Obscena

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MULHERES ENCARANDO O OBJECTO Massa de Sentidos e In-Organic de Marcela Levi texto Katja Praznik 78

As duas peças de dança Massa de sentidos e In-organic da artista brasileira Marcela Levi podem ser vistas

como performances complexas pelas várias maneiras como as podemos abordar. Fá-lo-ei enquanto espectadora feminina e participante do festival, de forma a articular as performances de Levi com a coerência inerente à mente e ao corpo ou, segundo as palavras de Elizabeth Grosz, como “corpos e mentes não são duas substâncias distintas ou dois tipos de atributos de uma única substância, mas algo que existe entre essas duas alternativas”. De modo a inverter a hierarquia habitual do corpo e da mente e a longa história da fobia dos corpos, Grosz usa o modelo da banda-desenhada de Möbius para repensar a noção de corpo e de mente na subjectividade e no corpóreo, mostrando “a inflexão da mente no corpo e a do corpo na mente, as maneiras como um lado se torna no outro através de um mecanismo de inversão e reversão”, e “a transformação de um no outro, a passagem, o vector ou o fluxo incontrolável do interior para o exterior e do exterior para o interior.” Estas são também as questões que Levi aborda explicitamente tanto em Massa de sentidos como em In-organic. Em Massa de sentidos, usa uma referência muita específica – a de Object Dard do artista conceptual Marcel

Duchamp, onde Duchamp utilizava a pasta dos dentistas para fazerem dentes falsos para produzir um molde da sua mulher. Assim, Levi pega não só nessa pasta mas em massa de pão tingida de vermelho (o que abre ainda outro nível de significados no campo dos estereótipos masculinos e femininos) como um ponto de diálogo na performance onde todos os materiais, objectos e o corpo da artista são vistos como parceiros iguais na produção de imagens físicas e sensoriais. Para além desses objectos Levi utiliza também um muro de projecção que nos mostra em visão de olho-de-pássaro a sua actuação na área quadrada do palco. Com a introdução deste ele-mento, o espectador vê-se confrontado com a referida e intrigante ambivalência ou passagem do interior para o exterior, representando aqui o ecrã o exterior visível e o corpo no seu quadrado como interior corpóreo emocional. Assim, as noções de interior e exterior apresentam duas componentes cruciais que se cruzam em vários elementos da performance, produzindo imagens que vemos não apenas pelo nosso olhar, mas pela experiência física e emocional do acto em si. A torção do interior e exterior, corpo e mente, do visual e do corpóreo, está interligada de forma complexa, e em vários níveis, pela metáfora material das bonecas russas presentes na peça de Levi.

Massa de sentidos

III

ESPECTÁCULOS

II

DIAS DO JUÍZO

I


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