Plano de Reabilitação do Centro Antigo

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Centro Antigo de Salvador | Plano de Reabilitação Participativo

Observou-se que lanceiros e ladrões menos sutis costumam ter como modus operandi a formação de grupos que abordam as vítimas sob ameaça de esfaqueá-las, caso esbocem qualquer reação, desaparecendo em seguida na multidão. Outros, como atores, encenam encontrar um velho conhecido, se aproximam e avisam que é um assalto. Tomam o celular e o dinheiro da vítima, deixando claro que ele e outros estão de olho e que qualquer reação será punida com a morte. A polícia dificilmente consegue solucionar este tipo de abordagem, pois não ficam pistas e nem há, tampouco, a materialidade da prova, baseada apenas na descrição dos tipos físicos ou do modo como se trajavam no momento da ação. O profissionalismo desses tipos desafia a segurança pública. Agrava a sensação de insegurança a paisagem humana degradada pelo consumo de crack por crianças e adolescentes, fazendo saltar aos olhos as péssimas condições de muitas pessoas que, sem temor, assediam visitantes pedindo dinheiro com a insistência que a necessidade da droga lhes impõe, provocando constrangimento e mal-estar. O estigma de local de drogados, de mendicância e de ladrões vai sombreando outras imagens do lugar, obscurecendo seu valor cultural e o prazer que se poderia desfrutar, não fossem o assédio e o confronto com o grave problema humano e social das tantas pessoas destruídas pela droga e pela vida nas ruas. Por outro lado, o modelo “cordial” de seleção dos novos ocupantes do Pelourinho, sem compromisso com o interesse público, veio levando à decadência crônica e à saturação4 desta área de altíssimo valor estratégico para a cultura e o turismo. O viés clientelista de seleção de ocupantes, ou seja, a “cordialidade do Estado” pela via das relações pessoais e de interesses particulares, contribuiu para o enfraquecimento das políticas públicas de cultura e de turismo, fazendo-as perder eficácia e onerando ainda mais o Estado. Uma nova política deve ser desenhada com investimentos selecionados tendo como critério serem capazes de produzir efeitos dinamizadores das atividades instaladas, de modo que todos (não no sentido de totalidade, mas da diversidade) possam participar dos ganhos. O Pelourinho é lugar indutor, a partir de onde se poderia desenhar uma política para a cidade como locus de vivência e de visitação turística, abordando adequadamente os signos de Salvador, sua linguagem universal transcrita na religiosidade, etnia, música, dança, artes plásticas e literárias, gastronomia, história, praia e mar. Ao contrário, o que se observa é uma certa monotonia de atrativos, quando se poderia adotar o princípio oposto de que “nada pode (deve) ser igual em lugares diferentes”. Cada bairro, cada espaço deveria ter sua programação própria, de modo a criar uma circulação em que “as mesmas pessoas” vivenciariam “diferentes excitações”, tanto as “nativas” como as visitantes. A cidade da diversificação será também a cidade da diversão, de circulação interna no desenvolvimento da convivência. O Pelourinho é o ponto de partida, a matriz, mas não o lugar exclusivo. Gregório de Mattos inicia o poema “Romance” pela estrofe; Senhora dona Bahia/ Nobre e opulenta cidade/ Madrasta dos naturais/ E dos estrangeiros madre [...]. A ideia expressa nestes versos remete à política de expulsão da população do centro histórico com suas implicações para a marginalização do entorno da área recuperada, agravando o problema da “vulnerabilidade social”, tanto do entorno quanto do “centro”.


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