John stott ouça o espírito ouça o mundo

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e conduzi-las ao rebanho. Esta tarefa de ir em busca daqueles que estão alienados e perdidos é uma parte essencial do ministério pastoral, se bem que ela seja muito mais entregue aos membros leigos da igreja que vivem e trabalham entre aqueles. E verdade que nós costumamos estabelecer uma distinção entre "evangelistas", que buscam ovelhas perdidas, e "pastores", que nutrem aquelas que foram achadas. No entanto, estes são ministérios que se sobrepõem. Se Jesus, o bom pastor, não somente alimenta as ovelhas que se encontram no rebanho, como também busca aquelas que estão distantes, 618 seus subpastores e imitadores devem fazer o mesmo. Na cerimônia de ordenação da Igreja Anglicana o dirigente exorta os candidatos a que vão "buscar as ovelhas de Cristo que se encontram dispersas... a fim de que sejam salvas por Cristo para sempre". Se nós nos evadíssemos dessa responsabilidade, Deus haveria de queixar-se mais uma vez: "Minhas ovelhas... andam espalhadas por toda a terra, sem haver quem as procure, ou quem as busque".619 E o próprio Jesus haveria de nos dizer: "Eu desci do céu à terra para buscar e salvar o que se havia perdido. E tu, por que não vais ao teu vizinho ou à rua ou vila mais próxima para buscá-los?"620 Mas se, pelo contrário, nós sairmos em busca das pessoas, haveremos de participar do regozijo celestial "por um pecador que se arrepende".621 Eis aqui, portanto, a belíssima idéia de ministério pastoral retratada por Jesus. Onde quer que haja ovelhas, sejam elas perdidas ou achadas, existe a necessidade de pastores que vão buscá-las e pastoreá-las. Seguindo o exemplo do próprio bom pastor, os pastores humanos irão esforçar-se por conhecer e servir, guiar, alimentar e governar as ovelhas do rebanho de Cristo, protegê-las dos lobos saqueadores e buscá-las quando se extraviarem. E depois, por menor que seja o reconhecimento, apreciação ou honra que eles recebam (ou que gostariam de ter recebido) aqui na terra, eles hão de receber do Supremo Pastor, quando este se manifestar, "a imarcessível coroa da glória".622 O ideal de pastor exemplificado em Jesus, o bom pastor, e que ele gostaria que os líderes imitassem, precisa ser complementado por dois outros modelos que eles os advertiu a que evitassem. Primeiro, disse ele, são os governantes seculares que "têm sob seu domínio" o povo e "exercem autoridade" sobre ele. "Mas entre vós não é assim", enfatizou a seguir. Na sua nova comunidade, a liderança deveria ser completamente diferente da liderança no mundo. "Pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva."623 Como diz T. W. Manson, "no reino de Deus o serviço não é um degrau para a grandeza; ele é grandeza — o único tipo de grandeza que é reconhecido." 624 Em segundo lugar, Jesus exortou seus discípulos a que não imitassem os fariseus. Estes apreciavam os lugares de honra (nos banquetes e nas sinagogas) e os títulos de honra, pois estes eram sinais do respeito prestado pelo povo. "Não façam como eles", Jesus disse. Os líderes cristãos não devem ser chamados de "Rabi" (professor), "Pai" ou "Mestre". Isto é, não devemos adotar em relação a qualquer ser humano na igreja, nem permitir que outros o façam em relação a nós, uma atitude de dependência e desamparo, como a de uma criança para com seu pai, nem de obediência servil, como a de um escravo para com o seu senhor, nem de aquiescência sem questionamentos, como a de um aluno para com seu professor. Segundo Jesus, isto seria usurpar as prerrogativas da Santa Trindade (Deus, nosso Pai, Jesus, nosso Mestre, e o Espírito Santo, nosso ensinador), como também romper o relacionamento entre irmãos e irmãs dentro da família cristã.625 Temos aqui dois diferentes modelos contemporâneos de liderança — um secular (os governadores) e o outro religioso (os fariseus) — que, não obstante, compartilhavam a mesma característica básica, a sede de poder e prestígio. Hoje, o modelo mais parecido que temos a imitar é o da gerência de negócios. Este também, apesar de alguns paralelos aceitáveis, geralmente é mais mundano do que cristão. Com o crescente declínio do status dos pastores na sociedade, nós precisamos cuidar para não procurarmos compensar este fato buscando mais 617 Jo

10.16 19.10; cf. 15.3-7 619 Ez 34.6 620 Richard Baxter The Reformed Pastor (1656; Epworth, 1939), pp. 121-122. 621 Lc 15.7 622 1 Pe 5.4 623 Mc 10.42-45 624 T. W. Manson, The Church's Ministry (Hodder & Stoughton, 1948), p. 27 625 Mt 23.1-12 618 Lc

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poder e mais honra na igreja. A marca essencial da liderança cristã é a humildade, não a autoridade; serviço e não senhorio; e também "a mansidão e benignidade de Cristo". 626 A última palavra, quero deixá-la com Chuck Colson, que provou pessoalmente, antes de converter-se a Cristo, o intoxicador vinho do poder: "A sedução do poder pode separar o mais decidido dos cristãos da verdadeira natureza da liderança cristã, que é servir aos outros. É difícil colocar-se num pedestal e lavar os pés de quem está embaixo."627 E ele acrescenta: "Nada distingue mais os reinos do homem do reino de Deus do que as suas visões diametralmente opostas quanto ao exercício do poder. Um procura controlar as pessoas, o outro busca servir a elas; um promove o ego, o outro abate o ego; um busca prestígio e posição, o outro eleva o

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