conheciam se uniram na página”, afirma uma das escritoras, que prefere não se identificar devido às constantes ameaças. Elas relatam que recebem mensagens e comentários de homens com insultos e promovendo violências, principalmente sexuais. “Acreditamos que isso, até o momento, se restringiu ao mundo virtual por preservarmos nossas identidades”, diz. O que não as deixa desistir é o retorno de algumas seguidoras. “Tentamos fazer da

FOTO REPRODUÇÃO/FACEBOOK

lina”, uma revista voltada para jovens e com o objetivo de desconstruir padrões impostos por outras publicações da mesma faixa etária. Estudante de Letras, ela ficou conhecida na web ao ser arrastada por dois policiais em plena Avenida Paulista, após uma manifestação pela exigência do paradeiro do pedreiro Amarildo, desaparecido em 2013. Na época, ainda menor de idade, ela foi abusada psicologicamente, detida por cinco horas e julgada, mas declarada inocente. Um dia antes do julgamento, Andreza escreveu um relato ao Blogueiras Negras. Não foi fácil, mas por meio daquelas palavras, a ativista desabafou e empoderou outras mulheres. E foi através de textos de Andreza e do blog que Carolina acabou influenciada por outras páginas, como “Feminismo sem demagogia”, “Coletivo Anti-Gordofobia” e “Arquivos Feministas” que a ajudaram a entender mais sobre o assunto. “O feminismo precisa de uma remodelada para dar voz a essas diferentes causas de necessidades diferentes. Essas pessoas querem ser ouvidas. E a internet faz esse papel de dar poder a várias questões”, afirma Ligia Baruch, psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica. De modo geral, essas publicações ajudaram Carolina com o relato dado a seguir: No dia 12 de junho de 2015, ela saiu de casa às 6h30 em direção à Universidade Anhembi Morumbi. Linha 5 Lilás, estação Capão Redondo. O local já estava cheio, mas em meio à multidão, um belo rapaz usando jaqueta vermelha, calça e sapatos sociais lhe chamou a atenção. ESPERA! Ele está olhando de volta. É melhor ver novamente para ter certeza. SIM! Ele está olhando! A estudante entrou no vagão e percebeu que ele ainda a observava. Começou então uma troca de olhares. Para sua surpresa, Carol reparou que ao trocar de vagão, o mesmo homem estava lhe seguindo. Mais cheio do que o veículo anterior, o trem fez com que eles ficassem bem próximos. Só que ao pegar o celular na bolsa, Carol notou que o cara da jaqueta verme-

Imagem do post que Carolina fez após ser assediada

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Os primos, Kellen Ferreira dos Santos, Gabriel Souza Santos, a irmã Fernanda Ribeiro Moraes, Carolina Ribeiro Moraes e Gustavo Ferreira dos Santos

Drik Barbosa

“QUERO PODER FORTALECER MAIS AS MULHERES, BUSCANDO CONHECIMENTO SOBRE QUEM SOU, INCENTIVANDO ELAS A SE CONHECEREM E SE RESPEITAREM. ESTOU BUSCANDO APRENDER COMO POSSO COOPERAR NESSA LUTA DA MELHOR FORMA POSSÍVEL. E QUANDO FALO DE MULHERES GUERREIRAS, FALO COM TODAS, MAS PRINCIPALMENTE MULHERES DA PERIFERIA QUE TEM MENOS ESPAÇO PARA SEREM OUVIDAS”

Carolina no Sesc Campo Limpo

FOTOS DIVULGAÇÃO E ARQUIVO PESSOAL

DRIK BARBOSA, RAPPER página um local de debate e acolhimento, onde mulheres tiram suas dúvidas, compartilham suas histórias e apoiam umas às outras, ajudando, assim, a desconstruir a rivalidade a qual fomos submetidas.” Depois de muito pensar sobre a proporção que uma denúncia poderia tomar nas redes sociais e as ameaças que poderia sofrer por expor sua imagem, Carolina optou por empoderar outras mulheres a denunciarem casos de abuso. Um dia após o ocorrido, ela postou na página do Facebook da Universidade uma foto com a roupa que estava usando e um relato do ocorrido. Em pouco tempo, muitas curtidas e apoios de diversas meninas vítimas do machismo se manifestaram. Mesmo com medo da repercussão, a jovem achou que aquilo era necessário para ajudar outras mulheres. Ainda é difícil para Carolina falar sobre o assunto, mas de uma coisa ela tem certeza. “Eu ainda voltarei a

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Andreza Delgado

encontrá-lo. E na próxima vez eu não ficarei calada.” Carolina segue de cabeça erguida e confiante em uma sociedade melhor. O texto “A solidão da mulher negra”, escrito por Stephanie Ribeiro e publicado no site Geledés – Instituto da Mulher Negra, é um dos preferidos de Carolina, com palavras que descrevem um pouco o perfil forte dessa mulher: “Eu tenho a mais absoluta certeza de que a maior derrota recai sobre os nossos ombros — nós, mulheres negras. E, por isso, mesmo dentro da minha armadura, eu estou também sangrando. Porém, prefiro me expor a me calar. Esse foi o caminho que encontrei para que a dor não me supere.”

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FOTOS ARQUIVO PESSOAL e GABRIELA SHIGIHARA/CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons

Juliana Vaz

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ABUSO NÃO É SÓ ESTUPRO CONHEÇA A HISTÓRIA DA MULHER QUE APRENDEU A LUTAR CONTRA O ASSÉDIO GRAÇAS ÀS REDES SOCIAIS POR CAROLINE VENCO ILUSTRAÇÃO BARBARA TUBELO INFOGRÁFICO CAROLINE VENCO

ELE SEMPRE DIZIA QUE EU ERA EXAGERADA OU DESEQUILIBRADA. NADA DO QUE ESTUDAVA, LIA OU ASSISTIA ERA INTERESSANTE. ISSO ME DEIXAVA MUITO PARA BAIXO. OS SEUS COMENTÁRIOS ERAM: ‘NOSSA, COMO VOCÊ É BABACA DE POSTAR ISSO/ GOSTAR DISSO/TER LIDO ESSE LIVRO’. UM DIA EU BEBI DEMAIS E APAGUEI. ACORDEI COM ELE TENTANDO FAZER SEXO. EU ME ESQUIVEI, ELE CONTINUAVA. SÓ LEMBRO DE ESTAR IMÓVEL ENQUANTO ELE TRANSAVA COMIGO. EU PASSEI A ME CULPAR POR AQUELA SENSAÇÃO PORQUE ERA EU QUE ESTAVA BÊBADA. NÃO GRITEI ‘NÃO’ OU SAÍ CORRENDO. NO DIA SEGUINTE, CHOREI O DIA INTEIRO, MAS CONTINUEI COM ELE. MINHA AUTOESTIMA ESTAVA DESTRUÍDA

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história da paulistana Juliana Vaz não é um caso isolado no Brasil. Segundo dados da SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República), em 2013, em 62% dos casos de denúncias de violência contra a mulher, feitos através do Ligue 180, os agressores eram namorados, cônjuges ou amantes das vítimas. Hoje, após quatro anos, Juliana entendeu que foi abusada, não só sexualmente, mas também mentalmente. “Eu achava que abuso era só estupro. Depois eu percebi que estava sendo violada há muito tempo ao ser reprimida, rebaixada e calada por ele.” Loira, de cabelos curtos, olhos claros e 1,66 de altura, a estudante de jornalismo de 29 anos teve de sentir na pele para poder entender a cultura do machismo na sociedade. E, assim, finalmente poder ser empoderada. Entretanto, para que essa ficha de mudança de hábitos, pensamentos e postura caísse, ela precisou viajar para bem longe e ver que, sim, é possível viver e andar pelas ruas sem que o seu corpo seja visto como um objeto. Em 2014, Juliana ganhou uma bolsa de estudos para estudar alemão em Berlim. “Quando eu estava na Alemanha, uma amiga disse que não queria casar, pois seria difícil chegar ao ponto da carreira que ela conseguiu se fosse casada. Eu a admirei, mas, por alguma razão no passado eu teria

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julgado a sua atitude. Antes eu não pensava nisso. E pela seu irmão mais novo em casa, Juliana internet eu encontrei pessoas que falam abertamente. Des- ganhou um novo apelido: “Feminazi”. cobri que eu não nasci para esse padrão.” Isso fez com que a estudante encontrasNa opinião de Lígia Baruch, psicóloga, mestre e douto- se forças para estudar ainda mais sobre randa em Psicologia Clínica, as mídias online são impor- os conceitos do feminismo. “Para calar a tantes para essa mudança. “As redes sociais podem fun- boca dele, eu procurei muito sobre isso e cionar como recurso encontrei em grupos nas para a saúde mental e redes.” O primeiro moAS MULHERES, MUITAS o empoderamento desvimento que Juliana teve VEZES, NÃO QUEREM sas mulheres. É de fácil contato foi o “Chega de acesso e não exige locoFiu Fiu”, que luta contra A PUNIÇÃO DO SEU moção. Mas se deve ter o assédio em locais públiAGRESSOR. ELAS cuidado com a natureza cos. Identificou-se e abraQUEREM QUE ISSO NÃO desses grupos. Como çou a causa. “O objetivo ACONTEÇA NOVAMENTE é uma coisa democráprincipal da campanha é E QUE POSSAM ANDAR tica, e qualquer pessoa empoderar as mulheres pode abrir um blog, e mostrar para elas que COM A ROUPA QUE ELAS você pode consumir o assédio sofrido todos QUISEREM E DO conteúdo de todos os os dias na rua não é culJEITO QUE SE tipos sem saber a qualipa delas. Mas sim a culSENTIREM MELHOR dade das informações”, tura de violência contra alerta. “Além disso, as a mulher. E isso tem que redes têm o poder da ampliação e mobilização de pessoas. ser combatido”, explica Luíse Bello, uma Enquanto cada mulher poderia estar no seu canto, sozinha das idealizadoras do projeto, que surgiu com a sua dor, a internet consegue reuni-las para que com- em 2013. partilhem seus sentimentos.” Em sua busca, Juliana percebeu que Na volta ao Brasil, ao criticar as atitudes machistas de se dependesse somente das mídias tradicionais, não teria a mesma qualidade de informações que encontrou na web. “As revistas femininas brasileiras não abordam esse tipo de tema porque ainda é um tabu. Além disso, boa parte das leitoras são machistas sem saber. Ou seja, elas não querem ler textos feministas, pois, para elas, eles são chatos.” Contudo, “Chega de Fiu Fiu” conseguiu fazer o inverso: saiu do online e abraçou o tradicional em uma parceria com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por meio do projeto que divulga uma cartilha explicativa que, de forma didática e simples, orienta sobre o que é assédio. E como se pode fazer para denunciá-lo. Para Ana Paula Lewin, coordenadora do Núcleo da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o foco principal da campanha da defensoria não era penalizar ou estimular mulheres a tomarem uma providência contra os homens conscientizar toda a população: tanto as mulheres que não precisam ser vítimas dessa situação quanto os homens

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que não podem praticar esse tipo de comportamento. “As mulheres, muitas vezes, não querem a punição do seu agressor. Elas querem que isso não aconteça novamente. Que possam andar com a roupa que quiserem e do jeito que se sentirem melhor.” Ao participar ativamente do movimento, Juliana percebeu a importância da conscientização entre homens e mulheres. Em sua casa, ela tenta praticar pequenas mudanças em sua família. “Minha mãe fala para eu descer no ponto de ônibus mais longe de casa para ‘evitar’ passar na frente de um bar. Ela acha isso normal, mas eu já avisei que eu não vou mudar o meu caminho por causa deles. Mesmo eu falando, ela ainda não entendeu que isso é um absurdo.” São 9 horas da noite. E depois de um dia intenso de trabalho, a mãe de Juliana corre para o fogão para preparar o jantar do seu irmão, que passou o dia inteiro sentado no sofá. A submissão da “chef ” de família pelos homens é algo que realmente passou a incomodá-la cada vez mais. “Ela nunca falou que eu tenho que ser submissa, mas minha vó sempre disse que eu não encontraria um marido porque eu não sei cozinhar.” Além da família, o ciclo de amizades é algo que começou a ser questionado após uma amiga dizer que é culpa da mulher não usar camisinha. “Virou uma grande discussão. E eu fiquei um tempão sem falar com ela. Me martirizava, pensando: ‘Eu não acredito que sou amiga dessa pessoa’.” Agora, ao ver um grupo de homens na rua, Juliana se recusa a mudar de calçada. Embora fique incomodada, ela não desvia e responde aos comentários ofensivos se necessário. “Hoje eu consigo perceber muito melhor que o machismo está em pequenas falas e atitudes. Comecei a rever não só a postura de amigos e família, mas as minhas também. Percebo que eu errei e que eu fui uma vítima de todo um conceito social.” Felizmente sua mudança de pensamento refletiu positivamente. E agora até a avó passou a chamar seu irmão de machista. Os sinais estão aparecendo.

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FONTE CHEGA DE FIU FIU

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HÁ QUEM DIGA NÃO AO FEMINISMO AS REDES SOCIAIS TAMBÉM ABREM ESPAÇO PARA AQUELES QUE SÃO CONTRA A CAUSA FEMINISTA POR CAROLINE VENCO E CHAIAN RAIAD ILUSTRAÇÃO DALEY

A

elas mandavam fotos repudiando o feminismo. Nos ajudaram a quebrar o silêncio. A partir daí, muitas pessoas nos enviaram suas imagens ou relatos contra esse movimento. Ex-feministas nos agradeceram pelo trabalho”, conta um membro. “A violência contra elas sempre existiu porque mexe com os privilégios masculinos que não são de ordem natural ou divina e por isso devem ser combatidos. A postura de ridicularizar o feminismo não é exclusiva de segmentos conservadores. Ocorria (e ainda ocorre) dentro da esquerda, que, supostamente, deveria ser mais solidária a esses ideais”, diz Natalia Mendez, historiadora e professora de História Antiga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O fato é que os posts e páginas aumentam exponencialmente. E, portanto, comprovam que a internet é sim um lugar democrático, com espaço para a pluralidade de ideias.

FOTO CREATIVITY103.COM

internet tem o poder de ampliar as vozes de movimentos feministas, mas também é capaz de espalhar o clamor dos que são contra esse empoderamento. Páginas como “Resistência Anti-Feminismo Marxista (RAM)” e “Moça, não sou obrigada a ser feminista (MNOF)” ganham força ao remar contra a maré do feminismo moderno. Foram criadas porque “as páginas feministas não toleram opiniões contrárias. É discordar para estar eternamente impedido de comentar”, diz um colaborador da MNOF, que assim como os membros da RAM não se identificaram pelo mesmo motivo: as ameaças. No final de 2015 a MNOF era a página anti-feminista com mais seguidores no Brasil: mais de 60 mil. Mais recente, a “Resistência Anti-Feminismo Marxista” também recebeu um ótimo retorno. “Para incentivar a exposição das mulheres, fizemos uma campanha em que

| PRA FECHAR 62

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Grandes Temas


A VIDA DE UM ESCRITOR QUE VIVEU O BRASIL

Grandes Temas

“O BRASIL INTEIRO ESTAVA EM SUSPENSE NAQUELE MOMENTO EM QUE, NA PREVISÃO SINISTRA DE UMA AUTORIDADE, TUDO PODERIA ACONTECER” “ESCREVER ESSE LIVRO SIGNIFICAVA REVIVER UM PESADELO” (SOBRE “AS DUAS GUERRAS DE VLADO HERZOG”)

OS TEMPOS DE

AUDÁLIO DANTAS MILITANTE DA PAZ NA BUSCA DA VERDADE TCC 2016

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C A R TA D O E D I T O R

NESTE MOMENTO POR GABRIEL GARCIA

E

m 2015, completaram-se 40 anos da morte de Vladimir Herzog, também conhecido como Vlado, jornalista e diretor de jornalismo da TV Cultura em 1975. Seu assassinato, ocorrido nos porões da Ditadura Militar de São Paulo, foi um marco na luta contra a Ditadura e, na época, o Sindicato dos Jornalistas encabeçou o movimento de denúncia desse assassinato. Audálio Dantas, então Presidente do Sindicato e responsável por discursar no Ato Ecumênico da Catedral da Sé em homenagem a Vlado, ajudou a escrever um pouco dessa história. O Sindicato dos Jornalistas, sob sua presidência, foi uma referência para a sociedade civil na luta contra a repressão. Mas Audálio Dantas, nosso tema de TCC, não tem apenas esta passagem pela história do Brasil. Foi Deputado Federal durante o Período Militar, embora não se considere um político. Como jornalista de diferentes revistas e jornais, teve oportunidade de viajar pelo país e, com isso, descrever fatos inusitados com sua prosa característica. Devido à sua capacidade de observação, construiu reportagens que ganharam prêmios e, mais do que isso, fotografaram momentos da construção do Brasil. Teve oportunidade de conhecer pessoas, como Carolina Maria de Jesus, e estimular sua capacidade literária, editando seu livro “Quarto de Despejo”, sucesso editorial na época. Esse alagoano radicado em São Paulo também escreveu biografias de expoentes da história cultural brasileira e livros-reportagens. Enfim, Audálio participou ativamente da história, embora seu nome só seja lembrado no meio jornalístico. Por isso, neste momento, consideramos oportuna a realização deste trabalho destinado a rever um pouco da trajetória deste jornalista que, autodidata, tem ensinado muitos de nós a escrever.

SUMÁRIO 68 CAPA

Como um contador de histórias alagoano se tornou um dos expoentes do jornalismo literário do Brasil.

72 LITERATURA

A obra literária de Audálio Dantas e a técnica por trás de suas reportagens e livros.

76 POLÍTICA

Presidente de Sindicado e Deputado Estadual: a trajetória política de um homem que só queria ver seu país livre das injustiças.

ALUNOS/REPORTAGEM: Camila Parker, Gabriel Figueiredo Clemente Garcia, Gemma Macellaro, Olivia Pimenta Sirol, Rafael de Castro Peres. Foto: Izilda França e Gabriel Figueiredo Clemente Garcia. Orientação: Fabio Cardoso. Diagramação: Bruno Tavares. UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

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C A PA

OS PASSOS DE UM CONTADOR DE HISTÓRIAS POR GEMMA MACELLARO E RAFAEL PERES

AUDÁLIO DANTAS, FALANDO SOBRE SEU LIVRO “AS DUAS GUERRAS DE VLADO HERZOG”

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Grandes Temas


O

sol cobria quase a sala inteira, deixando uma sombra bem no canto onde Audálio Dantas estava sentado. Respondendo prestativamente a cada pergunta, ele só parava a entrevista para buscar um copo d’ água, talvez se lembrando da dificuldade de como é entrevistar uma pessoa com a garganta seca. Entre os diversos objetos que permeavam a casa, um tem valor especial para o eterno repórter. Perto da mesa de jantar, uma janela para a infância na pequena cidade de Tanque D`Arca: um quadro que retrata o cálido céu nordestino, sobre um preá que olha admirado para o cão chamado Baleia. A homenagem ao escritor alagoano Graciliano Ramos é a principal alusão às influências de Audálio Dantas. O fato de também ser autodidata e de ter nascido em Alagoas, além da admiração pelo texto pausado e recheado de referências à terra natal, é o que faz o escritor merecer tanto carinho por parte de Audálio. Já outro alagoano, não tão famoso quanto o autor de “Vidas Secas”, Manoel Barbosa, um dos melhores amigos de Audálio, o transformou em protagonista nas histórias que contava para os filhos quando eram pequenos. É o que o psiquiatra Renan Barbosa conta sobre o carinho que o pai tem pelo amigo de infância, Audálio. “Sempre que aparecia qualquer coisa na mídia sobre o Audálio, ele falava, orgulhoso, sobre esse grande amigo, que tinha grandes feitos como jornalista, que lutou contra a ditadura e que, acima de tudo, era um grande exemplo como homem.”

FOTOS IZILDA FRANÇA

Filho de Otávio Martins Dantas e Rosalva Ferreira Ferro, Audálio nasceu em 1931, mesmo tendo sido registrado como se fosse três anos mais velho, hábito corriqueiro naqueles tempos. O jornalista veio pela primeira vez a São Paulo com cinco para seis anos. A família tinha alguns parentes na capital e no interior e fez a viagem de navio porque na época não havia estradas na rota. Porém, a migração para a Paulicéia aconteceu em dois momentos. Depois de dois anos, Audálio voltou à Alagoas para morar com a avó paterna, só retornando em definitivo para São Paulo em 1944, com doze anos. Por causa dessas viagens, a formação ginasial do menino foi prejudicada. “É previsível que uma infância recortada de deslocamentos não seja uma infância completa. Ela ficou cortada pelo caminho”, diz Audálio. O que ajudou foi a facilidade para aprender sozinho, talvez um pouco influenciado pelo pai, homem laborioso que tentava absorver todo tipo de ensinamento e repassar esse costume para os filhos.

TCC 2016

Além da destreza para o aprendizado, o relacionamento interpessoal e a habilidade para lidar com o público também são características presentes na vida de Audálio há muito tempo, consideravelmente desde os 13 anos de idade. Pouco depois de ter chegado à capital paulista, ele já começou a trabalhar numa padaria: a vida era dura, e ele não tinha o sossego habitual das crianças da sua idade. Porém, foi a facilidade para falar com as pessoas que fez com que um grande amigo lhe conseguisse um emprego num laboratório fotográfico, quando ele tinha 17 para 18 anos. Lá, ele aprendeu a fotografar e, mais tarde, isso fez com que ele entrasse para a “Folha da Manhã”, por indicação de outro amigo, chamado Luigi Mamprin.

AUDÁLIO DANTAS COM SUA ESPOSA, VANIRA KUNC, DURANTE EVENTO DO PRÊMIO JABUTI

Com o tempo, a reportagem foi entrando na sua vida. “Um tempo depois de ter entrado no jornal, eu fui saindo, não só para trabalhar no laboratório, mas também para fazer reportagens e voltava propondo textos, que eram aceitos. Foi assim que eu comecei a escrever. A redação nessa época era bem diferente, os jornalistas eram todos formados em outras profissões, na maioria das vezes ligadas à escrita, como advogados”, explica. O primeiro jornalista que chegou vindo de um curso superior, da Faculdade Cásper Líbero, foi o José Hamilton Ribeiro, atualmente repórter do Globo Rural, mas que já trabalhou na revista “Realidade”, “Quatro Rodas” e na “Folha da Manhã”, assim como ele. José Hamilton Ribeiro ressalta as características de Audálio na redação. “Era um jornalista e cidadão inquieto, sempre pronto a denunciar qualquer injustiça.” Foi com José Hamilton Ribeiro que Audálio fez o que considera uma das suas reportagens mais importantes, uma matéria chamada “Brasil Norte-Sul”, que descrevia uma viagem de jipe até o Maranhão que fazia o caminho de vol-

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Depois de seis anos na “Folha da Manhã”, o jornalista foi contratado pela principal revista da época, “O Cruzeiro”, em 1959. Naquela época, as reportagens publicadas por ele já despertavam a atenção do futuro amigo Ricardo Kotscho. “Essa revista foi uma das maiores publicações do país e teve Audálio como um de seus grandes repórteres. Depois, surgiu a revista Realidade, em 1968, outra grande publicação da época. O Audálio trabalhou nas duas.” Depois de tanta experiência, de vinte anos de reportagem, um mandato como deputado pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e da luta contra a ditadura na época em que presidiu o Sindicato dos Jornalistas, quem pensa que Audálio Dantas está parado vai se surpreender. Apesar de, no final de agosto de 2015 o jornalista ter sido internado para tratar de um problema de saúde e de ter adiado alguns compromissos, como a participação na mesa de debate da série “Repórter”, no Itaú Cultural, que teria como homenageado o jornalista José Hamilton Ribeiro, ele continua com suas atividades e com seu bom humor de sempre. Quando estava internado no hospital, caminhando a noite pelos corredores, ao se deparar com um paciente, já mais velho, trajado com uma camisola que não chegava à altura dos joelhos, aproveitou a habilidade jornalística para jogar com as palavras, fazendo uma brincadeira, e fez uma pergunta que teria uma réplica seca. “Cara, a sua camisola também tem rendinha?” E o outro prontamente respondeu: “Claro que não! Eu sou macho!” A disposição é uma qualidade que surpreende Ricardo Kotscho. “Mesmo depois de ter feito tanto para o jornalismo, Audálio não para e continua com a animação de um garoto. Uma vez, depois de uma homenagem no Itaú Cultural, nós resolvemos comer alguma coisa. Fomos num boteco lá perto. Quando a Eliane Brum passou, nós estávamos comendo um bife à cavalo. Ela disse impressionada: ‘Nossa, vocês estão comendo isso, é meia noite!’”, lembra o jornalista. A simplicidade e o olhar criativo também são retratados nas palavras da vizinha do jornalista, a professora de direito Silvana Meza. “O que mais me impressiona nele é essa humildade extrema. Ele trata todas as pessoas muito bem, tanto os funcionários do condomínio como as pessoas que o admiram.” Uma vez ela perguntou, envergonhada, se ele poderia autografar algumas cópias do

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livro “As Duas Guerras de Vlado Herzog” para que ela desse aos seus alunos. Ele não só aceitou prontamente, como deu uma ideia: “Vamos autografar juntos?” Renan Barbosa estava presente quando o jornalista recebeu o prêmio “Cidadão Paulistano”, promovido pela Câmara Municipal de São Paulo, em 2008. E, segundo ele, o que mais o impressionou também foi o fato de estarem presentes figuras como Juca Kfouri, Luis Nassif, Maurício de Souza, entre outros tantos, e ver o tratamento igualitário que Audálio dava a todos os presentes. Além de continuar humilde, outra característica que não mudou foi o faro jornalístico. Um bom exemplo aconteceu em 2008. O médico Davi Braga precisava contratar um assessor de comunicação para o Hospital do Servidor Público, em São Paulo (SP). Tarefa difícil, porque precisava ser uma pessoa ao mesmo tempo com uma visão humana e um bom relacionamento com a imprensa. Davi Braga não pensou duas vezes e chamou Audálio para conversar. “Eu lembro que no começo ele ficou meio ressabiado, porque não tinha diploma de jornalista. Mesmo assim eu insisti.” O ofício durou apenas dois dias. Um dos responsáveis barrou a contratação, pedindo a exoneração do cargo. Mas, mesmo assim, nesse curto espaço de tempo, Audálio conseguiu sensibilizar a jornalista Eliane Brum, que fez uma matéria de grande sucesso para a revista Época. Intitulada “A enfermaria entre a vida e a morte”, a reportagem se tornou um divisor de águas sobre a geriatria no Brasil, já que a imprensa nunca tinha dado tanto espaço para o debate do assunto. A abordagem de Eliane, corroborada pelo empurrãozinho de Audálio, mudou a maneira como as pessoas enxergam a morte e o tratamento ao idoso. A admiração de uma das colegas jornalistas é especial: trata-se da filha Juliana Dantas. Desde pequena ela era levada até as redações em que o pai trabalhava e, dessa forma, construiu uma relação muito forte com o trabalho dele. “Eu cresci indo às palestras, aos prêmios Vladmir Herzog e vendo como isso era importante para as pessoas em volta dele. Isso norteou os meus princípios como ser humano e profissional”, diz Juliana. Ela também acompanhou o trabalho do pai no livro “As Duas Guerras de Vlado Herzog” e acredita que viu o livro nascer muito antes de ser escrito. “Era uma reportagem que ele achava que estava devendo aos leitores. Um esclarecimento”, finaliza. Como diz Ricardo Kotscho, ao se referir ao velho amigo, “firme no gesto e lhano no trato”, Audálio Dantas continua firme e forte, após 60 anos de pro-

Grandes Temas

FOTO GABRIEL FIGUEIREDO CLEMENTE GARCIA

ta pelo centro de Minas Gerais, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Trabalho que chegou a concorrer ao prêmio Esso de jornalismo.


LINHA DO TEMPO

1954

Primeiro emprego em jornalismo, na Folha da Manhã, em São Paulo

1984

Eleito presidente do Conselho Curador da Fundação Cásper Líbero

1959

É contratado pela revista O Cruzeiro

1969

Integra a redação da revista Realidade, ainda na Abril

1987

Nomeado superintendente de Comunicação da Eletropaulo

1972

Recebe o Prêmio Sudene de Jornalismo, pela revista Realidade

2001

É eleito presidente da Fundação Ulysses Guimarães, em São Paulo. Encerra sua colaboração com o Diário Popular

1975

É eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

2001

Faz a curadoria do evento 100 Anos de Cordel, no Sesc Pompeia (SP)

1977

Eleito membro da Academia Paulista de Jornalismo

2003

Funda a empresa Audálio Dantas Comunicação e Projetos Culturais

2003

1978

Encerra sua gestão no Sindicato. Elege-se deputado federal por São Paulo pelo MDB

Realiza a exposição O Chão de Graciliano, no Sesc Pompeia

2004

Realiza o projeto Na Terra de Macunaíma, no Sesc Araraquara

1981

Recebe da ONU o Prêmio Kenneth David Kaunda de Humanismo

2005

1982

Ocupa mais uma vez a Presidência do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

Eleito vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa

2007

1983

Eleito presidente da Fenaj e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

No centenário da ABI, realiza, em São Paulo, o 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor

2012

Publica “Tempo de reportagem” (Leya). Publica “As duas guerras de Vlado Herzog” (Record)

fissão e em plena atividade em todos os sentidos de sua vida. Alguém que viveu e interferiu na história e está aqui para contá-la a quem quiser ouvir. Um homem que continua escrevendo a sua própria história juntamente com a do seu país e que deixa um grande legado para

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as gerações futuras, a da luta pela liberdade. Parafraseando Graciliano “Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício”. Com ou sem bife à cavalo, uma coisa é certa: as lavadeiras de Alagoas ficariam orgulhosas de seu conterrâneo.

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L I T E R AT U R A

AS PÁGINAS DE AUDÁLIO POR GABRIEL GARCIA E CAMILA PARKER

Ávido leitor e autodidata, tornou-se admirador de Graciliano Ramos, escritor, jornalista e autodidata. Essa admiração o aproximou do jornalismo e das grandes reportagens, como a da catadora de papel Carolina Maria de Jesus. Denominada “Diário de uma favelada”, essa reportagem representa um dos textos mais interessantes e conhecidos de Audálio. Nela, ele fala sobre a vida da personagem, expressando todas as suas qualidades de escritor. Também mostra como ele encontra seus personagens. Nesse caso, Audálio visitou a favela do Canindé por três dias, em que Carolina de Jesus morava, até que finalmente a encontrá-la. Após uma

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confusão entre jovens da favela, Carolina de Jesus gritou uma frase que chamou a atenção de Audálio. “Vou botar o nome de vocês no meu livro.” Esta frase acabou levando à reportagem sobre Carolina Maria de Jesus: negra, semianalfabeta, sua vida e por fim seu diário, onde escrevia tudo que acontecia na favela. Essa história, que acabou tendo enorme repercussão, fez nascer o livro “Quarto de despejo”, editado por Audálio. A obra é uma compilação dos 35 cadernos que compunham o diário. É considerado um dos maiores sucessos de Audálio, com 10 mil cópias vendidas em uma semana, tendo sido traduzido para 13 idiomas. Segundo o escritor norte-americano Gay Talese, “jornalismo é a arte de sujar os sapatos”. As reportagens escritas por Audálio são um reflexo dessa expressão. Desde o início de sua carreira, mesmo para pequenas reportagens, o então jovem repórter não se furtava de viajar. Audálio ficava grandes períodos longe de casa, literalmente vivendo as reportagens. Um dos exemplos dessa “vivência” é a reportagem “Chile 70”, quando percorreu 3.500 quilômetros para cobrir o território chileno e avaliar o momento de tensão política que o país então vivia. Em outra reportagem, “A Maratona do Beijo”, quando cobriu a competição do título mundial de campeão do beijo, ele se propôs a dormir o mesmo tempo concedido aos participantes (menos de 4 horas por dia) e estar a postos às 7 horas e 30 minutos da manhã quando tudo recomeçava. Nesse caso, entretanto, ele quase não conseguiu cumprir o compromisso devido à “depressão” que a longa jornada de beijo lhe causava. Como ele mesmo disse, “a cena daqueles beijos sem fim e sem amor causava-me, realmente, um profundo cansaço. E, logo, enjoo, náusea. No entanto, era preciso prosseguir, cumprir a tarefa de repórter”.

Grandes Temas

FOTO IZILDA FRANÇA

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que realmente faz diferença no texto escrito por este alagoano de 86 anos é a sua capacidade de passar a informação de forma clara e acessível ao leitor comum. Para isso, Audálio costuma realizar um extensivo trabalho de pesquisa e se esforça para não deixar que sua individualidade se revele no texto, o que aumenta a qualidade de suas reportagens. Essas qualidades podem ser bem observadas no livro “As duas guerras de Vlado Herzog”. São tantos os entrevistados, com tão diferentes pontos de vista, que nem parece ter sido escrito por apenas um autor. Esse foi um livro realmente diferente, como falou Carlos Moraes que trabalhou com Audálio na revista Realidade: “Não sei como ele conseguiu pegar uma história, cujas linhas gerais todos conheciam, e fazer dela uma narrativa absolutamente envolvente, numa vertiginosa espiral onde as coisas são mostradas várias vezes sob muitos ângulos, sem que o leitor fique cansado um só segundo.” Este livro, junto a outras obras literárias, como a série “A infância de...”, bem como suas reportagens em jornais e revistas, exemplificam a diversidade literária de Audálio.


AUDÁLIO DANTAS, AUTOGRAFANDO UM LIVRO NO PRÊMIO JABUTI

TCC 2016

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SEUS TEXTOS Audálio nem sempre se conformava em seguir a regrinha do “que, quem, quando, como, onde e por quê?” Muitas vezes, ele imergia no assunto da sua reportagem, como no texto “Povo Caranguejo”, quando acompanhou os caçadores de caranguejo durante suas caçadas. Como ele mesmo disse, poderia se falar sobre esse tema com um texto de apenas 20 linhas. Além disso, era difícil não repetir o que já havia sido feito sobre o assunto. Era preciso encontrar uma maneira diferente de contar esta história. Perguntando a si mesmo se a reportagem exigia aquele esforço, durante a difícil caminhada no meio da lama, ele começou a imaginar o drama dos bichos sob a lama, como eles reagiam à prisão. Foi aí que ele começou a elaborar o confronto entre caça e caçador, lembrando que o caranguejo está embaixo do seu caçador e decidindo dar voz aos caranguejos. Para Audálio, deve-se sempre buscar escrever textos de qualidade com o estilo próprio de cada autor, fugindo do lugar comum. Mesmo quando era “despachado” pelo diretor de redação para suas reportagens, Audálio mantinha a pretensão de pegar e fazer o texto acabado, sem necessidade de ser reescrito. Além disso, dado seu arguto poder de observação, Audálio conseguia, em suas viagens, construir várias reportagens a partir de um só objetivo inicial, como a reportagem “Brasil Norte-Sul” que ele aponta como uma de suas principais reportagens no âmbito pessoal. Nessa viagem de jipe, de São Paulo até o Maranhão e, de lá, de volta até Minas Gerais, em uma época sem estradas que facilitassem o trajeto, ele foi descobrindo matérias pelo caminho, fazendo sua própria pauta. LIVROS DE DESTAQUE ESCRITOS OU EDITADOS POR AUDÁLIO DANTAS.

Já na reportagem “Doença de Menino”, Audálio retrata a situação de miséria que o país vivia durante a ditadura militar, com crianças morrendo de fome sem assistência médica. Na época, discutiu-se na redação se a censura deixaria passar as fotos que acompanhavam essa reportagem, mas a possibilidade do texto ser censurado não foi levada em consideração, dado o cuidado que Audálio tinha na sua elaboração. Esse fato exemplifica a opinião de Ricardo Kotscho, comentada no livro “Tempo de Reportagem”: “Audálio é um repórter que escreve com franqueza de gente de rua, trabalhando as palavras com o cuidado de alguém que lida com uma arma ou uma criança, que põe o dedo na ferida e não pede licença pra dizer o que acontece.” Na reportagem sobre o Hospital do Juqueri, Au-

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Grandes Temas


dálio teve de realizar um longo e paciente trabalho junto aos médicos até que eles se convencessem da importância de denunciar o crime que era praticado lá. É possível também realçar que seu processo ao escrever esta reportagem foi feito a partir das lembranças das cenas mais fortes dentre todas as perturbadoras que viu e sentiu, o que se reflete no título da própria reportagem “Nossos desamados irmãos loucos.” Quando escreveu a reportagem “À margem”, que ocupou 64 páginas da revista “Realidade”, conseguiu colocar em um título pequeno não só o local físico dos habitantes ribeirinhos do rio São Francisco, como também refletir as condições em que eles viviam. Essa reportagem foi escrita após um mês dentro do barco “Andradina” num período em que ele teve oportunidade de conhecer toda a região do São Francisco, seus barrancos e seu povo. Como investigador da realidade, Audálio não se limitou a escrever reportagens, mas utilizou essa aptidão para relatar em livros suas experiências jornalísticas e biografias de personagens de nossa história, tendo doze livros já publicados.

FOTO GABRIEL FIGUEIREDO CLEMENTE GARCIA

“O circo do desespero” (de 1976, Editora Símbolo) teve origem em uma reportagem que Audálio fez para a revista “O Cruzeiro” sobre o carnaval de São Paulo. Fugindo dos clichês, ele se depara com uma maratona de dança realizada no Ginásio do Ibirapuera. Os personagens, pessoas do povo tentando resolver seus dramas pessoais, têm de dançar à exaustão para ganhar o prêmio em dinheiro. Esse livro traz as características do “new jornalism”, movimento que se iniciou nos Estados Unidos, com Truman Capote e Gay Talese, onde o autor busca uma verdade mais ampla que a obtida pela simples observação dos fatos possibilitando uma abordagem mais imaginativa da reportagem. Em 2005, Audálio Dantas inicia uma série de livros intitulada “Infância de ...” que conta a infância de importantes nomes da literatura brasileira. Feitos a partir de relatos curiosos e divertidos, Audálio não só resgata a história como homenageia amigos e ídolos, como Graciliano Ramos, Mauricio de Souza, Ruth Rocha e Ziraldo. Dentro ainda da temática biográfica, podemos ainda citar “O chão de Graciliano”, publicado em 2007 pela Editora Tempo D’Imagem, e “O menino Lula”, de 2009, pela Ediouro. No primeiro, Audálio tem a difícil missão de traduzir em palavras a vida do escritor de “Vidas Secas”. O nordeste e suas características estão retratados nas fotos de Tiago Santana e na linguagem terna e dura, que refletem a realidade sertaneja. No segundo, Audá-

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lio relata a trajetória do retirante nordestino que foi metalúrgico, presidente de sindicato, político e que ocupou o cargo máximo da nação brasileira, a Presidência da República. O livro apresenta fotos do acervo pessoal da família, cedidas pelo próprio Lula, e xilogravuras do paraibano Jerônimo Soares.

AUDÁLIO E OS PRÊMIOS GANHOS POR SEUS TRABALHOS.

“As duas guerras de Vlado Herzog”, publicado em 2012 pela Editora Civilização Brasileira, é um dos mais importantes livros escritos por Audálio, tendo ganhado o troféu Juca Pato (2013) e o prêmio Jabuti de melhor livro de não-ficção de 2013. O livro narra a história de Vlado Herzog, desde sua saída da Europa nazista com a sua família e seu refugio no Brasil, até seu assassinato em outubro de 1975, contado através de diversos relatos, histórias e personagens que incluem o próprio Audálio. “Tempo de reportagem” é o compilado de algumas das reportagens que Audálio escreveu enquanto ainda dedicava mais tempo às redações. Foi publicado em 2012 pela editora Leya. Reúne algumas obras primas do jornalismo literário, como “Diário de uma favelada”, “Povo caranguejo” e “Nossos desamados irmãos loucos”. Como podemos definir o texto de Audálio Dantas? Ele apresenta diferentes facetas. Porém concentra-se na reprodução da história que gerou a reportagem ou livro, mantendo o foco no ser humano e na sua capacidade de superação das adversidades. Assim, podemos defini-lo como humano, detalhado, completo, mas ainda simples e informativo, como devem ser os textos jornalísticos.

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POLÍTICA

DA PRESIDÊNCIA DO SINDICATO ATÉ A LUTA E DEFESA PELOS DIREITOS HUMANOS POR OLIVIA PIMENTA

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onhecido nacionalmente, Audálio Dantas é tido como um dos grandes e mais influentes nomes do jornalismo brasileiro, tendo no currículo grandes reportagens e renomadas premiações. O que poucos sabem é de sua luta a favor dos direitos humanos e de sua representatividade durante o período da Ditadura brasileira. Audálio havia sido eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas poucos meses antes da morte do também jornalista Vladmir Herzog, tendo assim

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um papel de grande importância e destaque nos episódios que sucederam e que serviram para incentivar um movimento quase que único à oposição ao regime. Sua atuação na presidência durante aqueles anos iria mudar radicalmente e para sempre não só sua carreira, mas também o rumo da história brasileira. Conhecer sua trajetória e seus feitos durante toda a sua atuação no cenário político é de grande importância. Audálio foi indicado ao cargo de presidente do Sindicato dos Jornalistas em 1974, fazendo com

Grandes Temas

FOTOS IZILDA FRANÇA E GABRIEL FIGUEIREDO CLEMENTE GARCIA

AUDÁLIO DANTAS E MARISA LAJOLO, NO PRÊMIO JABUTI


que ele desse um tempo na sua carreira de repórter e redator para se comprometer totalmente com o que estava por acontecer no Sindicato. As reuniões da chapa aconteciam no Instituto dos Arquitetos do Brasil, que se destacava na luta contra a ditadura. Sua proposta, quando eleito, foi de união da classe e a abertura da reunião de diretores do sindicato para os não diretores. Foi no cargo de presidente que fez sua mais reconhecida contribuição para a sociedade, na oposição contra o regime militar. O Sindicato teve atuação significativa no caso Herzog. Herzog era amigo da diretoria, em especial de Audálio Dantas que, à frente do órgão, exerceu sua função de responsabilizar o governo militar pela morte do jornalista. Audálio conduziu protestos após a morte, a fim de mostrar que a causa não havia sido suicídio, como apontavam militares mas, sim, assassinato. Desde o início, toda a diretoria não acreditou na versão oficial, só não havia a certeza se a morte fora por excesso de tortura ou se totalmente intencional. Em entrevista, 30 anos após o fato ocorrido, Audálio ainda se diz impactado por aquela experiência: “Aquele momento nunca saiu da minha mente. Ele está permanentemente gravado porque marcou a história do Brasil”. No auge da Ditadura, o Sindicato dos Jornalistas foi o primeiro a levantar-se mais uma vez contra a violência e os métodos nada ortodoxos usados por policiais e militares que atuavam nos órgãos de investigações contra os militantes. No dia seguinte à divulgação da morte de Herzog, o fato foi objeto de denúncia em nota oficial do Sindicato. O órgão repudiava a versão oficial de suicídio e culpava as autoridades que mantinham os presos sob sua guarda. Esse foi o estopim que gerou as mobilizações contra a Ditadura, a resistência por parte dos jornalistas. Toda a reação à morte do Herzog foi um desafio à ditadura, e o Sindicato teve papel fundamental em tudo isso. A revolta originou também o culto ecumênico na Catedral da Sé, em memória de Vladmir Herzog, com oito mil participantes, como conta Eduardo Ribeiro, jornalista e amigo de Audálio: “A vida do Audálio é um legado, tendo uma importância decisiva nos rumos do país. Ele nunca foi preparado para ser [presidente do sindicato] isso tudo, foi o acaso que o levou. Ele havia sido o nome escolhido para ser presidente do Sindicato. Não havia lutado por isso. Pode-se

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PREMIO JUCA PATO GANHO POR AUDÁLIO

dizer que essa presidência caiu no seu colo. Não participou de reuniões ou comissões, apenas foi comunicado de que iria assumir o cargo, aceitando por se tratar de uma causa de grande importância. A escolha havia sido feita para que houvesse de fato uma grande mudança. Esse é o Audálio que entra para História.” Audálio ficou no cargo de presidente do Sindicato dos Jornalistas entre os anos de 1974 e 1978, quando também chefiou uma série de ações que visavam denunciar as ações praticadas pela ditadura Militar, principalmente contra profissionais da imprensa. Dentre as ações, uma das mais conhecidas foi a matéria publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” que denunciava e citava nomes de diversos profissionais da área que haviam sido perseguidos pelo regime. “Foi um momento de grande dificuldade e de temor, conta Audálio sobre a ação. A Comissão da Verdade dos Jornalistas, ins-

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talada em 18 de janeiro de 2013, foi criada pelo Sindicato dos Jornalistas, permitindo acesso a documentos da época da ditadura, gerando material investigado, detalhando crimes cometidos e, principalmente, comprovando que grande parte dos ocorridos foi de responsabilidade do então governo brasileiro. A Comissão, em conjunto com o Sindicato dos Jornalistas, criou uma biblioteca para apoiar o longo trabalho de investigação feito ao longo dos anos, revelando crimes e torturas que não haviam sido devidamente publicados anteriormente. É possível acessar uma longa lista de nomes dos militantes que ainda constam como desaparecidos nos arquivos desde a época da Ditadura. Criou-se também um amplo material através de depoimentos, cartas, fotos e registros em áudio sobre os acontecimentos daqueles anos. Pode-se conhecer melhor a história, como ela realmente aconteceu. “Minha ida para o sindicato teve um significado importante porque foi a primeira vez na história do jornalismo em que houve um momento em que a categoria toda se uniu independente de facções políticas e ideologias. No começo relutei para aceitar o cargo, mas consequentemente depois entendi

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que não se tratava de uma participação sindical, mas principalmente de uma participação política”, recorda Audálio sobre um dos pontos mais decisivos de sua carreira, sua primeira eleição como presidente do Sindicato dos Jornalistas. Pelas palavras de Audálio, é possível ver que houve e ainda há uma grande preocupação em defender não só os direitos humanos, mas a verdade em quaisquer que sejam os casos. Essa é uma característica presente em 100% de seus textos, livros e declarações. Ficou marcado por incríveis trabalhos como repórter, mas principalmente por sua luta diária para que a verdade viesse em primeiro lugar, como se pode ver no caso de Vladmir Herzog. Não à toa é elogiado por todos os colegas de trabalho e amigos pessoais, pela serenidade e franqueza quando se trata de assuntos mais sérios, tornando-o referência que é hoje não só para as gerações passadas como também para futuros jornalistas e ativistas. Nas palavras de seu amigo Eduardo Ribeiro: “Audálio é um sujeito obstinado nas suas convicções, sereno nas decisões e fraterno nos seus relacionamentos. Deixando um enorme legado para todos que conheçam sua história”.

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FOTOS IZILDA FRANÇA

AUDÁLIO DANTAS, ENTREGANDO O LIVRO SORTEADO DURANTE EVENTO.


REPÓRTERES, MEU SENHOR, SÃO PESSOAS QUE PERGUNTAM - ESTA É UMA DEFINIÇÃO QUASE PERFEITA DE REPÓRTER. NÃO ESTÁ EM NENHUM MANUAL DE REDAÇÃO, NEM EM QUALQUER DESSAS ALENTADAS TESES DE DOUTORADO EM JORNALISMO. O AUTOR DA FRASE, ACÁCIO RAMOS, FOI SIMPLESMENTE REPÓRTER, NA ANTIGA FOLHA” AUDÁLIO DANTAS

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Grandes Temas

MEQUINHO

Ele é o melhor enxadrista brasileiro e inspira gerações desde a década de 70. Entenda a sua história

CUIDADO!

Sim, eles estão entre nós! Não como enxadristas profissionais, mas como anônimos. Conheça alguns deles

RAFAEL LEITÃO

O maior enxadrista brasileiro da atualidade revela sua preocupação com o futuro do esporte no paí.

EDUCAÇÃO

EM XEQUE

O uso do xadrez em escolas já provou que esse jogo é fundamental para fortalecer a educação, mas sem nenhum esforço dos governos brasileiros, esse milenar esporte da mente restringe-se no país à luta dos amantes do xadrez.

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EDITORIAL

O BRASIL PRECISA DE XADREZ por RODRIGO BIFANI

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questão paira acima de nós. O nissei Edy Sakita, criador do grupo “Consciência do Xadrez”, de São Paulo (SP), levanta um ponto interessante. Afinal, o jogo da mente é um indicador da educação nos outros países? É claro que sim! Na década de 70 a China não possuía nenhum programa de incentivo ao jogo de tabuleiro em suas escolas. Após implementação, o país ocupa atualmente a 2ª posição no raiting de pontos da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), ultrapassando inclusive os Estados Unidos. Xangai obteve o primeiro lugar na prova de matemática do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), em 2012. Seria o acaso? Enquanto o Brasil ocupa a 58ª posição entre 65 países avaliados no PISA 2012, amarguramos a

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33ª colocação no raiting da FIDE. Realmente não é o acaso. Hoje temos de valorizar aqueles que fazem a diferença no esporte da mente. Não estamos falando dos governantes, mas sim dos amantes do jogo. Apenas eles incentivam o xadrez e criam projetos e eventos para a população. Mesmo assim, alguns são capazes de falar mal dos campeonatos, que mesmo sem receber o devido incentivo são realizados. E o apelo dos organizadores é uníssono. “Criem um programa nacional para os esportes”. Entremos em outra discussão. O incentivo esportivo no Brasil é de qualidade? Ou como discute Herbert Carvalho em um artigo de sua autoria, o jogo de tabuleiro é visto como esporte da elite, pois assim o querem? Boa leitura!

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XADREZ ESCOLAR

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MEQUINHO

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ENXADRISTAS ANÔNIMOS

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RAFAEL LEITÃO

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COPA DO MUNDO

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Psicólogos, professores, enxadristas profissionais, pais e alunos analisam o atual cenário do xadrez escolar no Brasil.

Ele já foi o terceiro melhor jogador do mundo e hoje tenta retornar aos tabuleiros. Cinco enxadristas anônimos se declaram ao xadrez e contam um pouco de suas histórias. O maranhense que tem uma combinação de talento e ego em prol do sucesso.

Considerado um dos principais eventos do xadrez mundial, a Copa do Mundo traz os melhores enxadristas.

ENXADRISTAS PROFISSIONAIS 100

Em meio ao anonimato, os melhores enxadristas brasileiros tentam melhorar a imagem do jogo no país.

FEDERAÇÕES 102

Devido à falta de incentivo, as federações não prosperam no país. EXPEDIENTE Editor Chefe e Orientador | Alexandre Possendoro Redator Chefe | Rodrigo Bifani Editor de Fotografia | Guilherme Bomfim Coordenadora Editorial | Thainá Marques Coordenadora do Projeto de Pesquisa | Larissa Karoline Redatores | Carlos Alberto Proença, Larissa Karoline, Guilherme Bomfim, Rodrigo Bifani e Thainá Marques Revisor | Dado Carvalho Diagramação e Direção de Arte | Diana Arakaki Editorial e Sumário | Fotos de Guilherme Bomfim

enxadristas brasileiros

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INTELIGÊNCIA NO TABULEIRO Apesar da educação brasileira não viver seus melhores dias, cresce cada vez mais o uso do xadrez como “ferramenta” para se educar. Especialistas são unânimes: quem joga xadrez desenvolve a inteligência. POR

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CARLOS ALBERTO PROENÇA, GUILHERME BOMFIM, RODRIGO BIFANI E THAINÁ MARQUES

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Em diversas cidades, escolas investem no esporte mental; pais e alunos trabalham no desenvolvimento de campeonatos; associações proliferam, e nossos enxadristas famosos fazem história... mas os governos não fazem nada brindo a porta da sala de aula, a primeira coisa a chamar atenção são peças do tamanho de uma criança. Depois, um tabuleiro gigante destaca-se no meio da classe. Essa é a visão que os alunos do Colégio Albert Sabin, em São Paulo (SP), têm ao entrar na sala de xadrez onde o professor Antonio Carlos de Resende ministra as aulas. Um sorriso surge no canto da boca quando ele relembra o início do trabalho com o esporte da mente em escolas. Sorriso esse que aparece em todos os outros professores que sabem da importância do xadrez para as crianças. “Conheci o jogo aos 13 anos e, de maneira autodidata, aprendi tudo o que sei até hoje. Tento passar todo o conhecimento aos meus alunos durante as aulas” resume o mestre, que só no Albert Sabin tem mais de sete mil pupilos. O mesmo faz Regina Ribeiro, heptacampeã brasileira de xadrez, que leciona o esporte em Blumenau (SC) há 35 anos. “Quando iniciei no xadrez, fui totalmente confiante. Mesmo sem um tabuleiro, comecei a ler sobre o jogo, desenhei as peças e iniciei minha carreira”, afirma a professora, que tenta passar a mesma confiança aos seus alunos. Resende também não tinha um tabuleiro no início. Ele treinava por conta própria no Clube de Xadrez de Osasco, em São Paulo. Por ficar próximo a sua casa, o jovem enxadrista não tinha despesas. Até conhecer o Clube de Xadrez de São Paulo, onde começou a gastar metade do seu salário, que era pouco, em passagens a capital. “Foi um período muito complicado, tinha que escolher entre um lanche, ou uma passagem de trem. Por incrível que pareça, a ‘passagem’ para o xadrez sempre ganhou. E não me arrependo nem um pouco”, conta o professor. Além desse esporte da mente, os dois especialistas têm em comum amor por ensinar a prática às crianças. Demonstrando cada um da sua maneira, ambos concordam com uma afirmação de Ribeiro: “O xadrez nacional é feito por aqueles que amam o xadrez.”

FOTO: GUILHERME BOMFIM

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Também amante da prática e fundador da Casa do Xadrez, em Minas Gerais, Júlio Lapertosa, é psicólogo e vice-presidente do setor de xadrez escolar da Confederação Brasileira de Xadrez (CBX), com sede na cidade de Santa Maria de Jetibá (ES). Fundada há 15 anos, a Casa do Xadrez, tem o intuito de auxiliar na formação intelectual, habilidades sociais e mentais de crianças e dos adolescentes. Desde a fundação, ele trabalha em um projeto que utiliza o jogo como uma espécie de terapia para desenvolver crianças diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). O psicólogo comenta que é visível o resultado da terapia na evolução dessas crianças. “Muitas delas não conseguiam se concentrar, desenvolver um raciocínio ou até mesmo resolver um problema. Após um ano de trabalho intenso, essas crianças aprenderam a desenvolver tais habilidades com maestria”, afirma.

O lado lúdico do xadrez Grande incentivador do esporte, o professor Elifaz Garcia, do Colégio Santo Ivo, de São Paulo (SP), após descobrir o xadrez na faculdade de matemática, comprovou a teoria de Lapertosa, ao perceber que nas matérias lógicas, como matemática e física, o aprendizado dos alunos é facilitado pelo jogo. Garcia já implementou projetos de xadrez nos colégios Padre Moye e Santo Ivo. “Junto à coordenação, elaborei ações e as executei durante as aulas de plano cartesiano. A aceitação dos alunos foi excelente.” Para fazer isso, Garcia apostou em um método lúdico desde o início do projeto. “Quando fui apresentar o piloto, havia estudado grandes enxadristas, como Kasparov, Karpov, Bobby Fischer e Mequinho, mas resolvi levar um vídeo da ‘Pixar’ com um velhinho jogando contra ele mesmo, pois chama muito mais a atenção das crianças.” É evidente que a questão lúdica é importante para prender a atenção das crianças. Em tempos

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onde não faltam motivos para dispersão, reconhecer a dificuldade de recepção de cada uma e direcionar o foco do trabalho é o principal desafio. Por isso, a professora de xadrez na cidade de Assis (SP), Cristiane Meira, teve a ideia de tornar suas aulas mais atrativas. “Organizo competições internas, entre os próprios alunos, e externas, em outras escolas que também tenham xadrez. Esse tipo de atividade proporciona uma troca única de experiências para os alunos”. Para o heptacampeão brasileiro Giovanni Vescovi, o interesse da criança surge no momento em que ela cria a percepção do ambiente diferenciado. “Quando conseguem imaginar o movimento além do tabuleiro, algo mais lúdico é fascinante. Elas acabam criando amizades em campeonatos e conhecem culturas diferentes, pois no xadrez não existe segregação”. Em tempos cada vez mais virtuais, um dos principais desafios do xadrez é a competição com o universo dos games. Autor do livro “Xadrez sem mistérios”, o carioca Richard Stephan, também mestre em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, faz um paralelo interessante sobre o tema. Afinal, qual é a relação entre o xadrez e o videogame? Para ele, o xadrez excita a imaginação do jogador. Já nos games, as imagens aparecem na tela, cada vez com maior qualidade – ou seja, tudo já vem pronto. É como ler um livro, imaginando os personagens e locais, ou assistir a um filme sobre a obra. Normalmente, escuta-se o comentário de que a leitura emociona mais do que o filme. Assim, Richard diz que “o xadrez libera mais adrenalina do que qualquer outro joguinho de computador”. O psicólogo Júlio Lapertosa afirma que, no xadrez, as diferentes formas de estímulo à criança e ao adolescente auxiliam no desenvolvimento cognitivo. “Muitos não têm apelo inicial ao jogo, mas ao utilizarmos as peças de chocolate, por exemplo, as crianças modificam a receptividade ao jogo.”

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A educação no Brasil, segundo os professores

FOTO: GUILHERME BOMFIM

Ricardo Pires, professor de xadrez do Colégio Oshiman, em São Paulo, apostou em novos desafios e, após um anseio em aprofundar o conhecimento ao esporte da mente, fundou na escola o Clube de Xadrez. Para ele, a educação no Brasil passa por uma fase de mudanças e de indefinições. “As novas gerações apresentam características com as quais a escola não consegue lidar e para as quais não está devidamente preparada.” Para ele, existem muitas iniciativas, como o uso de novas tecnologias educacionais, mas a eficácia é bastante duvidosa e limitada, e com custo elevado. “Há na gestão da educação atual um empirismo e um discurso que causam preocupação, uma vez que as práticas são ultrapassadas, distanciadas da realidade dos estudantes e buscam, quase sempre, resultados imediatos.” Tal contexto é agravado, segundo Elifaz Garcia, pela mudança de atitude dos estudantes. Para ele,

isso ocorreu porque, cada vez mais, os pais estão muito ocupados com os afazeres externos, e a figura materna se desvinculou, quase que totalmente, da imagem da mãe dona de casa. De acordo com ele, as crianças de gerações anteriores respeitavam mais o professor. Hoje, pelo contrário, diz já ter passado por situações de desrespeito, vindas até mesmo dos pais.

De pai pra filho, mas sem apoio Jogos de raciocínio e lógica estão ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Prova disso é que, no país do futebol, há uma série de campeonatos desse tipo de esporte da mente, muitos deles voltados para crianças. Nesse caso, boa parte são organizados pelos pais dos enxadristas – que também jogam, é claro. A má notícia é que eles fazem tudo, muitas vezes, na raça, sem ajuda dos governos. Segundo o site da Confederação Brasileira de Xadrez, o Brasil possui hoje cerca de 300 torneios, previstos para 2015, divididos entre mirins e adultos. Alguns torneios são promovidos por professores, mestres e enxadristas, o que provoca uma série de avanços do esporte no País. Alguns dos principais organizadores são a Confederação Brasileira de Xadrez (CBX), a Federação Paulista de Xadrez (FPX) e o Clube Amigo do Xadrez. “É um movimento que ainda precisar crescer e necessita de apoio dos governos nas cidades onde os torneios são realizados”, acredita o vice-presidente da Federação Paulista de Xadrez, Henrique Salama. O alcance do xadrez atravessa gerações. Faz pais aprenderem para ensinar os filhos, assim como filhos que aprendem para ensinar os pais. E pode gerar resultados inusitados. André Salama, filho de Henrique, fez com que o pai aprendesse os movimentos para que jogassem juntos durante a infância. Essa parceria perdurou por anos, e ambos se tornaram árbitros e professores de xadrez. “Eu não conhecia nada do esporte. enxadristas brasileiros

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No xadrez não existe segregação

Pedi para que meu pai pagasse um curso para eu aprender. Então, comecei a treinar no Clube Hebraica e ensinar meu pai em casa”, diz Salama. Como a maioria dos eventos nacionais é voltada às crianças, os campeonatos atraem o fascínio delas. São jogadores de seis a 16 anos, os quais criam uma relação de amizade com o tabuleiro. Alguns campeonatos e torneios realizados na cidade de São Paulo (SP) tiveram grande importância na movimentação do esporte no país este ano. Um deles, cujo nome não passa a ideia de ser totalmente voltado ao xadrez, é o Festival Nacional da Criança (FENAC), que contou com a presença de 500 enxadristas mirins este ano no Clube Homs. O encontro é organizado pelos pais dos enxadristas. “O evento reúne crianças do Brasil inteiro e se tornou uma referência”, resume Cláudio Sato, também vice-presidente da Federação Paulista de Xadrez, pai de enxadrista e um dos principais incentivadores do esporte no país. Outro torneio forte na cidade é o Campeonato Paulista Escolar de Xadrez, também organizado pela federação paulista e por pais. O torneio teve um único dia de realização, em agosto de 2015, mas motivou muitas partidas envolventes e emocionantes. A escola que se destacou no número de campeões foi a Albert Sabin, do professor e mestre Antonio Rezende, que realiza um trabalho de referência no colégio. Marcello Sangiovanni, pai de um jogador da categoria sub-14 e amante árduo do xadrez, é um crítico da falta de incentivo ao esporte

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no país. “É necessário um empenho ainda não abrangente das prefeituras para os torneios, pois isso nosso meio ainda é muito precário”, afirmou. Já na décima oitava edição, o ASESC de Xadrez reuniu no Clube Athletico Paulistano, em agosto, mais de 300 enxadristas mirins representando suas respectivas escolas. Mestre internacional reconhecido pela Federação Internacional de Xadrez e idealizador do ASESC, Jefferson Pelikian não mede esforços na organização do encontro. E aproveita para também criticar a falta de ajuda. “A dificuldade de incentivo para realização do esporte ainda é enorme, mas não se consolida somente no xadrez. Outros esportes também sofrem com essa carência”, afirma. Observa-se que, nos campeonatos, há um predomínio dos colégios particulares. No Brasil, os números de projetos sociais e culturais que envolvem o xadrez são muito baixos quando comparados aos outros países. O psicólogo Júlio Lapertosa, fundador da “Casa do Xadrez”, fala que, de forma geral, não há planejamento e muito menos continuidade nos projetos voltados ao esporte da mente no Brasil. Para ele, professores das redes estaduais ficam desestimulados com descontinuidades de projetos, fruto de falta de visão estratégica dos governos. André Salama compartilha dessa ideia e diz que existe um movimento grande do xadrez no Brasil, principalmente em escolas particulares, onde o apoio deve vir da direção, em diálogo com os principais gestores. O movimento em escolas públicas ainda engatinha. Salama defende um projeto nacional do jogo. “A crise financeira do País agrava aprovação de novos projetos. Muitos colégios particulares hoje vêm implementando ações por meio de iniciativas dos próprios professores. No setor público é um pouco mais complicado: você precisa de uma boa justificativa, e a falta disso muitas vezes é

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feita apenas por política”, conclui Salama. Regina Ribeiro avalia que temos campo para pesquisa, mas o governo brasileiro sempre necessita de dados que comprovem o real benefício. Para ela, hoje não há profissionais capacitados na área para passar um treinamento de qualidade e, por isso, os pais se tornam responsáveis por arcar com todo conhecimento e experiências dos filhos.

Eles serão os futuros grandes mestres

FOTO: GUILHERME BOMFIM

Desde cedo, as crianças despertam interesse por algum esporte, seja futebol, vôlei ou qualquer outro. Os pequenos são incentivados à prática esportiva, e com o xadrez não é diferente. Muitos jovens enxadristas já conquistaram títulos e hoje estão se tornando profissionais no jogo. Esse conhecimento vem por parte dos pais, da escola ou até mesmo por vontade própria. No caso de Marcello Gouveia Sangiovanni, de 13 anos, o xadrez foi uma consequência na-

tural do trabalho do pai, Marcello, que é organizador do Festival Nacional da Criança (FENAC) – um dos campeonatos mais importantes para enxadristas mirins do Brasil, que em 2015 ocorreu no Clube Homs, em São Paulo (SP). O pai Sangiovanni fala sobre a relação do filho com o xadrez: “Quando ele tinha uns quatro anos e minha filha tinha 11, eu coloquei à vista o tabuleiro que tinha guardado e comecei a ensinar os movimentos básicos das peças. Esse dia foi único e achei que ficaria por isso mesmo.” Mas isso foi o suficiente para Marcello, o filho, querer se aprofundar no esporte e começar aulas de xadrez com o professor Jeferson Pelikian no Colégio Dante Alighieri, onde até hoje treina por uma hora todas as terças e quintas. O seu treinamento não parou por aí. O professor no colégio virou há dois anos também treinador no Club Athletico Paulistano, onde treina duas horas por dia, competindo pelo clube nos torneios. Uma das experiências mais marcantes e diferentes para Marcello foi sua viagem aos Estados Unidos, para um treinamento de seis dias com a professora Susan Polgar, uma das maiores enxadristas do mundo. “No primeiro dia, jogamos com enxadristas mirins americanos para testar nossas habilidades. Os outros dias foram para aulas mais táticas, exercícios e posições”, conta o jovem. Todos os dias, as crianças tinham um treinamento intenso de seis horas, e Marcello avalia que é um conhecimento significativo para a carreira. Como Marcello, Guilherme de Oliveira, 9 anos, também pratica o esporte na Escola Básica Municipal Santa Cruz, na cidade de Concórdia (SC). Guilherme iniciou aos seis anos de idade e, depois de um ano, já começou a treinar no Clube de Xadrez da cidade. A mãe, Noeli Woloszyn, afirma que o filho tem uma rotina de treinos muito intensa. “Guilherme pratica por duas horas, três vezes por semana no clube, tem aulas particulares de uma hora com um profesenxadristas brasileiros

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Entenda os Métodos de Ensino do Xadrez Não há uma única forma de se ensinar xadrez. Os métodos são diversos e podem se adaptar às diferentes situações escolares. Conheça os principais métodos.

Com o método tradicional: os tabuleiros oficiais de 64 casas para as crianças treinarem e jogarem, socializando com os amiguinhos da escola. Com a utilização do relógio de xadrez: as crianças utilizam o acessório e simulam partidas oficiais.

Com material didático: a utilização das apostilas de orientação do xadrez não é dispensável. Cada aluno deve ter a sua pasta de xadrez com suas atividades. Com tabuleiro magnético: o tabuleiro magnético é um dos métodos utilizados para adolescentes, uma vez que, por possuir peças imantadas e ser um tabuleiro de pequeno porte (cerca de 12 centímetros), pode ser transportado com facilidade, auxiliando muito no treino.

sor em casa e ainda uma aula de 45 minutos na escola.” Noeli conta que o filho recebeu um diagnóstico precoce de dificuldade de aprendizagem, mas apresentou uma melhora significativa depois do xadrez. “Hoje, ele é capaz de desenvolver habilidades como raciocínio lógico, concentração e percepção estratégica. Além disso, o ambiente enxadrístico deu a ele atitudes de coleguismo, amizade e solidariedade.” Atualmente, Guilherme está na categoria sub-10 e já disputou diversos campeonatos, como o Estadual e o Brasileiro. Aline Balena, 9 anos, também teve o primeiro contato com o xadrez através da Escola Básica Municipal Parque de Exposições, também na cidade de Concórdia (SC), mas só começou a participar de campeonatos em 2014, na categoria sub-8. Ao contrário do que normalmente acontece, foi Aline que incentivou os pais a aprenderem o xadrez, uma vez

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Com desenhos: cada aluno desenvolve desenhos das peças e do tabuleiro de xadrez. Depois, eles disputam entre si. Com o tabuleiro humano: as crianças dramatizam o jogo de xadrez. Elas se vestem com roupas e acessórios do xadrez e, muitas vezes, colocam até fundo musical.

que eles precisavam ajudar nos estudos do esporte com a filha. “Eu e meu marido não sabíamos nem movimentar as peças. Tivemos que aprender para ajudá-la. Dessa forma, aprendemos juntos. Quando posso, eu a acompanho nos campeonatos”, afirma Simone Balena, mãe de Aline. Por vontade própria, Gustavo Siqueira, de 12 anos, se interessou pelo jogo e falou aos pais que queria fazer aulas de xadrez. Ele começou a evoluir no esporte graças à ajuda da professora Cristiane Meira, que desenvolve há muitos anos um trabalho de xadrez em Assis (SP). Regina Siqueira, mãe de Gustavo, também é a favor da implementação do xadrez nas escolas, mas conta que isso não acontece na escola do filho e sente falta dessa iniciativa. “Infelizmente, no colégio não tem aulas de xadrez. Ele até já pediu para o professor de educação física, mas os outros alunos dizem que é coisa de gente mais velha e nunca querem aprender.”

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Com as peças gigantes: as peças têm o tamanho de uma criança pequena. Geralmente, as aulas são em grupo. Com tabuleiro reciclável: o tabuleiro reciclável traz peças feitas de garrafa PET, e o tapete é de EVA. Esse método traz interação entre os jogadores. Eles são divididos em equipes. Quem possui dificuldade em determinado movimento das peças pode receber ajuda do colega para se lembrar. Os alunos devem entrar no tabuleiro, que ocupa uma sala, para fazer a movimentação.

Com o xadrez de chocolate: alguns professores adotam o xadrez de chocolate, produzido por apenas duas fábricas em São Paulo, para ensinarem as crianças. Ao completar o movimento, a criança literalmente come a peça do adversário. Ganha quem comer o rei do coleguinha primeiro.

Com recursos audiovisuais: exibição de filmes, fotos, vídeos da internet, áudio de entrevistas, com os quais é possível aprender a história do xadrez e técnicas do jogo.

O incentivo e o acompanhamento dos pais são de fundamental importância para os jovens que estão começando em qualquer esporte. Todos os pais entrevistados destacam que é importante ter presença ativa nos campeonatos, treinos e estudos de xadrez dos filhos e também salientam que a pratica do esporte não atrapalha em nenhum momento o âmbito escolar – ao contrário, só acrescenta. Muitos enxadristas já consagrados, como Giovanni Vescovi, heptacampeão brasileiro, também falam sobre a importância da presença dos pais na vida esportiva dos filhos. “Sempre incentivei meus filhos e tento lhes mostrar que tudo tem um limite, e que alcançá-lo é totalmente factível. Cada um deles está em um momento, mas ambos vão à escola e estudam xadrez. Pretendo criar algo para que meus filhos não participem da falta de incentivo e não se desestimulem do esporte”, concluiu Vescovi.

Hoje, ele é capaz de desenvolver habilidades como raciocínio lógico, concentração e percepção estratégica, além de atitudes de coleguismo, amizade e solidariedade

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Mequinho está entre os melhores jogadores do mundo no ranking da FIDE

O PELÉ DO XADREZ Ele é dono de uma personalidade única. Descubra como vive hoje o maior enxadrista brasileiro da década de 70

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a portaria, após o anúncio da visita, o porteiro alerta: “Ele é bem sistemático.” Estamos falando de Henrique Costa Mecking, mais conhecido como Mequinho, o maior enxadrista brasileiro na década de 70 e atualmente o terceiro melhor do Brasil, por pontuação da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), atrás apenas de Rafael Leitão e Alexandr Fier. Um prédio em Taubaté (SP) é a morada de Mequinho. O apartamento é simples e bem arrumado. Ele se preocupa em onde se sentar, com a luz do local, com o vento que soprava na janela e em fechar as quatro trancas da porta. Tudo isso quase ao mesmo tempo – sinal

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de uma personalidade complexa. “Olha, vocês reparam na minha cabeça? Eu troquei de cabeleireira, e ela, com o auxílio de Deus, está fazendo um tratamento capilar em mim. A última vez que fui ao salão, cresceram 11 novos fios. Pelas contas da minha cabeleireira, já possuo 210 novos fios. Acredita?”, pergunta Mequinho. Ele também comenta que Deus o concedeu a graça e o curou da miastenia grave, doença neuromuscular que provoca a degeneração dos músculos voluntários e aumenta rapidamente a fadiga, o que o afastou do xadrez, por necessitar de comida especial e de um grande tempo em repouso entre um jogo e outro.

Mequinho nasceu em Santa Cruz do Sul (RS) e aprendeu a jogar damas aos quatro anos de idade, mas encontrou um mundo infinito de possibilidades no xadrez, o que o fez estudar mais e se apaixonar pelo esporte. Aos 12 anos, sagrou-se campeão gaúcho e aos 13, campeão brasileiro absoluto. Em 1967, após mais um título brasileiro e com a conquista do Campeonato Sul-Americano absoluto, obteve o título de mestre internacional (IM). Em 1977, Mequinho era o terceiro melhor jogador do mundo, atrás apenas de Anatoly Karpov e do vice-campeão, Viktor Korchnoi, ambos provenientes da

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FOTO: KOEN SUYK - ANEFO/CC BY-SA 3.0 VIA WIKIMEDIA COMMONS

por RODRIGO BIFANI


FOTOS: REPRODUÇÃO REVISTA VEJA | ARQUIVO PESSOAL

então União Soviética. Para conquistar tal posição, o enxadrista brasileiro convenceu o então presidente Emílio Garrastazu Médici, que era seu amigo, a lhe dar um cargo no Ministério de Educação e Esportes. Trancou, então, a faculdade de Física para se dedicar exclusivamente ao xadrez. O grande garoto-propaganda do xadrez nacional participou de muitas matérias e programas – inclusive desafiou o então melhor do mundo, Bobby Fischer, ao vivo no programa do Chacrinha. A disputa entre os dois quase chegou a ser realizada. Ao se confinarem escondidos na Venezuela, momentos antes de assinarem o contrato para a realização das partidas, a imprensa local descobriu a presença deles e a divulgou, fazendo com que Fischer, nada simpático com a mídia, cancelasse os jogos. Para Mequinho, essa foi a maior frustração de sua carreira. Em 1979, devido a uma crise da miastenia grave, o brasileiro se afastou dos tabuleiros. Foi quando encontrou a Renovação Carismática Católica, formou-se em Filosofia e Teologia, melhorou da miastenia e escreveu o livro “Como Jesus Cristo salvou minha vida”. Após muita leitura e treino, Mequinho retornou aos tabuleiros em 2002, desta vez na modalidade online. Desde então, é membro do Internet Chess Club (ICC), o maior clube de xadrez online do mundo, com mais de 200 mil membros. O enxadrista conta que o retorno e todo sucesso é devido à proteção de Jesus, Nossa Senhora e São Lourenço. Com essa personalidade, ele foi dez vezes o número um de xadrez, na categoria “rápido” desse clube. Mequinho possui atualmente 2.606 pontos pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE). Mesmo com o distanciamento

Em 1973 Mequinho foi capa da revista Veja

Mequinho aos 10 anos de idade jogando contra o enxadrista e jornalista Luiz Viana, em Porto Alegre (RS)

momentâneo do esporte, no ápice de sua doença, sua pontuação permaneceu congelada, e ele ainda pretende se tornar o melhor do mundo. Talvez ele não saiba, mas influenciou uma geração na pratica esportiva do xadrez, como é o caso da professora Regina Ribeiro, de Blumenau (SC). Ela comenta que, em 1973, ao assistir um programa de entrevista de que seu pai era fã, viu o jovem enxadrista brasileiro e descobriu o esporte. “Eu sou grata a esse

mestre por ter me influenciado e aberto um mundo do qual eu vivo e sou feliz.” Contudo, com uma visão um pouco mais crítica, o professor de xadrez Antonio Carlos de Resende, de São Paulo (SP), afirma que Mequinho é inegavelmente uma lenda do xadrez, mas deixou de fazer muito pelo esporte. “Ele poderia criar uma associação, criar um plano de xadrez escolar. Mas ao invés disso, foi ao Chacrinha e desafiou [Bobby] Fischer”, diz Resende, indignado. enxadristas brasileiros

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ELES SÃO DO PLANETA XADREZ

Não se assuste. Eles estão entre nós. São como nós. Mas é difícil reconhecê-los. São os enxadristas anônimos por CARLOS ALBERTO PROENÇA

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les não são amigos do Mequinho nem do Rafael Leitão, primeiro do ranking brasileiro. Também não ganham e nem participam de campeonatos. Mas têm algo em comum: adoram jogar xadrez. São os enxadristas anônimos: artistas, estudantes, advogados, médicos, jornalistas, engenheiros, programadores... Conheça cinco dos milhares de enxadristas anônimos espalhados por aí. Cuidado! Um deles pode estar ao seu lado.

Remédio para memória Wagner Júnior, fotógrafo: “Meu primeiro contato com o xadrez foi com a minha professora de educação física, na quarta série. Lembro que, na hora, ao ver aquelas peças estranhas, rejeitei o tabuleiro. Afinal, eu era um excelente jogador de futebol, e xadrez não era muito a minha cara. Mas com o tempo – e curiosidade –, comecei a disputar campeonatos na escola. Cheguei até à incrível marca de segundo lugar em um dos campeonatos realizados na escola. Atualmente, jogo sempre que tenho um tempo livre. Pode parecer besteira, mas o xadrez me ajuda na memorização para realizar a seleção das fotos do meu trabalho.”

FOTOS: CARLOS ALBERTO PROENÇA | RODRIGO BIFANI

“Me ajuda a planejar” Kaique Bernardo, estudante de medicina: “Aos oito anos, conheci o xadrez no meio daqueles milhares de jogos online. Cheguei a me interessar, procurei alguns livros e jogava bastante com uns colegas. O xadrez no Brasil é pouquíssimo divulgado. É uma pena. Acho que, por isso, além da falta de tempo, não participo de campeonatos – sempre ouço que são mal organizados. Enfim, vejo que hoje, graças ao xadrez, comecei a ficar um pouco mais ciente de que planejamento é essencial. Não dá para alcançar um objetivo sem antes anteceder os movimentos. Isso me ajuda e, sempre que consigo, jogo”

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Apenas jogadas Fabricio Claro, treinador físico: “Conheci o xadrez na escola por meio do professor de educação física. Joguei muito quando era mais novo. Hoje em dia, não tenho tanto tempo. Mas de vez em quando, paro com meu pai, que também me ensinou algumas coisas sobre o xadrez, e faço uma partida rápida. Eu nunca me aprofundei no esporte – o máximo foi ver alguns livros com jogadas que o próprio professor mostrava para a gente. Considero o xadrez um esporte importante por ajudar na memória e no raciocínio. Aqui no Brasil, porém, ele é pouco valorizado.”

Só por diversão Claudio Teshima, advogado: “Como levo meus filhos aos torneios, lá encontro outros pais com quem realizo algumas partidas somente por diversão, pois a época de campeonatos já passou na minha vida. Já participei de campeonatos, mas nada profissional. Estou mais para um jogador mediano.”

FOTOS: THAINÁ MARQUES | LARISSA CAROLINE | GUILHERME BOMFIM

Desconectando... Michelle Muniz, jornalista: “Conheci o xadrez aos 10 anos, na escola pública. O professor de educação física apresentou o jogo aos alunos. Ele utilizava um jogo gigante para chamar a atenção das crianças, substituindo as peças pelos alunos e fazendo-os pensar na posição de cada uma. Ficava muito mais fácil ‘decorar’ o movimento de cada peça estando no lugar delas. No início, ele apresentou o jogo durante algumas aulas práticas de educação física. Mas com o tempo, quando todos já estávamos apaixonados pelo jogo, a disciplina foi retomada, e o xadrez era ensinado e praticado em horários extras, após o período de aula. Íamos à escola apenas pelo jogo – era maravilhoso se reunir apenas pelo xadrez. Lembrome até hoje de voltar para casa já à noite, super empolgada com o próximo dia de xadrez. Também eram promovidos campeonatos entre os alunos, com tabuleiros de diversos tamanhos. Acredito que praticar xadrez estimula nosso cérebro. E não deixar a mente parada é sempre muito bom. Sou jornalista, vivo com a cabeça a mil, então o xadrez me ajuda muito a relaxar após longos dias de estresse nesta jornada de informações.”

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Para Rafael Leitão, melhor enxadrista brasileiro da atualidade e dono de academia de xadrez, os campeonatos brasileiros são “ridículos” por THAINÁ MARQUES

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Grandes Temas

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

HABILIDADE E AUTOESTIMA NAS ALTURAS!


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maior enxadrista brasileiro da atualidade não esqueceu a primeira aula da faculdade de Direito, quando o professor pediu que os alunos se apresentassem. “Eu disse ‘meu nome é Rafael Leitão e sou enxadrista’. Muitos olharam sem saber o que significava, e uma colega perguntou: ‘O que é enxadrista? É quem faz enxada?’.” O alvo da gentil estudante não poderia ser melhor. Leitão é enxadrista profissional: vive somente do xadrez – um dos poucos brasileiros a se dedicar integralmente a esse esporte da mente. Aos 36 anos, é o primeiro colocado no raiting brasileiro da Federação Internacional de Xadrez (FIDE). E não é de hoje que vem se destacando no jogo. Já aos 18 anos, ele se tornou o mais jovem brasileiro grande mestre internacional de xadrez. Desde então, coleciona títulos: sete vezes campeão brasileiro, oito vezes campeão pan-americano, duas vezes campeão mundial em duas categoriais, entre outros. Com tudo isso no currículo, Leitão tem moral para falar da situação dos campeonatos de xadrez no Brasil. E ele não poupa crítica: “O prêmio para o vencedor nos campeonatos brasileiros beira o ridículo. A pessoa tem que se abdicar durante duas semanas de tudo o que faz para concorrer a 3.500 reais. É algo que não vale a pena”, diz o jogador. Dono de um dos maiores egos do xadrez brasileiro, Leitão faz questão de dizer, com todos os is: “Sempre estive um passo à frente dos concorrentes.” E sobre a atual situação do esporte no País, ele tem uma visão crítica: “Eu diria que o xadrez hoje em dia, do jeito que eu vejo a população brasileira, já é algo quase que indispensável. Vivemos em uma sociedade que está se embrutecendo. Os comentários que vemos são cada vez mais absurdos. Daqui a pouco, o xadrez vai ser quase uma prescrição médica.” Para ele, “o xadrez é a ginástica da inteligência”, célebre frase de Johann Wolfgang von Goethe, cientista alemão que teve um dos maiores QIs já medidos na história da humanidade e que foi fã declarado do xadrez. “Ele foi um grande competidor e estudioso do xadrez”, disse sobre Leitão o lendário Henrique Costa Mecking, melhor enxadrista brasileiro na década de 70. Leitão retribui a afirmação de Mequinho da seguinte forma: “Já joguei várias vezes com ele e costumo encontrá-lo uma ou duas vezes por ano. É um personagem carismático”, resume. A paixão pelo esporte é tanta que Leitão abriu a Academia Rafael Leitão (www.academiarafaelleitao.com.br), uma das primeiras do País dedicada ao jogo, na qual as pessoas podem encontrar uma série

Rafael Leitão jogando o campeonato da Venezuela, aos 18 anos de idade, onde tornou-se o mais jovem brasileiro a conquistar o título de Grande Mestre

Rafael Leitão com 8 anos de idade jogando no Esporte Clube Pinheiros com o então campeão brasileiro mirim da época, Giovanni Vescovi.

de informações sobre o xadrez, como aulas, palestras, entrevistas, artigos, cursos etc. Sua academia online é a continuação da academia que seus pais abriram em 1989, no Maranhão, que acabou fechando em razão da sua mudança para São Paulo. Seu pai, José Leitão, foi jogador de xadrez e participou de vários torneios universitários. Foi devido ao seu conhecimento – e aos vários livros sobre o jogo que possuía em casa – que Leitão, o filho, se apaixonou pelo esporte e iniciou a sua carreira. Leitão começou a estudar e jogar com os colegas da escola, pegando gosto pelo esporte. Desde garoto, já possuía um grande espírito competitivo, disputando com familiares e participando de campeonatos escolares. enxadristas brasileiros

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Quando era criança, não ficava pensando na importância que os torneios tinham. Minha única preocupação era jogar.

Primeira rodada do 78º Campeonato Brasileiro

Absoluto, em 2011, no qual foi consagrado

Em 1985, disputou o primeiro campeonato, perdendo todas as partidas. O desfecho, porém, não desanimou o enxadrista que, no ano seguinte, veio para São Paulo para disputar o Campeonato Brasileiro para menores de 10 anos, conquistando a quarta colocação. Naquela época, o então campeão da categoria sub-10, Giovanni Vescovi, tornou-se um grande amigo de Rafael Leitão, que assim relembra do colega: “Vescovi é um jogador extremamente talentoso. Chegamos até a dividir um apartamento alguns anos depois. Uma pena que ele parou de jogar profissionalmente. Talvez, se o xadrez fosse mais reconhecido, isso não teria acontecido.” Mesmo com todas essas conquistas, o enxadrista conta que já teve momentos em que questionou a carreira, quando tinha resultados ruins. Mas essa sensação era passageira, pois logo em seguida, vinham outros torneios e resultados. Tentou seguir outra profissão, aventurando-se na faculdade de Direito. Porém, a paixão pelo jogo, e tudo que ele

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já havia conquistado, falaram mais alto, e o xadrez acabou ganhando. Aos 20 anos, Leitão teve que tomar a decisão de se mudar para o interior de São Paulo, na cidade de Americana, para aperfeiçoar seu treinamento. Sem a família, começou a treinar com um dos melhores enxadristas brasileiros da época, Gilberto Milos, atualmente o quarto melhor do Brasil, grande impulsionador para que o jovem enxadrista começasse a carreira profissional. “Temos uma relação muito boa, jogamos pela equipe de São Bernardo do Campo e nos falamos bastante”, relata Milos sobre o pupilo. “Milos é o meu amigo de livros desde quando eu era criança”, resume Leitão. Até hoje, a relação dos dois grandes mestres é de muito apoio e amizade. Atualmente, Leitão continua participando de competições de alto nível, mas tem como atividade principal a administração do seu site. “Meu objetivo futuro é diminuir a quantidade de torneios de que participo, para focar mais no crescimento da minha academia. Quero aumentar o incentivo e o reconhecimento do esporte.”

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FOTO: ARQUIVO PESSOAL

pentacampeão brasileiro


A NATA DO XADREZ MUNDIAL O solo sagrado do esporte da mente abre as portas e recebe mais uma edição da Copa do Mundo de Xadrez por GUILHERME BOMFIM

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s 128 maiores enxadristas da atualidade se encontram no ano passado em Baku, uma pequena cidade do Azerbeijão, considerada o solo sagrado do xadrez, berço de um enxadrista que foi considerado o melhor jogador do mundo no século XIV, Gadji Ali Tabrizi. Ele conseguia jogar partidas simultâneas com até quatro pessoas e de olhos vendados, prática possível quando os jogadores falam as jogadas. De lá também saiu Garry Kasparov. Nascido em 1963, quando Baku era capital da antiga República Socialista Soviética do Azerbaijão, Kasparov jogou pela União Soviética e, aos 17 anos, obteve o título de grande mestre pela Federação Internacional de Xadrez. Aos 22, ele era o então mais jovem campeão mundial de xadrez. O misticismo que envolve o xadrez em Baku fica evidente nos sites da Copa do Mundo e em relatos na Academia Rafael Leitão. Nessa cidade, as escolas possuem o esporte da mente na grade curricular, as pessoas assistem a partidas e a equipe olímpica do país possui muitos títulos. Acima de tudo isso, o jogo retornou à cidade recentemente com a Copa do Mundo de Xadrez. A famosa nata do xadrez mundial se reúne a cada dois anos para o evento promovido pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE). Rafael Lei-

tão e Alexandr Fier, melhores jogadores brasileiros da atualidade, participaram da edição de 2015. Estar entre os participantes não é uma tarefa fácil, e disputar um campeonato desse nível não é para qualquer um. Quando questionado, Leitão deixa clara a importância do torneio para os jogadores do mundo todo: “Participar da Copa do Mundo de Xadrez é o sonho de todo enxadrista, pois estamos enfrentando a nata do xadrez mundial. São partidas muito interessantes contra adversários de alto nível”, afirma. Diferente dos outros campeonatos, onde a regularidade dos competidores conta para os resultados finais, a Copa é conhecida por ser imprevisível. Grandes jogadores, como Boris Gelfand, campeão do último evento, foi eliminado logo no começo por uma jogadora considerada sensação, mas com um nível bem inferior ao do jogador. “Ultimamente, Levon Aronian tem mostrado o melhor xadrez, mas será que ele consegue levar o título mesmo em um país tão pouco amigável para ele? Nakamura parece outra escolha natural, mas ele acaba de empatar a primeira partida, de brancas, contra o Shankland. Definitivamente, a Copa do Mundo é um torneio imprevisível”, analisa Leitão em um de seus vídeos diários sobre a competição.

A Copa do Mundo é realizada da seguinte maneira: 128 jogadores são emparceirados. Cada dupla joga duas partidas. Caso ocorra empate, ele é resolvido em um tiebreak. As partidas continuam da mesma maneira até que restem dois jogadores, que disputarão a final. O total distribuído em prêmios foi de 1,6 milhões de dólares na última edição.

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MENTES BRILHANTES EM MEIO AO ANONIMATO Ídolos do xadrez nacional fazem sucesso, mas apenas entre os praticantes assíduos do esporte da mente por LARISSA KAROLINE

ão mais de cinco horas diárias de treino – e não estamos falando de atletas de futebol, natação, vôlei ou basquete. Estamos falando dos enxadristas brasileiros. Grandes mestres que cresceram, fizeram história por todo Brasil, ganham títulos – muitas vezes internacionais –, conquistam reconhecimento mundial – principalmente pelos adeptos da atividade –, mas infelizmente, no Brasil, não tem apoio suficiente para levar o esporte como uma atividade profissional. É o caso do desenvolvedor de software Diego Berardino, 28 anos, que atualmente ocupa a sétima colocação no raiting de pontuação brasileira da Federação Internacional de Xadrez (FIDE). O jogador é considerado um fenômeno da prática no país. Mesmo assim, ele revela que a carreira enxadrística não tem sido fácil. “Houve um período em que resolvi me afastar do esporte, principalmente pela falta de incentivo. Mas o amor pelo jogo de tabuleiro falou mais alto, e decidi retornar ao mundo enxadrístico”, confidencia. Recentemente, o enxadrista conquistou uma das três normas – nome dado aos desafios necessários para que o enxadrista obtenha títulos – para o maior mérito do xadrez, o de grande mestre. Caso similar é do enxadrista profissional Gilberto Milos, 52 anos, exemplo de perseverança e persistência. Embora nunca tenha obtido apoio do governo, o hexacampeão brasileiro chegou a ficar entre os quatro melhores enxadristas na Copa do Mundo de Xadrez na China, em 2000, além de vencer torneios nacionais e internacionais. Para Milos, todo caminho tem seus obstáculos. No jogo de tabuleiro, não foi diferente: depois de tanta luta, foi possível conquistar seu espaço e re-

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conhecimento. Tanto verdade, que ele afirma: “Para ser sincero, eu devo ao xadrez todas as minhas conquistas – não apenas ganhos materiais: o esporte da mente me proporcionou muitos aprendizados e conquistas particulares. Hoje em dia, eu dou aulas de xadrez e já escrevi livros, então toda a minha renda obtida atualmente eu devo ao esporte.” Outro grande colecionador de títulos do jogo é o professor de xadrez Herman Claudius, 67 anos. Em 1978, tornou-se mestre internacional pela FIDE. Ele acredita no crescimento do esporte da mente no

Herman Claudius van Riemsdijk | Tricampeão Brasileiro

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FOTO: GUILHERME BOMFIM

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FOTOS: DIVULGAÇÃO REGINA RIBEIRO

Brasil. Para Herman, o jogo de tabuleiro é esporte, arte e cultura – palavras que demonstram uma história de luta e reconhecimento no xadrez mundial. Claudius aponta um diferencial na atualidade: “Atualmente, vemos um movimento de inserção do esporte na grade curricular de algumas escolas em todo o país, principalmente nas escolas municipais e privadas.” O enxadrista acredita que, além do conteúdo educacional que o esporte traz às crianças, ele também promove a interação com os colegas e auxilia no raciocínio lógico. Regina Ribeiro, 53 anos, Mestre Internacional e professora de xadrez do Colégio Bom Jesus Santo Antônio, em Blumenau (SC), coleciona títulos e grandes histórias em sua carreira. Inspirada por uma entrevista em um programa de televisão com Mequinho – maior enxadrista brasileiro na década de 70 –, Regina começou a jogar e ganhar de todos os seus colegas. Estimulada pela família e por uma professora de português, despontou sua carreira e disparou nos títulos. Conheceu muita gente e viajou por muitos lugares. Ela se considera uma mulher do mundo, desbravadora e corajosa. Regina possui uma linda história e é uma das principais incentivadoras do esporte no Brasil, lecionando xadrez há 35 anos nas escolas de Blumenau. “Amo ensinar e participar das conquistas dos meus alunos. Certa vez, o colégio no qual trabalho foi inscrito em um campeonato municipal. Ganhamos todos os títulos, de sub 8 a sub 14. Cheguei a me questionar se o que estava fazendo era certo. Só queria que meus alunos amassem o esporte”, afirma. Um dos melhores enxadristas brasileiros, o grande mestre Giovanni Vescovi, 37 anos, teve uma carreira brilhante, mas decidiu afastar-se do esporte principalmente devido à falta de incentivo governamental. Hoje, tenta fazer a diferença para seus filhos. “Sempre que possível, estimulo meus filhos a parti-

ciparem de campeonatos, nacionais ou internacionais, e fazer com que eles tenham um intercâmbio cultural com a experiência”, afirma o analista de crédito de um dos principais bancos brasileiros. Vescovi é heptacampeão brasileiro e disputa apenas algumas partidas, pois avalia que chegou a um ponto interessante em seus treinos e sua carreira. Ele já disputou partidas com os maiores nomes do xadrez mundial de todos os tempos, como Anatoly Karpov, Garry Kasparov e Viswanathan Anand. Histórias fascinantes caem no anonimato em um país onde futebol é arte e os demais esportes são esquecidos, ou enfraquecidos, pela mídia. Grandes heróis e novos ídolos se perdem, esperando pelo reconhecimento, marcado por décadas de sombras e um vão histórico no esporte, ocultadas pelo tempo.

Regina Ribeiro | Heptacampeã Brasileira

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GOVERNO RECEBE CARTÃO VERMELHO NO JOGO DE XADREZ Ineficiência do governo demonstra falta de investimento em esporte da mente por LARISSA KAROLINE

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artolas” brasileiros do xadrez reclamam que, embora o jogo seja um forte indicador da inteligência de um país, o Brasil deixa a desejar na inteligência das políticas governamentais voltadas ao esporte. Segundo o enxadrista e presidente da Confederação Brasileira de Soccer Society, Marcelo Sangiovanni, o espaço concedido ao esporte no Brasil ainda é pequeno. “Diferente de outros países que visitei, o Brasil ainda engatinha no incentivo ao xadrez. Isso faz com que o xadrez não seja atrativo para a mídia nem tampouco para a sociedade”, afirma. Já para o fundador do Clube de Xadrez Online, Gerson Peres, a falta de incentivo do governo e de informação sobre o esporte da mente o motivou a

Conheça as entidades Clube de Xadrez de São Paulo (CXSP): fundado em 1902, o clube ficou conhecido por ter grandes enxadristas e amantes do esporte que passaram por lá. Entre eles, grandes nomes como Mequinho, Rafael Leitão, Giovanni Vescovi. Confederação Brasileira de Xadrez (CBX): surgiu em 1924, com a finalidade de disseminar o jogo como esporte, além de abrigar informações sobre o raiting de jogadores por pontuação CBX, obtida nos campeonatos promovidos pela confederação, regulamento de torneios e acesso às páginas das federações. Federação Paulista de Xadrez (FPX): inaugura-

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criar um site interativo que agregasse mais informação sobre o xadrez, tanto para ele quanto para os milhares de internautas que se interessam pelo esporte. Após 15 anos, o portal já conta com quase 15 mil artigos, que informam de forma prática e rápida os fãs que se interessam pelo esporte da mente. Também para o vice-presidente da Federação Paulista de Xadrez (FPX), Claudio Sato, o xadrez é um esporte que tem déficit quando o assunto é investimento do governo. “Para que se hajam campeonatos e torneios ocorrendo por todo País, é necessário que pais e amantes do xadrez se organizem para realizá-los.” Sato conclui que ainda há um longo caminho a ser percorrido pelo xadrez no Brasil.

da em 1941, é responsável por organizar campeonatos e torneios do Estado de São Paulo. A federação desenvolve um trabalho voltado para o incentivo do esporte no Brasil. Clube de Xadrez Epistolar Brasileiro (CXEB): A técnica de se jogar xadrez por cartas chegou ao Brasil em 1969. Desde então, foi criado o CXEB. A técnica atrai grandes adeptos do xadrez e tem por finalidade oferecer maior reflexão e aprofundar o estudo sobre o esporte. Clube de Xadrez Online (CXOL): Nasceu em 2000 pela necessidade de divulgar um conteúdo mais interativo com novas técnicas e informações sobre o mundo do xadrez.

Grandes Temas



Grandes Temas

Este número da revista Grandes Temas reúne Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) para meio impresso realizados por estudantes de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi. Nesta edição você poderá conferir quatro grandes reportagens: sobre quadrinistas na internet, empoderamento feminino, enxadristas brasileiros e um perfil do jornalista Audálio Dantas. Boa leitura!


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