John stott ouça o espírito ouça o mundo

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alguma se não existir nenhum evento que seja único".697 Assim, unicidade e universalidade andam juntas. Já que Deus exaltou Jesus acima de tudo, e lhe deu o inigualável nome de "Senhor", que está acima de qualquer outro nome, por isso é que todo joelho deve dobrar-se diante dele. Por ser Jesus Cristo o único Salvador, por isso é que nós temos a obrigação de anunciá-lo em todo lugar. O "inclusivismo" da missão deve-se precisamente à "exclusividade" do Mediador. Para completar, a ele foi dada autoridade universal sobre as nações; é por isso que ele nos manda ir e fazer discípulos das nações.698 Para concluir, eu gostaria de tentar responder duas questões que ocorrem à minha mente e que podem estar na mente do leitor. Ambas têm a ver com o nosso relacionamento com adeptos de outras religiões. A primeira indagação pode ser esta: "Você está sugerindo uma total descontinuidade entre o Cristianismo e as outras religiões, de forma que toda a verdade está contida nele e nenhuma verdade nelas?" Não. Os cristãos certamente acreditam que Deus se revelou em Jesus Cristo, como o testemunham as Escrituras, de uma maneira única e definitiva, de forma que, nesta vida, ele nada mais tem a revelar além do que já revelou (se bem que, evidentemente, nós temos muito mais a aprender). Mas nós não estamos dizendo que fora da igreja Deus deve ser considerado inativo e a verdade ausente. De maneira alguma. Deus sustenta todas as suas criaturas e, portanto, "ele não está longe de nenhuma delas". Elas são, por criação, "geração de Deus", e "vivem", "movem-se"e "existem" nele.699 Da mesma maneira, o próprio Jesus Cristo, sendo o logos de Deus e a luz dos homens,700 atua incessantemente no mundo. Já que ele é descrito como "a verdadeira luz que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem",701 nós ousamos declarar que toda beleza, verdade e bondade, onde quer que se encontrem entre os seres humanos, derivam dele, quer as pessoas saibam, quer não. Este é um aspecto da assim chamada "graça comum" de Deus, seu amor demonstrado para com toda a humanidade; no entanto, não é a sua "graça salvadora", que ele estende àqueles que clamam humildemente a ele por misericórdia. A segunda pergunta pode ser uma sequência da primeira: "Então não existe nenhuma esperança de salvação para aqueles que pertencem a outras religiões e que talvez nunca tenham ouvido falar de Jesus?" Vou tentar responder biblicamente esta pergunta extremamente perspicaz. Isto significa que precisamos combinar confiança com agnosticismo, aquilo que sabemos (porque a Escritura o ensina claramente) com aquilo que não sabemos (ou porque a Escritura não o deixa claro, ou então porque ela silencia a esse respeito). O que nós sabemos a partir da Escritura é que não existe possibilidade alguma de salvação própria. Todos os seres humanos, a partir da revelação geral de Deus, têm algum conhecimento de Deus e daquilo que é bom; todos fracassaram quanto a viver de acordo com aquilo que conhecem; e todos são, portanto, culpados diante de Deus, e se encontram em estado de "perdição" (a menos que Deus intervenha). E este o argumento de Romanos 1 a 3. Ninguém pode ganhar sua própria salvação através da sua religião, sinceridade ou filantropia. Nem quem diz ser cristão, nem pessoa alguma. Além disso, o centurião Cornélio não é uma exceção à regra, como às vezes se insinua. Sua história ensina que há salvação — tanto para os gentios como para os judeus, e nos mesmos termos; ela não ensina que ele a adquiriu mediante sua própria retidão, piedade ou generosidade. Pelo contrário, precisou ouvir o evangelho e responder a ele a fim de receber salvação, vida, purificação e o Espírito Santo. 702 Portanto, é impossível salvar-se a si mesmo. Sabemos também que Jesus Cristo é o único Salvador (pois, como já vimos, só ele tem as qualificações necessárias) e que a salvação é somente pela graça de Deus, baseada somente na cruz de Cristo, e somente pela fé. O que nós não sabemos, contudo, é exatamente quanto conhecimento e entendimento do evangelho as pessoas precisam ter antes que elas possam clamar a Deus por misericórdia e salvação. No Antigo Testamento, as pessoas eram certamente "justificadas pela graça através da fé", embora tivessem pouco conhecimento de Cristo ou expectativa quanto a sua vinda. Talvez hoje haja outros que se encontram em situação semelhante. Eles sabem que são pescadores e culpados diante de Deus, e que nada podem fazer para conquistar seu favor; assim, em desespero próprio, eles clamam ao Deus que eles mal percebem para que os salve. Se Deus salva gente assim, como muitos evangélicos pensam, sua salvação continua sendo só pela graça, só através de Cristo e somente pela fé. Outra coisa que nós sabemos é que o número final de pessoas redimidas por Deus será na verdade 697 W.

A. Visser't Hooft, No Other Name?, p. 102 28.18-29 699 At 17.27-28 700 Jo 1.1-5 701 Jo 1.9 702 At 11.14, 18; 15.9 698 Mt

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incontável,703 em cumprimento final à promessa de Deus a Abraão, de que sua posteridade (tanto espiritual como física) seria "como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar".704 Nesta mesma linha, parece que nos é garantido por Paulo que haverá muito mais pessoas salvas do que perdidas, pois a obra de Cristo em promover a salvação terá mais sucesso do que a de Adão em promover a ruína, e também porque a graça de Deus em

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