Sem Falsidades (texto)

Page 1

Personagens MULHER LOCUTORAS

SEM FALSIDADES ATO 1 MULHER

Texto de MARCIO FREITAS A partir dos depoimentos de 12 atrizes

Deixa eu te falar uma coisa, eu tenho que confessar uma coisa. Então assim, na verdade, eu, eu me considero, eu acho que, eu me considero uma boa atriz, sem falsa modéstia, sabe, porque eu acho que cada um sabe da sua capacidade, do seu potencial, da sua verdade, cada um sabe, né. Então assim, eu acho que, eu sou uma boa atriz, eu tenho, eu

Esta obra foi licenciada com a Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 3.0 Brazil.

me conheço, eu tenho determinadas, eu tenho meu bauzinho, sabe,

Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/br/

meu arcabouço de coisas... Eu acho que eu tenho talento: mas eu não sei se eu tenho vocação. Entende? Porque o talento tudo bem, mas eu acho que, pra você fazer um teatro, que é o teatro que eu... Eu já trabalhava com teatro, eu já fazia teatro, na minha cidade, amador, mas eu já fazia, desde os 11 anos eu faço teatro. Aí eu parei de fazer teatro pra fazer uma faculdade, aí fui fazer a faculdade e vi que eu queria teatro de verdade, então eu tranquei a faculdade e vim pra cá, pro Rio de Janeiro, pra pensar na maneira de me profissionalizar com teatro. Apesar de sempre... Pra mim atuar sempre foi, dentro de todos os problemas, de todo o refinamento – que você precisa ir se


refinando, se lapidando pra atuar – mas sempre foi uma coisa pra mim

sonhar muito, pensar muito, tar com a cabeça sempre a mil, pensando,

muito fácil. Então eu acho que, eu meio que, no início da minha

agitando as coisas, mas ele coloca muito pouco em prática, sabe, muita

carreira, eu caí numa armadilha, de achar que ia aparecer, que ia

coisa fica no campo do sonho, da idealização, e força mesmo pra por

acontecer, da mesma forma que eu acontecia em cena, assim. Quando

em prática – não quero generalizar, dizer que todos os aquarianos

eu tava começando, eu queria: ‘eu só quero ser atriz’. Queria interpretar, fazer todos os personagens. E tinha uma inquietação,

*

ainda, esse deslumbramento – está certa, essa palavra? Esse

UMA LOCUTORA

virtuosismo de ‘olha como eu sou boa, eu quero fazer isso’, me colocar

(AQUI ENTRA UM TEXTO DIRIGIDO AO ESPECTADOR,

esses desafios. Não pensava nada pra além disso, era só exercitar o

APRESENTANDO A PEÇA)

meu poder cênico. Guardava coisas de jornal, de revista, queria fazer uma peça atrás da outra. Eu nunca tive essa coisa: ah quero fazer

*

televisão, quero fazer cinema. Minha paixão era mesmo estar

LOCUTORAS

construindo personagens no teatro. Eu achava que ser atriz era um

Eu sempre, desde pequenininha, quis ser atriz. Era uma paixão, que

sonho, era uma coisa linda que eu ia, eu ia decorar um texto, eu ia

era maior que tudo, assim, sempre! E eu morria vergonha de dizer,

subir num palco, as pessoas iam adorar, eu gostava de falar pras

porque quando você é criança todo mundo quer ser atriz, tipo, suas

pessoas, eu achava que era um mundo lindo, porque eu, era, era a

amigas querem ser, todas, ‘ah eu sou atriz’. E aí eu dizia que eu queria

minha visão, eu gostava de decorar aquilo, fazer a peça, e apresentar.

ser arquiteta, decoradora, médica, empregada, eu já quis ser de tudo.

Quando eu comecei a trabalhar com teatro... Eu venho por um

Mas eu no fundo sabia que eu queria ser atriz, e eu, aí eu pensei, isso

processo muito de tirar ilusão da minha cabeça, sabe, eu acho que a

na minha cabeça: quando todo mundo desistir de ser isso eu vou falar

gente se ilude muito com as coisas. Eu acho fundamental a gente

que quero, vou falar meu real desejo. Enquanto isso, eu tinha meu

manter a chama do sonho viva, porque eu acho que é isso que alimenta

hobby: nas férias, que eu passava três meses no sítio do meu avô todo

a gente, é isso que faz a gente tar aqui vivo, respirando, mas não dá

ano, eu fazia peça pras pessoas da região. Então assim, tinha uma

pra, não dá mais pra ficar só no sonho, eu tenho que correr atrás, eu

varanda imensa, eu construía todo o cenário, eu fazia cortininha, eu

tenho que fazer a minha vida se movimentar, né, então não dá pra

criava os roteiros, dirigia, atuava... Eu lembro que uma vez eu fiz uma

esperar. Eu sou aquariana, então o aquariano tem uma tendência de

peça, assim, que eram duas músicas daquele CD do Cats, a minha


madrinha tinha ido pra Londres, assistiu Cats e me deu o CD. Aí eu

escolher, se você quer ser atriz ou astronauta. Porque as duas coisas

peguei duas faixas, falei ‘vai ser essas duas faixas, vamos lá fazer’, eu e

não dá. Não dá pra você ficar interpretando lá no espaço, isso não

uma amiga: o CD repetiu duas vezes, ninguém aguentava mais, as

existe. No espaço você demora um ano pra viajar, e tem peça que...

pessoas levantavam, saíam, eu tenho isso filmado, tipo, ‘menina, acaba

impossível! Você ter essas duas profissões. Você tem que focar na sua

com essa peça’, e eu não saía do personagem, fingia, ‘o que tá

vida. Ou você quer ser atriz’... Eu fiquei olhando pra cara dele, aí eu

acontecendo?’. Mas eles ficavam sempre muito encantados, botavam

pensei: ‘bom pai, acho que é mais fácil ser atriz’. Eu lembro que foi aí

maior pilha, ‘não quero ser atriz, isso é um hobby’. Aí um belo dia... Eu

que eu decidi entre astronauta e atriz. Acontecia sempre comigo,

comecei a estudar teatro com 12 anos, né... Não não, na verdade foi

assim, que, ao mesmo tempo que eu queria esse reconhecimento de

com 9, eu comecei a fazer cursinho de teatro com 9 anos. Aí minha mãe

fora, isso me assustava, porque... Assim, sem pretensão, quando eu

não quis ficar de escrava, mãe-motorista, e aí ela me tirou e falou:

tinha uns 8 anos, eu tinha, eu era muito boa no teatro, sabe, boa no

quando você tiver independência você volta. Aí com 12 anos eu tive

teatro, eu era uma criança que tinha presença em cena. Então, assim,

independência de andar de ônibus e voltei pro curso. Aí entrei numa

como as pessoas às vezes me destacavam muito, eu tinha medo, então

turma de gente de 18, fingindo que eu tinha 16, e aí eu fui descoberta

eu me boicotava um pouco, sabe, pra ser melhor aceita pelas minhas

com 14, mas o professor falou que tudo bem, que eu já tinha enganado

amigas, eu procurava ser menos. As minhas amigas falavam: ‘ah,

muito tempo, que ele deixava eu ficar lá. Porque eu também não abria

vamos trancar o camarim com ela fora’, sabe, aquelas coisas bem

a boca né, eu não abria a boca. Eu falava muito pouco, eu só falava em

maldadezinha. Mas em casa eu dei muita sorte, sempre fui, meus pais

cena, porque eu sabia, assim, tipo, tava todo mundo na faculdade, eu

sempre me apoiaram muito assim em teatro. Meu pai tem uma coisa

não sabia nem o que que era isso, eu tava na 5ª série, eu brincava de

que, ele toca violão, ele participou de várias coisas, só que não deu

Barbie, então eu não podia falar muito, eu nem escolhia minhas roupas

certo como compositor, mas enfim. Ele não era músico na verdade, ele

nessa época. Mas aí eu fiquei, eu, assim, não lembro de um momento

sempre teve, eu acho, uma coisa meio idealista, assim, um sonho, de

que eu tive que descobrir que eu queria ser atriz. Até porque com 9

ser, de ser músico, de fazer alguma coisa ligada à música. E, na

anos eu já pedi pra ser. Eu lembro que eu queria ser astronauta ou

verdade, ele fazia composições, assim, ele compunha muito. Eu lembro

atriz. Aí meu pai, que não é uma pessoa nada que deixa os outros

que eu sempre joguei tênis, né, então fui aquela adolescente que tinha

sonharem, né, virou pra mim e falou assim: um dia quando eu tinha 12

– é, era atleta, era atleta – e eu tinha a rotina preenchida, assim, saía da

anos, ele me levou pra uma praia e falou assim: ‘olha só, você tem que

escola jogava tênis, a tarde inteira, treinava mesmo, de verdade. E teve


uma hora que eu desisti de jogar tênis. Um dia eu desisti, eu já tinha feito teatro na escola, e eu tinha adorado, assim, e eu desisti de ser tenista mesmo, assim, radicalmente, abandonei o campeonato, vi que eu nunca mais ia treinar, e eu ficava assim, depressiva, né, chegava do colégio olhava pra televisão, nunca tinha visto televisão de tarde, sabe essa coisa, de almoçar e ver televisão, não tinha nada pra fazer. Isso eu tinha 16 anos, aí comecei a fazer teatro. Eu assistia muito TV, e comecei no teatro porque, porque eu era muito tímida. Mas, eu não sabia exatamente porque, tinha uma amiga que fazia, lá era um lugar que eu me sentia à vontade. Aí eu acho que era um lugar onde eu podia fazer coisas que não era, entre aspas claro, que não era eu. E aí eu acho que eu dei a sorte de, de encontrar professores que, que me estimulavam. Eu acho que deduziam, não sei, que eu tinha alguma, alguma aptidão, alguma vontade de tar ali, eu sempre me dedicava. Enfim, eu lembro que essa professora falou assim, foi a primeira coisa que me estimulou muito em teatro. Ela me deu um personagem, era um leãozinho, numa peça, e eu não queria, eu queria outro, e ela olhou pra mim e falou assim: ‘você é muito meiguinha, você acha que não é capaz de fazer isso, esse leãozinho, mas eu acho que você é capaz’. E aí, aquilo abriu pra mim tanta coisa, eu falava ‘nossa, eu posso fazer tudo!’ *

MULHER Eu acho que cada um sabe da sua capacidade, do seu potencial, da sua verdade, cada um sabe, né. Então assim, eu acho que, eu sou uma boa atriz, eu tenho, eu me conheço, eu tenho determinadas, eu tenho meu bauzinho, sabe, meu arcabouço de coisas... Eu acho que eu tenho talento. Entende? Porque o talento tudo bem, mas eu acho que, pra você fazer um teatro, que é o teatro que não é aquele, o único que eu conhecia antes, não é aquele teatro mais cotidiano, mais usual, assim, é um teatro que... Porque na escola eu era ótima. Todo mundo... Na escola eu passei por um momento – essa reflexão só veio depois, então não sei se conta – por um momento meio que de ficar deslumbrada com a potencialidade de ser uma boa atriz, de atuar bem, de representar bem. Como eu era muito estudiosa, eu experimentava muito, todas as técnicas eu aprendia, eu exercitava aquilo com toda a seriedade do mundo. E eu via ter efeito na prática: se era uma cena pra fazer as pessoas chorarem, se emocionarem, eu atingia aquilo. Quando eu sentia o gostinho de realmente tar entregue, era uma delícia. Aí eu passei por esse momento de deslumbramento, meio narcísico: ‘oh como eu sou boa’. Eu tratava a escola com toda a seriedade do mundo: nunca faltei uma aula, os professores davam cinco trabalhos pra eu fazer, eu fazia vinte; eu vivia praquilo. Mas também eu podia viver praquilo porque eu não precisava trabalhar. As minhas necessidades não estavam em questão, estavam e não estavam, eu não tinha que trabalhar, mas eu... Como eu tenho onde me segurar, então isso não é uma questão, então eu vou me dedicar, como se eu fosse uma atriz,


assim... uma atriz, assim... que nasceu numa companhia européia. Exercícios, todos os dias, de voz, essas coisas todas, vivia aquilo com toda a intensidade do mundo. Eu falei: é isso que eu quero! Teve uma vez que eu fiz uma cena, era no último período da escola. Olha, foi excelente, foi muito bom pra mim, eu tava quase me formando e eu consegui um resultado maravilhoso, todo mundo achou. Correu, eu até hoje nem sei como, mas correu por uma pessoa da coordenação que eu tinha sido a melhor nota da minha turma! Eu fiquei muita cheia de mim, eu sabia que a cena tinha rolado. Alcancei, cheguei. Entendeu? Ainda que, é bem difícil em uma semana preparar tudo pra uma cena. Correu um boato que alguém tinha dito, alguém lá de cima, tinha dito que eu era, como é que é, que eu era a promessa da escola, promessa da escola, sabe, quando uma atriz, sabe. Eu tive mais momentos de alegria do que de tristeza, a escola foi muito boa pra mim, eu adorei, adorei, foi um momento que eu, eu lembro sempre bem, eu não tenho nenhuma... Essa coisa de ter contato com a arte todos os dias, eu cresci muito. Hoje em dia, bom, hoje em dia a minha rotina é a mais normal, corriqueira possível, eu trabalho, só que os meus horários são um pouco diferentes dos horários convencionais, né, de quem trabalha integralmente. Mas o que eu faço, eu acho que não... Eu acho, uma coisa assim, pra estudante principalmente. Eu acho que é muito fácil você se prender ao fato de que você é estudante, se manter estudando, sabe, sem pôr em prática, eu acho que é muito uma muleta, que você tem como pessoa, de não se jogar mesmo, eu não tou falando *

LOCUTORAS Ano de vestibular, eu queria fazer, pensava em fazer Administração e levar o teatro. O cursinho de teatro já não tava mais respondendo como eu achava, não tava me trazendo mais muitas coisas. E a minha escola sempre levou muito pro lado de exatas, os meus professores de matemática me estimulavam muito, tentavam me fazer desistir do teatro o tempo inteiro, achavam um desperdício, fazer teatro, deixar de fazer outra coisa. E aí eu entrei naquela questão, que eu acho que todo ator, qualquer um que opta por teatro deve ter, que é: ‘você vai fazer isso?’, diminuindo o teatro como se fosse menos importante, diante de, como se fosse uma brincadeira. E aí eu resolvi fazer Comunicação, porque as pessoas falavam que eu me comunicava muito bem, olha que ignorância, ‘você se comunica bem, faça Comunicação’, não tem porra nenhuma a ver – pode falar porra? Enfim, e aí eu resolvi fazer Comunicação, ‘ah, minha família toda é de publicitários, então eu vou enveredar por esse caminho’, mas assim, não tava feliz, não tava satisfeita. E aí fiz, quando eu tava no segundo período da faculdade, um dia o meu tio, santo, virou pra mim e falou assim: ‘acho que você tinha que fazer alguma coisa ligada à arte’, e ele começou, tipo, a criar essa pulguinha atrás da minha orelha. E aí eu vi uma entrevista com um diretor, de um filme, que na época eu era fanática, eu e meus amigos, que a gente adorava: Senhor dos anéis. Uma entrevista com o diretor, que agora eu esqueci o nome dele... E aí ele falava assim, que alguém perguntou, ‘ah, você tá feliz com o que você tá fazendo, como diretor’, ele falou assim: ‘é, toda vez que eu penso nisso eu me pergunto: existe


alguma outra coisa que eu queria tar fazendo além disso?’ E aí ele se responde: ‘não, não tem nada, então eu realmente tou feliz com o que eu tou fazendo’. E aí eu me perguntei: caraca, sabe, tipo, existe alguma coisa que eu queria tar fazendo além disso, isso aqui. E aí eu falei: tem. Eu não tou feliz com isso, sabe, não é isso que eu quero. E aí depois disso, eu fui fazer, ainda na faculdade, fui fazer uma oficina, uma oficina mais extensa, que era, sei lá, não sei qual era o nome, mas enfim, um curso de 3 meses. Aí quando acabou o curso eu falei: ‘cara, não tenho dúvida, é isso que eu quero fazer da minha vida, eu quero ser atriz, eu não tenho mais dúvida disso’. E aí eu larguei a faculdade, tranquei a... Eu não tinha pretensão de nada, eu só queria encontrar uma coisa que, que me impulsionasse, que me desse vontade de fazer, porque eu não tinha vontade de estudar nada, eu não tinha vontade, nada, nada. E aí eu lembrei que quando eu fazia balé, eu fiz balé quando eu era novinha, sei lá, eu tinha 10, 11 anos, e eu lembro que, na época de apresentação, ensaio pra apresentação, eu era sempre a primeira a chegar, eu era, tipo, a que sempre queria arrumar solos, e eu, eu competia com as pessoas, eu queria sempre me superar. E isso era o que mais me motivava. E aí depois que eu tive esse, esse clique, assim, que eu falei ‘caraca, então meu negócio é tar em cena, mesmo, sabe, é tar no palco, é isso que me motiva’ *

MULHER Porque eu tou com 31 e eu tou solteira. Então eu acho que a questão da idade pesa. Entendeu? Aí, então eu já fico pensando assim: bom, melhor eu me distrair um pouco, porque, pode ser que aconteça, mas também pode ser que não aconteça. Então não é que eu não queira ter, eu quero, mas eu não fico nessa fissura. Porque pra eu ter filho eu acredito em família, ter aquela coisa de chegar em casa, sabe, e ter o que que a gente vai preparar, o que que vai ter de almoço pros meus filhos quando eles chegarem do colégio, eu não quero fazer, quero fazer só quando, fim de semana, adoro cozinhar, amo, mas, vou cozinhar no fim de semana, se eu ficar cozinhando todo dia não vou poder, enfim. Mas eu gosto dessa preocupação, então eu vou falar pra quem trabalhar na minha casa ‘olha, vamos preparar isso, que meus filhinhos gostam’, quero saber, quero acompanhar, quero botar no esporte, quero botar não sei aonde, eu gosto, quero ser a dona de casa, mãe de família. Eu dei muita sorte com a minha família, sabe, em casa eu dei muita sorte, sempre fui, meus pais sempre me apoiaram muito assim em tudo que eu fiz. Meu pai tem uma coisa que, ele toca violão, ele participou de várias coisas, só que não deu certo como compositor, mas enfim. Ele sempre teve uma coisa meio idealista, assim, um sonho, de ser, de ser músico, de fazer alguma coisa ligada à música. E, na verdade, ele fazia composições, assim, ele compunha muito. Eu gosto, a minha família é muito especial pra mim. Eu acho fundamental a gente manter a chama do sonho viva, porque eu acho que é isso que alimenta a gente, é isso que faz a gente tar aqui vivo, respirando. Mas não dá


pra, não dá mais pra ficar só no sonho, eu tenho que correr atrás disso,

grana, procurando grana e ensaiando, e eu não acredito nisso, sabe, eu

eu tenho que fazer a minha vida se movimentar. Eu acho que o tempo

acho que se você não tiver um mínimo de recursos, tipo, sei lá, nem

tá passando, e a própria vida te impõe isso, te impõe a coisa da

que seja a grana pra pagar a passagem do ator, você não pode, você

necessidade de você correr atrás, porque senão ninguém vai fazer por

não pode fazer. Acho que eu acabei ficando muito

você, a gente começa, né, a pensar nisso. E quando a gente tem um alicerce como a família, pra te dar o apoio, tudo bem. Mas aí a gente tá

*

ficando mais velho, eu tou ficando mais velha. E a única certeza que a

LOCUTORAS

gente tem – é horrível falar isso – mas a única certeza que a gente tem

Essa coisa de ter contato com a arte todo dia. Na segunda feira, a gente

na vida é que nós somos sós, né, a gente tem que se bastar, a gente tem

aprimorava a voz e passava as cenas, na terça era o corpo, na quarta

que fazer com que a vida da gente seja boa, né, e pra isso tem que, tem

eram as cenas, na quinta também... Entendeu? Essa coisa de tar em

que se mexer, eu acho. Pra estudante principalmente. Eu acho que é

contato com a coisa todo dia, eu cresci muito. Experimentava muito,

muito fácil você se prender ao fato de que você é estudante, se manter

todas as técnicas eu aprendia, eu exercitava aquilo com toda a

estudando, sabe, sem pôr em prática, eu acho que é muito uma muleta,

seriedade do mundo. E eu via ter efeito na prática: se era uma cena pra

que você tem como pessoa, de não se jogar mesmo, sabe, de cabeça.

fazer as pessoas chorarem, se emocionarem, eu atingia aquilo. Quando

Porque assim, uma coisa é fato: seja dentro de economia, dentro do

eu sentia o gostinho de realmente tar entregue, era uma delícia. Eu

direito, jornalismo, teatro, você vai vender parte de você pro mundo,

abstraía o mundo, abstraía tudo, o que fazia sentido era: caraca, olha

sabe, vai vender, seja tua cara, seja teu corpo, vai vender. Então assim,

como eu sou foda nisso, olha como eu consigo. Um momento muito

não adianta você, ‘ah porque eu sou estudante’, sabe, porque eu sou

legal pra mim como atriz foi quando eu tinha acabado de entrar na

teatro, porque, foda-se. Você nunca vai conseguir abrir uma porta pra

escola, e me chamaram pro elenco de uma peça. Eu fazia uma viciada

você se você não vender um pouco da tua alma. Eu podia juntar, me

em heroína. Eu achava muito maneiro, sabe, assim, a minha atuação,

juntar, com qualquer grupo de pessoas, e ficar horas ensaiando, e

eu não falava porra nenhuma, mas eu me picava bem, me picava legal.

meses ensaiando, pruma coisa que pode ser que algum dia vire alguma

E eu fui tendo que aprender, sabe, montei todo um kit, montei, eu tinha

coisa, sabe. Mas hoje em dia eu, eu tenho uma visão um pouco mais

várias técnicas, de pingar uma gota de água no nariz, pra dar um mal

prática das coisas, entendeu. Tipo, eu acabei de sair de um, enfim, de

estar na respiração, de ficar na direção da fumaça da vela, da luz, pra

uma montagem de um grupo, que tava nessa de montar uma peça sem

ressecar o olho, pra dar aquele mal-estar, aquele enjoo. E aí, no ensaio


geral, o diretor falou assim, ele me chamou num canto e falou assim:

vocês podiam, de repente, tentar mexer aí’. A gente não quis trocar os

‘caralho, pela primeira vez eu prestei atenção em você, e vou te falar,

personagens, porque a gente, na época, deduziu que ia ser o caminho

overdose é assim mesmo’, e aí ele falou assim, ‘eu já vi várias pessoas

mais fácil. Aí a gente trabalhou, e eu fiquei muito feliz que, quando ele

tendo overdose de heroína e é assim mesmo’, muito legal, e eu falei,

assistiu da segunda vez, ele falou assim: ‘eu tava errado, se tivesse

porra, maneiro, sabe, porque eu fui criando... E foi um momento muito

mais uma semana você ia conseguir totalmente chegar onde eu acho’, e

importante, quando a gente, a gente foi aplaudido em cena aberta, que

aí, nossa, eu ouvi isso, no dia que ele falou isso pra mim, foi uma

foi lindo, foi a primeira vez que eu fui aplaudida em cena aberta, eu

descoberta, que eu tinha sentido dificuldade o curso inteiro, então,

não esperava, tipo, eu não tinha essa pretensão, mas foi um momento

chegar no final e encontrar esse, essa possibilidade... Claro, porque eu

muito especial porque, assim, foi a concretização de, de um caminho,

demorei a ter peito, eu comecei a ter peito, sei lá, com 15 anos, quando

ali eu tava fechando um ciclo, de momentos que eu me achava horrível,

todo mundo já tinha peito. E, cara, porque eu tinha que ser tachada

momentos de criar uma autoconfiança em mim. E de repente, foi

como peitão, como tchuck-tchucks, cara o peito, né, toda mulher tem

naquele dia mesmo, falaram no camarim assim: ‘ah ela pagou a

peito, porra, eu não tinha nenhum pudor com o meu peito, mas as

platéia’, ‘ela deve ter pago a plateia pra aplaudir a cena deles, não sei

pessoas colocavam pudor neles, eu, tipo, eu não sou uma pessoa de

que’, e aí, eu fiquei puta, annn, chorei, aí no dia, no segundo dia a gente

usar muito decote, nada disso. E eu cheguei lá na frente, e aí, fui, tirei a

também foi aplaudido, no terceiro dia a gente também foi, e cara, a

blusa, tirei o sutiã, e várias pessoas já tinham ficado nuas, e não tinha

gente foi quase indicado ao prêmio, quando a gente fez no festival.

significado muita coisa, e eu fui lá e tirei, assim na maior despretensão,

Então assim, aquilo foi muito especial, porque foi um reconhecimento!

não era uma coisa, nada, era tipo, tirei. Aí eu saí do palco, fui perante

E aí eu tava fazendo uma cena com outras duas meninas, que era banca

cada pessoa, e olhei fixamente nos olhos de cada um, de peito de fora:

de final de curso, e a cena não tava boa, bom, tava ruim, tava fechada, a

as pessoas não conseguiam olhar pros meus peitos, elas ficavam assim,

gente não tava explorando as coisas bem. E aí o professor foi dando

só olhavam nos meus olhos. Aí quando acabou, o professor falou ‘cara,

umas dicas, ele trabalhava, ele via a cena algumas vezes antes da gente

você saiu do palco, você fez, você, o tabu não era teu, você mostrou o

apresentar, ele assistiu a primeira vez e falou assim: ‘eu acho que

tabu do outro, a gente não conseguiu olhar pro que as pessoas mais

vocês escolheram os personagens errado. Eu acho que você não tem

falam em você, ninguém conseguiu olhar, o que todo mundo fala ‘ah

experiência na vida pra fazer o que você tá fazendo. Eu acho que

quero ver’, ninguém conseguia, porque você falou ‘vê!’’ E aí, enfim, esse

fulana, eu acho que tá trocado, acho que as outras meninas, acho que

dia foi muito doido pra mim, que eu, caraca, eu lembro que a minha


mãe foi me buscar, eu entrei no carro, não falei nada, ela ‘que

não era tão pesada antes, é ganhar dinheiro, é essa conexão, ganhar

aconteceu com você, você tá completamente diferente, você mudou’.

dinheiro com o que eu gosto de fazer. Então eu não quero aceitar

Caraca, aí eu contei pra ela, assim, não acredito que foi por causa disso,

trabalhos que eu não gosto, eu não quero ir pra um ensaio ou pra uma

mas aquele negócio me fez transformar alguma coisa

coisa que eu não acredito, mas às vezes você pensa ‘caraca, tem que

* MULHER

fazer’. Essa segunda, essa segunda peça, o texto era muito estranho, eu comecei a ir nos ensaios, mas depois, assim logo nas primeiras semanas, eu disse não, inventei uma desculpa, nem lembro direito. Ele

Fui chamada... Enfim. Fui chamada pra montagem de um grupo, que

falou pra mim, o diretor, ele virou pra mim e falou: ‘menina, não somos

tava nessa de montar uma peça sem grana, procurando grana e

nós que precisamos’ – é, quer dizer, ‘não é o teatro que precisa da

ensaiando, e eu não acredito nisso, sabe, eu acho que se você não tiver

gente, somos nós que precisamos do teatro. Não é o teatro, o teatro

um mínimo de recursos, nem que seja a grana pra pagar a passagem

não precisa da gente, somos nós que precisamos dele’. E a mídia, ela

do ator, você não pode, você não pode fazer. Foram duas, logo depois

inverte isso, né. Eu acho que a mídia ela faz com que a gente acredite

que eu saí, fui chamada pra duas peças que eu odiei, que foi ‘não

que é o teatro que precisa da gente, ou a arte que precisa da gente.

posso’, quando eu li o texto, e aí eu, ‘não tem condição’, eu li o texto, eu

Entendeu? Não é isso. O teatro é maior, né, soberano, vai continuar

fui no ensaio, aí o diretor resolveu que ia fazer comigo e com uma

existindo... Então foi bom, assim... E aí depois a minha vida no teatro foi

outra atriz. Cheguei em casa, falei ‘cara, não consigo, fazer uma coisa

acabando, acabando, como atriz. Não fiz mais nada, porque eu também

que eu não acredito, não dá!’. Eu acho que hoje eu consigo selecionar

não corri mais tanto atrás, acho que eu podia ter feito mais. A minha

melhor as coisas, sabe, eu falo ‘não’, ‘não’. Quando uma pessoa me liga

vida foi tomando outro rumo, porque eu também precisava batalhar

e fala ‘ah eu tenho um texto incrível’, ‘deixa eu ver o texto antes’, sabe,

grana, e aí a gente começa a trabalhar, e... A realidade do dia-a-dia vai

eu já não, entendeu, já é uma coisa mais, não que eu esteja escolhendo

impondo à gente tanta coisa, que acaba que

trabalho, mas assim, pelo menos os não remunerados, hoje em dia eu

(FIM DO ATO 1)

consigo escolher. Mas é foda porque, aos poucos, você vai caindo na realidade, você começa a ter esses desejos de, enfim, tem horas que fica mais alarmante, a sua independência financeira, você sair de casa, você construir, você poder... Então pra mim a coisa mais difícil, que

*


ATO 2 LOCUTORAS (ligeiramente aceleradas) Entrei com 18. Acho que era tudo muito grandioso, eu esperava, eu esperava fazer as aulas muito bem, e responder muito bem ao que me pediam. E acho que, que eu não respondi mal não, mas, mas eu fiquei numa expectativa de, de absorver e mostrar muita coisa, eu acho que, talvez porque eu fosse muito imatura, assim. Eu não fazia noção do que eu tava fazendo, eu não fazia noção, eu não fazia realmente, quando eu olho, eu paro, eu falo ‘eu não tinha noção’, coisa de eu falar uma fala e o que fazer, eu ficava, eu não, completamente sem chão e perdida. Esse foi um momento crucial pra mim, de sofrimento absoluto, que eu, eu não sei se eu esqueci o que que era atuar, porque eu já tinha sabido um dia um pouco, mas ali eu esqueci tudo, assim, foi, foi muito estranho. Eu não fazia noção, eu não fazia noção, sabe, eu achava que aquilo era uma outra coisa, eu não sei o que foi que rolou ali. Talvez eu tivesse preocupada demais com o que os outros iam pensar da minha interpretação, entendeu. Até porque mal ou bem eu só tinha feito teatro infantil, então a criança, quando ela começa a interpretar, ela precisa muito da resposta dos pais, do público, que vai construindo a auto-estima delas, e é importante, assim, você dar uma resposta positiva, porque, é meio que, você tem que construir um ego pra depois destruir, sabe. Você tem que ter uma referência de que você tem valor, sabe. Então assim, foi totalmente ao contrário. Porque eu era a melhor em tudo o que eu fazia. Eu era a melhor aluna, no curso,

no colégio, eu era a filha exemplar, eu era, sabe. E eu era, eu me achava muito, sabe. No fundo, é verdade. Eu tinha aquele topete de: ‘não, eu sou foda, eu sou a melhor’. E quando eu comecei a estudar teatro pra valer, eu vi que eu era uma porcaria como atriz, sabe, aquela coisa que você não sabe nada, sabe, ‘minha filha’, sabe, tipo, ‘limpa tudo isso aí dentro e aprende de verdade’, sabe. ‘Pára de achar que você é isso aquilo, porque você não é’. Então eu acho que eu amadureci muito, se a escola serviu pra alguma coisa, foi pra isso, pra eu amadurecer. Foi totalmente diferente do que eu imaginava, porque eu achava que eu ia levar aquilo de letra, tipo, ‘teatro né, brincadeira’, e eu vi que não era brincadeira, eu vi que, que era difícil. Não sei, talvez eu tenha sentido exigência demais, assim, uma busca por uma perfeição que... Não sei se da minha parte, mas eu senti os professores bem, bem severos, assim, sem necessidade, eu acho. Não sei, às vezes eu notava coisas, assim, que pra mim não eram arte, e eram ditas como se fossem arte, entendeu. Eu achava que... Que eu ia ter mais estrutura pra, emocional, pra, pra aguentar essas... injustiças, eu acho. Sabe quando você vê uma coisa em cena na sua frente e aquilo não é nada? Não te diz nada? Você fica olhando as pessoas falando, falando, mas você tem certeza que, sabe, que aquilo não vai levar ninguém a lugar nenhum, que aquilo não é arte. Que não tem verdade, e as pessoas ficam e as pessoas batem palma no final. Claro que talvez a gente nunca consiga alcançar a verdade plenamente, porque aí eu acho que deixa de ser exatamente... teatro, né, porque o teatro, o que que é o teatro? É uma falsidade, né, mas é uma falsidade tão verdadeira, tão bem feita, que ela se torna


quase que uma verdade. Até quando eu faço a lavadeira do interior, totalmente distanciada, que eu tenho que passar pros espectadores um depoimento de uma mulher super explorada, dominada, eu falo aquilo como se fosse eu, com a maior verdade do mundo, eu me emociono, eu lembro do Sebastião que é meu marido, do meu filho que foi pro corte de cana... É uma realidade totalmente distante, mas eu tou ali inteira. E tinha tanta coisa que eu via que não tinha trabalho de interpretação, sabe, ‘ela tá interpretando o quê’? ‘Porque eu não entendi’! Eu me vi, eu era a melhor aluna do colégio, de repente eu me vi a pior aluna da turma! E ela falou, a professora: você você e você são as piores alunas dessa turma! Tipo assim, ela apontou! A mulher juntou um grupinho de nós 3, era eu mais umas outras duas, ela falou assim, ‘vocês são as piores’, ela não falou com essas palavras, eu nem lembro em que momento ela disse isso, se foi na frente de todo mundo, mas ela disse isso. Ela me destruiu! Carta da torre. Enfim. Sabe a carta da torre, a carta da torre, no tarô, ela é justamente isso, ela é uma destruidora, a carta da torre ela mostra uma torre e um raio, um raio divino, caindo sobre a torre e desmoronando a torre, então assim, todas as suas verdades vão abaixo. Então eu lembro muito, essa carta, pra mim, eu sempre lembro muito dela. E foi uma desconstrução total, mas foi uma desconstrução meio negativa, porque a mulher não me mostrou um caminho: ‘olha só, isso que você tá acreditando não é, e agora você tem que fazer de outro jeito’, não! A minha auto-estima foi pro buraco naquele momento. E eu sinto que um pouquinho até hoje é meio difícil, de reconstruir, de

* LOCUTORAS (aceleradas) Eu comecei a ver que tinha gente querendo puxar o seu tapete, gente querendo roubar cena, ali, amigos, que você... E eu sou muito ingênua, até hoje, eu sempre espero o melhor das pessoas, e aí quando você se depara com aquela... Olha, tem muito isso! Não sei se você nota isso. Eu conheci pessoas muito bacanas, mas eu via gente ali, eu não vou citar nomes, entendeu, porque é desagradável, porque não vem ao caso, mas, por exemplo, eu vou dar um exemplo que, quando a gente tava, a gente tinha que escolher uma peça, que peça que a turma ia apresentar no fim do semestre. Um monte de gente, eu não vou nem citar nome, um monte de gente falando: ‘ah cara vamos votar em Concílio do amor porque La Ronde todo mundo aparece pelado, não tem nada a ver, peça depravada’. Um monte de gente. Chegou o diretor, aí eu só tou ouvindo a menina do meu lado assim: ‘ah não, não vou falar contra a opinião do cara, porque... eu não vou falar não, o diretor da peça, depois vai me dar um personagem bunda’, não sei que lá, ‘pra que isso!’, eu falei ‘não cara’, eu sempre defendi o que eu tava pensando, sabe, independente da importância do cara ou não. Aí foi né, todo mundo sentou em roda, aí foi o primeiro: ‘você vota em Concílio do amor ou em La Ronde?’. Aí, tá, ‘eu voto em La Ronde’! Eu pensei ‘caraca, mentira’. Todo mundo combinou. Foi na minha vez: eu falei ‘eu voto no Concílio do amor, porque eu acho La Ronde uma peça depravada’. Não, mas isso eu errei, eu acho que eu podia só ter defendido o que eu


queria, sabe, sem... Ele falou: ‘meu amor, você não tá aberta, não sabe

Cara, porque é uma arte que a gente fica muito exposto. E rola meio

ler’, que não sei quê, ‘não sabe interpretar uma cena’, não sei quê, cara,

que um fascínio, e até você cair na mão de pessoas – pra não usar uma

eu falei: ‘gente, que mal que eu fiz a Deus né’, eu só dei a minha

palavra muito forte – mau-caráter, assim, é um passo. É o diretorzinho

opinião. Depois de mim ninguém mais falou Concílio do Amor, ficou só

que dá em cima da atriz, que torna isso uma coisa desagradável... Esses

eu. Foi. Ficou só eu. Chorei pra caramba no intervalo. Aí ele virou pra

mecanismos, essas ciladas que tem quem trabalha muito exposto. Acho

mim no intervalo: ‘o que que é, que que tá chorando’, aí eu falei assim,

que isso gera uma confusão até pra quem tá no mercado, e até pra

‘olha só: é porque eu me senti um pouco traída, porque as meninas

quem também não tem tanta experiência assim. Entendeu? Tipo

tavam, aquela gente toda falando de Concílio do amor, ‘vamos votar no

aquele outro cara, cantava um monte de garotinha lá. Eu e um monte,

Concílio porque La Ronde todo mundo aparece pelado’, aí a outra falou

eu soube de muita história. Só que assim, eu percebia que quando você

assim, aí falou assim, ‘ah eu li esse final de semana, La Ronde é

não, quando a pessoa não entrava muito no jogo dele, assim, que eu

maravilhoso’, gente, eu não aguentei aquela falsidade, falei ‘não

não vejo nenhum problema de me envolver com diretor nenhum, não

acredito, cara, sou muito idiota de ser verdadeira’, sabe. Aí depois,

por interesse, assim na vida, acho que não tem problema nenhum, mas

também não queria nem saber, se ele ia me dar personagem ruim ou

por interesse cara, eu nunca fui de fazer isso, isso vai contra os meus

não, queria mais era defender o que eu tava pensando. Aí depois, na

valores, sabe, então eu nunca, nunca me prestei a essas coisas. Aí tá,

hora do, olha só que droga depois, aí chegou na cantina, ele falou

ele perguntou meu telefone e tal, e depois na cena me detonou, ‘minha

assim: ‘que que é, que que tá chorando’, eu falei ‘não, cara, eu me senti

filha, beleza tem até no inferno, quero ver com interior é que é difícil’,

um pouco traída, porque tinha umas meninas falando que gostavam de

falei ‘gente, de onde que ele me conhece’, saber se eu tenho interior ou

Concílio do amor, depois que tu me deu maior bronca elas falaram que

não, sabe. Aí fiquei meio, assim, eu não vou generalizar, mas eu acho

não gostavam, eu senti que eu fui a idiota na história’. Sabe o que que

que existe hoje em dia uma máfia muito grande. Não sei nem se máfia,

ele falou? ‘Olha só, gente, a sua colega estava chorando lá na cantina,

mas uma, vamos falar de energia: uma energia muito louca, sabe,

dizendo que vocês todas são umas falsas’. Olha só! Que horrível, cara,

assim de, não sei, de pessoas frustradas, não sei, não gosto muito dessa

que situação! Eu falei: ‘não eu não falei que ninguém é falsa, não põe

energia. No teatro, eu acho. Eu acho assim, pelo que eu vi na escola,

palavra que eu não disse’, ‘eu falei que eu não gostei que algumas

sabe. Não conheço, assim, muita gente de teatro, assim, independente

meninas falaram pra mim que iam votar numa peça, e que você me deu

da escola. Mas na escola eu achei umas pessoas um pouco perturbadas,

uma bronca e ninguém mais votou, ninguém tem personalidade’, sabe.


assim, que... não me inspiraram a continuar naquele caminho, até que

e meia da manhã, e aí tinha aula disso disso e daquilo, e tinha, que nem

hoje em dia eu

ele, 15 minutos pra almoçar, sei lá, e aí depois tinha mais aula disso

* LOCUTORAS

disso e daquilo, observando cultura, cultura, e aí tinha aula teórica, e dormia tal hora, e ficava nesse esquema, eu sempre quis isso, sempre visualizei um negócio desses. Eu sinto que eu tenho tendência a gostar

Que eu tinha aula de expressão corporal, que eu tinha aula de canto,

de instituições, sabe, adoro, adoro, adoro estudar, adoro tar num lugar

que eu tinha aula de voz, que eu tinha aula disso tudo, sabe? Eu acho

que... Aí quando acabou a escola, foi, claro, foi uma dor pela metade,

maravilhoso, eu sinto falta disso até hoje na minha vida, de uma rotina

porque eu continuei no meu ofício, mas, assim, eu tenho muita

assim, que eu acho que o ator depois perde, a gente fica sem. Eu sinto

saudade. Eu não choro porque era bom. Eu não choro, eu não gosto de

falta, desde que a gente saiu, eu sinto falta, assim, você tem uma ideia,

chorar, eu só fico, assim, querendo um quartel no futuro, quem sabe eu

e você não tem espaço físico onde expor, sabe, eu não tenho, não posso

monto? Né? Imagina a gente, montar um quartel de teatro? Só chamar

chegar ali na praça agora, e fazer, pegar uma trilha e fazer uma

os melhores? Vai ser ótimo, quem se forma no quartel, quer fazer tudo,

improvisação de corpo, sabe, na praça, ninguém vai olhar, sabe, lá era

só você se formar no quartel que você faz tudo. Você se forma, no

um espaço, era um tempo... Interpretar, eu acho que, por um lado, tem

quartel, tipo dura uns quatro, cinco anos. Depois você vai fazendo uns

uma fragilidade grande, porque você tá exposto, e você tá, com as tuas

cursinhos. Mas aí, tipo, peça do quartel: ia ser foda, porque só ator de

emoções ali, né. Existe uma fragilidade, é como, sabe uma tacinha

primeira linha. Entendeu? Aí, tipo: contratado da Globo, da Record, de

daquele cristal mais nobre, o mais fino, qualquer coisa pode, pode

qualquer coisa assim, tinha que ser vindo do quartel. Entendeu? Tudo

quebrar, né, trincar. Então pra você ficar forte, pra você ser ator, pra

tinha que vir desse quartel. Tinha que fazer provas dificílimas pra

você exercer esse ofício, você precisa se fortalecer, você precisa

entrar pro quartel.

continuar exercitando, eu acho importante a gente tar sempre

*

praticando. Por mais trabalhos que a gente esteja fazendo, é importante a gente ter sempre isso. O meu irmão é militar, e ele, enfim, agora ele é piloto de caça, e ele sempre ficou em quartel, né, agora é que ele não precisa mais. E eu sempre imaginei assim se pudesse ter um quartel pra teatro, sabe, aquela coisa que você acordava, sei lá, 5, 6


LOCUTORAS Calma aí, posso voltar um negócio. Porque eu só falei da coisa física, era só físico mesmo? Mas poderia ser alguma coisa em mim, também, que impede, que me impede? Não que isso me atrapalhe pra ser atriz, eu acho que não, mas às vezes eu acho que tem umas coisas, algumas características físicas, que eu não gosto em mim. Às vezes eu acho a minha voz muito aguda. São coisas, assim, que, claro, não que isso atrapalhe a minha carreira, mas às vezes eu acho que a minha voz é aguda e aí eu não vou fazer determinada coisa porque eu vou achar que aquilo vai acentuar. Entendeu, às vezes eu me barro, não é alguém que fala ‘olha, a sua voz é aguda’, eu que acho que é aguda e aí eu não vou fazer aquele negócio, sabe. Quando eu, quando eu me vejo em vídeo: eu odeio, odeio me assistir em vídeo! Acho horrível, horrível, é frustrante, eu acho sempre, que foi tudo horrível, e que, que a noção que eu tenho do meu corpo quando eu tou em cena... Eu já fiquei refletindo porque que eu não trabalho tanto em televisão. Eu falo: ‘Pô, eu sou bonita! Sou bonita, sou jovem, sou magra! Sou magra!’. Na época da escola isso me atrapalhava, ‘eu sou gorda, não vou trabalhar na televisão nunca’. Porque mulher, ou você é gordassa, ou você tá muito, muito, muito à vontade, e eu não era à vontade, quando eu tava gordinha eu não ficava à vontade... Porque o meu natural é assim, como eu tou agora, aquilo foi uma, problemas que eu tive... Mas assim, várias vezes eu penso ‘gente eu sou magra!’, mas eu acho que eu não, esteticamente eu não sou aquele padrão perfeito que a televisão busca... Assim, é aquela coisa que: se você tiver aquilo, aquele padrão,

eles vão te querer na hora. Porque hoje em dia metade da televisão é modelo, não tem como, mas assim, eu me sinto muito à vontade, com o meu corpo, com a estética da minha cara, com o meu jeito, isso me, hoje em dia eu... Porque televisão engorda, infelizmente, e, tipo, eu não tenho problema com o meu peso, por mais que, tipo, quando eu tou muito ansiosa, eu vou pra comidinha, então você acaba engordando aqueles quatro ou cinco quilinhos, que na televisão ou no vídeo são mais cinco, então você fica naquela neurose. Mas assim, meu tipo não é a esquálida, não é a despeitada, entendeu, vou ser sempre esse tipo mais mulherão, mas às vezes você, você vai fazer um teste e fala: ‘cara, se eles quiserem um tipo que encaixe em qualquer coisa, às vezes eu acho que eu não sou esse tipo’. Mas também eu acho o meu tipo... eu acredito que eu posso fazer vários personagens, não tenho uma coisa assim ‘ah essa menina tem cara disso, não dá pra fazer outra coisa’, não sou eu, eu emagreço fácil. Claro, eu tenho tatuagens em excesso. Isso é fato, isso é fato. As minhas tatuagens, eu tenho certeza que já devem ter me ferrado em algumas situações. Agora eu parei, né, porque assim, agora eu parei, eu só vou fazer mais duas algum dia na vida, porque eu quero ter sete, mas eu já tou com cinco né, então acho que já tá legal, mas... Eu acho que me falta empenho pra gostar de produção. Eu acho que se eu fosse uma pessoa que gostasse de produção, e que investisse em produção, eu poderia ser muito mais, sei lá, muito mais... completa. E eu podia muito bem me produzir, produzir as minhas coisas. Eu ainda tou nesse caminho, eu um dia ainda vou fazer sem gostar. Mas eu odeio. Eu gosto de tudo de teatro,


eu já fiz sonoplastia, já tive aula de iluminação – que é uma base né,

minha visão, eu gostava de decorar aquilo, fazer a peça, e apresentar.

claro que eu não sei iluminar, não vou saber iluminar, ‘vou ser uma

Quando eu comecei a trabalhar com teatro, eu vi que o teatro é

ótima iluminadora’, não – mas eu já fiz sonoplastia, tou agora

realmente um trabalho, é uma profissão, é um, é um trabalho, você

dirigindo... Eu gosto de tudo que envolve teatro, até contra-regragem

precisa correr atrás das coisas, é um trabalho que tem burocracias, é

eu acho fantástico. Agora, se tem uma coisa que eu odeio é produção,

um trabalho que tem, é um trabalho. Não que eu pensasse que ser atriz

que é o que eu mais devia gostar. Se eu fosse uma péssima atriz, não

era uma diversão o tempo todo, mas eu não imaginava o universo que

tivesse talento algum, e gostasse de produção, eu ia tar num lugar

envolvia. Como eu acabei trabalhando com coisas, como eu disse, além

muito melhor do que

de atuar, então isso me deu base pra ver como é, como é o universo do

*

teatro, eu já fiz, eu já produzi, eu já fiz assistência de direção, assistência de figurino, eu já fui operadora, eu conheci um pouco de

MULHER (velocidade normal a lenta)

cada coisa que faz uma peça acontecer. E aí a minha visão de teatro,

Olha lá hein. Eu vou ser absolutamente sincera aqui com você, franca,

não foi uma decepção, mas foi uma caída na real, de que não era uma

porque eu acho que você como uma pessoa bacana, merece isso.

coisa tão simples como eu imaginava. O que mais passa na minha

Quando eu tava começando, eu queria: eu só quero ser atriz. Queria

cabeça... é que eu podia ter dito mais não pras coisas fora do que eu

interpretar, fazer todos os personagens. E tinha uma inquietação,

queria fazer. Eu podia ter dito: ‘não, eu quero ser atriz’. E aí, talvez,

ainda, esse deslumbramento – está certa, essa palavra? Esse

alguém tivesse prestado atenção, e dito: ‘poxa, então tá bom, vamos

virtuosismo de ‘olha como eu sou boa, eu quero fazer isso’, me colocar

ver, bom, pintou um papel ali, vamos, vamos reunir um grupo, vamos

esses desafios. Não pensava nada pra além disso, era só exercitar o

fazer um grupo e vamos atuar’. Talvez eu tivesse hoje caído

meu poder cênico. Guardava coisas de jornal, de revista, queria fazer

exatamente no que eu tou fazendo. Porque é difícil a carreira de ator,

uma peça atrás da outra. Eu nunca tive essa coisa: ah quero fazer

você tem que fazer outras coisas pra ser ator. Só se, quando eu me

televisão, quero fazer cinema. Minha paixão era mesmo estar

formei, tivesse aparecido um mega trabalho, e eu taria trabalhando

construindo personagens no teatro. Eu achava que ser atriz era um

nisso até hoje, sei lá, mas é irreal. É claro que quando eu penso que eu

sonho, era uma coisa linda que eu ia, eu ia decorar um texto, eu ia

quero, que eu queria ser atriz, eu penso que talvez eu tenha deixado

subir num palco, as pessoas iam adorar, eu gostava de falar pras

escapar alguma coisa, mas eu não sei o que é, que eu deixei escapar.

pessoas, eu achava que era um mundo lindo, porque eu, era, era a

Eu, de verdade, via o teatro muito diferente do que eu vejo hoje. E eu


fico à vontade quando eu digo que eu... às vezes não... não sei se é o que

e vou pra casa, e às vezes eu tou exausta e eu preciso dormir à tarde.

eu quero. Eu não sei se o que eu tava esperando é agora o que eu tou

Então eu durmo, quando eu durmo à tarde eu acordo, sei lá, 6 da tarde,

esperando que aconteça. A minha perspectiva tá mudando um pouco, o

aí eu vou correr, que eu preciso manter sempre o mental junto com o

que eu queria não é mais o que eu tou querendo, por conta de ter

físico, assim, correr é um exercício que aplaca muito a minha

começado a trabalhar com coisas paralelas, que giravam em torno do

ansiedade. E, quê mais? Aí eu volto, geralmente é o tempo de tomar um

que eu achava que eu queria. Eu queria uma coisa, eu comecei a

banho... E depois é quando eu trabalho nas minhas coisas, eu escrevo

trabalhar com tudo em volta, que não era aquela coisa, mas era o

os meus projetos, eu boto no edital, eu faço planilha, eu escrevo os

universo da coisa. Foi isso. Então eu tou assim, eu tou esperando...

meus textos... Sempre à noite. E aí às vezes eu varo a madrugada...

entender o que eu quero fazer, eu acho que é esse o momento que eu

Lógico que tem dias que eu não durmo à tarde

tou vivendo, eu tou, tou num momento de entender o que eu quero fazer. Quando eu descobrir isso eu vou conseguir começar a mover

*

minha vida de novo. Porque eu movi a minha vida pra tentar uma

UMA LOCUTORA (acelerada)

coisa, que agora eu não sei se é a coisa que eu

Eu acho que eu demorei muito pra aceitar viver experiências fora de

*

casa, assim, eu acho que eu fiquei muito tempo com um cordão

UMA LOCUTORA (acelerada)

umbilical muito grande, não que eu não tenha mais, mas eu acho que eu comecei a descobrir o mundo muito... Eu sei que eu sou super, eu

E eu não dirijo, eu não tirei carteira até hoje, aí eu vou de ônibus, sei

sou nova ainda, mas a minha adolescência foi muito tranqüila, sabe, eu

que demora uns 45 minutos, então é muito cedo, e eu durmo muito

acho que tem determinadas experiências, de adolescente, que são

tarde, porque a hora que eu começo a ficar viva é depois das 11 da

importantes pra você amadurecer. Eu sempre fui muito racional, e

noite, eu posso tar morrendo de sono o dia inteira, mas às 11 da noite

sempre, eu sempre achei que eu era muito madura, assim, e talvez eu

eu... Então é muito difícil acordar, então eu não consigo, resumo da

fosse em relação às pessoas da minha... Mas isso não me permitiu

ópera, eu não consigo ir todos os dias pra faculdade. Então quando eu

vivenciar determinadas coisas, algumas loucuras, tipo, não sei, coisas

vou a minha rotina é: ir pra faculdade, voltar, aí eu faço o meu almoço,

simples: passar o Réveillon fora de casa, eu demorei muito pra fazer

porque na minha casa não tem empregada, assim, tem mas ela não

isso, demorei... experiências amorosas, experiências, outros tipos de

cozinha, ela faz só faxina, então eu cozinho, ou então eu vou, como fora

experiências, eu acho que poderiam ter me estimulado mais


* UMA LOCUTORA (acelerada) Eu sempre me pergunto: quem vou ser eu, quem vai ser a – três pontinhos, né, porque eu não posso falar meu nome – quem vou ser eu, depois que eu conhecer a Europa inteira, depois que eu fizer todos os cursos que eu quero, que eu tiver casada, que eu tiver feito a minha peça, que eu tiver feito outras peças, que eu tiver... Lógico que eu sempre vou ter outros desejos, mas, a gente se acostuma um pouco a ser essa pessoa que espera essas coisas. Então a gente acorda, dorme, come, à espera de alguma coisa: e ainda bem, porque se a gente não estivesse esperando nada, a gente podia morrer. E eu acho, de verdade, que a gente sempre é alguma coisa baseado nas nossas esperas. Entendeu? Ficou muito? * UMA LOCUTORA (acelerada e forte) Acho que eu tenho, assim, na minha vida, muito mais intensidade que eu conseguia passar no palco, sabe? Embora eu fosse uma atriz que até conseguia enganar, muito bem até. Mas acho que hoje eu sou melhor. Eu hoje tenho muito mais contato com diretor e ator do que quando eu realmente tava em busca disso. Então assim, eu sinto que hoje, se eu quiser me envolver com teatro ou com cinema, é muito mais fácil: primeiro que eu sou muito mais sociável, minha carta de apresentação é muito melhor, sabe, eu tenho entrada em todos os lugares que eu

quiser, e as pessoas sempre se interessam. E é muito ruim isso, porque gera uma demanda, uma expectativa de demanda que eu não vou conseguir cumprir, entendeu. É foda, porque eu sou muito... As portas estão sempre muito abertas pra mim, isso foi uma coisa que sempre me aconteceu. Eu recebo convite pra fazer... Quando eu não tou com o menor interesse, eu sei que todo mundo à minha volta tá, eu recebo convite pra fazer uma peça, eu recebo convite pra fazer um teste, eu recebo convite pra não sei quê. E eu não tou com menor interesse naquilo. Então assim, eu realmente espero que as portas se mantenham abertas pra mim, por tempo indefinido. Eu espero retomar a minha carreira sim. Espero não, mas eu acho que sim. Não que eu espere, mas eu acho que sim. * MULHER (enfraquecendo até o último sopro) Eu acho que cada um sabe da sua capacidade, do seu potencial, da sua verdade, cada um sabe, né. Então assim, eu acho que, eu sou uma boa atriz, eu tenho, eu me conheço, eu tenho determinadas, eu tenho meu bauzinho, sabe, meu arcabouço de coisas... Eu acho que eu tenho talento: mas eu não sei se eu tenho vocação. Entende? Porque o talento tudo bem, mas eu acho que, pra você fazer um teatro, que é o teatro que eu valorizo, que é o teatro enquanto ofício, num país como o Brasil, que a cultura é colocada de escanteio, e que você precisa matar um leão por dia... Eu acho que pra você exercer o teu ofício, teatro, num país como o nosso, você tem que ter muita vocação. E vocação é


você... se despir de questões materiais, é você arregaçar a manga

cantar no videokê. As pessoas pedem pra ele cantar, sabe, ele canta

mesmo, sabe, e ter que pregar o preguinho lá, e ter que, é tudo, é tudo

direitinho, meu pai tem um estilo meio romântico. Eu trago da escola

– e só com talento, só o talento não sustenta, não sustenta. Então eu

na cabeça uma frase que um professor que eu gostava muito disse, e eu

posso ter talento, mas eu fico pensando, será que eu tenho essa

nunca esqueci, que ele dizia: ‘o difícil não é subir essa escada, o difícil é

vocação? Porque se realmente eu tivesse, será que eu teria desistido

descer’, porque a gente subia aquela escadaria, e a gente chegava lá em

do teatro assim? Eu não... Eu, eu, eu não sei se eu desisti, eu não sei. Eu

cima esbaforida, aí um dia ele falou ‘o difícil não é subir essa escada,

fico pensando nessas coisas, entendeu? Porque eu acho importante

vocês vão ver quando vocês descerem ela pela última vez, isso é que é

saber o momento de desistir. Eu acho importante, assim, porque tem

difícil’. E é realmente, você tá ali naquele mundinho, tá fazendo os seus

muita gente que, não de desistir, ou pelo menos de se encaminhar pra

trabalhos, tá conhecendo pessoas, trocando ideias, trocando

uma outra coisa, sabe, porque eu vejo muita gente que quebra a

experiências, mas você tá ali naquela redomazinha de estudante. E aí

cabeça, quebra a cabeça, e daqui a pouco, último nível você se joga da

quando você desce aquela escada... E a gente, a gente nunca sai

janela, entendeu. Então, eu acho que aquele sonho que eu tinha, de ser

preparada, sempre quando eu tenho uma dificuldade na carreira eu

atriz, que eu ia decorar um texto, eu ia subir num palco, as pessoas iam

lembro dessa frase. É porque era um lugar que eu tinha pra ir todo dia,

adorar... Meu pai, ele toca violão, ele participou de várias coisas, só que

e de repente eu não tinha mais aquilo, eu tava solta no mundo,

não deu certo como compositor, mas enfim. Ele sempre teve uma coisa

dependia de mim. Porque ali, de alguma maneira, você não dependia

meio idealista, assim, um sonho, de ser, de ser músico. E, na verdade,

muito de você, você tinha as suas aulas, você aproveitava. Quando você

ele fazia composições, assim, ele compunha muito, ele aprendeu a

sai dali, depende de você, você que tem que fazer. Aí, não sei, essa

tocar violão sozinho, pela revistinha. E fazia umas... Ele compunha, e

frase, eu nunca esqueci essa frase, eu também não penso nela

ele tem, ele canta bem, eu acho. Participava de festivais, quando ele era

diariamente, mas aí você me pergunta alguma coisa, eu só lembro

mais novo, assim, a minha idade, mais ou menos, viajava muito com a

dessa frase, engraçado, logo essa frase, assim, na minha cabeça.

minha mãe. Ele até ganhou um festival, não lembro agora qual foi. De vez em quando ele ainda pega o violão em casa e vai tocar, se bem que tem tempo que ele não faz. Ele não teve como investir, ele começou a trabalhar cedo pra ajudar em casa. E hoje em dia é um hobby: ele sai com os amigos, sai com um tio meu que canta também, e eles vão

(FIM DO ATO 2) *


ATO 3 LOCUTORAS (velocidade normal, bem explicadas) Eu sempre fui muito prática, eu sempre olhei a minha profissão pensando ‘eu quero viver dela’, eu nunca imaginei assim ‘eu vou fazer uma faculdade de Comunicação agora e vou ser jornalista e vou fazer teatro por hobby’. Eu sempre falei, desde o início, desde o dia que eu decidi que eu ia ser atriz: ‘eu quero viver disso’. Mas aí... Bom, porque a minha vida se divide. Eu tenho 32 anos de idade, e ela se divide: antes da dialética e depois da dialética, quando me foi apresentado esse instrumento tão valioso de enxergar a sociedade que a gente vive. Então, antes disso, podia até ter uma espera. Porque a situação é realmente de decadência, de merda, generalizada, ainda mais a gente falando daqui: América Latina, artistas. Então assim, não tem, realmente, grandes expectativas: ‘vai acontecer’, ‘o grande dia’, ‘estou me preparando pra esse grande dia’. A situação concreta, a situação posta na realidade, vai toda contra isso. Então se a gente começar a achar que tudo depende da gente, ‘depende de nós’, ‘a gente constrói a nossa história’, enfim, é maluquice. Por isso que eu digo: depois da dialética, a dialética como instrumento de você apreender a realidade – porque tem vários outros: tem a astrologia, tem a religião, tem o tarô, tem uma porrada. Então quando você começa a enxergar as coisas por esse olhar, pensando nesse contexto onde o econômico sempre vai determinar; que pra gente ser, pra gente continuar existindo, as relações são mediadas pelo dinheiro: pra você comer, pra você morar,

pra você se vestir. Então, ‘eu tou esperando por alguma’... não, não tou esperando, nada vai cair do céu, nada. E eu sei também que eu não vou ter o ‘grande êxito’, e também não vou ser frustrada. Não depende só de mim, também depende das condições objetivas. Então, eu acho que aí que veio, depois, esse intuito de fazer as coisas acontecerem, que eu vi que o telefone não ia tocar. Ninguém ia me chamar pra trabalhar, porque ninguém me conhecia! Eu tinha que fazer o meu espaço! Eu tinha que impor a minha presença, porque eu não tava sendo chamada e eu queria tar ali. Eu não sabia que o ator tinha que ser um empreendedor, eu não tinha essa consciência. Eu já sabia, mais ou menos, que tinha atores que se produziam. Mas eu não sabia que o negócio era tão cruel, sabe, que era tão... Eu achava que tinha um caminho que você era descoberto! Você era chamado pra uma peça aqui, depois era chamado pra um peça ali, e você sempre mais ou menos tinha um trabalho. Mas não é assim, tem uma demanda muito grande, são muitos atores que se formam por ano, é incrível, por semestre, não é nem por ano. E não tem espaço pra todo mundo. Não tem. E eu não sabia disso. De uma forma ou de outra, eu achava que quando eu me formasse, ia surgir... e não é assim, é um caminho árduo, é uma história que se faz, pra se chegar a algum lugar. Tem uma frase muito legal, que eu sempre penso nela, sempre: ‘eu demorei 20 anos pra fazer sucesso da noite pro dia’. E é, eu acho que tem isso, uma pessoa que te vê num papel de destaque, ela não sabe o que você ralou antes, o que aconteceu. Então eu acho que eu devia ter me *


LOCUTORAS Não entra na profissão porque quer fazer sucesso, porque se vier a fama vai ser uma fama muito melhor. E se não vier... Eu acho que tudo tem seu preço, se você entra nessa porque você quer ser famoso, lá na frente isso vai repercutir, e não vai ser uma fama legal, sabe, eu acho importante você ter conteúdo. Mas, também tem aquele negócio, né, não tou falando, tem aquele idealismo, aquela coisa: ‘ah não, eu quero ser atriz só de teatro’. Foda-se! Não é ser atriz só de teatro, eu quero é, eu quero é mostrar a minha cara, entendeu? A única coisa que o ator conta na vida é com a cara dele. Sabe? Então assim: o quanto eu puder encostar numa pessoa, num evento que eu vou, sabe, seja, sei lá, Fernanda Montenegro, porque eu vejo essa galera... Eu quero que as pessoas vejam a minha cara e que saibam o meu nome, porque daí eu posso fazer outras coisas. E se eu pensasse isso na época que eu tava na escola, sabe. Por exemplo, uma produtora de elenco da Globo viu nossa esquete no festival, gostou, falou, me chamou e falou: ‘me manda teu material’. Eu teria mandado. Hoje, eu mandaria obviamente. Eu caguei. Caguei pra ela, não mandei, pensei ‘se quiser me liga’, entendeu? ‘Se quiser me liga você’. Mas hoje eu mandaria, porque... Não é questão de... Sabe? É um idealismo, é uma bandeira. É um idealismo idiota, tipo ‘não vamos entrar pra Globo, vamos ser artistas’! ‘Pra que eu ia querer mandar o meu material pra Globo?’ Pra que, pra ganhar dinheiro, pra isso! Não, mas não é nem isso, é uma coisa de você achar que ainda tem muito tempo, entendeu? Você não tem tanto tempo assim. A cada dia que você passa como ator e você não é

reconhecido você vai se munindo de proteções. Mas é, não é? Depois de 6 anos, você não acha que você, 6 anos pra cá, você tá lutando pra caralho, pra ser atriz, sabe, fazendo uma porrada de coisa, cara, o mundo taria aberto pra você se você tivesse mandado, sabe? Taria. Talvez você fosse menos você. A gente tem que sempre se corromper. A gente sempre vai se corromper. Talvez você fosse menos você, mas talvez você tivesse mais realizado em outra parte, entendeu? Financeiramente, tivesse sendo reconhecido, talvez tivesse oportunidade de fazer outras coisas. Ser chamado pra, não sei... Eu esperava mais reconhecimento, de imediato, que eu acho que todo mundo espera quando começa na arte, sem hipocrisia, sem nada, sabe. ‘Ah, eu sou artista porque eu sou artista, eu quero ficar aqui desaparecido, eu quero ficar invisível’: não, sabe. Eu acho que todo mundo entra na arte proposto a que as pessoas reconheçam. Ninguém quer ficar invisível. Olha as pessoas de sucesso, que eu admiro, os artistas que são ótimos e que tão ganhando dinheiro: sei lá, Wagner Moura – visível – Lázaro Ramos – visível. Lília Cabral – visível. Eu – invisível. Ninguém tá me vendo. Ninguém vem aqui pra me ver. Quem quer isso? Quem que ser artista pra isso, invisível, quem tá me vendo? Quem tá me olhando? Tem alguém me olhando? *


LOCUTORAS Aí eu resolvi trabalhar em cima de uma cicatriz, um assunto mal resolvido que eu tenho na minha vida com o meu pai, que na verdade ele nem imagina, e é um assunto tão mal resolvido que, assim, eu resolvi trabalhar com ele porque eu pensei, já que eu não, eu não acredito que eu vou conseguir resolver isso com o meu pai nunca, ou sei lá, não tão cedo, eu quero trabalhar ele no meu corpo, pra ver se, de certa forma, ele fica mais leve pra mim. Meu pai tem uma coisa que, ele toca violão, ele sempre teve um sonho, de ser, de ser músico, aí ele fazia composições, ele aprendeu a tocar violão sozinho, pela revistinha. E aí no início, quando eu comecei a trabalhar, foi extremamente doloroso, eu fiquei sem dormir vários dias, eu chorava muito, eu fiquei deprimida... Aí eu falei ‘não, calma, eu vou começar mais pelas beiradas’, e eu fui aos poucos tentando, pegando uns elementos mais... superficiais. É como, assim, você recebe um estímulo, e esse estímulo vai falar um pouco de você, você vai falar um pouco de você, esse era o exercício, e aquilo acabou virando uma espécie de dramaturgia, você sobe no palco pra falar as suas verdades misturadas com outras coisas. E um dia eu apresentei isso na sala. Eu fiz uma célula, onde eu só falava assim: ‘pai, eu queria te dizer uma coisa’, e aí tinha uns gestos, umas músicas, umas fotos, e aí eu falava ‘nada não’. Terminava assim: ‘nada não’. E assim, eu acho que ficou uma curiosidade em quem viu, do tipo, ‘que será que ela queria dizer pro pai?’, ou ‘o que que ela tava sentindo?’, ou ‘o que que tinha ali?’, mas, cara, foi uma experiência muito bacana. Eu mesma não sei dizer... Eu sei que não tava ali a dor, a

dor da coisa mal resolvida, tava mas não tava, tava nos gestos, nos elementos, mas era uma outra coisa, como se * LOCUTORAS Eu acho que pessoas interessantes, eu acho que atrizes interessantes geralmente têm crises. Não sei explicar, mas, mas as atrizes que eu costumo achar interessantes têm, não sei se, por ficar em contato com algumas questões, e procurar, e se informar mais, talvez, isso deve mexer de alguma forma, se você tem uma sensibilidade, talvez, não, não mais aflorada, mas se você se permite desfrutar dessa sensibilidade... No meu caso, eu acho que eu sofro, mais, digamos assim, porque eu sou uma pessoa muito intensa. Eu sempre, por mais que eu diga que não, eu sempre espero que essa intensidade seja recíproca, tanto na relação homem-mulher, relação entre amigos, relação profissional, em tudo eu sou ligada no 220. Eu sinto demais. Quando eu fazia os personagens, eu ficava, em cena, com as mãos roxas, com calafrios, tudo de verdade, era uma loucura. Eu sempre escutei dos namorados, ‘você é dramática, você é atriz, né, você é dramática pra caralho’. Cara, eu não sou dramática porque eu sou atriz, e eu não sou atriz porque eu sou dramática, eu sou dramática e eu sou atriz. Talvez por você sentir muito as coisas que você seja atriz, né? Você não tá dramatizando porque você é atriz, você é atriz porque você sente muito as coisas, é muito viva pras coisas. Será que é isso? E eu espero sempre, sempre uma reciprocidade. Mesmo nos trabalhos,


às vezes eu entro numa de... Tenho até vergonha de falar isso, mas,

mais clichê do mundo, mas eu acredito que aquilo é vida, não é uma

nessa última peça que eu tava fazendo, teve um dia que eu entrei numa

coisa paralela à vida, é vida também, então eu tou no palco, mesmo que

crise tão grande de que: ‘que besteira, porque é que a gente tá fazendo

eu teja repetindo uma frase decorada, repetindo a marca, o que for,

uma peça tão idiota, assim, ninguém, vou questionar uma coisa que, âh,

mas aquilo é vivo, cada dia é uma pessoa assistindo, cada dia é uma

tão idiota, pra quê, pra que que alguém vai subir no palco pra falar

temperatura diferente, cada dia é um sentimento diferente que eu

isso, pra que que a gente vai fazer isso’. Eu não tava sentindo nada, que

chego ali. Se você não for uma pessoa interessante, uma pessoa que

eu não tava, dando, de mim, o que eu podia dar, porque as pessoas em

tenha a dizer... Enfim, uma pessoa realmente antenada pra conseguir

volta de mim não tavam, ninguém tava questionando nada. Aí uma dia

captar todas as referências, e voltar isso pro que você tá fazendo,

eu cheguei no ensaio, super séria, assim, compenetrada, uma noite sem

concentrar toda essa gama de informações praquilo que você se

dormir, falei ‘olha só, eu achava legal, cada um de nós, podia escrever

propõe... Você não vai desempenhar, como performer, como ator,

uma redação, sobre o que quer dizer, contar porque que tá fazendo,

como nada. Se você não

porque que tá, o que quer movimentar com essa peça, assim, o que quer dizer com isso, não que a gente tenha que dizer coisas, dar

*

respostas, mas, que perguntas tão na sua cabeça, o que que a gente, vai

LOCUTORAS

fazer isso por que, pra que, o que que cada um, o porque de cada um’. E

Às vezes eu vou na estreia de uma peça e eu fico: caralho, eu queria

aí todo mundo olhou pra minha cara, falou ‘cara, você tá doente, né?

muito fazer isso, sabe, só que eu não quero ficar nessa ansiedade. A

Tu quer o quê agora, que todo mundo faça uma redaçãozinha, você

coisa toma um rumo, que depois pra você, o trem ele passa, e depois

chega de professorinha aqui’, mas assim, eu fiquei revoltada, ‘essas

pra pegar de novo, né, é complicado. Mas eu tenho vontade de voltar a

pessoas sem sensibilidade, não é isso que eu tou propondo, é pensar o

fazer teatro. Mas eu acho que eu deixei o trem passar, eu não podia ter

que que a gente tá fazendo’. O que que a gente tá fazendo? Eu fiquei

deixado o trem passar, porque, assim, as pessoas, acaba que as

deprimida, eu falava ‘teatro não é isso’, tava revoltada com o que eu

pessoas, você perde os contatos. Eu acho que, o meu erro foi ter

tava vendo, e, assim, eu sentia muito um movimento sincero meu, é,

deixado isso acontecer, ter sido um pouco relapsa com isso. E hoje eu

tava investindo numa coisa, gastando muita energia com aquilo, e

sinto um pouco de saudade dessa maluquice, porque eu descobri ao

muita verdade minha, e tinha muita falsidade. Eu sempre, é, eu sempre

longo desse tempo que eu adoro dar aula, que eu gosto muito de dar

quis fazer teatro pra poder dizer alguma coisa. Eu sei que é a coisa

aula. E que também passou a ser uma necessidade, pra me manter.


Tem o mestrado também, todo o estudo. Mas eu sinto um pouco de

parte, mas eu acredito muito, eu falo assim: ‘cara, eu ainda não tou no

saudade de ter esse ânimo, essa vontade. Saudade de ter vontade

lugar que eu quero tar, como atriz, mas eu tenho certeza que o dia que

daquilo. Porque hoje não tem mais sentido pra mim. Tem sentido tar

eu chegar lá eu não saio mais’. Porque eu tou subindo, realmente, cada

em cena, sim, eu quero tar em cena, mas é numa outra perspectiva,

degrau, e eu nunca paro de me renovar, e eu tou lutando, eu não tou

numa outra coisa. Mas ao mesmo tempo: como é bom fazer alguma

me desvirtuando pra outras coisas, o pouco que eu me desvirtuo pra

coisa, ensaiar, errar, fazer de novo, apresentar, o público... Mas assim,

outras coisas eu nunca perco o foco. Eu espero muito poder viver da

eu não tou fazendo mas não tou desesperada. Naquela época, se eu

minha profissão, sem precisar do meu pai, me ajudando há séculos, e

ficasse 2 dias sem ensaiar, 3 dias, eu queria morrer.

eu espero muito estar num patamar, assim, de escolher os meus

* LOCUTORAS

trabalhos, de receber convites, tar numa rotatividade grande, de tar, sei lá, em dois trabalhos ao mesmo tempo, e já emendando num terceiro, enfim. Sabe o que é uma estrela? A estrela que eu tou falando

Então. Eu sei o lugar que eu quero chegar. Eu sei o lugar que eu tou.

não é metáfora não, estrela estrela mesmo no céu. Ela primeiro se

Mas eu ainda não sei ao certo o caminho, pra chegar lá. Entendeu? Eu

condensa, se condensa, se condensa, pra depois explodir. A luz que a

acho que eu ainda sou um pouco desorientada. Eu tenho vários

gente vê da estrela no céu é a luz da explosão, lembro sempre do meu

caminhos. Eu tento me munir de conhecimento, eu tento me munir de,

pai me falando isso. E eu tenho essa metáfora, assim, eu tou fazendo

de currículo mesmo, sabe, de tar fazendo várias coisas. Eu foco em

uma bagagem, enchendo meu bauzinho, pra onde eu vou exatamente,

continuar, em fazer várias coisas, em fazer vários projetos, agora,

eu tenho até uns caminhos a médio e longo prazo, que também eu não

assim, o que que vai me levar até onde eu quero, o caminho, eu não sei,

sei se vão dar certo, mas eu tou fazendo bagagem. E eu quero explodir.

porque senão eu já teria feito há muito tempo, né. Minha prima é atriz

*

também, ela tava até na novela das sete agora, fazendo sucesso. E ela mesmo falou, ela falou: ‘cara, com 25 anos eu também era muito

LOCUTORAS

desorientada. Depois eu fui me orientando. E eu entendi qual era o

E aos poucos, eu fui me apaixonando pela Comunicação. Eu acho que

caminho pra chegar onde eu tou’. Ela falou pra mim. E eu tou nessa

eu descobri que eu não sei viver na instabilidade, sabe, aquela coisa:

esperança de entender. Que ela tá com 32, então vamos supor assim,

hoje eu tenho dinheiro, mês que vem eu não sei se eu vou ter. Porque

eu ainda tenho 7 anos, pra entender. Pode parecer pretensão da minha

acho que a vida de ator, de artista, você não sabe se você vai ter


dinheiro esse mês, e no próximo quanto você vai ter, se você vai ter

cara, se o grupo é forte, a coisa anda. E aí tudo flui, você consegue, as

que viver na ponta do lápis. A não ser que você seja um global, um ator

pessoas tão pensando... Eu acho que a gente fica muito dependente,

global, né, um Hollywoodiano, às vezes é difícil também, não sei, nunca

entendeu, desses super-proponentes, entendeu, e da direção deles, que

vivi essa realidade pra saber como é. E aí eu descobri que eu precisava

é foda, e você vai ficar tranquilo que você tá trabalhando numa coisa

de estabilidade, aquela coisa certa, eu preciso saber onde eu tou

de bom gosto... Mas eu também tenho vontade, essa coisa de tar com

pisando. E eu fui me apaixonando pela Comunicação, fui vendo que... E

um grupo de pessoas que você acredita, e criar uma, e a gente se

eu descobri também que o teatro pra mim, não é aquela coisa, eu tava

descobrir, dirigindo, se descobrir fazendo, porque também, né, tem

insatisfeita comigo mesma. E aí é uma coisa muito pessoal, e aí você

uma hora que não dá pra ficar sempre dependendo, tem uma hora que

quer mudar de vida, e aí você muda de vida, muda de país, muda de,

a gente tem que também fazer da nossa cabeça, ‘quem é?’, somos nós,

sei lá, continua os mesmos problemas porque tá dentro de você,

eu você você você, pensamos isso, achamos que isso ficou legal, é

entendeu? Eu tinha que resolver dentro, eu não tinha que resolver

pequeno mas é isso que a gente pensa agora. Porque um dia no

fora. Eu não tinha que ser famosa, que ser atriz, que virar de cabeça

começo não é tão maravilhoso, mas depois vai ficar, como é que as

pra baixo. De repente aquela vida, de repente ali mesmo, ser, sei lá,

pessoas chegaram onde tão, chegaram porque trabalharam, porque

executiva e trabalhar com isso. Porque eu gosto de ser executiva. Eu

continuaram. Eu acho que eu desejo um teatro que não é aquele teatro

adoro o que eu faço. Adoro! Então de repente é isso mesmo que

que pra mim é o mais usual, o que todo mundo faz. Eu descobri que o

* LOCUTORAS

teatro pode ir além do que, do que, o tipo de teatro pode ser outro, pode ser maior do que o que já existe. É, eu acho que isso tem me movimentado um pouco. Porque pra ser mais um... É que antes eu

Enquanto atriz eu, eu, eu teria muita vontade de, eu tenho vontade de

achava que eu podia não ser só mais um me destacando e fazendo

participar de um projeto assim. Eu tenho me desapontado muito com

muito bem aquilo que eu tava fazendo. Só que eu acho, hoje em dia,

essa coisa individualista do teatro daqui, tipo: ‘ah vou te chamar pra

que o que eu escolho também implica em não ser mais um, eu sinto

fazer um trabalho’, aí você vai, faz o trabalhinho lá, aí pronto, acabou;

que

aí depois, amanhã ou depois, surge um outro trabalho, que aí você faz,

*

vai com um diretor – não! Eu acredito em grupo, eu acredito nessa coisa que o teatro traz pra gente do coletivo. E quando o grupo é forte,


MULHER E aí eu larguei a faculdade, tranquei a faculdade e entrei pro curso profissionalizante. Eu não tinha muita expectativa da escola, até a expectativa que muitas pessoas tem, do tipo ‘ah eu vou estudar primeiro e depois vou fazer uma novela’, eu não tinha isso, sabe, eu já trabalhava com teatro, eu já fazia teatro, na minha cidade, desde os 11 anos eu faço teatro. Aí eu parei de fazer teatro pra fazer uma faculdade, aí fui fazer a faculdade e vi que eu queria teatro de verdade, então eu tranquei a faculdade e vim pra cá, pro Rio de Janeiro, pra pensar na maneira de me profissionalizar. Apesar de sempre... Pra mim atuar sempre foi, dentro de todos os problemas, de todo o refinamento, sempre foi uma coisa pra mim muito fácil. Como eu era muito estudiosa, eu experimentava muito, todas as técnicas eu aprendia, eu exercitava aquilo com toda a seriedade do mundo. E eu via ter efeito na prática: se era uma cena pra fazer as pessoas chorarem, se emocionarem, eu atingia aquilo. Uma vez até me chamaram de promessa, promessa da escola, que eu ia acontecer da mesma forma que eu acontecia em cena. Teve uma professora que me disse, uma coisa que eu lembro até hoje, ‘o teatro perderia muito sem você’, ela me disse, nossa, eu fiquei... Eu acho que talvez eu, eu, eu não tenha feito tudo que eu podia ter feito, sabe. Eu tenho essa, essa sensação, várias vezes, que eu podia ter me esforçado mais quando eu tava começando, podia ter selecionado mais, podia ter, sabe. Selecionado mais as propostas sem ser de atriz que me apareciam. Porque eu tava muito desesperada por manutenção, então eu

precisava trabalhar, qualquer coisa que aparecia, que tava de alguma maneira ligada a teatro, eu queria fazer, eu queria, mas eu não queria ficar só nisso, eu queria ser atriz, eu vim pro Rio pra ser atriz. Mas enquanto você não consegue viver disso, pra não surtar, você precisa arrumar uma coisa à parte, o mais dentro possível do que você quer, pra você não pirar, né, pra você não lidar diariamente com uma frustração, até pra você poder ter condição de fazer o que você gosta, né. E, eu, eu sinto que eu já tou começando a ficar afim de ter filho, assim, um pouco, mas eu tou esperando, segurando um pouco a onda ainda, porque eu queria ter uma estrutura melhor, sabe, e eu me sinto muito nova, me sinto nova ainda, mas não sou tou nova, eu tenho 28, não sou tão novíssima, mas tá uma pressão louca, eu tenho sonhos, as minhas tias já tiveram sonho, de que eu tou grávida, minha mãe tem visões, que olhou sem querer no espelho e teve um deja-vu, e me viu com um berço – é uma loucura! Eu acho que sim, acho que se agora eu decidir que ‘sim, eu quero ser atriz, e continuar’, se eu quiser eu chego lá, eu acho que sim, sabe. Apesar dessa minha... Eu acho que eu tou trilhando um caminho bom, porque eu, apesar de eu não ter trabalhado tanto como atriz, eu sei tudo o que é preciso pra uma peça acontecer, então se eu quiser hoje trabalhar como atriz, eu consigo fazer o meu trabalho acontecer. Eu sei como conseguir, ele pode não chegar porque eu não tenho um nome, sabe, mas eu... O caminho que eu trilhei, eu conheci pessoas do meio, que tão no meio, eu acho que eu já fiz coisa muito legal, pra idade que eu tenho, sabe, e pro que eu fiz – eu tenho 29 – eu já fiz coisa muito legal. Eu venho por um processo


muito de tirar ilusão da minha cabeça, sabe, eu acho que a gente se ilude muito com as coisas. Eu sou aquariana, então o aquariano tem uma tendência de sonhar muito, pensar muito, tar com a cabeça sempre a mil, pensando, agitando as coisas, mas ele coloca muito pouco em prática, sabe, não quero generalizar, dizer que todos os

EPÍLOGO Precisa observar muito, precisa ler bastante, precisa procurar dizer coisas, precisa se dedicar bastante, de repente experimentar algumas coisas, pra procurar ter uma clareza

aquarianos são assim, mas eu tenho essa característica. E eu fico

*

olhando, eu tenho conhecimento de, caraca eu conheço muita coisa,

Acho que quando você é nova, você abrir os horizontes, quanto antes

conheço muita gente, e eu posso formar uma equipe, sabe, eu acho que

melhor, estudar música, estudar artes plásticas, saber de todo esse

se eu quiser continuar nesse caminho, sim, eu posso ser atriz, se eu

universo, que não, que tá dentro cada vez mais da interpretação, do

quiser ser atriz, sabe, acho que sim, acho um bom caminho.

teatro, essas coisas cada vez mais se misturando, e quanto mais

*

conhecimento você tiver de tudo isso

UMA LOCUTORA

*

É a mesma sensação, a primeira peça que eu fiz, era de uns gatinhos,

Se conhecer muito; e tar sempre aberto às interferências da vida; se

com 8 anos, 9, 9 anos, e aí, o menino, ele não pôde fazer no dia, ele era

alimentar bem; ser saudável na medida do possível; ter muita certeza

um gatinho que entrava e dava a seguinte fala: ‘O Malazarte vai ficar

do que quer, porque é difícil pra caralho

feliz’. Eu ganhei o personagem naquele dia, eu fiquei tão louca que eu

*

ia poder fazer aquilo, que era uma oportunidade, era um momento ali que eu ia fazer muito bem, eu vim da coxia correndo, eu lembro

Dê pra quantos puder! Pra conseguir, até chegar lá.

perfeitamente, uma garrafa d’água na mão, parava, olhava pra frente,

*

falava: ‘O Malazarte vai ficar feliz’, eu tinha me apossado daquilo, sabe,

Não, assim: dê pra quantos puder e quiser, mas sem ser pra chegar lá,

aquilo era meu, e corria, e não aparecia mais na peça. Era incrível, era

porque não adianta porra nenhuma. Dei dois meses pra diretor, me

incrível, eu lembro que era um, foi uma das coisas mais

adiantou porra nenhuma, ele viajou, casou e tá com filho.

*

*


Deixa eu falar aqui meu depoimento: eu dei pra diretor sim, porque eu queria dar, mas eu nem pensei em subir, porque eu já tava lá, quando eu dei. Quando eu dei já tinha alcançado meu objetivo, então eu dei não foi nem por agradecimento, eu dei porque eu tava afim. * É sempre importante ter alguma coisa pra dizer, se não tem melhor não fazer nada, fazer por fazer não tem muito sentido. * A gente tem que fazer, pensa menos, todas as minhas amigas falam isso pra mim, ‘pensa menos e faz’. Às vezes a gente se perde nos desejos, nas vontades, nas criações, e faz menos. Então, não ter receio de fazer, porque o que planta brota, assim, se a gente não fica só pensando em plantar uma roseira, a gente vai lá e planta, ela pode dar bicho e não crescer, ela pode, a flor vai murchar, vai acontecer tudo isso, mas eu fui lá e plantei, então se ela não nasceu, eu planto de novo, se a geada matou, eu vou lá e planto de novo (FIM DO ATO 3)


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.