A Menina Que Semeava - Lou Aronica

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dele, contemplando os vinhedos murchos. Ao fazer isso, ela se lembrou da indignação da mãe ao tomar conhecimento de sua decisão de passar alguns meses naqueles campos. “O verão todo?”, a mãe havia perguntado. “Fique alguns dias se insiste tanto. Passar o verão todo é ridículo. Existem muitas outras coisas para se fazer. Outros lugares para você visitar.” “Mas nenhum outro lugar em que eu realmente queira estar”, ela havia respondido. Sua mãe franziu o cenho e se afastou. Mais uma vez Miea ficava insegura depois de uma conversa com a mãe. No jantar daquela noite, seu pai conversou com ela sobre os planos de passar o verão em Jonrae e a mãe não fez objeções. Talvez tenha percebido o quanto essa viagem era importante para Miea. Talvez ela não tivesse entendido tudo. Essa era mais uma das coisas que ficariam para sempre sem resposta. Miea segurou uma folha murcha entre os dedos. Será possível que ela mesma tenha plantado a semente dessas plantas? Esses ramos de videira poderiam ter facilmente quatro anos de idade. O supervisor de campo, sempre tentando protegê-la, na medida do possível havia lhe determinado trabalhos mais perto do portão principal, tomando cuidado para que ela não ficasse brava por receber um tratamento especial, de modo que ela sempre trabalhara ali perto de onde estava agora. As lembranças — todas elas: seus dias no campo, o supervisor inquieto, a planta doente, e sua mãe morta —, tudo isso trouxe lágrimas a seus olhos. Lágrimas que não poderiam cair. Ela não permitiria que Thuja a visse chorar, e seria errado deixar que os outros testemunhassem sua tristeza. Miea se abaixou para beijar a folha. Para incutir um pouco da sua força e espírito na superfície azul. A folha se soltou em suas mãos. Ela curvou a cabeça e a guardou na palma da mão. Fechou os olhos com força e fez uma súplica silenciosa para ter coragem e respostas. E então depositou gentilmente a folha morta no chão. Ela se levantou, evitando fazer contato com os olhos de Thuja, mas descobriu que era impossível deixar de perceber o olhar preocupado dos seus assistentes. Durante a Grande Praga ela tinha sido uma criança ciente das dificuldades dentro de sua própria casa, mas ignorante das enormes e terríveis implicações que existiam no mundo à sua volta. Agora não era mais criança. Se a Praga retornasse, o que seria diferente dessa vez? — Precisamos ir embora — ela disse baixinho, quase que para si mesma.

Não era o momento ideal para escutar, mas, apesar de tudo, Gage escutou. O equilíbrio daquele momento era tênue, e havia muita coisa que ele precisava fazer, mas escutar era essencial. Escutar era o futuro. Escutar permitia que as histórias começassem. Das profundezas do seu íntimo, Gage se concentrou e se posicionou no mundo da ilha, se alongando pela vastidão para ouvir. Abafou os gritos — havia tantos gritos — e maximizou os sussurros. Ele sabia que os gritos sustentavam histórias. Sussurros, no entanto, davam início a elas. Os sussurros mereciam ser ouvidos e receber a sua atenção.


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