Infância livre, memória e documentário

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Infância livre, memória e documentário | Sara Azad

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uma sensação de nostalgia, dos espaços emergem experiências do passado, histórias das quais eles são testemunhas. Embora de maneira diferente, são apresentados dois exemplos em que a história surge a partir de um flashback, retornando às memórias de uma infância. Em "The Sandlot" (1993), de David M. Evans, há um personagem que entra numa sala de um estádio e em voz-off há o relato de um período específico da história do basebol. A certa altura, ao mesmo tempo que a voz-off (em 1ª pessoa) vai particularizando a história, a câmara movimenta-se para o lado e foca-se numa fotografia dos tempos de infância do personagem passados num bairro. Surge um dissolve e viajamos para o tempo recontado pela voz-off. Para além desse filme, também "Stand by Me" (1986), de Rob Reiner, onde o personagem principal retorna à sua cidade natal para o funeral de um dos seus antigos colegas de bairro. Com o carro estacionado numa estrada rodeada por um descampado, passam dois rapazes de bicicleta. O personagem fixa o olhar e, enquanto é realizado um zoom in sobre o plano do personagem, este começa a narrar um período de infância e as aventuras do seu antigo bairro. Neste segundo exemplo podemos ver a revisitação de um lugar como um despoletar de recordações e nostalgia. Na estrutura de um filme normalmente esse efeito é produzido "(...) by the content of the voiceover and supplemented formally by the presence of wistful nondiegetic music and an absence of diegetic sound." (Luchoomun, 2012, p.51). Para além disso, este método para integrar o espectador na narrativa através de um regresso no tempo pode servir também para aumentar o realismo psicológico (Luchoomun, 2012, p.43). Como pretendeu Bart Layton, realizador de "The Imposter" (2012): "My big plan was to try to recreate that movie that plays in your head when someone tells you a truly extraordinary story." (Entrevista de Alexandra Byer a Bart Layton, 2012)

Desta forma, o documentário contemporâneo procura cada vez mais dissipar fronteiras entre géneros para satisfazer os seus objectivos, não deixando de aclamar as suas necessidades como verdadeiras. No entanto, o contar a "verdade" já não se apresenta como uma prioridade, mas busca pelo conhecer de si próprio e do mundo, procurando relatar experiências vividas e transbordá-las de expressividade e dramatismo, característico da era pós-modernista que recorre agora a formas, géneros e estilos passados (Conner citado por Mills, 2010, p.13). O modo como o cineasta transmite a sua história e como pretende que o espectador recepcione a mensagem, contribuirá sempre para a diversidade do documentário. Contudo, citando Mills, no documentário "(...) the real is seen as the inspiration to the end product and not the end product itself." (2010, p.37).

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