TCC arqurbuvv Segregação Socioespacial em Áreas Infraestruturadas da Cidade: O caso Divino Espírito

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SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM ÁREAS INFRAESTRUTURADAS DA CIDADE: O CASO DIVÍNO ESPÍRITO SANTO

ARQUITETURA E URBANISMO LUÍSA CAMPOS SANTOS 2020/01

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UNIVERSIDADE DE VILA VELHA LUÍSA CAMPOS SANTOS

SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM ÁREAS INFRAESTRUTURADAS DA CIDADE: O CASO DIVÍNO ESPÍRITO SANTO

Vila Velha 2020

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LUÍSA CAMPOS SANTOS

SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM ÁREAS INFRAESTRUTURADAS DA CIDADE: O CASO DIVÍNO ESPÍRITO SANTO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador (a): Prof. ª Dr. ª Ana Paula Rebello Lyra.

Vila Velha 2020 4


LUÍSA CAMPOS SANTOS SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL EM ÁREAS INFRAESTRUTURADAS DA CIDADE: O CASO DIVÍNO ESPÍRITO SANTO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientador (a): Prof. ª Dr.ª Ana Paula Rebello Lyra.

Parecer da Comissão Examinadora em 30 de junho de 2020.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________ Prof. Drª. Ana Paula Rabello Lyra Universidade Vila Velha Orientadora ______________________________ Arq. Mestranda Nayra Carolina Segal da Rocha Universidade Vila Velha Avaliador Interno ______________________________ Arq. Iago Longue Martins Especialista em Sustentabilidade no Ambiente Construído pelo IFES Avaliador Externo

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AGRADECIMENTOS À Deus, por iluminar meus caminhos e me manter forte até o final Aos meus pais, Fátima e Carlos, por não medirem esforços para que eu realize os meus sonhos, em especial, à minha mãe por ser minha luz e fonte de inspiração Ao meu irmão por estar sempre ao meu lado, encorajando-me a seguir em frente Ao Matheus, meu amor, por me proteger, por me cercar de carinho, ser meu companheiro de vida e a melhor parte de mim Aos meus avós, por serem meus exemplos de vida Às minhas amigas queridas, Isabela e Alexia, minhas companheiras diárias por todos esses 5 anos Às minhas irmãs de alma, Bruna e Letícia, por fazerem valer o sentido da palavra amizade e estarem comigo nos bons e maus momentos A todos os professores pelos valiosos ensinamentos À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Ana Paula Rabello Lyra, pela carinhosa acolhida, acompanhando-me por todos esses meses e dando todo o auxílio para que eu chegasse até aqui Luísa Campos Santos

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“Para ser um bom arquiteto você tem que ter amor pelas pessoas, porque a arquitetura é uma arte aplicada e lida com a moldura da vida das pessoas.” Ralph Erskine 7


RESUMO

ABSTRACT

A ruptura socioespacial resultante de um desenvolvimento urbano despreocupado

The socio-spatial rupture resulting from a carefree urban development with the

com a interação de diferentes camadas sociais é um dos principais fatores da

interaction of different social strata is one of the main factors of inequality. Social

desigualdade. A segregação social tornou-se uma característica do crescimento das

segregation has become a characteristic of the growth of cities, reducing the use of

cidades, diminuindo a utilização dos espaços públicos e daqueles destinados à

public spaces and those intended for pedestrian circulation, limiting their relationship

circulação dos pedestres, limitando sua relação com os centros urbanos. Surge então

with urban centers. The need then arises for the elaboration of an intervention project

a necessidade da elaboração de um projeto de intervenção que busque promover a

that seeks to promote the approximation of citizens to their society, revitalizing public

aproximação do cidadão com sua sociedade, revitalizando os espaços públicos.

spaces. Thus, through a study of the causes and consequences of the fragmentation

Assim, através de um estudo das causas e consequências da fragmentação da

of the Divino Espírito Santo neighborhood region, as well as an analysis of the needs

região do bairro Divino Espírito Santo, bem como por meio de uma análise da

of its residents, with the collaboration of government agencies, make it possible to

necessidade de seus moradores, com a colaboração de órgãos governamentais,

carry out this project based on walkability, sustainability and improving the quality of

torna-se possível a concretização deste projeto fundamentado na caminhabilidade,

life.

sustentabilidade e na melhoria da qualidade de vida. Palavras-chave: Segregação Socioespacial, Ruptura Urbana, Caminhabilidade,

Keywords: Socio-spatial Segregation, Urban Disruption, Walkability, Urban Planning, Public Space.

Planejamento Urbano, Espaço Público.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Cracolândia no bairro da Luz .................................................................. 36 Figura 2 – Nova Hierarquia Viária ............................................................................ 39 Figura 3 – Circulação de pedestres ......................................................................... 39 Figura 4 – Sistema cicloviário .................................................................................. 40

Figura 26 – Mapa Síntese ........................................................................................ 57 Figura 27 – Mapa de Setorização Morfológica .......................................................... 58 Figura 28 – Mapa Malha viária ................................................................................. 59

Figura 5 – Sistema de transporte coletivo ................................................................ 40

Figura 29 – Av. Luciano das Neves .......................................................................... 60

Figura 6 – Âncoras e conexões ............................................................................... 41

Figura 30 – Av. Capixaba ........................................................................................ 61

Figura 7 – Setorização ............................................................................................ 41 Figura 8 – Proposta do eixo de entretenimento ........................................................ 42

Figura 31 – Av. Gonçalves Lêdo .............................................................................. 62

Figura 9 – Proposta do setor Triunfo ........................................................................ 42

Figura 32 – Setor 1 .................................................................................................. 63

Figura 10 – Proposta do setor Nébias ...................................................................... 43

Figura 33 – Setor 2 .................................................................................................. 65

Figura 11 – Diagrama das propostas gerais ............................................................. 43 Figura 12 – Mapa de Localização Geral ................................................................... 48

Figura 34 – Setor 3 .................................................................................................. 66

Figura 13 – Mapa de Localização da Poligonal......................................................... 48

Figura 35 – Setor 4 .................................................................................................. 68

Figura 14 – Mapa de Uso do Solo............................................................................ 50

Figura 36 – Setor 5 .................................................................................................. 69

Figura 15 – Barreiras físicas: Hospital Vila Velha ...................................................... 50 Figura 16 – Barreiras físicas: Shopping Vila Velha .................................................... 51

Figura 37 – Setor 6 .................................................................................................. 71

Figura 17 – Barreiras físicas, Universidade de Vila Velha .......................................... 51

Figura 38 – Setor 7 .................................................................................................. 72

Figura 18 – Barreiras físicas: Ministério Público e Fórum de Vila Velha ...................... 51

Figura 39 – Mapa de Setorização Geral ................................................................... 84

Figura 19 – Figura Fundo ........................................................................................ 52 Figura 20 – Macrozoneamento ................................................................................ 52

Figura 40 – Perspectiva do desenho urbano............................................................. 84

Figura 21 – Zoneamento ........................................................................................ 53

Figura 41 – O caminhar em perspectiva ................................................................... 85

Figura 22 – Mapa de Mobilidade ............................................................................. 54

Figura 42 – Espaços públicos de transição e lazer .................................................... 86

Figura 23 – Becos e vielas presentes no bairro Divino Espírito Santo ........................ 55 Figura 24 – Mapa de Aspectos Ambientais .............................................................. 56 Figura 25 – Acúmulo de lixo nas proximidades do Hospital Vila Velha e ponto de

Figura 43 – Térreos e fachadas ativas pelo uso misto .............................................. 86 Figura 44 – Espaços vivos ...................................................................................... 87

alagamento em acesso à Avenida Luciano das Neves ............................................. 57

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Problemática....................................................................................................................................................................................................................................... 44 Tabela 2 – Fragilidade, diretrizes e ações do Projeto Nova Luz .............................................................................................................................................................................. 44 Tabela 3 – Metodologia ........................................................................................................................................................................................................................................ 45 Tabela 4 – Idealizações do Projeto Nova Luz ........................................................................................................................................................................................................ 45 Tabela 5 – Renda média da população ................................................................................................................................................................................................................. 55 Tabela 6 – Síntese das densidades dos bairros ..................................................................................................................................................................................................... 56 Tabela 7 – Síntese das recomendações .......................................................................................................................................................................................................... 79-80 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Percentual de usos do Setor 1 ........................................................................................................................................................................................................... 64 Gráfico 2 – Percentual de usos do Setor 2 ............................................................................................................................................................................................................ 65 Gráfico 3 – Percentual de usos do Setor 3 ............................................................................................................................................................................................................ 67 Gráfico 4 – Percentual de usos do Setor 4 ............................................................................................................................................................................................................ 68 Gráfico 5 – Percentual de usos do Setor 5 ............................................................................................................................................................................................................ 70 Gráfico 6 – Percentual de usos do Setor 6 ............................................................................................................................................................................................................ 71 Gráfico 7 – Percentual de usos do Setor 7 ............................................................................................................................................................................................................ 73 Gráfico 8 – Percentual da área ocupada por setor ................................................................................................................................................................................................ 74 Gráfico 9 – Percentual de usos da Poligonal ......................................................................................................................................................................................................... 74

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LISTA DE ABREVIATURAS APP’s – Áreas de Preservação Permanentes DOTS – Desenvolvimento Orientado do Transporte Sustentável EIA – Estudo de Impacto Ambiental EIV – Estudo de Impacto de Vizinhança HIS – Habitações de Interesse Social IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano ITDP – Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento OODC – Outorga Onerosa do Direito de Construir OUC – Operação Urbana Consorciada PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo PMVV – Prefeitura Municipal de Vila Velha PPP’s – Parcerias Público-privadas RMGV – Região Metropolitana da Grande Vitória TAC – Termo de Conduta UVV – Universidade de Vila Velha ZEIS – Zonas de Interesse Social

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sumรกrio 12


1. INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................................................................................................................15 2. IMPACTO DA SEGREGAÇÃO URBANA NA CONFIGURAÇÃO DA CIDADE .............................................................................................................................................19 2.1

SEGREGAÇÃO URBANA, UM BREVE HISTÓRICO: CONCEITO, TIPOS E CAUSAS ........................................................................................................................... 20

2.2

INCOERÊNCIA ENTRE O INSTRUMENTO URBANÍSTICO E O DESENHO DA CIDADE ....................................................................................................................... 24

2.3

INFLUÊNCIAS URBANAS NAS INTERAÇÕES SOCIOESPACIAIS ....................................................................................................................................................... 28

3. DA TEORIA À PRÁTICA: ESTUDOS E INTERVENÇÕES NAS CIDADES ...................................................................................................................................................31 3.1

REFERENCIAIS TEÓRICOS: SEGREGAÇÃO E POLÍTICA URBANA ................................................................................................................................................... 32

3.2

REFERENCIAIS PRÁTICOS: SÃO PAULO, NOVA LUZ ....................................................................................................................................................................... 36

3.3

INTERSEÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA ......................................................................................................................................................................................... 44

4. DIAGNÓSTICO: BAIRRO DIVINO ESPÍRITO SANTO ...............................................................................................................................................................................47 4.1

CONTEXTO HISTÓRICO E LOCALIZAÇÃO DA POLIGONAL DE ESTUDO ................................................................................................................................................................. 48

4.2

ASPECTOS ESPACIAIS: O USO DO SOLO, BARREIRAS E EXCLUSÃO ..................................................................................................................................................................... 49

4.3

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E A INCLUSÃO SOCIAL NO ESPAÇO ......................................................................................................................................... 55

4.4

ASPECTOS COMPLEMENTARES: UMA ANÁLISE AMBIENTAL .......................................................................................................................................................... 56

4.5

SÍNTESE DO DIAGNÓTICO: ENTRE A INFRAESTRUTURA E A SEGREGAÇÃO......................................................................................................................................................... 57

4.6

ANÁLISE MORFOLÓGICA E COMPORTAMENTAL DOS SETORES ............................................................................................................................................................................. 58

5. PROPOSTA..........................................................................................................................................................................................................................................77 5.1

DIRETRIZES CONCEITUAIS: RECOMENDAÇÕES E APLICABILIDADES ............................................................................................................................................ 78

5.2

DIRETRIZES PROJETUAIS: PASSOS PARA IMPLANTAÇÃO DO DOTS .............................................................................................................................................. 82

5.3

PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: MODELO DOTS ADAPTADO A RECONCILIAÇÃO URBANA ........................................................................................................... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................................................................................................88 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................................................................................................89

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01

introdução

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1.INTRODUÇÃO A Segregação socioespacial constitui o objeto central de análise deste estudo, que tem como foco as

Esse estudo procura entender a situação da segregação socioespacial que se consolida na região e,

áreas consolidadas e infraestruturadas da cidade.

Parte-se do pressuposto que a segregação

a partir de referenciais teóricos sobre o tema, identificar diretrizes que possam contribuir para reverter

socioespacial resulta de um processo dinâmico e contínuo, compreendido como parte central do

essa realidade. Pretende-se com essas premissas obter o repertório necessário para se alcançar o

processo de produção e estruturação do espaço urbano, que interfere nas interações entre a

objetivo de elaborar uma proposta projetual de transformação urbana para a área de estudos.

sociedade e seu entorno. A partir desse entendimento e das relações de causalidade verificadas na constituição desses espaços urbanos surge o argumento central que baseia o presente trabalho de conclusão de curso.

Trata-se de um estudo qualitativo que adota como procedimentos técnicos a pesquisa bibliográfica sobre o tema da segregação socioespacial para dar início a compreensão do fenômeno estudado. Prossegue com a pesquisa documental das legislações urbanas que definem as regras de uso e

O espaço intraurbano selecionado, como objeto de estudo para o trabalho, abrange o bairro Divino

ocupação na região e encerra com o levantamento de campo. Essa última fase foi realizada com base

Espírito Santo e seu entorno de influência, vizinho a Universidade Vila Velha (UVV), em Vila Velha - ES.

nas pesquisas em campo ocorridas nas disciplinas de Ateliê de Projeto Urbano Integrado de

A área foi definida por apresentar ocupações contrastantes intensificadas pelas novas edificações

Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo e de Planejamento Territorial, Ambiental e Urbano do curso de

introspectivas que negam o entorno imediato em que se insere. Situação que caracteriza esta parcela

Arquitetura e Urbanismo da UVV.

urbana dentro do cenário de segregação socioespacial descrito acima. Vale destacar a relação passiva de observadora enquanto os cinco anos de graduanda da referida Instituição de Ensino Superior, na convivência com as transformações do entorno, caracterizadas por uma dicotomia urbana que despertou o interesse pela área de estudo. Durante o curso foi possível observar os aspectos de segregação se materializando em contradição ao discurso de inclusão que enunciava o Plano Diretor local. Essa região oferece uma boa localização pela situação em relação à cidade de Vila Velha, situada na extensão do eixo viário que liga a Terceira Ponte ao município de Guarapari, litoral sul da Grande Vitória.

Sua proximidade com a orla adensada atrai o setor imobiliário, principalmente, pela

concentração de espaços vazios e pela proximidade com uma variedade de serviços, como a Prefeitura, o Fórum, hipermercado e shopping na região. Verifica-se, todavia, um contraste nas características morfológicas das ocupações que variam em tipologias construtivas e dimensão de lotes com características que sugerem disparidades de renda, como um Shopping Center com lojas destinadas a um perfil socioeconômico de alta renda adjacente

O trabalho se organiza em quatro capítulos principais, subdivididos em subcapítulos complementares. Essa organização ocorre em progressão de acordo com o tema central: a segregação. O capítulo 2 abrange a temática da segregação urbana em três aspectos: o primeiro sobre sua contextualização histórica e conceitual; o segundo, no âmbito da relação da segregação com as leis e instrumentos urbanísticos e por último, sua relação com os indivíduos. O subcapítulo 2.1 inicia-se com um breve histórico da evolução urbana das cidades a partir da Revolução Industrial, prosseguindo pela década de 1970, seus desdobramentos com a instalação da indústria nas cidades e seus efeitos. Abrange a consolidação do capitalismo e da consequente caracterização da expansão urbana da região. Logo adiante, é conceituado a segregação ao longo de sua forma geral até seu conceito mais específico, o de segregação socioespacial, que será aprofundada no decorrer do capítulo. Nesse também serão abordados os tipos de segregação existentes na própria definição da segregação socioespacial, de acordo com sua origem e causas.

a um aglomerado subnormal. Essa situação de desigualdade intensificada pelos novos

O tópico 2.2 apresenta a relação da segregação socioespacial com as leis existentes e os instrumentos

empreendimentos citados, associados ao grande potencial de valorização do solo da região, indica

urbanísticos que se comunicam com ela. Reflete-se sobre como o Plano Diretor Urbano e os

uma tendência favorável à exclusão social.

instrumentos do Estatuto da Cidade funcionam e influenciam no desenho urbano final das cidades, o

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que a falta deles gera, as vantagens e desvantagens da aplicação desses instrumentos para minimizar

relacionado ao uso e ocupação do solo, juntamente com a mobilidade, ilustrados por meio de mapas

a segregação.

e figuras que representam a situação atual da área delimitada. No 4.3 são apresentados os aspectos

Por fim, o item 2.3 complementa os capítulos anteriores, relacionando-os com a sociedade e o indivíduo que nela está inserido. Reflete sobre os efeitos e as consequências para as pessoas, e sobre os sentimentos gerados e a relação com o espaço e a formação/distribuição dele. Questiona-se sobre o que fazem os indivíduos de tal área sentirem-se intimidados, excluídos e o que tudo isso gera para a cidade como um todo. O capítulo 3 inicia-se com base nos estudos realizados no capítulo anterior, desenvolvendo-se em relação a aplicabilidade da Política Urbana, do Estatuto da Cidade e seus instrumentos a favor da cidade e sociedade atual. Procura-se entender como eles funcionam na prática e suas aplicações na consolidação destes lugares segregados. Em um primeiro momento, é analisado alguns referenciais teóricos de autores que analisam a situação do Plano Diretor Municipal (PDM) nas cidades em que fazem uso dos instrumentos urbanísticos, com suas vantagens e dificuldades, estudos de possibilidades de implementação de conjuntos desses instrumentos juntamente com o PDM, e os benefícios que trazem para política urbana e para evolução dos espaços urbanos. No tópico 3.2 são abordados alguns exemplos dessa aplicabilidade da Política Urbana no Brasil, no caso mais específico do bairro da Luz, em São Paulo. O Projeto Nova Luz precisou pensar em uma proposta de restruturação, com um novo planejamento urbano, que a partir de suas características locais, minimizassem o problema da segregação socioespacial. O subcapítulo 3.3 reúne os fatores estudados e analisados em uma síntese das informações obtidas por meio de uma tabela e textos que ilustram as características úteis, para se propor intervenções em áreas que apresentam situações de exclusão análogas à estudada. O capítulo 4 apresenta o diagnóstico da região do bairro do Divino Espírito Santo. No primeiro tópico é feita uma contextualização geral da Região Metropolitana da Grande Vitória e o reflexo da urbanização dessa área para formação dos espaços urbanos.

socioeconômicos com a exemplificação através de tabelas e textos explicativos das caraterísticas principais de renda e densidade da população local. O 4.4 é destinado à análise dos aspectos ambientais e suas dificuldades em relação aos alagamentos, terrenos que servem de depósitos de lixo e a falta de vegetação. O 4.5 reúne as principais informações como resultado da síntese dessa pesquisa. No tópico 4.6 é realizado um estudo morfológico e comportamental de toda área, encontrando e distinguindo alguns setores que possuem características específicas e que formam o espaço para entender a realidade da sociedade local e, assim, compreender os desafios cotidianos a serem enfrentados. Por fim, o capítulo 5 aborda a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos. No subcapítulo 5.1 relaciona-se todos os aspectos identificados nos setores com as recomendações dos autores e o Projeto nova Luz mais relevantes a fim de traçar as possíveis estratégias projetuais. Com a observação dessas recomendações foi possível relacioná-las ao conceito da caminhabilidade e introduzi-lo como principal estratégia com base na implementação do Projeto do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS). O tópico 5.2 apresenta as diretrizes projetuais presentes no processo de implantação do DOTS. O 5.3 demonstra o desenvolvimento do DOTS, adaptado para a realidade diagnosticada na poligonal, como principal estratégia. Concluindo, o estudo buscou, por meio das pesquisas e análises, diminuir os impactos da segregação socioespacial com o desenvolvimento de estratégias que viabilizam o conceito da caminhabilidade, com a adaptação do modelo DOTS a fim de integrar os espaços urbanos, minimizando as rupturas urbanas e a desigualdade social. Fundamentado com essas informações reunidas, foram elaborados mapas, tabelas e gráficos para exemplificar, simplificar e sintetizar o entendimento da temática em questão.

Ao longo do capítulo, são abordados os diversos aspectos de análise, suas características, fragilidades e problemas, como eles surgiram e impactaram na segregação existente na área. O item 4.2 está

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O capítulo 2 apresenta uma breve análise sobre a segregação urbana em três aspectos, o primeiro consiste em entender seu processo histórico, seu conceito principal, seus diversos tipos e causas. O segundo, relaciona a segregação com as leis e instrumentos urbanísticos e por último o seu impacto sobre os indivíduos. 18


02

impacto da segregação urbana na configuração da cidade 19


2.1 SEGREGAÇÃO URBANA, UM BREVE HISTÓRICO: CONCEITOS, TIPOS E CAUSAS O termo urbanização pode ser compreendido como o crescimento da cidade. O seu desenvolvimento se intensificou em meados do século XIX, durante a Revolução Industrial, principalmente nos países mais desenvolvidos. Com a instalação das indústrias, as cidades foram se expandindo e dando espaço a novas necessidades que acompanhavam a industrialização.

O crescimento desenfreado das cidades pela industrialização e, sobretudo, pela consolidação do capitalismo permitiu uma rápida ocupação do espaço urbano, acompanhado não só de modernizações, mas também de inúmeros problemas, vivenciados pelas cidades contemporâneas. As patologias identificadas revelam enormes carências nos setores de habitação, saúde, infraestrutura, cultura, ambiental, econômico e social das cidades. Quanto maior a cidade mais visíveis se tornam esses problemas. A consequência desse cenário é destacada pela urbanização coorporativa, que

Durante o período da Revolução Industrial, a segregação se fez mais evidente com o surgimento dos

parafraseando Santos (2008, p.105), “constitui um receptáculo das consequências de uma expansão

conjuntos habitacionais, muitas vezes irregulares, ocupando as periferias das cidades e, assim, deram-

capitalista devorante dos recursos públicos, uma vez que esses são orientados para os investimentos

se início aos primeiros estudos, pelo geógrafo alemão J.G Kohl (CORRÊA,1989).

econômicos, em detrimento dos gastos sociais”.

No Brasil, a expansão urbana ficou marcada, principalmente, pela Segunda Guerra Mundial com a

Tem-se então, como se refere Villaça (2017), dois elementos da estrutura urbana, ligados a essa

consolidação do capitalismo e um forte crescimento demográfico. É no final da Segunda Guerra

urbanização, que são relevantes na estruturação do espaço metropolitano brasileiro: as zonas

Mundial, por meio da interligação das estradas de ferro pelo país, que permitiram a integração do

industriais, que se instauraram nas cidades, e a concentração das regiões centrais pelas camadas

território, iniciando os investimentos na infraestrutura. Esse período duraria até meados dos anos de

socioeconômicas mais altas da sociedade.

1960. (SANTOS, 2008) Nesse intervalo de tempo, fomentado pelas propostas do Governo de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, também conhecido como “50 anos em 5”, o país passou por um intenso processo de industrialização, recepcionando empresas multinacionais e criando nacionais, o que gerou lucros para a nação e, consequentemente, ocasionou a ruptura do território nacional, bem como a divisão socioespacial (SANTOS, 2008).

A citação abaixo de Vasconcelos et al. (2013), relaciona esse contexto histórico com as mudanças que foram acontecendo no espaço metropolitano. Os processos e formas socioespaciais são originários das mudanças atuais sobrepostas às inerciais do passado. Processos mais amplos de modernização, mudança na economia, redução do papel do Estado, migrações nacionais e internacionais, sem esquecer o papel dos movimentos sociais, são fatores que modificaram as formas das cidades, criando frequentemente novas desigualdades, sem eliminar os conflitos raciais, religiosos e políticos existentes (VASCONCELOS et al., 2013, p. 18).

É por meio desses processos que foi se estabelecendo a segregação, historicamente presente durante O golpe de Estado de 1964 foi o responsável pela criação das condições de uma rápida integração do

toda a formação e transformações da sociedade. Destaca-se nesse processo, o surgimento de

país a um movimento de internacionalização. Como disse Santos (2008, p. 39), durante o movimento

diferentes formas de segregação materializadas pela forma de acesso e distribuição da cultura, função,

militar “a economia se desenvolve, seja para atender a um mercado consumidor em célebre expansão,

renda, e juntamente a essas, a segregação étnica e racial (NEGRI, 2008).

seja para responder a uma demanda mundial”. Assim, com o “aumento da população, a ampliação da classe média, a sedução dos pobres por um consumo diversificado e ajudado por sistemas extensivos

“É no capitalismo que a segregação se manifesta mais intensamente, independentemente da

de crédito servem de impulsão à expansão urbana industrial”.

sociedade, já que está presente em todas, gerando um complexo e mutável mosaico social” (VASCONCELOS et al., 2013, p. 56).

A partir dos anos de 1970, o processo de urbanização alcança um novo nível. Desde a revolução urbana brasileira, consecutiva à revolução demográfica da década de 1950, a urbanização foi

As noções de segregação podem ser definidas pela sua comunicação unicamente com o espaço,

diferenciada por duas maneiras, em um primeiro momento: por uma urbanização aglomerada, com o

exclusivamente com as pessoas, ou no caso do objeto de estudo que será aprofundado ao longo deste

aumento da população, em segundo, por uma urbanização concentrada, com a multiplicação das

capítulo, pela sua relação do espaço com o indivíduo, classificando-se como segregação socioespacial

cidades de tamanho médio, para no futuro atingir o estágio de metropolização (SANTOS, 2008).

(VASCONCELOS et al., 2013).

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Conforme Vasconcelos et al. (2013), a segregação urbana é sempre de natureza espacial. A

Villaça (2017), que é a força intraurbana que mais poderosamente influencia a estruturação do espaço

segregação é dentre todos seus conceitos, que se referem a segmentação socioespacial nas cidades,

metropolitano e, assim, se torna uma justificativa da segregação residencial.

o que tem maior grau de determinação espacial.

Sobre a espacialidade da segregação residencial, Vasconcelos et al. (2013) trazem a ideia de que a

Em relação a segregação socioespacial é possível estabelecer alguns motivos, pelos quais justifica-se

segregação residencial se manifesta por meio de áreas concentradas e ao mesmo tempo distintas por

a segregação em relação com o espaço da expansão urbana decorrente do capitalismo. O capitalismo

um grupo social que apresenta certa homogeneidade. Por outro lado, as áreas segregadas se dispõem

deu a uma parcela da sociedade o poder da hierarquia, muitas das vezes ligada à classe social e

por meio de uma lógica espacial, que as inserem no espaço urbano, gerando padrões de segregação

econômica por meio da dominação que a mais alta retém sobre a mais baixa. Logo, a segregação por

residencial.

classes é aquela que domina a estruturação das principais metrópoles brasileiras.

Continuando sobre a análise de segregação residencial, estes modelos podem ser distinguidos entre

Ao começar pelo primeiro tipo de segregação socioespacial, de uma forma mais geral, tem-se a

“segregação voluntária” e “segregação involuntária” com base em Villaça (2017). A primeira acontece

macrossegregação, definida por Villaça (2017) como a segregação por regiões das cidades e não por

quando o indivíduo, ou grupo, decide viver com pessoas de sua classe por iniciativa própria. A segunda

bairros. O autor se refere a ela, no Brasil, como uma segregação representada pela organização

ocorre quando o indivíduo ou grupo, na ausência de recursos, pelas mais variadas forças, por vezes

espacial segundo centro e periferia, que por um momento era o padrão existente, até meados da

impostas pelo próprio modelo de assentamento urbano, fica impossibilitado de morar na cidade.

década de 1970. Após isso, o centro entrou em decadência, o que por consequência da

Concluindo, nesse sentido a segregação desses excluídos, que são direcionados às periferias das

marginalização da área, levou ao afastamento das classes alta e média. Naquele cenário, o centro era

cidades brasileira, é considerada como uma segregação involuntária, já que esses não têm direito de

onde se concentravam os serviços urbanos, públicos e privados, geralmente ocupados pelas classes

escolha a moradia. Finalizando com uma consideração de Villaça (2017, p.147):

de mais alta renda. Enquanto a periferia era subequipada e ocupada preeminentemente pelos excluídos, ou seja, nesse caso “o espaço atua como um mecanismo de exclusão” (VILLAÇA, 2017, p. 143).

O que cabe registrar nessas considerações é o caráter de luta da segregação. Trata-se, entretanto, de uma luta de classes. Se há luta, há, evidentemente, vitoriosos e derrotados. Os primeiros desenvolvem a segregação voluntária e os segundos, a involuntária.

Ao mesmo tempo em que Villaça (2017) distingue os tipos de segregação o mesmo se contradiz,

Sobre segregação por classes é comum alguns autores se referirem a ela como segregação

afirmando que não existem dois tipos de segregação, porque na verdade a segregação é um processo

residencial, como Villaça (2017) o faz, já que está diretamente ligada ao ambiente e sua organização,

dialético em que a segregação de um provoca ao mesmo tempo a segregação do outro.

determinada pela dominação social, econômica e política por meio do espaço. Com isso, é possível distinguir tipos referentes a segregação espacial.

Outro ponto de vista sobre a segregação residencial, é o de Vasconcelos et al. (2013), que distingue a segregação em três tipos: a autossegregação, que será explicada em um parágrafo mais adiante, a

A segregação residencial é entendida como um processo espacial “que se manifesta por meio de

segregação induzida e a imposta. O foco dos parágrafos a seguir, será sobre os dois últimos tipos de

áreas sociais, relativamente homogêneas internamente e heterogêneas entre elas” (VASCONCELOS

segregação, para fazer um paralelo com o tipo citado por Villaça (2017).

et al., 2013, p. 56).

Ao que diz Vasconcelos et al. (2013) sobre as segregações imposta e induzida, é possível diferenciá-

O conceito de segregação residencial é destacado por Villaça (2017) como uma separação crescente

las a partir das políticas de classe. A primeira envolve aqueles indivíduos que residem onde é imposto

entre as zonas de moradia, reservadas às camadas sociais mais privilegiadas e as zonas de moradia

a eles, sem alternativas de escolha; a segunda, difere-se da primeira de forma que os indivíduos, por

popular. O processo de industrialização de zonas da cidade, determinada por forças externas

menor que seja, tenham alguma opção de escolha, de acordo com o valor da terra e seu poder

relaciona-se à concentração de regiões pela camada de alta renda, influenciada pelos interesses de

aquisitivo de compra. Percebe-se então, que a diferença entre elas é bastante tênue.

consumo das burguesias, comandado pelo setor imobiliário. Logo, é possível afirmar com base em 21


Pode-se então, relacionar a segregação involuntária com a imposta, já que ambas sugerem que os

Assim como Vasconcelos et al. (2013), em relação a autossegregação por parte das classes de alta

indivíduos estão inseridos no espaço urbano de forma imposta.

renda, Caldeira (2000) também confere aos condomínios fechados, o adjetivo de status, como é citado

A autossegregação é resultado de uma decisão voluntária de reunir grupos socialmente iguais. É uma

abaixo: Os enclaves fortificados conferem status. A construção de símbolos de status é um processo que elabora diferenças sociais e cria meios para a firmação de distância e desigualdade sociais. Os enclaves são literais na sua criação de separação. São claramente demarcados por todos os tipos de barreiras físicas e artifícios de distanciamento e sua presença no espaço da cidade é uma evidente afirmação de diferenciação social. Eles oferecem uma nova maneira de estabelecer fronteiras entre grupos sociais, criando novas hierarquias entre eles e, portanto, organizando explicitamente as diferenças como desigualdade (CALDEIRA, 2000, p. 259).

forma radical de agrupamento residencial defensivo que procura juntar os semelhantes, excluir os diferentes e impedir o acesso aos indesejáveis. Para Vasconcelos et al. (2013), a autossegregação se exemplifica com os condomínios fechados, no entanto, será visto mais para frente que estes condomínios murados, apesar de se reservarem do que há externamente a eles, ainda possuem o direito de se comunicarem, conflitando com o conceito base de autossegregação. Para Vasconcelos et al. (2013) a autossegregação é uma política de classe associada à elite e à alta

Partindo do pressuposto de que a nova segregação, referente aos enclaves fortificados, se denomina um tipo de autossegregação. Logo, também é possível sugerir uma conexão de ambas com a chamada segregação involuntária por Villaça (2017), abordada anteriormente.

classe média, que reforça os diferenciais de existência desses por intermédio da escolha das melhores localizações do espaço urbano, de acordo com os elevados preços da terra e o alto poder aquisitivo

As causas que motivaram a segregação socioespacial são apresentadas a partir da segregação

desses grupos, tornando exclusivas as áreas escolhidas por eles. A referida tipologia de controle do

residencial descrita. É com base na transformação da segregação citada, realizar uma possível análise

espaço destas áreas autossegregadas são reproduzidas por oferecem segurança e conforto aos seus

dos motivos mais atuais que a geram. Tais motivos estão ligados diretamente as diferentes formas de

habitantes.

organização do espaço.

A população com maior poder aquisitivo, diante do cenário de violência e medo eminente, acaba

Se observarmos o processo de modernização das cidades, mais especificamente, o de instalação das

recorrendo a esses modelos residenciais, ampliando com isso o status e prestígio que possuem. Com

indústrias, rodovias e ferrovias, como uma sociedade capitalista movida ao acúmulo de capital e ao

o passar dos anos e a expansão das cidades, a complexidade da segregação se expande alterando a

interesse nos objetos de posse, podemos inferir a ocorrência de um primeiro padrão de organização

interpretação sobre a relação centro x periferia. Enquanto a periferia era destinada aos excluídos,

espacial e, consequentemente, de segregação (VILLAÇA, 2017).

passa também a ser destinada à elite com alto poder aquisitivo. Assim, outros fatores foram relacionados, que tanto agregam como transformam a segregação (CALDEIRA, 2000).

Em relação ao primeiro padrão, já citado, de segregação no Brasil, o de centro x periferia, Vasconcelos

et al. (2013) utilizam o termo periferização, que também parte dessa dualidade. Nesse caso,

De acordo com a nova fase da segregação, na cidade contemporânea, Caldeira (2000), em seu estudo

Vasconcelos et al. (2013) observam a interferência do Estado nas moradias das periferias

se refere a “enclaves fortificados” e “enclaves de luxo”, podendo ser considerados uma nova forma de

metropolitanas e a situação que elas se encontram.

autossegregação. No que se refere “enclaves fortificados” como uma forma das classes mais altas de se isolarem por meio desses condomínios residenciais fechados, que na maioria das vezes, encontram-se afastados do núcleo principal das cidades do restante das pessoas, com a justificativa de privacidade e segurança.

No Brasil, o processo intenso de favelização é importante para compreender as formas de discriminação e segmentação socioespacial. O conceito evoluiu com o tempo e tem base ainda no domínio de grupos do tráfico sobre a parcela dessas áreas de ocupações ilegais. Esse conceito, de certo modo, vem sendo adotado para tratar as diversas formas de segmentação socioespacial que levaram ao processo de periferização dos mais pobres nas cidades brasileiras (VASCONCELOS et al., 2013, p. 68).

22


Essa realidade favoreceu a reprodução do então citado modelo de formação de espaços residenciais

desmoronamento ou até mesmo em áreas protegidas por leis de preservação ambiental, contrariando

murados, chamados por Caldeira (2000) de enclaves fortificados ou enclaves de luxo. Estes

aquilo que é previsto em projetos de desenvolvimento urbano sustentável (MARICATO, 2003).

loteamentos fechados têm sido bastante presentes na organização dos espaços urbanos contemporâneos (VASCONCELOS et al., 2013, p. 68). Tem-se com esses loteamentos fechados, o enclausuramento de espaços públicos pelo setor privado, que do pondo de vista urbanístico, são considerados irregulares e uma forma de cerceamento do direito da circulação. Mesmo assim, os loteamentos fechados se expandem cada vez mais, e para se camuflarem na cidade, se apresentam como condomínios fechados. É sobre os loteamentos fechados

Somado a esses fatores tem-se o fator determinante para o processo de segregação socioespacial, o fator Estado. É com base em algumas relações, realizadas pelos diversos autores citados ao longo do subcapítulo que será possível uma análise do Governo local. O Estado da metrópole capitalista é por muitas vezes controlado pelas classes de alto poder aquisitivo e principalmente pelo setor imobiliário, permitindo a eles a livre dominação do espaço.

que a citação abaixo de Vasconcelos et al. (2013, p.112) conclui o envolvimento desses na

A dominação do espaço se dá por três mecanismos, de acordo com Villaça (2017): o primeiro é a

segregação socioespacial:

localização dos aparelhos do Estado. O segundo é a produção da infraestrutura, prioritariamente

Os loteamentos murados e os condomínios murados produzem, assim, uma cidade segmentada e fragmentada. Não há uma proposta de cidade, mas parcelamentos de glebas que formam enclaves, atendendo aos interesses da incorporação imobiliária, com o aumento de rendas, lucros e juros.

destinada às localidades das classes altas. E por fim, a legislação urbanística, que ao mesmo tempo que prioriza as camadas de alta renda, menospreza as regiões periféricas, sendo em sua maioria localizada em áreas degradantes e irregulares.

Além das causas já citadas, Santos (2008) relaciona os vazios urbanos ao processo de segmentação socioespacial. Para ele, as cidades ocupam vastas superfícies repletas de vazios. Na qual a relação

Tais leis são voltadas para os problemas ligados ao embelezamento das zonas ricas e para cumprir os

existente é de que as cidades são grandes, porque há especulação e vice-versa. Logo, há

requisitos das burguesias, enquanto nos bairros populares, quando existentes, são bastante

especulação, mutualmente, porque existem vazios. Então, porque há vazios, as cidades são grandes.

permissivas. Por tanto, por mais que elas estejam presentes, funcionam como se não existissem (VILLAÇA, 2017).

Ainda sobre os vazios, Santos (2008) afirma que o modelo rodoviário urbano é um gerador do crescimento disperso. Logo, “havendo a especulação, há criação mercantil da escassez e acentua-se

Outra percepção dessa ineficiência estadual para com a segmentação do espaço é que reforça o

o problema de acesso à terra e à habitação” (SANTOS, 2008, p. 106). No entanto, a escassez de

encolhimento da esfera pública em relação à esfera privada, o que consolida o deterioramento dos

moradias também gera especulação, e os dois juntos conduzem à periferização da população mais

espaços públicos (VASCONCELOS et al., 2013).

pobre, e de novo, tem-se o aumento do espaço urbano. Para finalizar a análise dos vazios urbanos, conclui-se com a citação abaixo de Santos (2008, p.106): As carências em serviços alimentam a especulação, pela valorização diferencial das diversas frações do território urbano. A organização dos transportes obedece a essa lógica e torna ainda mais pobres o que devem viver longe dos centros, não apenas porque devem pagar caro seus deslocamentos como porque os serviços e bens são mais dispendiosos nas periferias. E isso fortalece os centros em detrimento das periferias, num verdadeiro ciclo vicioso.

Os vazios urbanos, juntamente com os chamados loteamentos fechados são uns dos fatores que mais se aproximam da região a ser analisada pelos próximos capítulos desse estudo.

Sobre os loteamentos fechados, pela legislação brasileira, são considerados inconstitucionais, mas a passividade do Estado não os pune ou, tampouco, oferece a eles formas para se legalizarem, o que torna ainda mais problemática a situação da segregação. Pois, esses não são aproveitados para utilidade pública (VASCONCELOS et al., 2013). Logo, os loteamentos e os condomínios fechados permitem analisar como funciona a produção do espaço pelos empreendedores imobiliários, aumentando a desigualdade socioespacial onde o Estado parece ausente (VASCONCELOS et al., 2013, p. 161).

Além disso, a ausência de políticas urbanas, despreocupadas com as condições mínimas de moradia das classes mais pobres, resultou em um crescimento urbano desorganizado em áreas irregulares. Muitas dessas habitações se encontram em locais de risco, próximas a encostas, sujeitas a 23


2.2 INCOERÊNCIA ENTRE O INSTRUMENTO URBANÍSTICO E O DESENHO DA CIDADE Ao iniciar o tópico 2.2, em questão, foi preciso pesquisar o que alguns autores abordam sobre o tema anterior com relação às práticas dos instrumentos da política de desenvolvimento e gestão urbanas. Suas considerações servem para a análise de como os instrumentos funcionam ou funcionariam se

Por fim, o Plano Diretor, previsto pela Constituição (BRASIL, 1988), é considerado como o instrumento básico da política municipal, no capítulo referente às Políticas Urbanas. Para a devida aplicação desse capítulo, torna-se necessária a discussão sobre a exigência do Plano Diretor e seus efeitos. O art. 182, mediante aos § 1º e 2º, que se dispõem da seguinte forma: § 1º: O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

implementados nas cidades e também, como a falta ou a má atuação deles pode ser prejudicial para consolidação de uma cidade digna.

§ 2º: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor (BRASIL, 2001).

A Constituição Federal de 1988 forneceu à sociedade brasileira, recém estabelecida de seus direitos democráticos, um princípio básico para desenvolver uma qualidade urbana e uma justa distribuição

Com isso, é possível perceber que a única obrigatoriedade de fato exigida pelo Plano Diretor se refere

dos encargos e benefícios do processo de urbanização: o princípio da função social da cidade e da

ao número de habitantes. No entanto, a Constituição (BRASIL, 1988) não estabelece um limite de

propriedade. Esse princípio foi estabelecido de forma a regulamentar e regularizar o espaço urbano,

tempo ao Município de instituir o Plano em sua política urbana, ficando a critério do próprio Município

retratados no item anterior. Para esse quesito foi destinado um capítulo específico da Constituição

(FERNANDES, 1998).

Federal: o da Política Urbana, para disciplinar a propriedade (JUNIOR; MONTANDON, 2011; FERNANDES, 1998). O capítulo sobre a Política Urbana explica que a função social da propriedade urbana, conforme as diretrizes do Plano Diretor, coincide com a própria cidade. Logo, não se concebe uma propriedade que não esteja de acordo com as funções sociais dessa cidade. É em meio a esse fundamento, que os Municípios agem para regimentar o direito à propriedade urbana. Isso ocorre por intermédio das diretrizes do Plano Diretor através das leis urbanísticas específicas e de atos que restrinjam ou limitem esse direito, denominados instrumentos urbanísticos (FERNANDES, 1998). São vários instrumentos urbanísticos previstos pela Constituição (1988), em um primeiro momento, anterior à implantação do Estatuto da Cidade, os mais relevantes são: o direito de preempção, que permite ao poder público a preferência para aquisição de todos os imóveis disponíveis no mercado, em uma determinada área definida pelo plano urbanístico. Dessa forma, o Município detém uma reserva de terrenos públicos, aumentando o seu poder de inferência no espaço urbano. A requisição

O Plano Diretor, como requisito obrigatório para o poder público municipal, tornou-se o principal instrumento urbanístico que atribui ao Município o poder de intervir, visando executar a política urbana, como meio de garantir que a função social seja preservada pela propriedade urbana. Além disso, o Plano Diretor também concede ao poder público municipal o direito de aplicar de modo consecutivo o parcelamento ou edificação compulsórios, imposto a propriedade, progressivo no tempo e a desapropriação com a finalidade de reforma urbana ao proprietário do imóvel, previstos pelo § 4º do art. 182. É por meio do Plano Diretor que se define as áreas urbanas consideradas subutilizadas ou não utilizadas, que podem estar sujeitas à aplicação dos instrumentos citados com o objetivo de promover a função social ao direito da propriedade urbana (FERNANDES, 1998). Em resumo, é papel do Plano Diretor adotar critérios básicos que permitem o poder público municipal verificar se a propriedade urbana cumpre sua função social, da intensidade e o da conformidade de uso da propriedade, para atividades de utilidade urbana (FERNANDES, 1998).

urbanística, utilizado também em outros países, propicia que o Poder Público promova sua atividade

Dando continuidade aos parágrafos anteriores e prosseguindo com a história da Política Urbana no

urbanística sobre determinadas áreas privadas por meio de um acordo consensual com os

Brasil até os momentos mais atuais das cidades brasileiras. No início do século XXI, após treze anos,

proprietários a fim de evitar o desapropriamento à força. A requisição urbanística pode ser utilizada

finalmente foi criada uma lei federal que regulamenta o capítulo que trata de política urbana. A Lei nº

para implementação de equipamentos urbanísticos ou parcelamento do solo, por exemplo

10.257 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade (JUNIOR; MONTANDON, 2011).

(FERNANDES, 1998).

24


O Estatuto da Cidade foi criado com o intuito de complementar, regularizar e auxiliar os arts. 182 e

Vale destacar neste ponto, a Seção II, sobre Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios,

183 da Constituição Federal, na execução da política urbana.

por ser o instrumento da política urbana que especifica a área incluída no Plano Diretor, com as

Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001).

Conforme o Estatuto, a política urbana tem como objetivo determinar o total desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana através de diretrizes gerais definidas pelo art. 2°, algumas delas são:

características de solo urbano subutilizado ou não utilizado. Esse instrumento é bastante utilizado para promover a manutenção e a valorização de terrenos vazios ou ociosos, presentes nas áreas urbanizadas, que não possuem uma utilidade, mas têm grande potencial de se transformarem em empreendimentos voltados a sociedade, necessários para o desenvolvimento da cidade, especialmente para os grupos economicamente vulneráveis.

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

Logo, para evitar a formação e o acúmulo desses vazios, é por meio da regulamentação do

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

especulação imobiliária, ampliando o acesso a áreas urbanizadas, pois obriga o proprietário a destinar

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;

parcelamento, edificação ou utilização compulsórios que passou a existir uma maneira de coibir a uma função ao seu terreno, concretizando a condição constitucional da função social da propriedade (CARVALHO; ROSSBACH, 2010).

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

Na Seção III tem-se o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) Progressivo no Tempo, que em casos

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;

de descumprimentos das condições e dos prazos previstos no art. 5º, citado anteriormente, permite

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;

ao Município a aplicação de taxas progressivas. Nesse caso, poderá recorrer à utilização do imposto

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;

de cinco anos conseguintes (BRASIL, 2001).

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais (BRASIL, 2001).

Logo, no 2º artigo do Estatuto da Cidade são definidas as diretrizes que devem ser seguidas pelo Município na elaboração da sua política urbana, voltadas para garantir cidades justas em que todos, independentemente de sua classe, possam desfrutar dos benefícios da urbanização. Estabelecidas suas funções, o principal destaque do Estatuto da Cidade são os instrumentos urbanísticos, alguns desses já previstos no capítulo de Política Urbana, melhorados e outros novos, introduzidos na implementação da nova Lei. Os instrumentos da política urbana em geral ficam a dispor dessa Lei para fim de regulamentar os direitos da propriedade urbana e garantir que elas exerçam a função social da cidade.

sobre a propriedade urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante o aumento da alíquota pelo prazo

O IPTU é um imposto devido pelos proprietários dos imóveis urbanos, calculado como um percentual do valor de mercado do imóvel. O IPTU progressivo no tempo é um modo de penalizar a contenção do imóvel para fins de especulação da valorização imobiliárias. Neste caso, o IPTU progressivo é utilizado mais como caráter de punição do que de arrecadação (CARVALHO; ROSSBACH, 2010). A Desapropriação com Pagamentos em Títulos, referente a Seção IV desta Lei, determina que passado os cincos anos de cobrança do IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido com a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá conduzir à desapropriação do imóvel por meio do pagamento em títulos da dívida pública (BRASIL, 2001). O parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, juntamente com o IPTU progressivo no tempo e da desapropriação com pagamentos em títulos concentram as possibilidades mais efetivas de indução do desenvolvimento urbano para áreas com boas condições de moradia (JUNIOR; MONTANDON, 2011). 25


Dando continuidade aos instrumentos urbanísticos, na Seção VII, o Direito de Superfície afirmar que o

ajustamento do uso do solo e da infraestrutura no entorno de grandes equipamentos urbanos, dentre

proprietário poderá consentir a outra pessoa o direito de superfície do seu terreno, por tempo

outras utilidades (CARVALHO; ROSSBACH, 2010).

determinado ou indeterminado, por intermédio de escritura oficializada em cartório (BRASIL, 2001).

O Estatuto da Cidade determina diversas exigências para a implementação de operações urbanas

A Seção VIII especifica o Direito de Preempção confere ao Poder Público municipal a prioridade para

pelos municípios, pretendendo garantir que os benefícios dessas operações sejam distribuídos entre

obtenção do imóvel urbano para fins de utilidade pública e/ou social. Ou seja, por meio deste instituto,

a população diretamente afetada, poder público e investidores privados (CARVALHO; ROSSBACH,

o proprietário, que tiver o interesse de vender seu imóvel, terá que primeiro comunicar o Poder Público,

2010).

já que esse detém da preferência da compra (BRASIL, 2001; CARVALHO; ROSSBACH, 2010).

O mesmo Estatuto também estabelece algumas exigências relacionadas ao impacto dos

A Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) é o instrumento, referenciado na Seção IX do

empreendimentos. O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), apresentado pela Seção XII, baseada no

Estatuto da Cidade, que reitera que o Plano Diretor poderá estabelecer áreas nas quais o direito de

Plano Diretor, definirá os empreendimentos e atividades em área urbana que necessitarão da

construir poderá exceder o coeficiente de aproveitamento básico adotado em troca de investimentos

elaboração de um estudo prévio de impacto de vizinhança para obter as autorizações de construção,

públicos voltados à indução de desenvolvimento urbano, permitindo o incentivo ao adensamento de

ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal (BRASIL, 2001).

algumas áreas da cidade como forma de promover um melhor aproveitamento daquela infraestrutura. O instrumento ainda proporciona, mesmo que indiretamente, a arrecadação de recursos pelo governo local (BRASIL, 2001; CARVALHO; ROSSBACH, 2010). O mecanismo da Outorga Onerosa do Direito de Construir relaciona-se com o princípio do Solo Criado inserido no Brasil pela Constituição de 1988. Esse, assim como o propósito da Outorga, permite a uma ocupação da terra acima de um coeficiente de aproveitamento único, podendo envolver o espaço aéreo e o subsolo. Essa utilização do solo demanda uma compensação pelo ônus gerado na infraestrutura (CARVALHO; ROSSBACH, 2010). O Estatuto ainda prevê parcerias entre os setores público e privados para o desenvolvimento de intervenções e transformações em escalas urbanas através do que intitulam de “Operações Urbanas Consorciadas” (OUC), da Seção X. A OUC é um instrumento que está relacionado à promoção de projetos urbanos mediante uma parceria entre o meio privado e o Poder Público, incluindo a sociedade civil com base nas diretrizes do Plano Diretor Municipal. Os projetos devem focar nas transformações urbanas estruturais, na preservação ambiental e em estimular as melhorias sociais (BRASIL, 2001; CARVALHO; ROSSBACH, 2010). As Operações Urbanas Consorciadas são bastante utilizadas na requalificação de áreas esquecidas, em casos de alteração do uso do solo, na transformação de conjuntos urbanos e terrenos vazios, favorecidos de infraestrutura na pretensão de renovarem os usos e aumentar a densidade para

Por fim, o capítulo destinado ao Plano Diretor, que assim como na Constituição anterior ao Estatuto da Cidade, o considera como o instrumento básico da política urbana, reúne os demais instrumentos e fica responsável pela preservação da função social da propriedade urbana (BRASIL, 2001). A concepção de Plano Diretor apresentada pelo Estatuto da Cidade conjectura o enfrentamento dos problemas urbanos, principalmente, o grande impasse da desigualdade social das cidades brasileiras. Logo, o Plano Diretor não é apenas um instrumento técnico do planejamento urbano, mas deve ser visto como um processo político sobre a gestão do espaço, envolvendo toda a sociedade (CARVALHO; ROSSBACH, 2010). Logo, o objetivo principal do Plano Diretor, de definir a função social da propriedade urbana e, contudo, da cidade, garantindo o acesso à terra urbanizada, à moradia e aos serviços urbanos a todos os cidadãos, bem como implementar uma gestão democrática e participativa, por meio da utilização dos instrumentos urbanísticos definidos no Estatuto da Cidade, dependem, no entanto, de processos inovadores de gestão dos municípios. Em síntese, conclui-se que o Estatuto da Cidade regulamentou e expandiu as ferramentas constitucionais da política urbana, além do reconhecimento do direito à cidade sustentável no Brasil. Essa Lei federal resultou de um longo processo de negociações entre o poder público e as forças sociais, culminando na ampliação do papel fundamental dos municípios na formulação de diretrizes de planejamento urbano e, igualmente na condução dos processos de desenvolvimento e gestão urbana. 26


O Estatuto da Cidade se dispõe de quatro dimensões principais: uma conceitual, que explica o

recursos públicos, para a maximização de seus resultados e na redução dos problemas sociais e de

conceito central das funções sociais da propriedade e da cidade e outros princípios fundamentais; uma

infraestrutura urbana (JUNIOR; MONTANDON, 2011).

instrumental, responsável pela criação dos instrumentos para concretização dos tais princípios da política urbana; outra institucional, que organiza mecanismos, processos e recursos para a gestão urbana e para concluir, uma dimensão de regularização fundiária dos assentamentos informais consolidados (CARVALHO; ROSSBACH, 2010). Desta forma, além da instauração do Plano Diretor, a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade fortaleceram a gestão democrática e a função social da cidade e da propriedade, planejando a inclusão socioespacial e minimização das desigualdades, presentes na maioria das cidades brasileiras em forma de degradação ambiental, irregularidades fundiárias e de segregação socioespacial. Visou-se, também, a contestação à lógica da desigual valorização urbana na relação centro x periferia, na qual as áreas centrais são o foco dos investimentos públicos, enquanto, nas áreas periféricas percebe-se uma enorme carência de investimentos e uma urbanização precária (JUNIOR; MONTANDON, 2011). A segregação socioespacial, uma marca das cidades brasileiras, muitas vezes originadas desses assentamentos informais, referentes à dificuldade no acesso à moradia digna, é em sua maioria formados pela camada de classe mais baixa da sociedade. Esse tipo de ocupação tem se tornado uma tendência, já que em geral, as práticas e políticas de habitação contidas nos Plano Diretores municipais em vigência, não se concretizam, ou seja, não cumpre para com a função social a que são destinadas (JUNIOR; MONTANDON, 2011). O Estatuto da Cidade com seus instrumentos de política pública, são marcos positivos na luta contra esta dura realidade. Tais instrumentos por si só não induzem a nenhuma mudança de paradigma, mas abrem possibilidades que antes não existiam de garantia à moradia (CARVALHO; ROSSBACH, 2010). O Plano Diretor, no que se refere o Estatuto da Cidade, seria o principal instrumento para enfrentar os problemas de maneira a contribuir diretamente na minimização do quadro de desigualdade socioespacial, se elaborado e utilizado de forma eficaz. Nesse contexto, o planejamento urbano necessita de uma atenção mais especial dos gestores. A existência de políticas sociais e de recursos federais para o enfrentamento das carências urbanas e os avanços da política urbana promovem uma grande oportunidade para que o planejamento urbano se consolide e se estruture com êxito nos municípios, contribuindo para melhor aproveitamento dos

27


2.3 INFLUÊNCIAS URBANAS NAS INTERAÇÕES SOCIOESPACIAIS Nesse último tópico, referente ao capítulo 2 do estudo em questão, será elaborada uma síntese do que foi abordado nos itens anteriores, relacionando-os entre si e com o principal objeto em análise: os indivíduos inseridos na realidade das cidades brasileiras. As atuais metrópoles brasileiras produzem e reproduzem uma série de mecanismos de exclusão social presentes na base das relações de classe. Esses mecanismos são responsáveis pelo aumento da gravidade das desigualdades sociais, pela segregação socioespacial da pobreza e, contudo, pelo aumento da violência urbana. O aprofundamento das desigualdades e, consequentemente, da

modo de produção capitalista. No que diz respeito ao espaço urbano, o Poder Público designa as normas de uso da terra e também as funções atribuídas às instâncias federal, estadual e municipal, seguindo os princípios referentes a propriedade privada e os meios de produção expressos na Constituição Federal de 1988 (SPOSITO; GOÉS, 2013; VASCONCELOS et al., 2013). Entre os princípios que conduzem a propriedade privada, o Poder Público Municipal tem obrigação de promover uma política de desenvolvimento urbano com o objetivo da conservação da função social da propriedade e da cidade, visando garantir o bem-estar de seus cidadãos (SPOSITO; GOÉS, 2013; VASCONCELOS et al., 2013).

segregação socioespaciais podem levar à fragmentação do espaço social e provocar um ambiente

No entanto, verifica-se uma grande dificuldade dos referidos Poderes em lidar com esses problemas

propício à violência e degradação social (MATTOS, 2010; SPOSITO; GOÉS, 2013).

sociais e atender as grandes demandas por serviços básicos. Essa situação se agrava e aumenta

Ao que se refere às novas práticas de formação do espaço urbano, caracterizadas pela reprodução de construções introspectivas que ocupam áreas cada vez maiores, destacam-se as que contribuem também para fragmentação socioespacial. Os espaços residenciais fechados, popularmente comercializado pelo setor imobiliário, apoiam-se na ideia crescente da insegurança urbana, oferecendo ao cidadão consumidor o pensamento de privacidade, conforto e segurança (SPOSITO; GOÉS, 2013). Estas práticas e mecanismos fazem parte de uma problemática questão social que tem ganhando destaque em diversos setores da sociedade civil, requerendo uma gestão mais democrática e participativa dos municípios. Estima-se que novas gestões possam estabilizar acordos efetivos entre a sociedade e o Poder Público local na implementação da política pública, almejando transformações ao espaço (MATTOS, 2010; SPOSITO; GOÉS, 2013). Essas transformações podem incluir diversos tipos de intervenções, como a introdução de novos usos aos espaços vazios, esquecidos ou subutilizados, projetos de revitalização dos centros urbanos, valorização das áreas periféricas, regulamentação dos adensamentos informais, a verticalização do

ainda mais a desigualdade social do espaço, com a reprodução de rupturas associadas a qualquer inserção que compromete a fluidez do pedestre na cidade. Constata-se, infelizmente, uma evolução dessas rupturas caracterizadas por um grande número de vazios urbanos, malhas com dimensões e velocidades que desestimulam a livre circulação dos pedestres, pelos empreendimentos no formato de enclaves fortificados e pelos aglomerados subnormais desassistidos da cidade (ROCHA et al., 2019; SPOSITO; GOÉS, 2013). Nesse caso, ao entregar ao setor privado a suposta responsabilidade de garantir a segurança dos moradores, o Estado não está assegurando o bem-estar de seus habitantes. Ao permitirem que até mesmo as áreas de circulação, áreas verdes e de equipamentos coletivos sejam privadas, o Poder Público não cumpre com o seu papel constitucional de ordenar o desenvolvimento de tais funções sociais na cidade. (VASCONCELOS et al., 2013) Tal situação reforça ainda mais a desigualdade social, marcada pela dificuldade do acesso aos bens materiais e culturais, e principalmente pelas barreiras criadas internamente nas cidades, e como estas se tornam cada vez mais convenientes.

espaço, dentre outras. Essas mudanças podem ser auxiliadas pela implementação dos Planos

A separação e o isolamento da parcela da classe mais alta no espaço urbano das cidades, originam-

Diretores previstos pelo Estatuto da Cidade, e seus instrumentos (SPOSITO; GOÉS, 2013;

se, sobretudo, do fator imobiliário e passa a fazer parte do pensamento coletivo relacionado à

VASCONCELOS et al., 2013).

segurança e ao bem-estar, como um objeto de compra, que possuem um valor de troca. Os

O Estado deve planejar suas atividades, econômicas, sociais e políticas através da utilização de seus instrumentos constitucionais. Contudo, vale lembrar que o Estado tende a agir conforme o pressuposto

loteamentos murados e os condomínios fechados criam lugares onde os iguais se protegem dos diferentes. Há uma separação não só física entre diferentes classes sociais, mas também uma

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fragmentação sentimental, na qual os de maior poder aquisitivo rejeitam os excluídos, instaurando-se o caos e o medo. (VASCONCELOS et al., 2013) O medo é um sentimento natural, uma vez que haja a consciência de perigo. Todos convivem com algum tipo de medo, seja ele qual for, está presente em qualquer momento da vida. Temores, medos, pânicos ou inseguranças têm feito grande parte do imaginário urbano, recorrente aos processos de produção do espaço baseados na segregação, de forma intensa, extrema e explícita, sustentada por um sentimento crescente da insegurança que não se baseia apenas na representação da violência, mas engloba diversos outros problemas cotidianos. (BAUMAN, 2009; VASCONCELOS et al., 2013) Considera-se então, que a segregação socioespacial materializada pela nova forma de constituição do espaço, é definida pela propriedade, que tem como sua mercadoria principal, a segurança. Essa que define um valor de troca pelo direito à moradia só aos que podem pagar por ela, restando à parcela que sobra da população os locais precários, sem visibilidade e infraestrutura.

29


O capítulo 3 inicia-se com base nos estudos realizados no capítulo anterior, em relação a aplicabilidade da Política Urbana e do Estatuto da Cidade e seus instrumentos a favor da cidade e sociedade atual. São apresentadas algumas visões de autores sobre a materialização dessas políticas e alguns exemplos e aplicações de como elas funcionam na prática. 30


03

da teoria à prática: estudos e intervenções nas cidades 31


3.1 REFERENCIAIS TEÓRICOS: SEGREGAÇÃO E POLÍTICA URBANA Como foi visto anteriormente, no capítulo sobre a Política Urbana, existem vários instrumentos disponíveis para serem utilizados em favor da sociedade e da inclusão. Entretanto, verifica-se na

Neste capítulo serão abordados exemplos de estratégias propostas de alguns autores do que poderia minimizar os problemas de exclusão socioespacial com foco na organização das cidades, novas tecnologias e apoio da política urbana, sobretudo dos instrumentos urbanísticos.

formação do conjunto edificado da sociedade que o poder e os privilégios continuam favorecendo

Alguns autores defendem uma ideia pertinente a cidades compactas como possível soluções para a

ainda mais os processos de exclusão e segregação socioespacial. O problema em questão não se

segregação socioespacial, crescente dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável e

encontra na lei propriamente dita, mas na sua aplicação, muitas vezes autoritária. Tanto a Constituição

promovendo a melhoria da qualidade de vida para todos nas cidades.

Federal de 1988 como o Estatuto da Cidade resultaram em textos de difícil aplicação que não obtiveram o resultado esperado (MARICATO, 2003).

Na cidade compacta é necessário equilibrar as densidades e dinamizar o espaço através do estimulo a diversidade de usos, misturando as diversas funções urbanas, como a habitação, o comércio, o

Ainda hoje, os planos diretores surgem a partir dos resultados de uma organização muitas vezes

serviço e o lazer. Este incentivo visa reduzir a dependência por grandes deslocamentos e, portanto,

apressada de montagens em gabinetes indicando um processo participativo falho, que visa apenas a

apoia-se em um eficiente sistema de mobilidade urbana. Características que tem a função de interligar

imagem política para a sociedade que este pode ter efeito. A mobilização da população para um

essas novas centralidades, incentivando, em primeiro lugar, a caminhabilidade e as conexões entre as

processo participativo exigido pelo Estatuto da Cidade surge como uma imposição que demanda um

centralidades, os deslocamentos por modais ativos com o uso de bicicletas e do transporte coletivo

investimento maior dos gestores. Todavia, essa exigência funciona como estratégica para promover

público. Com isso, potencializa-se a utilização das infraestruturas urbanas para promover a

Planos Diretores com resultados mais satisfatórios. A cultura de mobilização inaugura um cenário

sustentabilidade e a integração social por meio dos espaços públicos (LEITE; AWAD, 2012).

positivo para a discussão participativa do Plano Diretor e dos instrumentos do Estatuto (FERREIRA, 2003).

Complementando a estratégia citada anteriormente com um planejamento estratégico, que defende a importância da participação de todos os autores responsáveis pelo processo, reconhecendo que a

A expansão da malha urbana, apoiada na habitação popular, inserida em áreas periféricas e distantes,

linguagem técnica é prejudicial para o envolvimento da população, o que é uma condição essencial

e no transporte público, permite que a valorização dos espaços centrais da cidade contemple as

para o sucesso do planejamento (SABOYA, 2008a; SABOYA, 2008b; SABOYA, 2008c).

estratégias voltadas as classes mais altas, reafirmando o seu poder sobre os excluídos. Esse modelo de ocupação transforma o espaço em um ambiente ainda mais favorável a segregação. Essas áreas segregadas representam uma parte importante referente aos processos de organização social, como foi apresentado no tópico 2.1. O planejamento urbano tem papel fundamental na organização das cidades e deve levar em consideração não só o crescimento populacional, mas também o crescimento na maioria das vezes das demandas por habitação, saneamento, utilização do transporte público, e ainda, garantir escola, postos de saúde, espaços de lazer, além de proteger as áreas de preservação ambiental. O referido planejamento urbano busca a integração dos espaços e das classes de modo a organizar as áreas, e distribui-los de forma justa, promovendo a função social a todos e garantindo à população uma qualidade de vida digna.

O Planejamento Estratégico compreende a concepção de cidade como parte de um contexto maior, sendo ele regional, estadual, nacional ou até mundial. Assim, diminui-se a prática de se analisar a cidade com um objeto isolado em si mesmo (SABOYA, 2008a; SABOYA, 2008b; SABOYA, 2008c). A orientação para uma melhor ação e resultados do Planejamento Estratégico pode ser auxiliada pelos planos diretores a fim de minimizar sua característica excessivamente normativa. Isso provocaria a diminuição da importância do “que” deve ser obtido para focar no “como” atingir os objetivos, com isso abre-se uma possibilidade de uma relação mais integrada entre planejamento e gestão, e por meio disso fazer com que a generalidade das diretrizes e metas dos planos diretores sejam supridas (SABOYA, 2008a; SABOYA, 2008b; SABOYA, 2008c). No entanto, a prática tem demonstrado que os autores participantes das reuniões de planejamento estratégico são aqueles relacionados ao desenvolvimento econômico e em sua maioria aos interesses 32


privados. Logo, para que essa participação tenha aceitabilidade é fundamental que a maior parte de

A segunda característica é o respeito às preexistências, que prega a comunicação do zoneamento

grupos sociais estejam envolvidos e tenham direito à livre expressão de suas opiniões (SABOYA,

com o existente no território, e não apenas a sua capacidade de criar novas realidades. Para isso é

2008a; SABOYA, 2008b; SABOYA, 2008c).

importante levar em consideração o ambiente físico do espaço, assim como seus aspectos sociais,

Apresentados alguns exemplos de soluções mais amplas na questão de tipos de planejamento, a seguir serão abordadas questões mais específicas para possíveis resoluções de problemáticas locais. Muitas delas relacionadas à aplicabilidade dos Planos Diretores e diversos instrumentos urbanísticos. O zoneamento é um instrumento importante, mas que também possui suas limitações. Esse acaba, muitas vezes, sendo erroneamente confundido com o Plano Diretor, praticamente sendo o único

ambientais e econômicos. Portanto é importante que o zoneamento dialogue com os processos que tanto acontecem ou aconteceram na cidade ao longo de sua formação (SABOYA, 2018). Uma terceira característica é manter o diálogo com outros instrumentos urbanísticos, o zoneamento pode e deve ser de base espacial aos demais instrumentos disponíveis da política urbana. Isso poderia evitar definições arbitrárias para as áreas sujeitas a esses instrumentos (SABOYA, 2018).

instrumento que efetivamente se aplica ao território. Isso acaba provocando a ideia de que o resultado

Concluindo, a promoção da diversidade e da justiça social é uma característica essencial na relação

final do modelo de assentamento previsto para cada zoneamento da cidade seria a garantia suficiente

do zoneamento com a segregação socioespacial. A tradição de adotar o zoneamento como

dos objetivos para o desenvolvimento urbano inclusivo do Município (SABOYA, 2018).

instrumento que divide os grupos sociais e cria áreas homogêneas, segregando ainda mais os grupos

Esses aspectos provocam muitas críticas, a primeira delas é referente a rigidez do instrumento, não existe meio termo para aprovação de um projeto, ou seja, a Prefeitura permite ou nega totalmente a autorização de projetos. Outra crítica ao zoneamento tradicional é o fato dele, muitas vezes, ser excludente, estabelecendo zonas com ocupações de grupos homogêneos, sem diversidade,

considerados indesejáveis não é relativamente algo que esteja atrelado ao conceito do instrumento, é possível pensar zoneamentos que sejam inclusivos, sem que haja a imposição de requisito mínimos para grupos excluídos pertencerem a determinada área, permitindo assim a diversidade de grupo, usos e tipos arquitetônicos (SABOYA, 2018).

principalmente em relação as classes sociais e econômicas, certas vezes favorecendo as mais altas e

Aproveitando o tema em questão, sobre a interligação de diversos instrumentos urbanísticos,

outras criando grandes zonas destinadas às camadas mais pobres, gerando os chamados guetos

incentiva-se a aplicação unificada deles para a promoção de um planejamento justo e inclusivo. A esse

(SABOYA, 2018).

respeito é relevante analisar o instrumento da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC).

Contudo, muito do controle de crescimento e ocupação de áreas irregulares têm sido efeito da

Graças à homogeneização do coeficiente básico de aproveitamento proposto pela OODC, a gestão

aplicação do zoneamento. Dessa forma, ele vem contribuindo para também evitar a implantação de

pública percorre um grande passo em direção a um urbanismo social (LEITE et al., 2018).

usos que impactam locais impróprios. Portanto, o zoneamento tem uma função importante a exercer em relação a suas diversas falhas. A maneira é ajustá-lo a fim de evitar que ele seja um instrumento utilizado para segregar classes sociais e usos que deveriam estar integrados (SABOYA, 2018).

A OODC é um instrumento chave para transformar o costume da cidade como peça da apropriação privada em direção a uma cidade movida pelos interesses coletivos e que entenda os interesses urbanísticos como um fundamental agente público. Ao mesmo tempo que esta permite concretizar o

A fim de tentar evitar e minimizar os problemas relatados a cima, de maneira a otimizar seu potencial

urbanismo social, pois recolhe recursos derivados das decisões do governo municipal para financiar a

é necessário que o zoneamento detenha de algumas características.

cidade, e mais especificamente, as áreas mais vulneráveis e carentes de investimentos (LEITE et al.,

Primeiramente, a simplicidade, ou seja, quanto mais simples for o zoneamento, sem haver problemas

2018).

graves, resolvendo melhor as principais diferenças do território. Ao contrário, quanto mais zonas

O instrumento da OODC se faz necessário ao espaço urbano atual, no entanto sua aplicação não é

diferentes, maior é o número de tabelas, áreas e outros elementos. Logo, mais difícil é manter a

suficiente para extinguir e sanar os problemas urbanos. As cidades brasileiras acumulam a dívida de

organização e a noção de conjunto, facilitando a perda das diretrizes (SABOYA, 2018).

séculos de exclusão social e grandes déficits na infraestrutura urbana (LEITE et al., 2018). 33


A realidade da implementação da OODC ao regular o uso do solo promovendo o adensamento urbano,

explicado a seguir como essa junção dos instrumentos se torna mais efetiva a utilização da política

aproximando pessoas e transporte, moradia e trabalho, originando uma cidade mais compacta e

urbana (NETO et al., 2014).

possibilitando o uso misto, propicia o crescimento urbano em áreas com melhor infraestrutura e também enfatiza o uso de mais instrumentos urbanísticos para promoverem a função social da cidade, e logo, um novo paradigma de desenvolvimento urbano (LEITE et al., 2018).

A Outorga Onerosa do Direito de Construir, pode contribuir na compactação da cidade. Aplicando-a nas áreas de transição das cidades, nos processos de transformação do uso de solo de rural para urbano, é possível dificultar a conversão desenfreada, minimizando a dispersão da área urbanizada.

A implantação dos instrumentos urbanos auxilia para que o plano se concretize e conduza a uma

Isso deve acontecer de acordo com o limite urbano e ao menos tempo manter as ocupações próximas

transformação planejada. O coeficiente de aproveitamento básico único em toda a cidade e os fatores

das áreas consolidadas, como um planejamento prévio da expansão dessas novas regiões, para que

do planejamento urbano induzem o desenvolvimento nas áreas planejadas, orientando onde o

o espaço mantenha a organização e integração (NETTO; SABOYA, 2010).

mercado imobiliário deve atuar mais efetivamente, e onde deve ser limitado o adensamento, preservando o meio ambiente e garantindo a qualidade de vida aos habitantes (LEITE et al., 2018).

Em relação as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), este instrumento é valioso na diminuição progressiva do déficit habitacional, principalmente em relação a parte da população com menor

Juntamente a isso, o resgate dos espaços urbanos em toda a cidade foi elemento primordial para

condição financeira. Por essa perspectiva, a adoção das ZEIS que reservem áreas destinadas à

elaboração das políticas urbanas integradas na atuação em áreas periféricas.

habitação social e também à proteção das Áreas de Preservação Permanentes (APP’s), pode provocar

O planejamento urbano trata de encaminhar o processo à procura do uso mais equilibrado do território. Isso envolve a distribuição de infraestrutura de suporte onde é mais demandado; assim como a localização do adensamento onde há maior capacidade de suporte e garantir o direito à propriedade aos mais necessitados. Algo bastante estudado é a combinação de vários instrumentos urbanísticos como por exemplo a aplicação integrada da Outorga Onerosa do Direito de Construir, a Operação Urbana Consorciada e a Zona Especial de Interesse Social.

a atenuação dos problemas de deslocamentos dos grupos de baixa renda. Realidade viabilizada quando as ZEIS estão situadas em áreas consolidadas e integradas do tecido urbano, aproximandoos dos centros comerciais e de serviço, do seu trabalho, impactando diretamente na sua produtividade e seu custo como transporte, além de promover uma maior integração com os outros grupos sociais (NETTO; SABOYA, 2010). Concluindo, as Operações Urbanas Consorciadas podem contribuir para o refinamento no cuidado para com as tipologias a serem implantadas em determinadas áreas da cidade, nesse caso, das novas regiões urbanizadas e dos novos modelos habitacionais promovidos pelas ZEIS. No entanto, ainda

A combinação de alguns instrumentos semelhantes, poderiam favorecer a consolidação dos princípios

assim é necessária e requer atenção com sua utilização, uma vez que esta é normalmente efetivada

da política urbana previstos no Estatuto da Cidade, por meio da organização do espaço urbano, da

em áreas de interesse do mercado imobiliário, o que aumenta o risco de promover ainda mais a

recuperação do valor da terra urbana, da garantia habitacional e do acesso à terra e,

desigualdade social e, contudo, a segregação espacial (NETTO; SABOYA, 2010).

consequentemente, uma melhor qualidade e aplicabilidade dos Planos Diretores (NETO et al., 2014).

Desse modo, a OODC, que possui maior preocupação no financiamento da política urbana e na

Entende-se que os instrumentos urbanísticos utilizados isoladamente não seriam artifícios suficientes

recuperação financeira dos territórios, pode ser útil como uma ferramenta de cálculo das valorizações.

para transformar profundamente a situação das cidades brasileiras, caracterizada pela ocupação

Já a OUC e os percentuais destinados as Habitações de Interesse Social (HIS) atribuídos a cada zona

desordenada do espaço, injustiça de distribuição dos investimentos urbanos e desigualdade das

urbana da cidade atuariam como programas territoriais de intervenção para inclusão e como áreas

oportunidades do acesso à terra e à moradia (NETO et al., 2014).

especiais para o recebimento dos investimentos destinados a cumprirem a função social prevista no

Logo, a análise da aplicação e regularização desses três instrumentos em conjunto, por exemplo, é

Estatuto das Cidades. Desta maneira aumentaria a oferta à moradia, melhoraria e regularizariam as

uma indicação mais segura de uma possível solução para os problemas enfrentados nas cidades. Será 34


ocupações existentes em área frágeis do tecido urbano, sobretudo à população de classe mais baixa

Com referência a mobilidade e redes de ruas sustentáveis, é perceptível que as cidades atuais têm se

(LYRA, 2018; NETO et al., 2014).

importado em priorizar os meios individuais sobre o coletivo, ampliando a malha urbana em glebas,

Para isso, propõem-se duas configurações viáveis de aplicação desses instrumentos, a primeira utilizando conjuntamente a OODC e a OUC, e uma segunda que assegure nestes instrumentos, espaço para as ZEIS. Desta forma, destaca-se a inclusão de um instrumento mais relacionado à regularização fundiária das áreas urbanizadas e acesso à terra e que ao mesmo tempo agreguem valor

loteamentos e becos estreitos, sem a preocupação com os impactos negativos das descontinuidades. Tais materializações são interpretadas nesse estudo como rupturas urbanas que afetam a integração social e também a acessibilidade aos equipamentos urbanos e comunitários, a medida em que reforçam a segregação socioespacial (ROCHA et al., 2019; NETTO; SABOYA, 2010).

aos proprietários de terras, promovendo a valorização fundiária. As compensações pagas pela OODC

Finalmente, o planejamento urbano precisa adquirir um caráter proativo e comunicativo, e não apenas

para a sociedade, viriam equiparar os ganhos arrecadados a toda área que estes foram destinados

limitar-se a definir o que não é permitido fazer. O planejamento deve ser ativo na produção da cidade

(NETO et al., 2014).

e capaz de promover a dinâmica aos processos de mudança. Tais mudanças são originadas,

Ou seja, a previsão integrada desses instrumentos em questão poderia favorecer, de acordo com estes autores (NETO et al., 2014), uma intervenção mais eficaz no espaço da cidade e da consolidação dos princípios da política urbana, estimulando o cumprimento da função do direito à cidade, para uma maior inclusão dos habitantes em geral. Uma outra teoria proposta para melhor efetivação da legislação em relação ao espaço urbano, a favor da sociedade e da agregação desta no território é pensar um novo tipo de planejamento, voltado à complexidade urbana e os requerimentos da sustentabilidade (NETTO; SABOYA, 2010). Foi explicado que os instrumentos do planejamento urbano enfrentam diversos problemas em seu esforço de criar dinamismo às cidades, e que estes ainda têm que se manter atualizados em detrimento a mutações que as cidades sofrem. O planejamento contemporâneo deve, então, assumir essa mesma característica mutável e aberta. Para isso, algumas propostas podem dar direções desejadas como:

principalmente, pelos investimentos públicos e privados e pela capacidade do planejamento de propagar as informações dos responsáveis, o que contribui para a troca de conhecimento e o avanço de projetos para se obter o rumo desejado (NETTO; SABOYA, 2010). Para conclusão dos referenciais teóricos de autores que tratam possíveis aplicações da política urbana para minimizar os efeitos da segregação socioespacial, é fundamental estabelecer e conhecer as capacidades das relações público-privadas, com a participação ativa da sociedade. Cidades eficientes e equilibradas são aquelas que propiciam a requalificação de suas áreas deterioradas. Novos instrumentos inovadores como as Parcerias Público-privadas (PPP’s) urbanas podem originar novas oportunidades e melhorias nas regiões das cidades, tanto para a arquitetura, quanto para o urbanismo e inclusive a gestão pública, para que a cidade se torne algo desejável para as pessoas (LEITE, 2016).

zoneamentos mais sensíveis, estratégias de compactação da expansão urbana e uma mobilidade com

Em outras palavras, as estratégias integradas de políticas públicas urbanas com a participação social,

redes de ruas sustentáveis, citados neste capítulo (NETTO; SABOYA, 2010).

oferecem o acesso coletivo à terra digna para morar, fornecendo a devida infraestrutura necessária,

O zoneamento mais sensível, demonstra uma preocupação que o planejamento deve ter com a

além de meios de transportes públicos e equipamentos sociais mais acessíveis (LEITE et al., 2018).

acessibilidade de áreas potenciais para poderem ser localizadas as atividades e os setores destinados

As PPP’s nas cidades, são instrumentos bastante utilizados no exterior, na viabilização e remediação

a elas (NETTO; SABOYA, 2010).

de territórios deteriorados, os chamados “vazios urbanos”, muitas vezes localizados nos centros das

As estratégias de compactação da expansão urbana devem operar por meio de estudos das vantagens e desvantagens da densificação e da limitação do crescimento periféricos, da transformação das áreas rurais e urbanas e dos aumentos de distanciais internas (NETTO; SABOYA, 2010).

cidades, em um local privilegiado, dotado de boa infraestrutura e diversidade de equipamentos públicos. É por meio destas parcerias, ainda que limitadas nas cidades brasileiras, que é possível promover a renovação urbana de áreas esquecidas e abandonadas, valorizando o espaço urbano e social. Sendo uma estratégia avançada e integradoras de vários grupos e setores (LEITE, 2016; ULTRAMARI, 2013). 35


Finalmente, para complementar as questões tratadas anteriormente, a política urbana pública deve ter o objetivo de proporcionar o urbanismo social para o desenvolvimento de novos paradigmas na cultura urbana das cidades latino-americanas. Isso é fundamental para a implementação de uma nova estratégia, que engloba um conjunto de projetos e ações estruturadoras capazes de atuarem na raiz

3.2 REFERENCIAIS PRÁTICOS: SÃO PAULO, NOVA LUZ O bairro da Luz, localizado na região central da cidade de São Paulo, é um dos mais antigos, destacado por sua importância social e econômica entre os séculos XIX e XX.

dos problemas, oferecendo então o acesso à função social do direito a uma cidade qualificada e justa,

Fato estimulado pelo setor comercial que abrange, devido à grande circulação de pessoas em função

com menos segregação, para que as pessoas possam viver e morar com dignidade (LEITE et al, 2018).

dos terminais ferroviários e rodoviário. Com o passar dos anos, o bairro perdeu sua importância social

Logo, para se planejar e administrar uma cidade, é imprescindível que os fatores, projetos e a política urbana estejam alinhados e de acordo que todos devam trabalhar em conjunto e a favor dos interesses e necessidades da sociedade. Que o planejamento urbano não se consolida rapidamente, portanto, é preciso planejar a cidade a longo prazo, para obter-se um melhor aproveitamento e chance de enfrentar os desafios cotidianos (LEITE et al., 2018).

e com a degradação de seu ambiente urbano, levou a perda de grande parte de seus habitantes. A região passou a ser mais conhecida como Cracolândia (figura 1), em razão de suas ruas terem sido ocupadas por centenas de pessoas em situação de rua, dependentes de crack. Essa realidade comprometeu ainda mais a identidade da região (GENGHINI, 2013). Figura 1 – Cracolândia no bairro da Luz

Nesse contexto, o próximo subtópico a ser abordado, mostrará como algumas ideias funcionaram na prática para se conquistar o direito à cidade e diminuir os casos de segregação socioespacial.

Fonte: https://vejasp.abril.com.br/cidades/roubas-na-cracolandia-aumentam-em/.

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O Projeto Nova Luz em São Paulo, após muitas revisões e mudanças, foi planejado para ter efeitos a

A partir do exposto, é possível compreender que a principal diretriz projetual proposta pelo Projeto

longo prazo, pois transformações urbanas não acontecem rapidamente, é preciso de tempo para elas

Nova Luz foi o aumento de densidade demográfica. Esse foi o ponto inicial para pensar o projeto,

se efetivarem e ganharem destaques na cidade.

estabelecido a partir de uma meta que pretendia duplicar o número de habitantes da região da Nova

Ao dar início a apresentação deste estudo é preciso situar o espaço intervencionado, os motivos e

Luz.

problemas, e principalmente os princípios e objetivos estabelecidos com a implantação do Projeto

Pretendia-se com essa estratégia, manter os moradores atuais e permitir a entrada de novos,

Nova Luz.

transformando o perfil do bairro para um bairro mais residencial, com variação nos tipos de habitações

O processo de transformação que o bairro da Luz, no centro de São Paulo, se desenvolveu no contexto capitalista na qual a metrópole encontrava-se vulnerável e por consequência, segue às regras do mercado econômico. Nesse sentido, alguns dos valores determinantes da vida em sociedade se convertem a padronização do comportamento das pessoas, a obediência e a submissão às forças de dominação política e econômica locais (PMSP, 2011). Essas forças determinam o espaço e o valor de cada indivíduo de acordo com sua produtividade, capacidade de consumo, dinamismo e competitividade, e acabam excluindo os indivíduos que não se

de acordo com as diferenças de renda existentes. Além disso, esperava-se diversificar os tipos de empregos através da criação de novos setores econômicos, comerciais e de serviços. O sucesso dessa iniciativa dependia de um correto entendimento da função social deste setor da cidade (PMSP, 2011). Esse capítulo apresenta os processos de transformação demográfica e econômica, destacando as soluções, juntamente com as propostas de mobilidade, infraestrutura e de desenvolvimento sustentável, contidas no referido projeto.

encaixam nessa dinâmica. Tal situação aumenta ainda mais a segregação e a criminalização,

Neste contexto é importante destacar que o esgotamento de espaço adequado para expansão urbana,

provocando o confinamento dos valores e intenções contrárias a lógica do mercado capitalista (PMSP,

associada a um constante processo de congestionamento da mobilidade, tornou necessária a

2011).

incorporação de setores urbanos com capacidade de receber o futuro acréscimo populacional. Esta

Esses acontecimentos já se fazem presentes na realidade das cidades brasileiras. As leis do “Estado de Mercado” estabelecem como deve ser o comportamento social da população, criando convenções ilusórias para que tais regras sejam aceitas e cumpridas (PMSP, 2011). Uma das táticas empregadas para a permanência do poder é através do controle que provoca condições nas quais se imperam o sentimento generalizado do medo. Como foi apresentado no subcapítulo 2.3, o medo é um objeto na criação de um estado de exclusão permanente na qual se aceita, involuntariamente, uma série de medidas antissociais. É nessa circunstância de dominação, tanto da parte populacional, como da governamental, pelas grandes corporações e instituições financeiras, que o bairro da Luz está inserido (PMSP, 2011).

diretriz foi reforçada pelas novas políticas urbanas influenciadas pelos ideais da cidade compacta, com o aumento da densidade populacional, dinamização do uso do solo e redução dos deslocamentos. Nesta situação, o Plano Diretor foi juntamente com seus demais instrumentos urbanísticos relevantes, principalmente para a Concessão Urbanística, necessária para reestabelecer a função social da cidade e orientar a dinâmica no Município de São Paulo (PMSP, 2011). Outra preocupação foi com o uso do solo urbano que deveria refletir as transformações de um novo modelo de desenvolvimento a partir do estímulo ao consumo do solo. Essa estratégia era adotada a fim de reduzir os grandes deslocamentos e consequentemente o volume de veículos, através da aproximação dos setores de comércio, serviços, habitação e lazer (PMSP, 2011). Logo, as novas operações urbanas propostas pelo Projeto Nova Luz, utilizou-se das áreas localizadas

O Projeto Nova Luz surge como um ambicioso projeto de revitalização do centro da cidade de São

ao longo dos trilhos do trem para iniciar a expansão urbana. Esse projeto buscou consolidar um novo

Paulo, que une a Prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado e prevê um alto custo de

padrão para a expansão com base em orientações para uma melhor utilização do espaço urbano, por

endividamento com o Banco Internacional de Desenvolvimento, com o intuito de realizar grandes

meio de boas localizações, associadas ao transporte coletivo e principalmente à caminhabilidade e ao

investimentos para tentar requalificar as chamadas áreas degradadas do município (PMSP, 2011).

aumento da densidade, a principal diretriz do projeto (PMSP, 2011). 37


Uma das estratégias do plano utilizadas para diminuir esses deslocamentos foi a ampliação e

esses elementos serão utilizados para reforçar a identidade desses espaços e qualificar a malha

diversificação do espaço com usos mistos. Foram assim propostos, além de habitações, novos usos e

urbana (PMSP, 2011).

a dinamização deles, permitindo a instalação de empresas, desde que elas em contrapartida oferecessem investimentos e empregos à população local. Essa articulação de novos conceitos urbanos sustentáveis serviu de suporte às transformações propostas pelo Plano (PMSP, 2011). Com o objetivo de consolidar a intervenção, a metodologia de planejamento utilizada para o Projeto Nova Luz seguia intenções de uma intervenção inclusiva. Assim, a proposta oferecia oportunidades para todos os grupos socioeconômicos com base na combinação dos usos residencial, comercial, cultural, cívico e educacional. O Projeto também se preocupava em promover uma comunicação com os bairros adjacentes, para criar e efetivar um atraente e integrado setor de usos mistos, buscando padrões de desenvolvimento sustentável, e princípios da caminhabilidade, além do resgate do

O Projeto Nova Luz também se relaciona com o princípio do uso do solo urbano por meio da implantação de setores de uso misto e âncoras urbanas. A inserção desses equipamentos ajuda na formação de um sentimento coletivo de vizinhança e na sensação de conforto e segurança a fim de atrair o público para praticar atividades ligadas ao lazer, cultura, comércio e bem-estar (PMSP, 2011). Concluindo, o projeto e seus princípios fundamentais estão associados a estrutura urbana, ao adensamento populacional, a dinamização da cidade e ao desenvolvimento sustentável. Com isso, o projeto define suas principais metas e desafios, de acordo com cada área de estudo, e as possíveis estratégias para solucionar as dificuldades inerentes a região.

patrimônio histórico e do aumento dos espaços públicos com áreas verdes. Por meio dessa

Ao iniciar pela questão da mobilidade urbana foi possível identificar as grandes dificuldades

abordagem humanista, a estrutura do planejamento se consolida como solução desafiadora e

enfrentadas. Na região da luz, um conjunto de espaços públicos, desconectados e desarticulados

dinâmica, que mesmo com ideias capitalistas, torna-se capaz de inovar e se tornar referência se

entre si próprios e em relação a cidade, ruma ao caos urbano. Para isso foi estabelecido algumas

alcançar as mudanças profundas projetadas para a região (PMSP, 2011).

metas que pensadas para a mobilidade poderiam afetar a cidade e seus problemas como um todo.

Alguns princípios iniciais foram estabelecidos para alcançar e consolidar um projeto urbano

As metas estabelecidas, neste caso, foram com base no respeito a malha viária existente na região,

estruturado e coerente de forma a integrar as soluções ao desenho urbano em relação às

com a intenção de promover uma maior concentração de grandes empreendimentos corporativos ao

potencialidades e oportunidades que a área oferece.

longo de seus bulevares e integrar a malha adjacente. A estratégia precisava agrupar a circulação

O primeiro deles foi o de proteger a malha urbana, desenvolvendo uma nova organização do território, promovendo uma maior acessibilidade e mais conexões com o entorno sem perder a característica inicial e histórica da forma quadriculada da malha urbana existente do bairro. Para isso, foi planejado um minianel viário que garantiria essa acessibilidade no interior da área sem afetar a qualidade urbana.

mais intensa de veículos dentro do perímetro da intervenção, e de forma contraditória, ao mesmo tempo reduzir o uso de veículos automotores para viagens cotidianas e com isso reduzir a quantidade de emissões de carbono, na tentativa de aumentar a caminhabilidade e o uso das bicicletas (PMSP, 2011).

Ao mesmo tempo que essa estratégia preservaria a originalidade do espaço, ela permitiu novas

Algumas propostas foram idealizadas a fim de sanarem esses desafios como, redução do tráfego

melhorias viabilizadas por meios mais sustentáveis de transporte como a caminhada, o ciclismo e o

dentro da área do projeto, desenvolvimento de condições de conectividade, facilitando os percursos

transporte público coletivo. Isso está diretamente ligado ao princípio da conectividade (PMSP, 2011).

a pé ou de bicicleta, aumento das calçadas viabilizando a acessibilidade, propor uma hierarquia viária

Acrescenta-se aos dois princípios citados, o sistema de áreas verdes que consiste em criar uma rede de espaços públicos de lazer e atividades que incentivam o uso dessas áreas e os investimentos na

funcional, principalmente na relação de priorização do pedestre em questão do automóvel, e utilizar de redutores de velocidade para facilitar o fluxo das pessoas e incentivá-las a caminhar (PMSP, 2011).

região, com base na mistura de tipologias, e escalas associadas aos existentes. Este princípio utiliza

As principais ações tomadas pelo projeto foram, com relação a hierarquia viária, o estabelecimento de

de alguns elementos como a arborização, praças, parques e terraços jardins, com o objetivo de

alguns tipos de sistemas viários como, o Viário Estrutural que permite vias compartilhadas entre ônibus

aumentar a qualidade dos ambientes públicos e promover a inclusão e relação das pessoas. Ainda,

e automóveis, o Minianel Viário, definido por um anel interno de circulação, que racionaliza o acesso 38


de veículos para evitar o transito destes pelas ruas internas e sistemas pensados para o indivíduo, que

Figura 3 – Circulação de pedestres

veremos adiante na figura 2 (PMSP, 2011). Figura 2 – Nova Hierarquia Viária

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

O projeto também sugere a implantação do sistema cicloviário (figura 4) para o uso diário, não só nas localidades próximas, mas para a conectividade com as distancias mais longas, descongestionando o Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

sistema viário de transporte público e melhorando a qualidade atmosférica da cidade (PMSP, 2011).

O projeto teve como objetivo facilitar a mobilidade da área, conforme as figuras 2 e 3, oferecendo novas rotas planejadas para serem seguras e confortáveis, e que ao mesmo tempo, minimizassem o uso de automóveis internamente. Para isso, foram criados novos sistemas em função do pedestre, o Viário Prioritário ao Pedestre e o Viário Exclusivo ao Pedestre, na qual a diferença é que no primeiro as vias podem ser compartilhadas com os veículos mantendo a prioridade do pedestre, enquanto o segundo, mantem-se a exclusividade somente ao pedestre. Esses sistemas dispõem de algumas características como calçadas alargadas, arborização, iluminação eficiente e retirada dos estacionamentos (PMSP, 2011).

39


Figura 4 – Sistema cicloviário

Figura 5 – Sistema de transporte coletivo

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

Finalmente, para o sistema de transporte coletivo, ônibus, metrô e trem foram previstos um aumento das tropas e consequentemente de capacidade, para poder acomodar uma maior quantidade de pessoas (figura 5), (PMSP, 2011).

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

Apresentados as análises e possíveis soluções para a questão da mobilidade urbana. Outro ponto bastante relevante na região da Nova Luz é o uso do solo, que de acordo com os autores citados no capítulo precedente, pode influencias diretamente na exclusão social. Por esse motivo, a partir do entendimento da legislação de zoneamento, uso e ocupação do solo e do contexto urbano do Municípios de São Paulo, o projeto se preocupou em definir suas metas dentro dos princípios da inclusão e da cidade democrática e digna. Para isso, procurou criar uma proposta holística e alinhada a habitabilidade, conectividade, segurança, diversidade e sustentabilidade e para essas metas foram estabelecidas quatro premissas que definem a morfologia urbana do projeto. Com a densidade populacional o projeto planeja duplicar o número de moradores e trabalhadores na região a fim de intensificar o crescimento econômico e o uso dos espaços públicos. Para acolher essa nova quantidade de pessoas, o projeto visa a construção de novos empreendimentos em conjunto com as diretrizes de mobilidade e respeito as edificações existentes. Proposta estabelecida por acreditar que um novo coeficiente de aproveitamento para as zonas residenciais geraria o adensamento e consequentemente a intensificação do uso do solo que almejavam (PMSP, 2011). 40


A preocupação com a fluidez está relacionada também ao aumento da densidade populacional, mas

A primeira proposta foi a criação de novos setores, interligados entre si, que buscam incentivar o

que somente ela não seria suficiente para reativar urbanisticamente a área. É subentendido que para

sentimento de propriedade aos atuais e antigos usuários do local, como pode se observar da figura 7

que ela ocorra são necessárias oportunidades de interação entre as pessoas e o espaço urbano.

abaixo.

Dessa forma a fluidez atua para suavizar os limites entres os espaços públicos e privados, permitindo a integração entre eles (PMSP, 2011).

Figura 7 – Setorização

A diversidade une as duas premissas anteriores e junto a elas determina, obrigatoriamente, uma diversidade espacial e populacional, resultado da fusão de usos mistos, habitantes existentes e novos moradores. Esta diversidade de formas e pessoas é imprescindível para formação de um ambiente dinâmico, repleto de atividade, como pode ser observado na figura 6 (PMSP, 2011). Figura 6 – Âncoras e conexões

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

O primeiro deles é o de serviço, destinado a definir áreas para a concentração de serviços, principalmente localizadas nos bulevares periféricos, em edifícios corporativos de grande porte, próximos ao transporte público, que oferecem uma boa visibilidade e acessos (PMSP, 2011). O segundo é o comercial, um núcleo de permanência do comércio local diversificado na parte central do setor, enquanto para os extremos são propostos usos-ancoras. Isso representa uma valorização Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

Concluindo, a premissa de identidade é a consequência do sucesso da implantação do conjunto dessas premissas, cujo objetivo é impulsionar o instinto de identidade à população, além de estimular o convívio e a preservação dos espaços urbanos públicos e privados (PMSP, 2011).

do comércio misto, com destaque a lojas de varejo, cafés e restaurantes (PMSP, 2011). Os eixos de entretenimento e cultura (figura 8) ficam responsáveis pela disponibilização das atividades como o teatro, cinema, exposições, dentre outros, motivando a acessibilidade a todos (PMSP, 2011).

Baseado nestas premissas, surgiram-se as propostas para o uso e ocupação do solo urbano e inclusão socioespacial. Estas serão expostas nos parágrafos em seguida. 41


Figura 8 – Proposta do eixo de entretenimento

Figura 9 – Proposta do setor Triunfo

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

Concluindo, cita-se o setor residencial, dividido em dois setores: Triunfo e Nébias. Estes, presentes no núcleo de cada setor, são envolvidos de ruas prioritárias ao pedestre, o que garante mais leveza ao ambiente. No setor Triunfo (figura 9) predomina-se as habitações de interesse social, que será abordada mais à frente. O setor Nébias (figura 10) volta-se para a produção de novas unidades residenciais para acomodar pessoas de diversas faixas de renda e padrões (PMSP, 2011).

42


Figura 10 – Proposta do setor Nébias

permeabilidade visual e continuidade espacial, e apresenta fachadas ativas aos demais pavimentos. Estas atuam conforme o diagrama abaixo (figura 11), (PMSP, 2011). Figura 11 – Diagrama das propostas gerais

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

A produção das Zonas Especial de Interesse Social (ZEIS), está ligada a formação do setor residencial. Esta consiste em áreas com terrenos e edificações subutilizadas localizadas em regiões que possuem infraestrutura, serviços e oferta de empregos, onde haja interesse do poder público de promover e manter as Habitações de Interesse Social e garantir melhorias nas condições habitacionais aos moradores, oferecendo mais equipamentos urbanos socioculturais, espaços públicos e comércio e serviços locais. Com o projeto Nova Luz, do total de edificação produzidas nas ZEIS, 80% dessa área construída será destinada às novas habitações de interesse social e mercado local, os 20% restantes

Fonte: PMSP (2011), Projeto Nova Luz, São Paulo.

Finalizando sobre o uso do solo, o projeto destaca com fundamental a criação de espaços públicos. Estes simbolizam a vida social, econômica, cultural e política da sociedade. Aproximam as pessoas de diferentes idades, rendas e etnias, impulsiona o instinto de coletividade e preservação do espaço, promove atividades e a dinamização urbanas. Conceitos atribuídos ao planejamento de cidades compactas que promovem a inclusão social.

foram destinados a outros usos diversos, além de espaços reservados aos equipamentos públicos e sociais (PMSP, 2011). Continuando com as propostas para ações do Projeto Nova Luz, as fachadas contínuas estabelecem uma relação entre mobilidade e uso do solo. A criação das fachadas contínuas, oferece um térreo, sem recuos, com atividades comerciais voltadas paras as ruas, espaços públicos e pessoas, gerando

43


3.3 INTERSEÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Tabela 2 – Fragilidade, diretrizes e ações do Projeto Nova Luz

Ao fim da análise do estudo da intervenção do Projeto Nova Luz foi possível reunir, parâmetros, metas, medidas e ações que se comunicam com os autores citados no tópico anterior. Nesse subcapítulo serão avaliados o conjunto dessas informações e traçado um paralelo entre elas. Começando pela questão da problemática em questão, pela tabela 1 abaixo, foi possível identificar algumas dificuldades enfrentadas pelo Projeto Nova Luz e outras tratadas pelos autores. Tabela 1 – Problemática

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Excel.

Por meio dessa tabela pode-se identificar e relacionar os problemas principais, e então, reunir a questão central que estes problemas abrangem abrange, a segregação socioespacial, tema tratado em todo o estudo em questão. A segregação socioespacial está cada vez mais presente no contexto das cidades atuais e o grande debate é de que modo é possível minimizá-la. Para isso o capítulo em questão tratará desse foco na prática apresentada no Projeto Nova Luz juntamente com a fundamentação teórica de alguns autores citados e as soluções propostas por eles, se estas realmente podem se tornar respostas e quais delas são utilizadas no projeto examinado. Para tal fim, foi elaborado uma segunda tabela com o foco das diretrizes principais do projeto e os objetivos que estas buscam alcançar, para depois correlacionar as informações obtidas na prática, com a teoria. Observe a tabela 2 a seguir:

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Excel .

Dentre os aspectos da mobilidade foram constatados vários problemas, alguns ligados ao volume de automóveis e seus impactos na conectividade, na estrutura viária e no meio ambiente, no entanto estes

44


não são impactos exclusivos da mobilidade e afetam a cidade como um todo, por exemplo, as

Tabela 4 – Idealizações do Projeto Nova Luz

descontinuidades formam uma cidade dispersa, e essa falta de conectividade favorece a formação de áreas periféricas e carentes. Em relação ao uso e ocupação dos espaços urbanos, os problemas também estão correlacionados com a mobilidade e a expansão irregular do território, que por sua vez, originam áreas insalubres e subutilizadas. E no último aspecto apresentado, pode-se observar a conexão dos demais pontos, como um resultado de todas as fragilidades juntas, promovendo o aumento da segregação socioespacial. A tabela 3, a seguir, reúne as informações do Projeto Nova Luz com a síntese de suas características e ações vistas no tópico 3.2, e por meio da metodologia utilizada, faz um paralelo, encaixando estas a algumas ideias dos autores referenciados no subcapítulo 3.1. Tabela 3 – Metodologia

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Excel .

Finalmente, com a junção dos dados informativo de cada tabela e os conhecimentos adquiridos ao longo do trabalho até o momento, pode-se continuar as análises, com o aproveitamento de todo estudo realizado para ajudar no diagnóstico e nas conclusões, em função do referente espaço escolhido, a região do bairro Divino Espírito Santo, em Vila Velha no Espírito Santo.

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Excel .

A tabela 3, faz a conexão das ações em função da metodologia utilizada no Projeto Nova Luz, e a interpretação dessa metodologia em relação aos tipos de metodologias abordadas pelos autores, que mais se identificam com o projeto. As estratégias que caracterizam a intervenção estão ligadas sobretudo ao princípio das cidades compacta, principalmente por sua preocupação com o aumento das densidades e conectividade do espaço, com base em um desenvolvimento sustentável. A última tabela (4), foi elaborada com a proposta de reunir principais resultados buscados pela intervenção.

45


O capítulo 4, apresentando o diagnóstico da região do bairro do Divino Espírito Santo. No primeiro tópico é feita uma contextualização geral da Região Metropolitana da Grande Vitória e o reflexo da urbanização dessa área para formação dos espaços urbanos. 46


diagnĂłstico: bairro EspĂ­rito Santo

04

Divino 47


4.1 CONTEXTO HISTÓRICO E LOCALIZAÇÃO DA POLIGONAL DE ESTUDO

Figura 13 – Mapa de Localização da Poligonal

A poligonal se localiza principalmente na região do bairro Divino Espírito Santo, abrangendo partes dos bairros adjacentes, Boa Vista l e ll, Soteco, Vista da Penha, Itapoã, Ilha dos Ayres e Cristóvão Colombo, e seu entorno é composto pelos bairros, Praia da Costa, Praia de Itaparica e o Centro. Como mostram as figuras 12 e 13 a seguir. Figura 12 – Mapa de Localização Geral

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Ao longo dos anos a região foi sofrendo grandes transformações, devido ao processo local de industrialização que intensificou a expansão urbana dos municípios da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona

A Região passou por mudanças severas, com a instalação de grandes empresas e uma crescente

24s.

pressão para a modernização das atividades no estado do Espírito Santo, considerando o perfil econômico capixaba, intencionado para o comércio exterior. Juntamente com as grandes indústrias vieram as necessidades de investimentos e ampliação de infraestrutura para suportar as novas atividades econômicas acompanhadas do processo de metropolização da Grande Vitória, com isso foram geradas diversas rupturas de diferentes ordens, definidoras da configuração socioespacial (FERREIRA, 2017). 48


O adensamento e a expansão urbana são destaques importantes, no caso do município de Vila Velha, este se caracteriza de forma irregular, com a concentração populacional das classes de alta renda, nas regiões das orlas, enquanto as regiões sul e oeste a expansão foi consideravelmente menor, formando zonas dispersas e precárias (FERREIRA, 2017).

4.2 ASPECTOS ESPACIAIS: USO DO SOLO, BARREIRAS E EXCLUSÃO As grandes mudanças que se sucederam na dinâmica econômica atual, provocaram importantes modificações nas dimensões da sociedade, tanto no processo de produção do território, quanto nos deslocamentos da população em geral. Nesse contexto, essas transformações impactaram com

A precarização das condições de vida de uma parcela da população da RMGV, e, contudo, seus

grande intensidade nas cidades, influenciando na relação socioespacial, causando o agravamento da

impactos sociais, intensificaram a expansão desorganizada e a difusão do solo urbano, favorecendo

segregação social e da degradação ambiental (MATTOS, 2010).

zonas segregadas e a desigualdade social. A maioria da população excluída sobrevivia em condições subumanas, em locais sem o mínimo do saneamento básico e serviços públicos (FERREIRA, 2017).

A implantação dos conjuntos habitacionais também foram elementos fundamentais para configuração do espaço urbano atual, pois foram localizados predominantemente nas áreas periféricas da região

A desigualdade socioespacial materializa-se através do aumento da pobreza, da urbanização

metropolitana. Através desses conjuntos a periferia da Grande Vitória expandiu-se, por intermédio de

desordenada, juntamente com a concentração de riqueza em certas regiões, em contrapartida a

construções em novos bairros isolados, distanciados dos centros econômicos e comerciais,

carência de investimentos em outras áreas, principalmente por parte do setor público. Nesse contexto,

promovendo ainda mais rupturas espaciais (FERREIRA, 2017).

os fatores presentes na metropolização da RGMV contribuíram para a intensificação da violência urbana e para a segregação socioespacial (FERREIRA, 2017).

Para analisar o uso do solo foi elaborado um mapa (figura 14) com as características predominantes do bairro. Esse mapeamento levou em consideração a presença e sequência dos setores comercial,

Em relação ao município de Vila Velha, apesar de passar pelo mesmo processo de urbanização,

residencial e de serviço, os principais empreendimentos com a localização deles e seus uso (para

apresenta algumas características diferentes. A economia, a partir da década de 70, durante o período

poder ser analisado o funcionamento do entorno) e a disposição do bairro em geral. Este mapa foi

do regime militar, foi marcada por mudanças radicais em seu ritmo, proporção e na orientação dos

elaborado durante a disciplina de Planejamento Urbano II, pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da

investimentos, inclinada e afetada pela dinâmica do mercado exterior. Dessa maneira gerou-se sérios

Universidade de Vila Velha no primeiro semestre de 2019, com base em pesquisas de campo e

impactos no aspecto social, contribuindo para a ocupação desordenada do espaço urbano, originando

vivências próprias na rotina dos alunos.

em assentamentos irregulares e moradias insalubres com a exclusa função de acomodar o proletariado das indústrias recém instauradas (MATTOS, 2010).

A primeira sensação ao percorrer os caminhos englobados pela poligonal é a de enclausuramento e insegurança. Os espaços mais afastados e segregados no entorno dos grandes empreendimentos são

A partir desses processos citados, surge a região do Divino, localizada em relação ao critério da

repletos de vazios e moradias irregulares. Essa realidade é caracterizada por espaços insalubres, sem

dominação do espaço, próximo da orla e do centro da cidade, em uma área esquecida pela população,

atividades ao longo do dia, uma grande quantidade de becos. A morfologia do bairro é identificada

pelos investimentos e pelo poder público. Esses problemas serão abordados separadamente a partir

nesse estudo como um choque na paisagem urbana, pois as diferenças dessas moradias, das

dos próximos subcapítulos e conforme os aspectos mais relevantes.

edificações, do tecido urbano, das volumetrias são repletas de contraste e de intensas rupturas do espaço urbano.

49


Figura 14 – Mapa de Uso do Solo

Figura 15 – Barreiras físicas: Hospital Vila Velha

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha em 2020.

Os impactos desses empreendimentos são enormes e destoam da realidade da população que vive na área, e nenhum deles demonstrou pela sua implantação, ter tido qualquer preocupação de integrarse ao entorno e a vida daquelas pessoas que já se encontravam ali. A inserção dos novos edifícios introspectivos, constituem-se em grandes espaços enclausurados, fortificados entre muros e isolados do entorno indesejado, formando barreiras e aumentando ainda mais o sentimento de medo e Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona

insegurança, como pode-se observar nas figuras (16, 17 e 18) abaixo.

24s.

A poligonal em estudo apresenta características marcantes em relação a segregação socioespacial. Pode-se perceber grandes empreendimentos, como o Shopping Vila Velha, Universidade Vila velha, Hospital Vila Velha, o Fórum de Vila Velha e o Ministério Público, além de edifícios comerciais que salientam as diferenças sociais com o entorno em que estão inseridos O bairro é marcado, como apresenta a figura 14, por uma massa fragmentada de residências de pequeno porte e becos, gerando assim um isolamento e evidenciando a desigualdade social da população ao entorno desses empreendimentos. Observa-se também, grandes espaços vazios nas proximidades do Hospital Vila Velha (figura 15), cujas características são atreladas a um o aumento da violência nesses locais já que não existem usos diversificados como atrativos.

50


Figura 16 – Barreiras físicas: Shopping Vila Velha

Figura 18 – Barreiras físicas: Ministério Público e Fórum de Vila Velha

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade

de Vila Velha em 2020.

de Vila Velha em 2020.

Figura 17 – Barreiras físicas: Universidade de Vila Velha

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha em 2020.

51


Por meio da figura fundo (figura 19) é possível analisar e entender como são divididos os espaços da

A legislação vigente no município, assim como, a Lei Complementar nº 65/2018, que prevê diversas

poligonal, a divisão das quadras e do sistema viário. A maior relevância dessa análise é a relação da

mudanças para a área, são relevantes para a análise da poligonal, abrangendo propostas de

quantidade de lotes vazios as edificações, predominância de como estão localizados e como essa

Macrozoneamento e Zoneamento.

relação afeta o conjunto edificado, além da presença de becos descontínuos e áreas informais com características de aglomerados subnormais, ainda mais segregadas. Figura 19 – Figura Fundo

O Macrozoneamento é constituído por áreas urbanas e rurais, estabelecidas segundo condições de uso e ocupação do solo. No entanto, a área estudada apresenta apenas duas das classificações existentes: Macrozona de Consolidação Urbana 01 e Macrozona de Consolidação Urbana 03, conforme o mapa abaixo (figura 20): Figura 20 – Macrozoneamento

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Para entender melhor a realidade da poligonal, é preciso analisar o funcionamento e a aplicabilidade das políticas urbanas previstas pelo Plano Diretor Municipal (PDM).

Fonte: Lei Complementar nº65/2018, Prefeitura de Vila Velha, adaptado pela autora.

52


De acordo com o Art. 85, da LC nº 65/2018, as Macrozonas de Consolidação Urbana 1 propõe: Art. 85 Os objetivos a serem alcançados nas Macrozonas de Consolidação Urbana 1 são:

Além disso, no inciso II, do mesmo artigo, é estabelecido “induzir a ocupação de vazios urbanos”, mas, assim como na Macrozona anterior, são desconsiderados e generalizados os aspectos existentes na poligonal.

I - promover a renovação urbana com a indução da ocupação dos vazios urbanos; II - incentivar a produção de habitação de interesse social;

O zoneamento urbano (figura 21) determinado pela legislação favorece ainda mais os problemas que

III - melhorar a infraestrutura básica para possibilitar adensamento;

a área sofre. A poligonal define-se por apenas duas zonas opostas, cada qual com sua caraterística

IV - qualificar os espaços públicos; V - promover melhorias viárias nas ligações intrabairros e metropolitana; e

principal sem correlação com a outra. Essa ocupação acarreta na falta da diversificação dos usos e da comunicação entre as zonas, tanto nos aspectos físicos (espaço), como nos sociais, econômicos e de mobilidade.

VI - identificar e preservar o patrimônio ambiental, cultural e histórico (VILA VELHA, 2018).

A região que compõe essa Macrozona compreende-se ao setor 6 da poligonal. Contudo, os objetivos

Figura 21 – Zoneamento

previstos em Lei, não são característicos dessa área. Primeiramente, porque a Lei visa “promover a renovação urbana com a indução da ocupação dos vazios urbanos” e “melhorar a infraestrutura básica para possibilitar adensamento”, porém, a área já possui um adensamento populacional desorganizado e ausência de vazio urbano. Em segundo lugar, é prevista a qualificação dos espaços públicos, todavia, é necessária a existência prévia de um espaço público, para, então, qualificá-lo. Em relação as Macrozonas de Consolidação Urbana 3, o Art. 87 prevê o seguinte: Art. 87 Os objetivos a serem alcançados na Macrozona de Consolidação Urbana 3 são: I - estimular atividades retro portuárias e de apoio logístico com a instalação de grandes empreendimentos; II - induzir a ocupação dos vazios urbanos; III - promover a ligação da macro área consolidada com o restante do território; IV - promover melhorias viárias nas ligações intrabairros e metropolitana; IV - identificar e preservar o patrimônio ambiental, cultural e histórico; e V - compatibilizar os usos e ocupações com a preservação da área delimitada como de interesse ambiental da Lagoa Encantada (VILA VELHA, 2018).

O inciso I do artigo discorre sobre “estimular atividades retro portuárias e de apoio logístico com a instalação de grandes empreendimentos”, no entanto o objetivo proposto desconsidera os empreendimentos presentes na poligonal, de proporção municipal, como o Shopping Vila Velha e o Hospital Vila Velha, ao invés de prever uma política para minimizar os impactos que eles provocam ao espaço e a sociedade.

Fonte: Lei Complementar nº65/2018, Prefeitura de Vila Velha, adaptado pela autora.

Verifica-se na configuração do bairro a existência de uma série de rupturas identificadas nos enclaves fortificados, nos vazios urbanos, nas vias arteriais e no tecido urbano edificado com características de 53


aglomerado subnormais isolados e fragmentados da malha adjacente. Essas características são

Figura 22 – Mapa de Mobilidade

identificadas como rupturas a medida em que impedem a fluidez do pedestre e limita sua livre circulação (ROCHA et al., 2019). A peculiaridade das rupturas em função da população local, intensificou a complexidade do seu cenário social, assim como nas formas de organização e ocupação do espaço urbano. Esse processo movido por intensas rupturas, também afetou profundamente a questão da mobilidade urbana da região (FERREIRA, 2017). O mapa a seguir (figura 22) sintetiza os problemas encontrados na mobilidade urbana da região, demonstrando a funcionalidade das vias, ou seja, a intensidade de fluxos diferenciados de cada uma, a priorização e principalmente as descontinuidades, de acordo com observações pessoais da vivência cotidiana, visitas de campo pela disciplina de Planejamento Urbano II, pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha e pesquisa no Google Maps.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

A mobilidade é marcada pelas vias principais de acesso, com eixos de transporte e comércio marcantes, encontrados principalmente na Av. Luciano das Neves e na Rua Santa Leopoldina. No entanto, estas vias acabam priorizando habitantes de outras regiões, tornando-se ruas de passagem que não se conectam com o interior do bairro. Isto dificulta as transações sentido Leste-Oeste, o que agrava ainda mais a situação de segregação do espaço, pois a comunicação é bastante precária, resultando na grande quantidade de becos e vielas informais (figura 23) que dificultam a caminhabilidade e os acessos, como é mostrado nas figuras abaixo. A hierarquia das vias é bastante

54


discrepante, as vias principais não dão prioridade nenhuma ao pedestre, as calçadas, quando existentes, apresentam-se fragilizadas e precárias, muitas delas sem manutenção e acessibilidade. Figura 23 – Becos e vielas presentes no bairro Divino Espírito Santo

4.3 ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E A INCLUSÃO SOCIAL NO ESPAÇO No âmbito econômico, a instauração dos grandes projetos industriais no Espírito Santo passa a influenciar a sociedade capixaba, sob os mais diversos aspectos, diretamente na produção do espaço, na ampliação da economia de serviços, na consolidação do mercado imobiliário, do processo das transformações da estrutura social e o consumo de bens e serviços (FERREIRA, 2017). Estas transformações de âmbito econômico, político e social, são utilizadas para compreensão das demais análises realizadas neste trabalho em relação as mudanças socioespaciais. Como estas desencadearam as modificações no mercado de trabalho, nos descolamentos das atividades entre os setores secundários e terciários, produzindo novas formas de personificação da pobreza, aprofundando ainda mais os processos de exclusão das pessoas das possibilidades de trabalho e comprometendo, por conseguintes, a qualidade de vida (FERREIRA, 2017). Observa-se na tabela 5 o caráter econômico da região do Divino, relacionado ao grau de escolaridade,

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha em 2020.

Outro ponto importante, é a falta de transportes coletivos e alternativos que funcionam como modais ativos e visam a sustentabilidade. Apesar de possuir um terminal de ônibus na poligonal, este não

de densidade populacional e da pouca variação da renda dos moradores, que vivem, em sua maioria, em péssimas condições, sem acesso à terra e a investimentos. Tabela 5 – Renda média da população

supre a necessidade da população local, que recebe grande fluxo de pessoas externas, e nem a infraestrutura existente suporta a demanda da sociedade, tornando a edificação cada vez mais decadente. Ainda, somado a tudo, o fraco sistema cicloviário, que quando não é inexistente é ineficaz, sem conexão entre eles próprios e a cidade, dificulta a mobilidade dentro do bairro. As ciclovias são descontínuas. Não tem acessos, nem equipamentos suficientes para atender a região, e não atraem o interesse dos moradores, que em sua maioria é de baixa renda e, precisam de meios alternativos para se locomoverem.

Fonte: SEMPLA, 2010.

55


A partir da análise da tabela de Renda do SEMPLA 2010 (tabela 5), a poligonal possui um valor médio salarial de R$ 1.219,00, na qual resulta em um valor contraditório o local onde está inserido. Devido aos

4.4 ASPECTOS COMPLEMENTARES: UMA ANÁLISE AMBIENTAL Os principais problemas encontrados quando se trata de aspectos socioambientais (figura 24) são relacionados a escassez de verde urbano, ao acúmulo de lixo (figura 25) ao longo de todo o bairro e

grandes empreendimentos, como o Shopping Vila Velha, Hospital Vila Velha, Terminal Vila Velha e a

ao alagamento, de acordo com observações pessoais da vivência cotidiana, visitas de campo pela

Prefeitura de Vila Velha, a região apresenta um desenvolvimento progressivo, mas não há uma

disciplina de Planejamento Urbano II, pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila

correlação com a área inserida. Como consequência deste desenvolvimento, sucede a gentrificação,

Velha, pesquisa no Google Maps e arquivos Shapefile. Os aspectos são destacados na (figura 24)

fenômeno de valorização que afeta as pessoas de classe baixa.

abaixo:

Tabela 6 – Síntese das densidades dos bairros

Figura 24 – Mapa de Aspectos Ambientais

Fonte: SEMPLA, 2010.

Segundo a tabela de densidade do SEMPLA 2010 (tabela 6), a poligonal possui poucos habitantes por metro quadrado, ou seja, é uma área de pouca densidade urbana, caracterizada por grandes vazios e com edificações de gabarito baixo. Assim, percebe-se um menor consumo e otimização do solo urbano.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Os pontos de alagamentos (figura 25), que em caso de chuvas intensas, torna inviável o acesso ao bairro e o trânsito pelo mesmo, são dispersos pelo bairro. Além disso, é perceptível a falta de espaços

56


verdes e arborização pelos caminhos (figura 25), deixando o lugar desconfortável visualmente e termicamente.

4.5 SÍNTESE DO DIAGNÓSTICO: ENTRE A INFRAESTRUTURA E A SEGREGAÇÃO A poligonal engloba-se dentro da região central do município cuja infraestrutura não é coerente com a

Figura 25 – Acúmulo de lixo nas proximidades do Hospital Vila Velha e ponto de alagamento em

baixa densidade habitacional do bairro, ou seja, ela apresenta infraestrutura adequada, porém

acesso à Avenida Luciano das Neves

apresenta muitos vazios urbanos, pouca população residente e verticalização. Essas características vão contra aquelas estabelecidas para uma cidade compacta. Como pode-se observar no mapa síntese (figura 26). Figura 26 – Mapa Síntese

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha em 2020.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

57


Estes aspectos aliados a empreendimentos de grande porte como o Shopping Vila Velha, o Hospital Vila Velha e a Universidade Vila Velha, com atividades voltadas aos seus interiores, geram a evasão e o aumento da segregação socioespacial do local. A infraestrutura atual não é otimizada de forma a incluir a população no espaço urbano. Isto se dá, principalmente, por causa desses pontuais empreendimentos particulares e de alto padrão cujo público alvo não é a população local e sim usuários que vem de outros bairros e cidades.

4.6 ANÁLISE MORFOLÓGICA E COMPORTAMENTAL DOS SETORES A análise morfológica reúne as características principais observadas que representam a região da poligonal Divino Espírito Santo. Essas, foram fundamentais para conclusão do estudo e entendimento das necessidades e dificuldades a serem enfrentadas. Para ilustrar a interpretação dessas particularidades, foi elaborado o mapa (figura 27) a seguir, que sintetiza os aspectos encontrados, de forma a sonorizá-los morfologicamente, de acordo com observações pessoais da vivência cotidiana, visitas de campo pela disciplina de Planejamento Urbano

A consequência de amplas vias de alto fluxo, falta de arborização, ruas áridas e movimentadas,

II, pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha e pesquisa no Google Maps.

priorização do veículo particular, com poucos locais de ciclovia e/ou ciclofaixa, bem como poucas

Figura 27 – Mapa de Setorização Morfológica

paradas de ônibus é um cenário de contrastes urbanos constituído de ilhas fragmentadas por atividades desintegradas da vida cotidiana do bairro existente. A falta de usos e da oferta de trabalhos que englobam a comunidade vai além do lazer não interativo quando não atende as necessidades dos habitantes, envolve. Os bairros vizinhos de Boa Vista II, por exemplo, apresentam mais serviços locais e por consequência maior valor nominal médio que Boa Vista I, assim como um menor número de pessoas que recebe até 1 salário mínimo do que Boa Vista I e Divino ES. Esses fatores são visíveis na condição precária das moradias das famílias, na falta de investimento em espaços públicos de qualidade e na insegurança urbana verificada no bairro.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

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Com base no mapa acima, é possível reconhecer as principais edificações pertencentes a poligonal e

Figura 28 – Mapa Malha Viária

citadas anteriormente ao longo do trabalho, como: o Terminal de Vila Velha, Hospital Vila Velha, Shopping Vila Velha, a Universidade de Vila Velha, o Fórum e o Ministério Público. No entanto, esse capítulo não se resume apenas a apresentação desses empreendimentos como única e exclusivamente grandes edificações, e sim leva em consideração sua morfologia, função, disposição no espaço e os impactos socioespaciais causados por suas implantações. Percebe-se que essas edificações se espalham pela poligonal, de modo que todos os setores destacados possuem ligação direta ou indiretamente a elas, e com isso se estabelece uma correlação com os impactos causados aos setores do seu entorno. Outro fator importante observado, é a malha viária existente. Por meio dela pode se definir o comportamento de cada via, passagem ou beco. Para isso, foi estabelecido seis tipos de vias, distinguidas pelos atributos morfológicos, intensidade de fluxo, presença de sinalização e funcionalidade. A seguir, serão explorados e explicados os pontos de vista que foram utilizados para a determinação das vias, com auxílio do mapa (figura 28):

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

As avenidas principais, indicadas no mapa, são aquelas que contornam a poligonal e são responsáveis por conectar a região com outros bairros da cidade, além de permitir a conexão interurbana. Por esses motivos, possuem maior fluxo dentre as demais vias identificadas: Av. Luciano das Neves, Av. Capixaba e Av. Gonçalves Lêdo. Iniciando pela Av. Luciano das Neves (figura 29), pertencente a Rodovia do Sol, delimita o bairro Divino Espírito Santo do bairro Itapuã, sendo o principal acesso a poligonal e responsável pela comunicação dela com os demais lugares. Essa avenida retém os principais deslocamentos da região,

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principalmente, por receber o fluxo intenso da Terceira Ponte, responsável pela conexão dos demais

necessita de manutenção, possui muitos buracos ao longo do seu trajeto, vários desnivelamentos e a

municípios da Região Metropolitana da Grande Vitória, e de outros bairros da cidade de Vila Velha.

sinalização horizontal está apagada.

Desse modo, o trânsito intenso de veículos e pessoas sobrecarrega a avenida. Também por esse

Em relação as calçadas, por causa dos estabelecimentos comerciais e de serviço, muitas partes são

motivo, o percurso é composto por edificações comerciais e de serviço, e algumas residências, bem

ocupadas por estacionamento e entradas e saídas dos veículos que vão usufruir dessas edificações.

característico de rodovias.

Esse fato favorece a descontinuidade entre os lotes, ou seja, a cada construção as calçadas se diferem Figura 29 – Av. Luciano das Neves

em tamanho e pavimentação. Em muitas outras partes, as calçadas se encontram bem precárias, dificultando mais a acessibilidade do pedestre que, além disso, ainda divide o pouco espaço com vários obstáculos, como: postes, hidrantes e placas, que se tornam grandes obstáculos. Outra crítica, é a falta de arborização, que torna o percurso desconfortável, afastando cada vez mais as pessoas de desfrutá-las. A Av. Luciano das Neves detém variedade nos meios de transporte. Os principais são os automóveis e as motocicletas, mas também reúne o transporte público metropolitano, o Sistema Transcol e municipal, a Viação Sanremo. Na Av. Luciano das Neves localiza-se o Terminal Vila Velha e sua entrada principal, que atrai uma grande quantidade de pessoas. Outro destaque, é a movimentação ativa de ciclistas, que transitam entre a rua e as calçadas, competindo o espaço com os veículos e pedestres, pois não existe ciclovia ou ciclofaixa.

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha em 2020.

Sobre a organização viária, a via é composta por muitos cruzamentos, sinalizados ou não, e três faixas de rolamento com estacionamento formal à esquerda. Com o grande aumento dos fluxos em horários de pico, a configuração não comporta a quantidade de veículos, formando uma longa faixa de retenção e a grande quantidade de cruzamentos não ajuda na fluidez da via. Considera-se que, por ser uma rodovia estadual, detém infraestrutura urbana como, iluminação e sinalização. Todavia, em comparação com os aspectos morfológicos, observa-se que o asfalto

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Outro importante acesso à poligonal, é a Av. Capixaba (figura 30), que delimita os bairros Divino

estacionamento formal à direita e melhor infraestrutura urbana composta de iluminação, sinalização

Espírito Santos e Cristóvão Colombo. Também reúnem os fluxos dos bairros do entorno,

vertical e horizontal, com pavimentação recém restaurada, devido ao fechamento do antigo canal, que

principalmente da região do Centro e oeste da poligonal, assim como a Av. Luciano das Neves,

possibilitou a manutenção até metade da avenida.

recebendo o fluxo da Terceira Ponte, com menor intensidade. Figura 30 – Av. Capixaba

Em relação as calçadas, partes são ocupadas por entradas e saídas dos veículos de carga e de garagens, apesar das interrupções, a continuidade entre lotes se mantém. Também devido ao fechamento do antigo canal, foi possível o aumento e melhoramento das calçadas e a implantação de uma ciclovia. No entanto, o restante da avenida continua em situações bastante precárias. Não obstante as pequenas mudanças, não foram vistas melhorias de fato, pois o percurso ainda carece de cuidados. As extensas calçadas, sem arborização, tornam o caminho menos confortável, ainda mais em determinadas condições climáticas, além disso, a falta de atratividade das edificações e fachadas, e de longas extensões de muros, tornam a avenida mais ociosa e insegura, afastando as pessoas. Sendo uma avenida, também dispõe de outros meios de transporte como o ônibus e as bicicletas. No entanto, por não possuir grande atratividade, as pessoas não podem desfrutá-la, pois não tem funcionalidade para elas, tornando-se uma via de passagem.

Fonte: visita em campo para realização do Trabalho de Conclusão do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Vila Velha em 2020.

Por ser uma via mais utilizada, majoritariamente, por moradores de Vila Velha, como forma de escape à Av. Luciano das Neves, seu fluxo é mais reduzido. Seu entorno é composto por edificações, em grande parte, residencial e por extensas quadras ociosas ou ocupadas por grandes armazéns e galpões de empresas, e depósitos de mercadorias, não promovendo atratividade de usos para via. A configuração viária é integrada por: cruzamentos, que fazem a conexão entre o Divino Espírito Santo e Cristóvão Colombo; não possui semáforos, configura-se em geral por duas faixas de rolamento,

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Por fim, a Av. Gonçalves Lêdo (figura 31), localizada perpendicularmente a Av. Capixaba, também

bastante precária ou inexistente, ladeada por extensos terrenos vazios murados que, juntamente, com

recebe grande fluxo de outros bairros, pois é um dos principais acessos à Terceira Ponte. Por situar-

a falta de arborização torna o percurso muito desconfortável de dia, enquanto no período noturno, a

se na extremidade superior da poligonal, é o meio de saída mais utilizado, conectando-a com outros

fraca iluminação favorece o medo e a insegurança. Do lado oposto, não existe calçada, seu lugar é

bairros e municípios e assim como a Av. Luciano das Neves, ela é bem requisitada e, por isso, em

preenchido por canteiros de vegetação não acessíveis, utilizados para minimizar a barreira que separa

horários de pico apresenta um fluxo intenso.

a avenida do canal.

Ao longo de sua extensão, possui muitos cruzamentos, sinalizados ou não, que podem gerar muitos

Para as demais vias, será feita uma breve apresentação, pois elas pertencem a determinados setores

nós viários, destaque para o cruzamento na saída do Hospital Vila Velha em direção Centro, e com a

da poligonal, o que as torna indispensáveis para definição, formação e funcionamento dos mesmos.

Av. Luciano das Neves, sentido Vitória. Figura 31 – Av. Gonçalves Lêdo

As vias conectoras, por seu próprio significado denotativo, são responsáveis pela conexão. Essas conectam as Av. Capixaba e Av. Luciano das Neves, com isso, interligam o interior da poligonal com as principais rotas para os demais bairros e municípios. Geralmente, são compostas por habitações de uso misto, com comércio ou serviço localizados nos térreos das residências existentes nos pavimentos superiores, justificando assim, o fluxo moderado de veículos e pessoas. Abrangem duas faixas de rolamento e estacionamento tanto formal, quanto informal e assim como, as avenidas, as vias conectoras também carecem de acessibilidade e arborização nas calçadas, até inexistentes em alguns trechos. As vias locais estão presentes por todos os setores da poligonal, designadas para comunicação dentro do bairro. São as ruas que circundam os grandes empreendimentos, tornando-se os principais acessos a esses, facilitando sua localização e chegada de visitantes atraídos por essas edificações. Seu fluxo moderado, dependendo do horário, permite a configuração em uma a duas faixas de rolamento, elas também possuem estacionamentos formais e informais. Além disso, apresentam variação de usos, em geral mistos, com comércio ou serviço no térreo e moradias nos demais pavimentos. Apesar de conterem moradias e atividades locais, a viabilidade das calçadas se repete, quase sempre desgastadas ou inexistentes.

Fonte: https://es360.com.br/area-para-onibus-do-terminal-de-vila-velha-pararem-sera-definida/, adaptada pela autora.

As vias locais de transição são as vias que na maioria das vezes não recebem destaque do sistema

Constitui-se de três faixas de rolamento, sem estacionamento, na parte que pertencente a poligonal.

viário, geralmente, são mais estreitas que as locais, com pavimentação precária ou inexistente. Essas

No entanto, por sua proximidade com o Terminal Vila Velha, sendo um importante percurso do Sistema

servem como uma curta transição entres as demais vias locais ou acesso às moradias, sendo,

Transcol, atualmente com a reforma do terminal, uma das faixas passou a servir de estacionamento

rotineiramente, esquecidas. Além disso, não possuem atrativos que gerem algum fluxo mais ativo,

para os ônibus e esse fato prejudicou ainda mais o trânsito na avenida.

devido ao seu curto trajeto. Possuem estacionamento informal, calçadas bastante precárias.

A calçada encontra-se de um lado da avenida, principalmente, no entorno de uma nova edificação,

Seguidamente, encontram-se os becos, divididos em dois tipos: os que passam veículos e

única parte na qual ela apresenta melhor infraestrutura e acessibilidade. O resto de sua extensão é

motocicletas, e de passagem de pessoas e bicicletas. Os becos, são vielas bastante estreitas que

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surgiram pela necessidade das pessoas de transitarem entre suas moradias segregadas, na maioria

usos e por seu desenho urbano, o conjunto dessas observações espaciais são fundamentais para a

das vezes, informais e insalubres, e interligá-las com o restante do bairro, dominado pelos grandes

formação das particularidades socioespaciais encontradas.

empreendimentos, terrenos ociosos e vazios urbanos. Uma maneira de se integrarem com a vida do bairro em que foram excluídos. Não possuem o básico de infraestrutura urbana como: pavimentação, sinalização e iluminação, prejudicando ainda mais a mínima acessibilidade existente. Na maior parte,

SETOR 1: SETOR DE ACESSO Figura 32 – Setor 1

são passagens improvisadas pelos próprios moradores e não constituem legalmente o sistema viário da região. No entanto, são imprescindíveis para a locomoção dessas pessoas. Por fim, são destacadas as barreiras, descontinuidades e os nós viários, fatores importantes que influenciam na dinâmica urbana da poligonal. As barreiras estão diretamente relacionadas aos grandes empreendimentos, principalmente o Shopping Vila Velha e a Universidade de Vila Velha, que interrompem abruptamente as ruas e, infelizmente, ao final de cada ruela sem saída encontra-se um espaço ocioso, precário servindo para deposito de lixo pelos moradores. As descontinuidades são observadas pela interrupção abrupta de uma rua, por meio de desvios. No entanto, essas descontinuidades não são, necessariamente, um fator problemático, pois podem ser reaproveitadas para controlar o fluxo dos veículos. Finalizando, os nós viários são fatores que requerem atenção, por meio deles, identifica-se onde há grande recebimento e desorganização de fluxos. Conclui-se que as vias encontradas formam estrutura da poligonal e são importantes para interligaremna desde seu interior, ao entorno e outras regiões. No entanto, todas apresentam sérios problemas e as reais necessidades que elas demandam não são supridas. A infraestrutura, sinalização e acessibilidade continuam precárias, o potencial de conexão não é bem utilizado, como percebe-se, existem várias interrupções entres as vias, com outras que não apresentam funções ou importância que justifiquem sua existência, prejudicando a linearidade do bairro. As vias priorizam os veículos, principalmente, os visitantes atraídos, exclusivamente, pelos grandes empreendimentos, esquecendo-se do pedestre e ciclista local, principal usuário dos serviços oferecidos. Esses não ganham o devido destaque e, com isso, utilizam-se de becos e ruas empobrecidas para se locomoverem, coagidos a permanecerem enclausurados em suas bolhas. Não há espaço para eles. Para explicar melhor como funciona a poligonal e como ela interage com o sistema viário e a formação dos espaços urbanos serão apresentados nos tópicos a seguir cada setor, separadamente. Os setores possuem características bem definidas, relacionadas ao espaço que estão localizados, seus principais

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

O setor 1 (figura 32) configura-se por quadras grandes e regulares, com diversas divisões de lotes e é marcado pela presença de empreendimentos como o Hospital Vila Velha e edifícios de grande porte 63


em construção ou já consolidados. Em contraponto, a principal característica desse setor é a

entanto, a praça é pouco valorizada, ainda mais com seu entorno preenchido pelos vazios. Além dos

predominância de vazios urbanos, muitas vezes representados por lotes murados e terrenos baldios.

grandes vazios, a pouca dinamização dos usos reafirmam a falta de vitalidade do setor.

Outro atributo é a baixa diversidade de usos, com a predominância do residencial, alguns comércios

Outra observação importante é que 21% da área é destinada a apenas um empreendimento, o

e pouco serviço, localizados no térreo. O uso misto se concentra nas grandes edificações e ao longo

Hospital Vila Velha, que toma o espaço de uma quadra inteira, formando uma barreira bastante extensa

da Rua Moema.

ao redor da edificação. O Hospital Vila Velha, junto aos demais edifícios constituem-se enclaves

Através de uma análise de usos foi elaborado o gráfico abaixo, para exemplificar o funcionamento do setor. Gráfico 1 – Percentual de usos do Setor 1

fortificados que não conversam com os espaços urbanos. Somado a isso, a quantidade de vazios urbanos traz sérios problemas ao setor, como a propagação do medo, insegurança e poluição. A conectividade do setor é destacada pela Av. Gonçalves Lêdo e sua proximidade com o Terminal Vila Velha, sendo o principal meio de acesso à saída do bairro, devido a sua fácil comunicação com a Terceira Ponte. O ingresso à avenida acontece pela Rua Moema, uma via importante, pois nela se concentram os usos mais variados e o sistema de transporte público, além de ser o principal acesso ao Hospital Vila Velha. Contudo, ela acaba ficando sobrecarregada pelo fluxo de veículos e visitantes. A conexão do setor com o interior da poligonal pertence as vias locais e locais de transição. Além da Rua Moema, as outras vias locais concentram melhores condições de infraestrutura, enquanto, as demais ficam abandonadas e negligenciadas. O que essas vias têm em comum, no entanto, é o descaso com os pedestres e os ciclistas. Apesar de suas diferenças morfológicas, apresentam calçadas precárias, irregulares, que prejudicam ainda mais a acessibilidade. Além de não haver espaços de qualidade para as pessoas caminharem e andarem de bicicleta, a relação com os usos e edificações não formam bons atrativos que estimulem a caminhabilidade, acarretando a vulnerabilidade da área.

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Com auxílio do gráfico é possível fazer um paralelo entre os impactos dessa constituição de usos e espaços com os problemas sofridos nesse setor. Os vazios urbanos ocupam cerca de 43% de seu território e estão presentes em todas as ruas. Esses, muitas vezes, encontram-se abandonados, tomados por entulhos e uma vegetação crescente e, quando murados, formam extensos paredões monótonos. Outro grande percentual é ocupado pelas residências, espalhadas espaçadamente pelas quadras, não suficientes para preencher, significativamente, o espaço urbano, enquanto, os outros usos juntos representam 10% do setor. O pouco espaço público da poligonal está presente nesse setor, no 64


SETOR 2: SETOR DE TRANSIÇÃO

Em questão aos usos, o setor possui uma maior diversidade, com uma presença do comércio, de Figura 33 – Setor 2

serviço e do uso misto, mantendo a existência de residências. Pelo gráfico abaixo é possível observar a distribuição dos usos: Gráfico 2 – Percentual de usos do Setor 2

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Acima, verifica-se que a quantidade de vazios ocupa uma menor porcentagem em relação aos usos e o uso educacional começa a ganhar espaço. O uso educacional é representado pela Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Agenor de Souza Lé, localizada ao centro do setor e é uma edificação que atrai uma quantidade de pessoas durante os horários de entrada e saída. Contudo, seu entorno é Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base no sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

O setor 2 (figura 33) localiza-se, estrategicamente, centralizado na poligonal, tornando-se um dos

bastante abandonado, pois além de não haver outros atrativos ao redor, apesar da diversificação dos usos, a edificação da escola forma uma barreira murada, intensificando a vulnerabilidade da região, principalmente, fora do horário de funcionamento da instituição.

pontos de encontro entres os demais setores (1,3 e 4). Desse modo, pode ser considerado como setor

Ademais, a disposição das vias não ajuda na vitalidade do setor, pois ele possui muitas ruas locais de

de transição e de união dos fluxos do interior da poligonal. Caracteriza-se por quadras de formas

transição, que têm o intuito, principalmente, de favorecer o fluxo de veículos, pois essas vias, muitas

diversificadas, geométricas e orgânicas, enquanto os lotes variam de tamanho. A malha viária

vezes, são contornadas por muros, moradias ou grandes terrenos de serviços fechados, sem fachadas

acompanha a formação das quadras, contornando-as.

ativas.

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A diversidade dos usos se concentra nas ruas Moema e Alan Kardec, juntamente com o sistema de transporte público, pois através delas se consegue conectar os sentidos Norte-Sul e Leste-Oeste da poligonal, atraindo o fluxo dos outros setores e sobrecarregando essas vias.

SETOR 3: SETOR “CARTÃO DE VISITA” Figura 34 – Setor 3

É importante realizar uma análise separadamente da Rua Alan Kardec, visto que ela é de bastante relevância para a poligonal. Apesar de sua importância, a rua apresenta sérias inconsistências. Ao longo de seu percurso identificam-se muitas variações físicas e funcionais. As atividades concentram-se nas áreas próximas ao cruzamento com a Rua Moema, enquanto os demais locais ficam abandonados dos atrativos, infraestrutura e cuidados. Pode-se reparar isso, principalmente, pelas calçadas, que reproduzem as características de cada parte do percurso, ou seja, ora acessíveis, outras precárias e outras inexistentes. Mas todas elas carecem de manutenção, arborização e cuidados tanto para com pedestres quanto para com ciclistas, que se utilizam da via. O setor é bastante atraente para reunir moradores, usuários locais e visitantes, pois ele se localiza no centro dos atrativos e possui ruas importantes para a conexão da poligonal com o exterior. Possui um centro estudantil e uma diversidade de comércios e usos. No entanto, é omisso quanto aos pedestres, pois prioriza os veículos e abandona as vias, sem se preocupar com aqueles que caminham ou circulam de bicicleta, diminuindo a vitalidade e deixando-o suscetível a insegurança.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base do sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

O setor 3 (figura 34) está à beira da Av. Luciano das Neves, uma das principais vias da poligonal, que a liga com outros bairros e municípios. Por isso, o setor funciona como uma “vitrine” da poligonal, que incentiva o público a conhecê-la, como já visto anteriormente.

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O setor é dividido em duas áreas, que possuem características semelhantes por se localizarem

A diversidade dos usos está voltada às avenidas, atraindo pessoas a usufruírem dela. Na avenida

próximas às importantes avenidas, Av. Luciano das Neves e Av. Santa Leopoldina, que concentram a

encontra-se o sistema de transporte público, facilitando a chegada de visitantes que procuram os

variedade de atividades e usos, influenciando diretamente na atividade do setor.

comércios e serviço, favorecendo a vitalidade do setor e das vias durante o horário comercial.

No entanto, a continuidade do setor é interrompida pela implantação do Shopping Vila Velha, fazendo

Porém, esses atributos não são bem aproveitados, pois apesar da grande movimentação, o modo

com que perca a linearidade e a comunicação entre suas atividades. Cada parte funciona

como o comércio e o serviço se expõe, através de suas fachadas desinteressantes e falta de

separadamente, sem estabelecer uma relação entre si, mas mantendo suas respectivas semelhanças.

acessibilidade e conforto das calçadas, não desperta interesse aos usuários. As pessoas que usufruem

Para entender melhor a funcionalidade dessas atividades, o gráfico abaixo apresenta os usos encontrados no setor:

desses estabelecimentos, o procuram por já conhecerem e não pela curiosidade de conhecê-los. Também é importante considerar que, haja vista o contato com o entorno, a conexão com o interior é

Gráfico 3 – Percentual de usos do Setor 3

quase nula e, em sua maioria, por meio de ruelas e becos, interferindo diretamente na comunicação e integração da sociedade local, na qual é representada pelos moradores das habitações, porém desconsiderados como principais consumidores dos estabelecimentos ali presentes. As calçadas, que possuem pouco espaço, são tomadas por entradas e saídas de veículos, bem como, estacionamentos, que visam priorizar o acesso de carros e limitam o uso aos pedestres, não oferecendo acessibilidade, conforto e bem-estar de qualidade ao trajeto, afastando as pessoas de aproveitá-lo e usufruí-lo. Tal situação se agrava após o horário de funcionamento, quando parte das atividades e estabelecimentos encerram o expediente, somado a baixa iluminação pública, contribuindo para a insegurança e perda da vitalidade.

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Observa-se que o uso residencial é significativo e distribui-se por todo seguimento do setor, principalmente, ao lado oposto às avenidas, enquanto algumas moradias são encontradas à beira das avenidas, dividindo o espaço com os comércios e serviços, sobretudo, nas edificações de uso misto. Todavia, a alta porcentagem do uso residencial encontra-se escondida no setor.

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SETOR 4: SETOR DOS AGLOMERADOS SUBNORMAIS Figura 35 – Setor 4

Apesar de institucionalmente não serem consideradas um aglomerado subnormal, suas características se aproximam de um, já que o setor é formado por ocupações irregulares a fim de estabelecer moradias, em áreas urbanas, caracterizadas pela carência de serviços públicos essenciais. Esses assentamentos foram constituídos pela reunião de pessoas que encontraram um espaço para viver, gerando um grande adensamento desordenado. A falta de planejamento, intensificado pela ocupação do entorno por grandes empreendimentos e edificações, que desconsideraram essas habitações e construíram empenas ao seu redor, podem ser fatores que motivaram essa realidade, fomentando a segregação socioespacial. Assim, é possível afirmar que os órgãos públicos não designam seus investimentos aos moradores locais, afastando a instalação de novos usos, como demonstra a análise do uso do solo no gráfico abaixo. Gráfico 4 – Percentual de usos do Setor 4

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base do sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

O setor 4 (figura 35) é de suma importância para a poligonal, pois influencia no funcionamento dos

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

outros setores. Marcado pela irregularidade e desorganização das quadras, sem delimitação do

Conclui-se que a maior parte do uso é residencial, reunido em pequenos lotes e comprimido pelos

desenho urbano, o setor assemelha-se a um amontoado de lotes pequenos e irregulares.

setores do entorno, o que justifica a baixa quantidade de vazios. Os demais usos encontram-se

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diversificados na Rua Hernani Souza, onde ocorrem as principais atividades do setor, inclusive a

SETOR 5: SETOR DOS VAZIOS URBANOS

Unidade Municipal de Ensino Fundamental Ernani Souza.

Figura 36 – Setor 5

No entanto, assim como nos setores apresentados até aqui, a pouca atividade fica concentrada em uma área durante seu horário de funcionamento e diminuem a noite. Enquanto as restantes permanecem desprezadas. As precárias conexões do setor, bem como as ramificações de becos e vielas, destacam a baixa vitalidade e não permitem que tenham mais atividades nos espaços internos, tomados pelas moradias. Além disso, a falta de investimentos em acessibilidade, iluminação pública e saneamento básico, por parte das instituições governamentais, favorecem o medo e a insegurança, tornando visível a ruptura do entorno com esse setor, perpetuando-se a cultura de segregação e desigualdade social por meio do espaço.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base do sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

O setor 5 (figura 36) atua como outra fachada da poligonal e abrange a Av. Capixaba. Entretanto, diferentemente do setor 3, não possui uma atividade comercial mais ativa. As quadras possuem diversas formas geométricas e a maioria delas são preenchidas por grandes glebas. A irregularidade dessas quadras se deve, principalmente, pela irrupção de vias que as cruzam, visando facilitar os acessos aos lotes. 69


Observa-se no mapa anterior que o setor contém inúmeras vias locais de transição por conta desses

Outros 20% do setor equivalem ao uso residencial, que se concentra próximo as principais vias, onde

lotes, visto que, muitas dessas vias são irregulares e recém-criadas e algumas não possuem calçada

a movimentação de carros e pedestres é maior. Consequentemente, as demais vias tornam-se mais

ou pavimentação.

desertas e abandonadas, formando espaços ociosos e vulneráveis.

As principais vias do setor são as ruas Angelino Pratti Neto e Hernani Souza, que detêm melhor

Sendo assim, ainda que possuam calçadas mais acessíveis, a ausência de conforto e atrativos, bem

infraestrutura tanto em seu trajeto, como em suas calçadas. Por elas, passa o sistema de transporte

como a de arborização e fachadas ativas, tornam o setor desinteressante e sem vida, desperdiçando

público, concentrando o maior fluxo do setor, conectando-o aos outros setores e empreendimentos.

uma área com potencial de aproveitamento pela sociedade.

Além disso, na Rua Angelino Pratti Neto existe uma ciclovia. Com base no gráfico a seguir, percebe-se que mais da metade do setor é ocupado por vazios urbanos, representados por grandes terrenos murados e baldios, cercados por grades ou não, encontrados ao longo das vias. Gráfico 5 – Percentual de usos do Setor 5

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Cerca de 16% do setor corresponde aos serviços, no qual variam entre armazéns e galpões de empresas, e depósitos de mercadoria. Esses tipos de serviços estão diretamente relacionados com os vazios urbanos e a vitalidade, pois a maior parte dos lotes que os compõem, possuem edificações pequenas, enquanto o restante permanece vazio, formando extensões de terrenos murados.

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SETOR 6: SETOR COMPACTADO

Gráfico 6 – Percentual de usos do Setor 6 Figura 37 – Setor 6

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Nota-se que o gráfico anterior reproduz características do setor 4, no que diz respeito a densidade demográfica e o percentual de uso residencial, assim como a ausência de vazios, formando um aglomerado de moradias. Todavia, é possível encontrar alguns serviços como farmácias, lanchonetes, padarias, igrejas e poucos comércios de pequeno porte, que se sustentaram, apesar da proximidade como o Shopping Vila Velha. Isso se deve pela diferença da condição social e financeira entre os moradores locais e os usuários do shopping. Já o uso misto, corresponde a 19% do setor, que se divide entre comércios, serviços e edifícios Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base do sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona

residenciais locais.

24s.

Outro fator relevante é a mobilidade urbana, viabilizada através da Rua José de Alencar, que apresenta

O setor 6 (figura 37) está localizado atrás das unidades da Universidade de Vila Velha, o Biopráticas e

o maior fluxo de veículos e pedestres, por concentrar comércios e serviços, bem como o sistema de

o Campus Boa Vista, e próximo ao Shopping Vila Velha. Este é marcado por quadras mais regulares

transporte público. Ressalta-se que esta via é responsável pela conexão entre outros bairros e

e uma divisão de lotes proporcional, possuindo um alto índice de adensamento populacional, conforme

municípios.

demonstra a distribuição dos tipos de uso do solo no gráfico a seguir.

O setor é marcado por uma malha viária cheia de ramificações, cuja principal função é alcançar as diversas residências, tornando-as mais abandonadas. Logo, assim como em outros setores, o fato de 71


uma única via concentrar o maior fluxo de veículos e pedestres tornam as demais vias menos utilizadas e ativas.

SETOR 7: SETOR DOS ENCLAVES FORTIFICADOS Figura 38 – Setor 7

Levando em consideração sua localização e aspectos, o setor funciona como uma pequena comunidade suprimida pela grande ocupação do Shopping Vila Velha, adjacente, que ao se inserir, desconsiderou os moradores locais, sem propor melhorias que diminuíssem o impacto causado, intensificando as barreiras físicas, que desconectam os acessos ao setor com o resto da poligonal, obrigando-o a se “autossustentar”, reforçando a segregação socioespacial.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base do sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Por fim, o setor 7 (figura 38) é o maior da poligonal, por conta dos grandes empreendimentos que o constituem, como: o Shopping Vila Velha, a Universidade de Vila Velha, o Fórum de Vila Velha e o Ministério Público, onde se concentra a infraestrutura e investimentos da poligonal. Esses investimentos foram implantados em função do shopping e dos outros empreendimentos, como a

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melhoria de vias existentes e implementação de novas, concentrando o sistema de transporte público

Gráfico 7 – Percentual de usos do Setor 7

para facilitar o acesso. As principais vias do setor 7 são mais largas e regulares, asfaltadas e com calçadas mais acessíveis entorno das edificações, com na Rua Juscelino Kubischeck e Rua Dr. Annor da Silva. Essas se diferem das outras vias da poligonal, inclusive as mais importantes como a Rua Alan Kardec e Rua José de Alencar, tanto em proporção como aspectos físicos, porém ainda é nítida a priorização dos veículos, visto que apesar das calçadas serem melhores, elas continuam sendo desconfortáveis e áridas. Outra demanda do setor é a preocupação com os ciclistas, haja vista que muitas pessoas que moram perto da poligonal, principalmente jovens, utilizam-se da bicicleta para se locomoverem. No entanto não há espaço para eles pedalarem com segurança, pois as vias apresentam um fluxo rápido de veículos, cruzamentos perigosos, nós viários e não há arborização. Somado a isso, as grandes extensões das vias não possuem travessias suficientes e adequadas aos pedestres e ciclistas, influenciando os veículos a aumentarem a velocidade sem respeitar as pessoas. Além disso, as vias contêm muitos acessos de entrada e saída de edificações, destinados aos usuários e excluindo os verdadeiros moradores locais que deveriam ser priorizados. Por isso, o setor se torna

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

uma região de passagem e visitação, onde os principais frequentadores são de outros bairros e até de

Com base no gráfico apresentado, é possível entender o funcionamento do setor 7, onde mais da

outras cidades que chegam em sua maioria em seus carros privados.

metade da sua área é ocupada pelo Shopping Vila Velha. Enquanto a Universidade de Vila Velha, o

Outra observação importante que pode ajudar na análise do setor, da conectividade e de seus impactos para os setores vizinhos, é a distribuição dos usos do solo, apresentados no gráfico abaixo:

Fórum e o Ministério Público, juntos, preenchem 20% do espaço. Em seguida, o uso de serviços corresponde a 11% do setor e a porcentagem de residências é quase nula. Logo, pela análise dos usos, entende-se que o setor funciona para os grandes empreendimentos e as vias em função desses. O setor detém os poucos investimentos de toda poligonal, favorecendo ainda mais o setor privado e esquecendo dos espaços públicos. A contrapartida da construção do Shopping Vila Velha limitou-se a construção da Praça Divino Espírito Santo, de aproximadamente 40 m², bem como a restauração de sua iluminação, promovida em 2015, e da reforma de outra praça que encontra-se deteriorada, havendo ainda a promessa de construção de um centro comunitário, todos, por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Por fim, o setor, além de ser uma transição, representa uma barreira, pois desconsidera as características naturais do espaço, os habitantes locais e o cotidiano deles, para visar o empreendedorismo de grande porte e atrair visitantes, aumentando o fluxo de veículos, trazendo mais impacto negativos do que benefícios ao usuário local. 73


SÍNTESE DA ANÁLISE DOS SETORES

Gráfico 9 – Percentual de usos da Poligonal

Através da síntese das análises dos setores, abordada nos gráficos a seguir, é possível visualizar os problemas enfrentados pela poligonal. Gráfico 8 – Percentual da área ocupada por setor

Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Os gráficos acima reafirmam os problemas cotidianos da poligonal, no qual quase 30% é destinada aos grandes empreendimentos, como o Shopping Vila Velha e cerca de 15% é ocupada por vazios urbanos, enquanto os demais usos, principalmente, o residencial, lutam pelo espaço que o foi tirado. Fonte: Elaborado pela autora, por meio do cálculo de percentual das áreas.

Primeiramente, é possível perceber que o setor 7 é o maior setor da poligonal, composto por grandes empreendimentos e principal causador dos impactos urbanos.

Logo, as diferentes configurações dos espaços são observações importantes, pois determinam a utilidade das quadras e dos lotes, juntamente com a malha viária desconexa do cotidiano dos moradores, valorizando os empreendimentos e, principalmente, os veículos. Além disso, o esquecimento das vielas e becos, por parte da legislação, tiram o direito da transitabilidade, acessibilidade e função básica da Política Urbana, gerando desorganização, insegurança e medo. Outro ponto a ser observado, é a relação da distribuição da infraestrutura e a falta de espaços públicos, que estão diretamente ligadas a preocupação urbana em torno dos grandes empreendimentos, detentores dessa infraestrutura. Esse conjunto causa grande impacto na valorização imobiliária da região em detrimento da qualidade de vida dos moradores locais, atraindo novas construções que reproduzem o modelo introspectivo e reforça o isolamento social com a área adjacente no intuito de expulsa da região. Sem o planejamento suficiente para integrar novos e antigos moradores, mas

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aumentando a segregação e forçando a saída dos antigos habitantes, criando uma nova identidade ao espaço, enquanto o resto da população, continua em condições precárias. Esse conjunto é responsável pela diferença de densidades encontradas na poligonal. Enquanto há setores completamente adensados, outros encontram-se repleto de vazios subutilizados. Na atual conjuntura, pode-se considerar um problema, pois ajuda a segregar cada vez mais os espaços. Contudo, pode-se tornar um potencial para equilibrar e redistribuir os habitantes, além de unificar e unir os setores. A observação dessas características encontradas é relevante para entender os efeitos que podem ter sido causados por elas e possibilitar o desenvolvimento de estratégias para valorizar os espaços e as pessoas.

75


Ao longo dos capítulos apresentados no estudo foram desenvolvidos, conceituados e analisados os princípios da segregação socioespacial como ruptura urbana, seus conceitos, origens e impactos para a sociedade que vive nessa realidade. Assim, o capítulo 5 apresenta a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos, por meio das diretrizes conceituais e projetuais, a proposta de projeto. 76


05

proposta

77


5.1 DIRETRIZES CONCEITUAIS: RECOMENDAÇÕES E APLICABILIDADES Com os estudos realizados ao longo dos capítulos anteriores, é possível reunir as melhores recomendações dos diversos autores citados, para relacioná-las com os desafios enfrentados em cada setor da poligonal e tentar amenizar os grandes problemas que a comunidade vive. A partir disso, reafirma-se que o planejamento urbano é o principal passo para busca da integração e organização dos espaços e das classes de modo a distribui-los de forma justa e igualitária, promovendo a função social e qualidade de vida digna a todos. Levando em conta a afirmação anterior, introduz-se a primeira recomendação significativa: conceito da cidade compacta, uma forma de planejamento urbano que defende o aumento da densidade e a dinamização do espaço, estimulando a diversidade de usos e funções urbanas, entre habitação, comércio, serviços e lazer. As cidades compactas apoiam um sistema eficiente de mobilidade urbana, responsável pela interligação dos novos núcleos adensados, incentivando o transporte coletivo público e sobretudo a diversificação dos meios de transporte, como a caminhabilidade e o sistema cicloviário. Além disso, o conceito visa potencializar a utilização das infraestruturas urbanas para promover maior sustentabilidade e integração social por meio da implantação dos espaços públicos (LEITE; AWAD, 2012). Uma segunda recomendação é a utilização dos instrumentos urbanísticos, previstos pelo Estatuto da Cidade, que auxiliam para melhor efetividade do planejamento urbano e concretização das transformações planejadas.

Para finalizar as recomendações dos autores citados, é destacado as Parcerias Público-privadas (PPP’s) como um instrumento fundamental para a formação de cidades eficientes e equilibradas, principalmente se elas tiverem participação social (LEITE, 2016; ULTRAMARI, 2013). As PPP’s proporcionam a requalificação das áreas deterioradas, principalmente nos vazios urbanos, oferecendo a infraestrutura necessária e bons equipamentos públicos, para a renovação e valorização do espaço e da vida em seu entorno. As PPP’s são uma estratégia avançada e integradoras de vários grupos e setores, que poderiam ser formadas com os grandes empreendimentos instalados na poligonal, com o objetivo de minimizar os impactos causados à população local. Com o exemplo do Projeto Nova Luz, também estudado no capítulo 3, pode-se destacar algumas recomendações importantes, como o aumento da densidade demográfica na região, mantendo os moradores e atraindo novos, transformando aos poucos o perfil do bairro, permitindo a unificação de diferentes classes socioeconômicas, para diversificar os usos dos espaços com novos tipos de comércio e serviços, trazendo oportunidades de emprego no próprio bairro (PMSP, 2011). Essa transformação só lograria êxito, unificando a estratégia de aumentar a densidade com novas propostas de mobilidade, infraestrutura e de desenvolvimento sustentável. Para isso, foi importante estimular a variação do uso do solo, por meio da aproximação e dinamização de setores de habitação, serviços, comércio e lazer. Assim, seria possível reduzir a quantidade e as distâncias dos deslocamentos, para favorecer a caminhabilidade (PMSP, 2011). Outro objetivo importante identificado no Projeto Nova Luz é a integração social, com o aumento dos espaços públicos e áreas verdes que incentivem a prática de atividades ao ar livre, aumentando a qualidade de vida e bem-estar. Esses espaços podem ser construídos de diversas maneiras, como: a

A combinação de vários instrumentos urbanísticos, como, por exemplo, a aplicação integrada da

arborização, implantação de praças, parques e terraços jardins, utilizados para promover a inclusão e

Outorga Onerosa do Direito de Construir junto a Operação Urbana Consorciada, pode alcançar bons

interação das pessoas, reforçando a identidade e a malha urbana (PMSP, 2011).

resultados. Juntamente a isso, o resgate dos espaços urbanos em toda a cidade foi elemento primordial para elaboração das políticas urbanas integradas na atuação em áreas periféricas (NETO et al., 2014).

Outro princípio marcado pelo citado Projeto Nova Luz, é o de proteção da malha urbana, desenvolvendo uma melhor organização do território e, inclusive, com o intuito de promover mais acessibilidade e conexões com o entorno. Prioriza-se o uso de estratégias que preservem a

Essa conciliação pode contribuir para o desenvolvimento dos princípios da política urbana, através da

originalidade do espaço com o desenvolvimento de uma rede urbana que viabiliza meios de transportes

reorganização do espaço urbano, da garantia à moradia e, logo, uma melhoria na qualidade e

sustentáveis, como o caminhar, o andar de bicicleta e o suporte de um sistema de transporte coletivo

aplicabilidade dos Planos Diretores.

público eficiente para amarrar a conectividade entre eles (PMSP, 2011).

78


O Projeto também se relaciona com o princípio do uso do solo urbano, por meio da implantação de

Tabela 7 – Análise das recomendações

setores de uso misto e âncoras urbanas para ajudar a formação de sentimento coletivo de vizinhança, sensação de conforto e segurança, a fim de atrair o público para praticar atividades ligadas ao lazer, cultura, comércio e bem-estar (PMSP, 2011). Portanto, o Projeto e seus princípios fundamentais estão associados a estrutura urbana, ao adensamento populacional, a dinamização da cidade e ao desenvolvimento sustentável, planejando a compactação da cidade e a inclusão social (PMSP, 2011). As recomendações citadas anteriormente seriam muito úteis para integração de todos os setores citados da poligonal, com o intuito de mantê-los unidos e interligados, aproveitando a potencialidade particular de cada um e a utilizando para o bem comum, de forma que todos os setores pudessem se complementar e formar um espaço harmônico. E para ilustrar melhor essas recomendações e como podem ser utilizadas de acordo com as necessidades e problemas enfrentados na poligonal, em relação aos seus setores, foi elaborada uma tabela (7) que reúne as recomendações mais adequadas em função das características encontradas.

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Assim, surge a necessidade do planejamento urbano, que estimule a caminhabilidade, através da organização e distribuição dos usos pelos setores, ou seja, optando pelo uso misto, equilibrando as atividades, de forma que a distância entre elas seja alcançada a pé. [...] talvez a caminhabilidade seja muito mais útil, já que contribui para a vitalidade urbana, além de ser o mais significativo indicador dessa vitalidade. [...] Garanta uma caminhabilidade adequada e muito do restante virá a seguir (SPECK, 2012, p. 14).

Outra característica do setor é a concentração do adensamento populacional desordenado nos setores 4 e 6. O contraste entre a quantidade de pessoas nos setores é importante para sugerir a distribuição de ofertas a moradia, desconcentrando áreas superlotadas e adensando áreas vazias, proporcionando o equilíbrio do espaço. Promover a densidade das edificações encoraja as pessoas a se movimentarem a pé pela área. Contudo, as tentativas de adensamento, pelas novas edificações construídas na poligonal, não são suficientes para garantir a vitalidade, visto que elas ignoram os espaços urbanos do entorno, assim como os vazios, que estimulam a construção de muros e instalação de cercas, favorecendo a desigualdade social, a insegurança e violência. A fim de diminuir o impacto de tais consequências, é fundamental a criação de estratégias que visam a integração e estimulam a vitalidade, de forma a conectar os espaços e as pessoas, promovendo a diversificação de usos durante o dia todo (GEHL, 2014; SPECK, 2012). Com o intuito de melhorar esses espaços e torná-los mais seguros, é importante oferecer atividades Fonte: Elaborada pela autora.

A partir da tabela apresentada, pode-se relacionar as recomendações anteriores com os princípios da caminhabilidade e sustentabilidade, levando em consideração as características, necessidades e desafios da poligonal. Uma das características marcantes da poligonal é o desequilíbrio de usos, intensificado pela quantidade de vazios urbanos e grandes empreendimentos. Para alcançar a diversificação dos usos é importante distribuir, cuidadosamente, as funções dos setores, diminuindo as distancias entre elas e

ao longo do percurso, por meio de edificações mais estreitas, com diversas funções e fachadas e térreos ativos, atraindo pessoas e intensificando a experiência de caminhar (GEHL, 2014; SPECK, 2012). Os térreos ativos, com ritmo de fachada e dinamicidade, fazem o trajeto parecer mais curto, tornando o caminhar mais convidativo. Assim, as zonas de transição, ricas em detalhes, formam um conjunto interessante e estimulante ao nível dos olhos (GEHL, 2014).

integrando-as, garantindo a versatilidade, experiência, sustentabilidade social e sensação de

Além disso, é necessário que esses espaços sejam dotados de atividades versáteis e complexas, pois,

segurança nos diversos setores (GEHL, 2014).

mais do que as relações entre caminhar, parar, descansar e interagir, as atividades fazem parte do cotidiano das pessoas (GEHL, 2014). Atividades convidativas incluem segurança, mobiliários adequados, qualidade visual e espacial, e integração social, uma vez que os espaços urbanos requerem o uso coletivo, abrangendo a 80


comunicação entre as pessoas. Portanto, se o espaço urbano é ativo e vivo, logo, ele promove a

Já em relação aos pedestres, é imprescindível proporcionar boas paisagens urbanas, aumentando a

interação social. Enquanto, em espaços vazios e ociosos, nada acontece (GEHL, 2014).

qualidade dos trajetos entres os pontos de paradas e estações, e, consequentemente, do sistema de

Para alcançar a vitalidade, é preciso abrir espaços entre as atividades, por meio dos espaços de

transporte coletivo (GEHL, 2014).

transição. Assim como os demais, os espaços de transição também devem ser convidativos e

Por fim, para integrar as características de uso do solo, espaços urbanos e meios de transportes

confortáveis, contendo diversas utilidades, desde uma área pública para se sentar e descansar, ou

sustentáveis, vistos anteriormente, é preciso implementar estratégias que visam o adensamento

serem áreas destinadas a apropriação cultural da sociedade local, promovendo encontros populares

populacional, que estimule o uso misto com espaços públicos atrativos e uma variedade de funções

ou exposições artísticas, em diversos horários do dia (GEHL, 2014).

urbanas, oferecendo o acesso digno à moradia e geração de empregos, diminuindo as distâncias entre

Um dos princípios para se estabelecer um planejamento urbano ligado a caminhabilidade é a implantação de espaços de movimento e experiência, por meio de bons espaços públicos que

as atividades e dinamizando os percursos. Cidades caminháveis, com bairros densos, vibrantes e de uso misto, oferecem aos residentes maior qualidade de vida (GEHL, 2014; SPECK, 2012).

convidem as pessoas a usufruí-los, através de parques e praças voltados à saúde, lazer e bem-estar,

As estratégias citadas anteriormente podem ser concretizadas por meio de um programa desenvolvido

estimulando a criatividade cultural (GEHL, 2014).

pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), conhecido como Desenvolvimento

Bons espaços urbanos contribuem para um sistema de transporte público de qualidade. Para isso, é preciso projetá-los em função dos pedestres e ciclistas, pois a caminhabilidade depende da interação com o sistema de transporte (SPECK, 2012). O sistema de transporte público da poligonal, geralmente, se concentra nas vias que possuem maior diversidade de atividades e no Terminal Vila Velha, o que favorece o abandono das demais vias que, em geral, possuem um percurso monótono e inseguro, afastando as pessoas a caminhar por eles até os pontos de acesso ao transporte. Ou seja, a comunicação do transporte público com pedestres e ciclistas não é concretizada (SPECK, 2012).

Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS). O ITDP é uma associação, que atua junto as instituições governamentais, para implementar projetos de transporte e desenvolvimento urbano, que visa o equilíbrio entre o crescimento e o planejamento sustentável, com estratégias socialmente justas e economicamente viáveis (ITDP, 2020). Assim, o DOTS, bem como o conceito de caminhabilidade, incentiva a compactação do espaço urbano, por meio do uso misto, diminuindo a distância dos trajetos e aproximando-os aos terminais de transporte. Além disso, o programa inclui a aplicação de uma perspectiva de vias e edificações mais atraentes e convidativas às pessoas, oferecendo atividades diversas (ITDP, 2020).

Para melhorar a mobilidade, é importante proteger e acolher os pedestres e as bicicletas, e oferecer um sistema de transporte público de qualidade, promovendo uma intervenção política unificada que

Basicamente, a implantação do DOTS é a aplicação projetual dos princípios da caminhanbilidade,

estimule o transporte sustentável (GEHL, 2014; SPECK, 2012).

promovendo a interação com as instituições governamentais, integrando o projeto à Política Urbana e

O tráfego de pedestres e de bicicletas economiza espaços na cidade, utiliza poucos recursos e afeta o meio ambiente menos do que a utilização dos automóveis (GEHL, 2014).

seus instrumentos, a fim de estimular cidades compactas, oferecendo uma vida mais sustentável, segura e saudável.

O tráfego de bicicletas deve ser associado ao sistema de transporte, projetando locais seguros

Para dar início a elaboração de projetos de grande porte é imprescindível a exigência do Estudo de

destinados ao seu armazenamento, como bicicletários, próximos aos terminais e pontos de ônibus,

Impacto de Vizinhança (EIV). Principalmente, dos empreendimentos presentes na poligonal, com o

incluindo outras opções de estacionamentos ao longo das ruas (GEHL, 2014).

objetivo de comprovar as consequências, positivas ou negativas, que sua instalação trouxe ao entorno e a sociedade local, justificando as estratégias que serão adotadas em busca da melhoria dos espaços urbanos e garantindo qualidade de vida aos moradores.

81


5.2 DIRETRIZES PROJETUAIS: PASSOS PARA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DOTS Para iniciar o planejamento das estratégias é importante introduzir e conceituar o Projeto do DOTS, seguindo os passos previstos pelo ITDP e, assim, entender suas necessidades e metodologias de implantação. PASSO 1 Como visto anteriormente, o Desenvolvimento Orientado de Transporte Sustentável, conhecido como DOTS, tem o objetivo de integrar o transporte e o uso dos solos através de políticas urbanas, que abrangem o âmbito econômico, ambiental e social. Assim, é fundamental que haja cooperação entre os órgãos responsáveis por esse planejamento urbano (ITDP, 2017). Contudo, para que seja possível a aplicação dos princípios estabelecidos pelo DOTS, são necessárias algumas intervenções, como, por exemplo, a disponibilização de lotes e sua distribuição, assim como a regularização desses terrenos, mediante o que é previsto em lei, para que seja possível o desenvolvimento do projeto (ITDP, 2017). Dessa forma, a cooperação entre órgãos governamentais pode se tornar atrativos para outros investidores, possibilitando a criação de Parcerias Público-Privadas, que, por meio de estratégias,

O planejamento urbano deve levar em conta estratégias que promovam a isonomia social, disponibilizando habitações populares de qualidade, oferecendo oportunidades aos moradores, proporcionando diversidade social, incentivando o uso misto e, consequentemente, atenuando os vazios (ITDP, 2017). PASSO 3 O projeto de DOTS deve analisar as condições do espaço urbano ao qual será implementado, bem como a malha viária que o compõe. Um dos fatores mais relevantes para a escolha de uma área apta a recepcionar o projeto é a proximidade com terminais de transporte público (ITDP, 2017). É necessário que a avaliação da área em questão considere outros fatores, como: o uso e a ocupação do solo, a conectividade do espaço e suas condições de circulação, todas essas com o objetivo de estimular o uso de bicicletas e a realização de caminhadas, criar rotas curtas e diretas, bem como interliga-las ao transporte público. É imprescindível, também, examinar as condições da infraestrutura de saneamento básico, devido a necessidade de uma rede de abastecimento de água e coleta de esgoto que suporte a demanda local (ITDP, 2017). PASSO 4

disponibilização das áreas necessárias, incentivos fiscais e investimentos, tornam viável a revitalização

Não obstante a análise da infraestrutura do espaço urbano para introdução do DOTS, para que o

dos setores (ITDP, 2017).

projeto se torne viável, é fundamental que corresponda não somente aos interesses sociais, mas aos

PASSO 2 Os órgãos governamentais responsáveis pela regulamentação dos projetos de desenvolvimento e mobilidade urbana, sejam eles Federais, Estaduais ou Municipais, possuem ferramentas legais que devem colaborar com a implementação do DOTS (ITDP, 2017). Em âmbito Federal, as normas gerais têm a função de conceder soberania aos Estados, a fim de que eles estabeleçam políticas públicas de desenvolvimento socioambiental de suas cidades (ITDP, 2017).

políticos, econômicos, privados e técnicos também, em busca de subsídios para concretizá-lo (ITDP, 2017). A participação política é indispensável para que o projeto se adeque aos preceitos legais, tanto para a destinação de recursos, quanto para evitar irregularidades. Já a participação privada, abrange, também, a economia, visto que novos projetos despertam o interesse de investidores dispostos a disponibilizarem recursos para as melhorias em infraestruturas urbanas (ITDP, 2017). Em relação às questões técnicas, os agentes públicos devem verificar se o projeto se enquadra à

Os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, deve garantir o direito a “cidade

legislação e a situação legal das áreas que serão utilizadas. Essa análise tem o intuito de garantir que

sustentável”, a disponibilização de transporte público de qualidade, a distribuição territorial equilibrada

o sistema de transporte, os serviços públicos (saúde, educação, segurança) e o saneamento

entre população e atividades econômicas, buscando amenizar os impactos causados pelo

suportarão o adensamento ali previsto (ITDP, 2017).

desenvolvimento urbano. Além disso, é necessário que esses instrumentos contenham medidas de ordem pública que priorize o interesse social, como o bem-estar coletivo e a segurança (ITDP, 2017).

82


PASSO 5

PASSO 8

O resultado das análises anteriores serão fundamentais para o próximo passo, permitindo traçar

A participação e opinião dos cidadãos antes e durante o desenvolvimento do projeto é imprescindível

estratégias eficientes e adequadas para cada setor que será implantado o DOTS.

para a escolha da estratégia a ser adotada. Contudo, nem sempre os interesses dos investidores

Essas estratégias devem promover o adensamento residencial, por meio de moradias de qualidade, e o uso misto do solo, distribuindo equitativamente as atividades, possibilitando a aproximação entre as

atenderão as necessidades da comunidade, tornando necessária a análise de mercado para avaliar a viabilidade do programa (ITDP, 2017).

residências com o emprego, comércio e estações de transporte (ITDP, 2017).

PASSO 9

Incube, também, ao programa, dar utilidade àquilo que ali já existe, como, por exemplo, imóveis e

A realização de um projeto que atenda aos princípios do DOTS possui diversos desafios, mas, nem

terrenos desocupados, tornando-os habitáveis ou desenvolvendo uma zona apta a desempenhar

sempre o setor que recepcionará é suficiente para desenvolvê-lo apropriadamente. Sendo assim, os

atividades complementares (ITDP, 2017).

órgãos responsáveis pela gestão do programa devem estar prevenidos quanto a eventual necessidade

PASSO 6 Como o programa conta com a participação e auxílio de setores distintos, como órgãos

de aquisição e regularização de novos lotes (ITDP, 2017). PASSO 10

governamentais, instituições públicas estaduais e municipais, bem como empresas privadas, é

Para se enquadrar em todos os princípios do DOTS, a proposta deve atrair indivíduos de variadas

fundamental a definição da função de cada um deles (ITDP, 2017).

classes econômicas e estabelecimentos que atendam às necessidades de todos. Só assim o conceito

Assim, os interessados devem compreender a proposta do projeto, as estratégias que serão utilizadas, a destinação dos investimentos e o papel que será desempenhado por cada participante. PASSO 7 Após a avaliação dos setores e das estações de transporte presentes, bem como a definição das

de inclusão social e mobilidade sustentável poderá ser alcançado. Assim como todo espaço urbano necessita de manutenção periódica, com as zonas contempladas pelo DOTS não é diferente. É essencial a criação de um sistema de acompanhamento e avaliação das causas e consequências de sua implantação, permitindo propor metas, corrigir falhas, elaborar novos projetos e prevenir futuras adversidades (ITDP, 2017).

estratégias e instrumentos que serão utilizados, é indispensável a realização de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), como prevê o Estatuto da Cidade (ITDP, 2017). Através deles serão elaboradas propostas que incentivem a caminhabilidade e o uso de transportes alternativos, como as bicicletas, com redes cicloviárias e instalações para armazenamento delas próximo a edifícios, locais de trabalho e terminais de transporte público, assim como calçadas com fachadas ativas e atrativas, além de abrigos com sombra, adequados para descanso. Ressalta-se que, calçadas e ciclovias apropriadas devem conter acessos para automóveis aos edifícios e estacionamento, de forma que não interfira na circulação de pedestres e ciclistas (ITDP, 2017). Ademais, outra preocupação do programa é tornar os setores em de uso misto, por meio da proximidade com estações de transporte, com serviços locais indispensáveis (saúde e educação) e locais de entretenimento (quadras esportivas, praças e parques), (ITDP, 2017). 83


5.3 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: MODELO DOTS ADAPTADO A RECONCILIAÇÃO URBANA Finalmente, o projeto propõe minimizar a segregação socioespacial instaurada e intensificada pelos enclaves fortificados e vazios urbanos na poligonal. Para isso, foi elaborado um conjunto de estratégias embasadas no conceito de caminhabilidade, através de um sistema adaptado ao Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável e seus princípios. Desse modo, o projeto permite conectar os espaços urbanos e o traçado viário, por meio da transformação da área. Essa conectividade visa interligar e amenizar as barreiras físicas muradas aos

As quadras são compostas por edificações de uso misto, o perímetro é constituído por eixos mistos de edifícios destinados ao comércio e serviço, enquanto o núcleo é adensado por prédios de térreos ativos e de uso residencial nos pavimentos superiores. A comunicação e integração das quadras e edificações é feita pela distribuição de espaços públicos de transição entre elas. Os espaços públicos são representados por praças e parques, localizados, principalmente, nos arredores dos grandes empreendimentos. Os espaços são abertos, arborizados e dinâmicos, que permitem que as pessoas possam aproveitá-los.

diversos espaços por meio da implantação de uma malha viária mais regular, que acolhe os ciclistas e

A nova proposta preliminar do desenho urbano agrega ao bairro uma nova identidade sem que perca

pedestres. Além disso, a criação de espaços públicos de vivência e a eliminação dos muros suavizam

sua essência. A malha viária se preocupa com o morador local, oferece diversas opções de percursos,

e humanizam o bairro. O mapa abaixo (figura 39) apresenta as novas mudanças propostas.

conforto e segurança. Todo o bairro é conectado por ciclovias e dispõe do sistema de transporte

Figura 39 – Mapa de Setorização Geral

coletivo público, qualificando e distribuindo pontos de acesso ao longo das quadras. Vitalidade urbana é reforçada pelas fachadas ativas que preenchem os térreos dos edifícios, promovendo a integração dos usuários com a arquitetura. Os térreos ativos, convidam as pessoas a usufruírem do espaço a disposição dos usos, diminuem as distâncias dos trajetos, aproximando os indivíduos a caminhar e pedalar. A figura 40, a seguir, ilustra a formação do desenho urbano. Figura 40 – Perspectiva do desenho urbano

Fonte: Elaborado pela autora a partir do ArcGis e AutoCAD, com base do sistema de referência sirgas 2000, UTM, Zona 24s.

Fonte: Elaborado pela autora a partir do AutoCAD e Sketchup.

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O estudo preliminar fundamenta-se nos principais conceitos que constituem a caminhabilidade, integrando ao modelo DOTS. Esses princípios serão apresentados a seguir.

Figura 41 – O caminhar em perspectiva

CAMINHAR Vias de qualidade, arborizadas, compostas de fachadas atraentes e livre de obstáculos, tornam o espaço público mais convidativo. É essencial que as calçadas sejam amplas e acessíveis a todos, e a presença de árvores nesses locais permitem que a caminhada seja agradável, em razão das sombras. Além disso, fachadas ativas e iluminação adequada contribuem para a segurança do local (figuras 41, 42, 43 e 44). USAR BICICLETAS Um projeto sustentável deve contemplar não apenas os pedestres, mas, também, os ciclistas. A disponibilização de vias dedicadas aos ciclistas, separadas dos pedestres e automóveis, com pavimentação adequada e locais para armazenagem, bem como faixas de transição elevadas, são indispensáveis ao projeto (figuras 41, 42, 43 e 44).

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Sketchup.

CONECTAR É fundamental que as vias destinadas aos pedestres e aos ciclistas os conectem aos locais de trabalho, mercado e serviços, estações de transporte público, praças e parques. Contudo, as quadras ao longo desses percursos devem ser reduzidas ou subdivididas, tornando as conexões mais curtas e diretas (figuras 41, 42, 43 e 44). USAR O TRANSPORTE PÚBLICO Para incentivar o uso do transporte público, é essencial a elaboração de uma malha viária com faixas exclusivas para esse meio de transporte e veículos de qualidade, suprindo a demanda da sociedade e tornando os percursos mais céleres (figuras 41, 42, 43 e 44). 85


PROMOVER MUDANÇAS

MISTURAR

Reduzir o número de vagas e os espaços destinados ao estacionamento de veículos, instaurando

Incentivar o uso diversificado do solo, por meio de estabelecimentos destinados à saúde, educação,

tarifas para o uso desses locais, são formas de incentivar o uso do transporte coletivo ou outros meios

entretenimento, lazer, comércios e instituições em geral, garantem a atividade do setor durante todo

alternativos, como as bicicletas (figuras 41, 42, 43 e 44).

decorrer do dia (figuras 41, 42, 43 e 44).

Figura 42 – Espaços públicos de transição e lazer

Figura 43 – Térreos e fachadas ativas pelo uso misto

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Sketchup.

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Sketchup.

ADENSAR

COMPACTAR

Promover o uso misto do solo, através de residências e comércios próximos às estações de transporte

Manter o acesso aos serviços essenciais próximos às residências, locais de trabalho e estações de

público, a fim de garantir o acesso a todos (figuras 41, 42, 43 e 44).

transporte, garante a redução do tempo de deslocamento e a emissão de poluentes pelos veículos (figuras 41, 42, 43 e 44).

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Figura 44 – Espaços vivos

Fonte: Elaborada pela autora a partir do Sketchup.

87


CONSIDERAÇÕES FINAIS A ruptura urbana é a principal consequência de um crescimento metropolitano despreocupado com a utilização dos espaços públicos. A negligência das autoridades com o desenvolvimento desordenado e sem uma estratégia adequada ao longo dos anos, contribuíram para a segregação de diversos setores da cidade. Surge então, a necessidade de uma política urbana que se preocupe com a preservação e revitalização dessas áreas, contribuindo com a inclusão e o convívio social. Através de uma análise dos espaços urbanos e um estudo das necessidades da sociedade local, foi possível propor projetos alinhados aos princípios do DOTS de forma eficaz e oportuna. Portanto, o presente estudo buscou abordar métodos e instrumentos de desenvolvimento dos espaços urbanos da região do Divino Espírito Santo, que priorizasse a integração entre os diversos setores que compõem a poligonal, através da introdução de diferentes atividades – uso misto do solo - que suprissem os anseios da população e de uma malha viária que incentive a mobilidade

sustentável,

mas

respeitasse

os

meios

de

transporte

convencionais (automóveis), contribuindo para a interação social e qualidade ambiental.

88


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