Processos Virtuais

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PROCESSOS VIRTUAIS

de arquitectura e artes
Rui Pedro Barbosa Lima faculdade
11|12
Professor Doutor Luís Marques Pinto
1 Índice 1 Índice 2 Lista de Abreviaturas 3 Resumo 5 Abstract 7 Introdução 1. Paradigma digital 19 Os primeiros casos 21 Vanguarda arquitectónica 27 Padrões funcionais 32 Analogia com a natureza 2. Ferramentas digitais 37 Evolução das ferramentas digitais 40 Tipos de ferramentas digitais 45 Ferramentas algorítmicas 57 Técnicas de produção digital
Processos de design 67 Design baseado no desenho 72 Métodos de design 76 Design baseado em regras 81 Limitações cognitivas e digitais
Casos práticos 89 Bridging the gap 96 Between thought and expression 102 Die Poesie des Digitalen 111 Generative Gestaltung 117 Conclusões 127 Bibliografia 133 Iconografia 137 Anexos
3.
4.

Palavras-chave

Processo; Design; Digital; Generativo; Emergente; Programação; Algoritmo; Evolucionário; Paramétrico; Parametricismo; Prototipagem Rápida; Robótica.

Resumo

O momento presente coincide com o apogeu da investigação sobre técnicas digitais aplicadas à arquitectura, que teve início em meados dos anos 40 do séc.XX. Ao longo do tempo, os contornos especulativos em torno do uso da tecnologia digital foram abandonando esse estatuto para se tornarem métodos estabelecidos. Por isso, a existência de processos criativos de origem digital é uma realidade cuja influência no domínio profissional da arquitectura e na prática não pode ser mais ignorada.

As técnicas CAD são ferramentas cujo propósito é muito específico e pouco, ou nada, adiciona à qualidade da arquitectura produzida. Num patamar intermédio encontramos as ferramentas BIM que auxiliam a gestão de informação. Mas as capacidades de exploração processual das ferramentas paramétricas e as suas variantes vão além da rentabilização processual. Estas podem incidir na origem do processo criativo e auxiliam o seu posterior desenvolvimento.

Fenómenos sociais, como o crowdsourcing, e fenómenos de democratização da informação, como o opensource, têm expandido as capacidades das ferramentas digitais. A distância entre os criadores dos programas de computador e as necessidades emergentes nos processos de design está a ser diminuída, proporcionando uma evolução quase tão rápida quanto as necessidades emergentes nos processos.

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Resumo

Para evitar a efemeridade das teorias que tentam definir o Statu quo da Arquitectura somente com base no passado - recente e longínquodevemos assumir a influência contemporânea das técnicas e processos construtivos digitais na Arquitectura. Essa influência traduz-se em potenciais transformações de muitas práticas tradicionalmente estabelecidas, com repercussões a nível cultural, ambiental, processual, profissional e disciplinar.

No contexto português, deparamo-nos, frequentemente, com um fenómeno de inadaptação dos diferentes sistemas que compõem a arquitectura, perante muitas das práticas da actualidade global. Em última instância, podemos referir-nos a este fenómeno como sendo segregativo - ainda que seja o resultado de processos que evoluem de forma natural e condicionalismos socioeconómicos - vocacionando as práticas para uma corrente dominante já muito saturada. No contexto internacional, deparamo-nos com um crescendo de práticas que proliferam através da integração de meios digitais no processo criativo, das quais emergem os casos de estudo desta investigação, que foram desenvolvidos na universidade Bauhaus-Universität-Weimar na Alemanha.

Este trabalho pretende melhorar a reflexão critica em torno da aplicabilidade de processos criativos digitais na arquitectura, contribuindo para construir a ponte entre o conhecimento de outras realidades e o contexto nacional. Deve ser interpretado como um trabalho sumário para posteriores investigações, tendo em consideração que o contexto nacional é pouco acutilante relativamente ao tema.

Adoptamos uma metodologia de estudo de casos múltiplos , que nos permitiu concluir que, para além da rentabilidade aumentada que as técnicas digitais podem oferecer aos processos de criação da arquitectura, há um segundo nível de complexidade que as ferramentas digitais e os processos construtivos capacitam. Esta complexidade não pode ser justificada apenas como performance melhorada, dependendo da investigação em Arquitectura e da sua constante evolução. Concluímos, também, que existe pouca transparência relativamente às capacidades das ferramentas digitais utilizadas, identificando um enorme potencial que estas podem vir a proporcionar.

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Keywords

Process; Design; Digital: Generative; Emergent; Scripting; Algorithm; Evolutionary; Parametric; Parametricism; Rapid Prototyping; Robotics.

Abstract

The current moment overlaps with the peak of the research on digital techniques applied to architecture, which began on mid 40’s of the XX century. Through times, the speculative outlines regarding applied digital technologies started to abandon this definition to become established methods. Hence, the existence of creative process of digital origin is a reality which influence on architectural practice can not be ignored.

CAD techniques are tools with very specific purpose and few, or nothing, adds to the quality of the built architecture. On an average standard we find BIM tools augmenting information management. Nevertheless, the capacities of process exploration that parametric tools and their variations provide outstands the mere performance of processes. These can be applied on the origin of the creative process and sustain its prior development.

Social phenomena, like crowdsourcing, and expanded availability of information phenomena, like opensource, are augmenting the capacities of digital tools. The distance between creators of software and the emergent needs of design processes is being shortened, delivering an evolution almost as fast as new necessities emerge.

To avoid the ephemerality of theories trying to define Status quo of Architecture contemplating only the past - recent or distant - we

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Abstract

must consider the influence of contemporary digital techniques and construction processes in Architecture. That influence leads to potential transformations on many established practices, creating repercussions on a cultural, environmental, procedural, professional and disciplinary levels.

On the Portuguese context, we are faced, frequently, with a phenomena of inadaptation of the different systems that shape architecture, when faced with many practices of global actuality. Ultimately, we can refer to this phenomena as being segregative - though it might be the sum of naturally evolving processes and socio-economic constraintsnarrowing practices to the mainstream, which is, already, saturated. On the international context, we are faced with increasing practices which proliferate through integration of digital tools on the creative process, from which emerge the case studies of this investigation, which where developed in Bauhaus-Universität - Weimar Germany.

This work aims to improve the critical reflexion on the applicability of digital creative process on architecture, contributing to building the connection between the knowledge from other realities and our national context. It should be taken as a summary work to posterior investigations, considering that our national context lacks accuracy on this topic.

We have adopted a methodology of multiple study cases, which allowed to conclude that, in addition to the augmented rentability that digital techniques can offer to the process of architectural creation, it exists a second level of complexity that digital tools and constructive processes make possible. This complexity can not be justified as augmented performance, it depends on Architectural investigation and its constant evolution. We also concluded that there is few transparency regarding the capacities of the digital tools we used, identifying great potential that this can provide.

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4. Casos práticos

Bridging the gap

O curso Bridging the gap31 foi estruturado com o propósito de estudar tecnologias paramétricas, tirando o máximo partido da interação das formas estudadas com os princípios estruturais condicionantes, obtidos através de simuladores.

O projecto consistia na elaboração de uma ponte, sendo o único requisito vencer um vão de seis metros, apoiado apenas nas extremidades. O terreno do projecto foi indicado a título indicativo, dentro do campus universitário - que dispunha de uma estrutura metálica para a prática de trabalhos dos alunos - havendo total liberdade para propor terrenos alternativos. Tanto a estrutura sugerida como o seu contexto aparentavam uma grande neutralidade, tendo em vista que se pretendia um projecto de grande liberdade criativa.

Lamentavelmente, o objectivo traçado de optimização estrutural, com recurso a tecnologias de simulação, não foi posto em prática. O estado geral dos trabalhos do curso era de grande complexidade geométrica o que, juntamente com dificuldades de progressão de alguns projectos, culminou na não experimentação prática dos conhecimentos adquiridos em simulação digital. Em compensação, a presença de engenheiros convidados foi muito importante na orientação dos trabalhos a nível estrutural.

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31. Curso frequentado pelo autor, na BauhausUniversität Weimar - Alemanha, em co-autoria com o colega Afonso Tigre, de Portugal.

Idealizaram-se contextos hipotéticos como meio de encontrar uma proposta cuja qualidade fosse significativa (fig. 4.1). Foram igualmente potencializados requisitos iniciais, como integração de áreas lúdicas ou enquadramento de pontos de vista. O conceito escolhido (fig. 4.2) privilegiava aspectos semióticos, pela articulação estrutural de pequenos componentes - sugerindo estruturas orgânicas como esqueletos - e fenomenológicos, pela deformação do plano horizontal do piso. A ideia consistia na deformação de dois planos que uma vez unidos possibilitavam a transposição de uma ponta à outra do objecto, fazendo o utilizador percorrer ambos os planos nas suas porções horizontais durante o percurso. A simetria sobre um eixo diagonal à implantação foi a forma encontrada para melhor controlar a delicada intersecção dos planos. Dentro destes planos, foram definidos eixos rectos, que uniam as curvas maiores dos planos, sobre os quais foram posteriormente

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fig. 4.1. Esquissos de propostas alternativas. Várias alternativas foram consideradas antes de escolher a ideia mais adequada. Todos os esquissos foram desenhados de forma rápida e intuitiva.

fig. 4.2. Esquissos da solução escolhida. Representam o projecto em vários estados de maturação. Começando por definir a volumetria por linhas gerais (esquisso superior). Estudo de pontos de vista de maior destaque e ritmo estrutural, (esquisso central). Estudo de uma variação de pormenor, com maior rigor de representação (esquisso inferior).

extrudidos perfis e abertos cunhos para encaixe entre perfis.

O estudo da forma iniciou-se através do recurso ao desenho, sendo este meio um método recorrente para avaliar rapidamente as alternativas propostas. Em paralelo, desenvolveu-se a modelação digital, que demonstrou ser absolutamente rigorosa no controlo desta geometria complexa.

A abordagem digital iniciou-se pela criação de um plano em geometria NURBS (fig. 4.3), que permitia ser manipulado no ambiente de desenho CAD através de pontos de controlo. Após ser definida uma deformação que visualmente se demonstrava próxima da solução pretendida, ainda que bastante rudimentar, deu-se início ao processo paramétrico.

A partir da extracção das duas maiores arestas do plano deformado, foi criada uma definição que dividia essas arestas para posteriormente

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formar os eixos estruturantes da ponte (fig. 4.4). Seguidamente, sobre o eixo de simetria diagonal, foi criado o simétrico que constituía a restante forma da ponte. A definição paramétrica criada oferecia a possibilidade de alterar as curvas maiores, extraídas dos planos deformados através de pontos de controlo. Optou-se por definir todos os eixos entre estas curvas como sendo rectos, sendo que o número de eixos foi definido como um dos parâmetros, assim como as suas dimensões e a geometria do perfil. O esquema estrutural em forma de arco também tinha a possibilidade de ser manobrado, tendo sido a hipótese de inverter o arco igualmente ponderada no decurso do trabalho. A dimensão da profundidade das barras dependia de medidas de conforto para a circulação humana e era condicionada pela solidez do encaixe da madeira - sendo o encaixe mais eficaz quando a dimensão das barras é menor. A variação obtida permitia que as barras com menor profundidade fossem ligadas às de maior profundidade. Desta forma, as barras mais delgadas serviam maioritariamente de encaixe entre peças, a sua dimensão aumenta de

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fig. 4.3. Geometria inicial. Geometria NURBS, definida por dois planos, controláveis por pontos estruturais. Esta geometria pretendia definir a volumetria da solução em linhas gerais. fig. 4.4. Esquema de evolução da geometria inicial para a geometria controlada por parâmetros. Pode ser observado a divisão das curvas maiores do plano em pontos, unidos transversalmente por rectas. A cada recta é atribuído um volume em forma de barra.

Este desenho foi usado para fabricar a maqueta final à escala 1/5 por processo de fabrico assistido por computador. Foi obtido a partir de um algoritmo escrito pelo autor, que rebatia e ordenava todas as barras de forma automatizada, às quais um número era atribuído, o algoritmo detinha ainda a capacidade de actualizar o desenho final com qualquer alteração geométrica que pudesse ser posta em prática. Pode ser observado o desenho variável dos encaixes obtidos em cada barra e a numeração individual.

fig. 4.6. Modelo paramétrico completo. Este modelo representa mais dimensões do que os modelos digitais comuns. Nesta visualização pode ser observada a dimensão da profundidade variável das barras - o termo cobertor usado quando nos referimos a escadas é adequado como sinónimo para o significado de profundidade - tendo sido atribuído a sua dimensão em texto de cor azul junto a cada barra correspondente. A verde podemos observar a dimensão variável entre as barras.

forma progressiva, deixando de cumprir a função de encaixe para cumprir a função de passagem. No centro, a função de passagem era partilhada com as barras próximas, servindo simultaneamente as duas funções - encaixe e passagem - visto estas terem uma dimensão próxima das barras imediatamente seguintes e uma inclinação favorável à função de passagem.

A geometria não se apresentou demasiado complexa para a execução do modelo paramétrico. No entanto, o objectivo traçado implicava considerar um método lógico em toda a sua diversidade e extensão. O processo iniciou-se lentamente e requereu uma grande ponderação sobre as relações paramétricas. Para tal, fomos forçados a aplicar o método de tentativa-erro. Várias combinações de relações paramétricas foram testadas, antes de se encontrar um modelo que correspondesse às relações pretendidas, considerando, inclusivamente, que a nossa formação em ferramentas paramétricas tinha apenas iniciado. Não obstante, relações paramétricas mais ou menos optimizadas foram suficientes para discutir

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fig. 4.5. Rebatimento das barras constituintes do projecto.

ideias durante o desenrolar do projecto. As ferramentas demonstraram-se extremamente produtivas tanto na distribuição precisa de uma geometria composta de eixos em que o tamanho e cunho de intersecção variavam de forma orgânica, como na elaboração de rotinas como planificação de faces para prototipagem, manipulação geométrica e de precisão como a integração de dimensões alteráveis em tempo real.

O processo desenvolveu-se alternadamente entre modelos digitais, maquetas e desenhos técnicos ilustrando todas as fases. O esquisso foi um recurso muito pontual, tendo sido usado principalmente como primeiro meio de exteriorizar as ideias incitadoras. O modelo digital foi usado na busca de alternativas dentro de um domínio muito restrito - visto termos uma ideia clara da forma desejada - sem que para isso tenha existido qualquer processo generativo. A capacidade de manipulação paramétrica, podendo ser alterada por métodos matemáticos ou por pontos de controlo - interagindo manualmente - originou um método de controlo

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fig. 4.7. Renderização de uma fase inicial. Pretendia-se simular uma imagem realista do aspecto final das opções escolhidas. Aqui uma estrutura tubular de metal tinha sido considerada como solução. fig. 4.8. Esquema expandido de composição estrutural, com detalhe de pormenor.

imediato mais livre e preciso do que qualquer outro. Os modelos físicos, juntamente com os desenhos técnicos de renderização, foram usados para interpretar o projecto quando este detinha um nível de estruturação conceptual que ultrapassava a necessidade de se proceder a explorações e ajustes complementares e, por isso, era necessário isolar elementos que possibilitassem melhor interpretação das decisões tomadas. Ainda que os modelos digitais fornecessem um meio de monitorização dos resultados bastante claro, os modelos físicos revelaram-se meios óptimos de interpretação do projecto.

O projecto foi concluído com a construção de um modelo à escala 1/5 (fig. 4.9 e fig. 4.10), fabricado por uma máquina de desbaste controlada por computador. Para isso, foi fundamental a elaboração do modelo digital (fig. 4.5), que foi usado como elemento de tradução para fabricar o modelo físico. O rigor e o detalhe foram requisitos essenciais para o êxito deste projecto.

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fig. 4.9. e Fotografias da maqueta à escala 1/5 fabricada por processos digitais. Exposição dos trabalhos dos alunos, no final do curso. fig. 4.10.

Between thought and expression

“Entre o pensamento e a expressão” foi a designação do curso que teve como finalidade adquirir formação sobre técnicas de modelação B-Splines, programação e técnicas de renderização avançadas. Este teve lugar semanas antes do início do curso Die Poesie Des Digitalen, partilhando do contexto urbano e programa funcional.32 Neste sentido, serviu como introdução ao estudo desenvolvido no curso seguinte, sem que por isso fosse exigido desenvolver soluções arquitectónicas definitivas.33

O curso foi organizado em quatro etapas, atribuindo-se maior ênfase à expressividade formal dos trabalhos nas duas primeiras e quarta fases, sendo a terceira fase destinada à transformação das formas previamente estudadas em objecto arquitectónico. Esta filosofia enquadra-se na teorização do desenvolvimento de capacidades semióticas da arquitectura e a sua problemática expressiva. Foi necessário desenvolver capacidades comunicativas que permitissem exteriorizar o pensamento na concretização da forma. Para tal, a cada participante do curso foi atribuído um cartão contendo escrita uma frase com potencial expressivo. Verlorene Zeit foi a

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fig. 4.11. Render preliminar. Esta imagem foi desenvolvida em fases iniciais do projecto, apresentando poucas restrições impostas pelo contexto e programa funcional. 32. O contexto urbano e programa funcional são introduzidos com mais detalhe na secção seguinte, “Die Poesie des Digitalen” na p. 102, onde foram determinantes para desenvolver o projecto desde fases iniciais. 33. O curso Die Poesie des Digitalen seria leccionado posteriormente tendo apenas objectivo de criar uma solução final para o mesmo problema.

frase atribuída que significa em português “tempo perdido”.

A primeira etapa do curso consistia na tradução em uma estrutura paramétrica da frase atribuída. Para tal, recorreu-se à ferramenta de programação textual Processing para construir uma interpretação do conceito. A dificuldade deste exercício tem a ver com a construção mental de uma sintaxe abstracta, levando o computador a elaborar uma estrutura que expressasse visualmente o conceito pretendido.

A solução encontrada simulava o interior de um espaço que, aparentemente, se desvanecia no infinito, delimitado por superfícies deformadas. A interpretação feita apelava ao sentimento de vazio, despertando uma tensão perturbante e aliciante ao mesmo tempo. Através deste exercício, procurou-se exprimir metaforicamente a frase atribuída

- Tempo perdido - traduzindo-se esse conceito abstracto numa forma escultórica (fig. 4.12).

A elaboração geométrica do exercício consiste na sucessiva reprodução de uma figura geométrica, aplicando um factor de rotação e de escala que a relaciona com a figura anterior, progredindo até se aproximar

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fig. 4.12. Expressão bidimensional de um conceito expressivo. Verlorene Zeite - Tempo perdido.

de um ponto, controlado pelo cursor. Como parâmetros de rotação e de escala foram atribuídos valores de coordenadas X e Y da posição do cursor, obtendo facilmente variações de forma. Como elemento expressivo adicional, foi introduzido uma gradação de tons cinza, para marcar diferentes ritmos na estrutura.

A etapa seguinte do curso consistiu na transposição da forma elaborada para as três dimensões do espaço. A forma criada na fase anterior foi intuitivamente transformada numa estrutura tridimensional através da sugestão espacial dada pelo ritmo que a forma detinha. O objecto tridimensional proporcionou maior liberdade criativa, ampliando as capacidades expressivas inerentes ao conceito tempo perdido. Uma maior sinuosidade foi adicionada à forma, explorando a sensação de instabilidade. Duas variantes do objecto tridimensional foram introduzidas, permitindo conferir maior ênfase, detalhe e variedade ao conjunto. A utilização de diferentes volumes resultou numa estrutura formalmente coerente pela aplicação de regras de subordinação entre volumes em pontos cruciais e, simultaneamente, procurou-se alternar com áreas de

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fig. 4.13. Esquisso inicial.

fig. 4.14. Alçado e plantas do projecto. (em cima, à esquerda)

fig. 4.15. Volumetria do projecto. (em cima, à direita)

34. Programa funcional resumido:

Ponto de encontro para visitantes, catering e àrea de convívio - 270m2

Palco, teatro com lugares sentados - 80m2

Bilheteira - 35m2

Livraria - 120m2

Loja de artigos documenta 80m2

Área de exibição - 80m2

Espaço para seminários e palestras - 130m2

Vestiários -150m2

Instalações sanitárias - 85m2

Sala comum/pausa - 15m2

Superfície de projecção

Café internet - 60m2

Ponto de atendimento - 15m2

Aconhimento de crianças - 40m2

Área de imprensa internacional - 100m2

maior liberdade de composição, esculpindo os três volumes de forma independente. Na fig. 4.14 e na fig. 4.15 podemos verificar que a composição dos volumes está condicionada pela aproximação mútua na zona central - restrita pela rotação sobre o eixo central de cada volume e, simultaneamente, pela aproximação das faces dos volumes, que se chegam a tocar - e exerce maior liberdade nos extremos da composição definindo regras como igual distância entre volumes - extremo inferior - ou afirmação de um volume dominante e dois subordinados - extremo superior.

A fase seguinte do curso consistiu na integração do programa funcional de requisitos da documenta center of information and communication,34 adaptando-o à estrutura desenvolvida, e preservando a sua forma. Pretendia-se, igualmente, confrontar a estrutura com o contexto. Para atingir os objectivos propostos, seria necessário estudar a estrutura tendo em consideração ajustes ao nível da escala e posicionamento no terreno, da sua materialidade e estruturação espacial.

Ainda que estivessemos limitados pelas condicionantes do exercício

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+1.2m +5.2m

anterior, a estrutura permitiu estudar soluções muito divergentes e com potencialidades singulares. A opção de dispor o objecto com a orientação visível na fig. 4.14 e na fig. 4.15 proporcionou melhor leitura formal, tendo-se concluído que o objecto não dispunha de superfícies planas que permitissem a sua ligação ao solo. A solução escolhida assinalava a presença de uma exibição temporária destacando-se da restante malha urbana. Definia um espaço de maior contenção - dentro do contexto urbano que era particularmente dispersante - delimitado pelos três volumes. O programa desenvolvia-se verticalmente dentro dos três volumes, de forma coordenada.

Na etapa final do curso, cada participante deveria escolher uma imagem com propriedades extraordinárias no que concerne a aspectos como o tratamento da luz, a composição, a técnica, entre outros (fig. 4.16). Com inspiração nesta imagem, pretendia-se produzir uma renderização da forma estudada.

Da imagem escolhida foram transportados os efeitos de sombra, produzidos por vários focos de luz dirigida, o enquadramento da figura no espaço, a simplicidade cromática e a permeabilidade à luz de alguns elementos da composição. A imagem escolhida apresentava semelhanças na sua essência com a forma que pretendíamos estudar. A sensualidade da forma curva, a simplicidade e focalização da figura eram semelhanças

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fig. 4.16. Imagem de referência expressiva. fig. 4.17. Renderização com influência das qualidades expressivas de uma imagem modelovista exterior.

facilmente identificáveis (fig. 4.17 e fig. 4.18).

A solução alcançada proporcionava vantagens claras na organização funcional do programa. A marcação urbana, dada pela escala do objecto, era muito apropriada ao tipo de instalação temporária pretendida e a volumetria poderia ser economicamente viável, considerando que se pretendia construir uma camada exterior de sombreamento em materiais leves e semi-permeáveis à luz, como têxteis. O espaço de contenção, era uma mais valia para a recepção dos muitos visitantes, em contraponto ao espaço amplo do seu contexto. O maior inconveniente desta solução era o seu desenvolvimento vertical, condicionando a acessibilidade.

O processo de desenvolvimento deste projecto incidiu na elaboração de uma forma expressiva. Surpreendentemente, o resultado adaptou-se bem ao programa funcional e ao contexto urbano, incitando à articulação funcional a partir da forma. Podemos inferir que, para encontrar soluções num processo de design, não é obrigatório que a forma seja originária de uma resposta às condicionantes impostas pelo programa funcional ou pelo seu contexto urbano. Para avaliar a eficácia de uma solução, é necessário testá-la objectivamente com todas as solicitações que se repercutem na forma, mas a sua origem pode divergir, provindo de diferentes áreas como as racionais-funcionais, as expressivas-formais ou as intuitivas-processuais .

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fig. 4.18. Renderização com influência das qualidades expressivas de uma imagem modelovista interior.

Die Poesie des Digitalen

Este curso deu título a um projecto que se destinava a albergar a décima segunda exposição documenta center of information and communication.35 A instalação temporária localizar-se-ia numa praça central - Friedrichs Platz - na cidade de Kassel, Alemanha, e destinava-se a desempenhar várias funções comuns a um espaço expositivo durante o período de 100 dias.

A praça destacava-se pelas suas grandes dimensões e por apresentar grande regularidade em toda a sua extensão. A frente principal da praça estava destinada a dois edifícios de expressão monumental com predomínio de geometrias elementares. O pavimento variava entre superfície impermeável e área verde de desenho geométrico euclideano. As restantes frentes da praça eram definidas por massa arbórea e uma frente aberta em que o olhar se perdia após vários quilómetros entre elementos naturais e alguma construção pontual. O aspecto geral era pouco interessante, uma sensação de austeridade provinha do contexto construído, atenuada

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35. Curso frequentado pelo autor, na BauhausUniversität Weimar - Alemanha, em co-autoria com a colega Francesca Romana Barzanti, da Itália. fig. 4.19. Fotomontagem da praça - Friedrichs Platz - com modelo digital. É possível observar a praça ampla com as suas quatro frentes.

pela massa arbórea, que se desenvolvia contiguamente, em duas frentes do perímetro rectangular da praça, ocupando toda a extensão. A massa construída e a massa arbórea ocupavam lados opostos do perímetro da praça sem que existisse qualquer diálogo que quebrasse a rigidez que toda a composição aparentava. A frente inferior seria capaz de despertar sensações peculiares, mas a distância que separava esta frente da área de intervenção - cerca de 200 m - era suficientemente grande para que não fosse considerada como uma potencialidade de desenvolvimento do projecto.

A dimensão do programa era muito reduzida em relação às dimensões da praça. Os elementos constituintes do programa, não iam além do expectável para um edifício de exposições, com a excepção de um espaço para a recolha de impressões escritas dos visitantes, em suporte tridimensional. Consistia na criação de um espaço físico onde os visitantes pudessem escrever livremente em todas as suas superfícies. Este requisito foi da maior importância para o nosso projecto. Consideramos ainda, uma vez que se tratava de um espaço de exposição, que os conteúdos expostos deveriam permitir a interação com o espaço de uma forma dinâmica, sem que nos aproximássemos do conceito de uma superfície expositiva padrão.

A ideia inicial do projecto tentava impôr ao contexto urbano uma nova dinâmica de formas, com o objectivo de compensar a rigidez experienciada no lugar. Consistia no uso de painéis orientados, dispostos segundo uma métrica densa, criando pontos de referência e enquadramentos ao olhar. Desta forma, o olhar que se estendia em toda a extensão da praça, sem elementos que o interceptassem, era compensado pelas inúmeras combinações visuais que a malha de painéis definia.

Os próprios painéis proporcionava-nos o suporte para a recolha de impressões, exteriorizando-os e expondo-os como o rosto do edifício.

Os painéis funcionavam também como elementos de exposição para audiovisuais ou afixação de peças de design.

Os conceitos até aqui descritos não resolviam o programa na sua totalidade, havia a necessidade de criar áreas interiores. Optou-se pela rotação gradual dos painéis verticais, em dois eixos, até formarem espaços

103 4. casos práticos – Die Poesie des Digitalen

fechados, mantendo a unidade formal do projecto.

Foi utilizado o software Modo para obter um modelo tridimensional que expressasse as nossas intenções(fig. 4.20 e fig. 4.21). A escolha deveu-se à facilidade que o software revela para trabalhar com séries geométricas e pela qualidade de renderização, permitindo-nos traduzir a materialidade. A abordagem inicial passava por um método subtractivo, ocupando o espaço da praça na totalidade, procedendo progressivamente à subtracção de elementos até encontrar equilíbrio na exploração do espaço. Optou-se por utilizar um material permeável à luz, com a finalidade de criar vários níveis de sensações visuais. Mais tarde, esta ideia foi adaptada, de forma a utilizarem-se materiais mais económicos.

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fig. 4.20. Perspectiva de um modelo digital elaborado de forma rápida e espontânea. A uma malha de painéis são efectuadas alterações da sua posição e dimensões. Este modelo foi desenvolvido no software Modo. fig. 4.21. Planta do modelo digital referido acima. Aqui são bem perceptíveis as alterações geométricas adicionadas.

fig. 4.22. Esquisso para percepção da espacialidade interior do projecto.

Este desenho foi elaborado com atenção ao rigor, embora as regras de perspectiva tenham sido contempladas de forma intuitiva. Neste desenho era proposto um sistema de suporte dos painéis que se assemelhava a árvores. Pretendia-se criar uma narrativa entre os elementos naturais do contexto e a proposta, integrando-os como parte da composição.

A escolha do esquisso de forma mais rigorosa deveu-se à dificuldade de modelar digitalmente a proposta idealizada de forma satisfatória.

Nesta altura, pretendia-se uma interação do projecto com as áreas de maior valor urbanístico do contexto, como o eixo pedonal que corre a praça em toda a sua extensão. Os critérios definidos pelos orientadores do curso foram determinantes na evolução desta ideia, tendo influenciado os participantes a ocupar, de forma densificada, o espaço mais descomprometido - de desenho regular e superfície permeável - no topo da praça.

Nesta fase, era perceptível a incoerência do modelo. Contudo, o modelo foi elaborado pouco tempo após ser conhecido o programa funcional, permitindo ter uma ideia de como poderia funcionar o edifício e identificar os seus potenciais problemas. Apesar da clara facilidade de modulação do software Modo, os resultados obtidos não apresentavam o rigor necessário para controlar a complexidade do projecto.36

A complexidade da ideia apresentada impôs a modelação digital através de design baseado em regras como o único meio para obter representações credíveis em toda a sua complexidade. Ainda que o estudo exaustivo pela prática do desenho possa apresentar expressões rigorosas, este recurso seria sempre muito limitado atendendo à quantidade de relações espaciais e estruturais que a ideia veiculava. Os meios digitais eram a única alternativa que comportava a extrema complexidade pretendida para o projecto, permitindo a análise espacial e estrutural por métodos visuais e analíticos, sem ter de alterar os meios processuais. Paralelamente, como meio mais rápido de exploração formal, foi introduzido um modelo físico paramétrico, permitindo a exploração de alternativas.

105 4. casos práticos – Die Poesie des Digitalen
36. A maioria das ferramentas disponíveis no software não executam um comando explícito de todas as alterações geométricas envolvidas, em alternativa, têm a capacidade de alterar a geometria de forma intuitiva e visual.

fig. 4.23. Render que ilustra a primeira abordagem paramétrica. Este modelo foi fundamental para entender a complexidade das alterações geométricas que seriam necessárias para formar os espaços fechados. O estudo paramétrico iniciou-se num exercício muito focalizado no problema específico das rotações dos painéis. Um método racional que resolve problemas dependentes isoladamente.

O modelo era constituído por vários painéis de cartão à escala 1/20 aos quais foram adicionados arames que serviam de elementos de fixação. Como material de suporte para fixação dos painéis escolhemos placa de poliestireno extrudido, a que permitiu ensaiar várias alternativas de configuração dos painéis no espaço.

A decisão de iniciar um processo paramétrico tem a ver com a dificuldade de modelar as centenas de painéis por processos manuais. Uma abordagem baseada em regras demonstrou-se mais adequada. Na fase final, foi mais importante definir as relações geométricas que os painéis deveriam ter entre si, do que estudar a disposição das áreas do programa. Por um lado, o programa apresentava algum grau de simplicidade e muitas decisões espaciais já tinham sido definidas à partida, por outro, a complexidade da definição paramétrica requereu a maioria do tempo disponível para o projecto. O estudo da organização funcional do programa avançou quando as relações geométricas e estruturais dos painéis tinham atingido um grau de dependência paramétrica que permitia a sua adaptação aos requisitos de organização funcional. Tendo sido feitos apenas estudos elementares sobre a organização funcional do programa numa fase inicial, deixando este estudo suspenso para o desenvolvimento do algoritmo paramétrico.

Se não tivesse sido considerado todo o processo de análise contextual, de requisitos funcionais e de interpretação criativa, a ideia de elaborar um modelo flexível antes de organizar minuciosamente as áreas funcionais, resultaria apenas num exercício formal. Esta opção justifica-se

106 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

devido à flexibilidade do programa que, em estudos anteriores, tinha sido dividido em pequenas áreas funcionais, que poderiam relacionar-se, se fossem dispostas proximamente e em pequenos núcleos.

A concretização de um modelo paramétrico requereu experimentação de numerosas alternativas geométricas e matemáticas, ao pretender-se alcançar um determinado efeito estético, funcional e estrutural. Mas essas alternativas esbarraram com limitações de software e com a nossa incapacidade de programar e de entender a complexidade geométrica proposta. Inclusivamente a ideia inicial não era mais do que uma sensação, algo conceptual e imaterial. A sua posterior materialização implicava rigorosa interpretação geométrica.

O processo iniciou-se pela criação de uma grelha bidimensional de pontos para a fixação dos painéis. Uma deformação introduzida pela geometria de meio elipsóide produzia o efeito de cúpula. A deformação consistia na translação vertical dos pontos até atingirem a superfície da geometria, à qual os painéis eram anexados, variando, em dois eixos, o seu ângulo de inclinação, de acordo com a sua altura, sendo esta relacionada com a posição na cúpula.

O resultado obtido era monótono e rígido (fig. 4.23). Muito distante do esboço geométrico proposto no modelo anterior (fig. 4.20), descomprometido do rigor necessário para a elaboração do projecto. A diversidade de deformações obtida no primeiro modelo, conferia maior variedade e dinamismo ao projecto. O passo seguinte foi a introdução de variações, aumentando a diversidade sensorial do projecto.

Em detrimento de estruturas elipsóides, foram introduzidas geometrias deformadoras geradas por uma sucessão de curvas - loft - de diferentes amplitudes, produzindo estruturas abobadadas, cuja escala variava de forma orgânica. A rigidez da grelha inicial de painéis foi quebrada pela introdução de alguns painéis no espaço, controlando a sua densidade por métodos de aleatoriedade e de pontos de atracção. Para regular a orientação dos painéis foram introduzidos critérios de proximidade, orientando os painéis para as faces das geometrias deformadoras mais próximas- lofts gerados a partir da sucessão de curvas. O conjunto dos painéis foi alterado na sua dimensão pela referência ao método de

107 4. casos práticos – Die Poesie des Digitalen

fig. 4.24. Combinação de visualização de métodos de programação com render final. Esquema que sobrepõe três diagramas. Uma imagem de renderização, as curvas e arcos usados para controlar as formas e uma imagem de renderização intermédia que relaciona a cor das curvas com as formas finais.

fig. 4.25. Geometrias de controlo paramétrico. Vários diagramas que relacionam as geometrias controladoras das formas com os seus desenhos em planta. São demonstradas três possibilidades.

fig. 4.26. Variações paramétricas. Duas imagens que mostram duas variantes obtidas pela alteração de parâmetros. As imagens têm o mesmo ponto de vista.

108 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

revelando-se um projecto cuja produção e impacto económico seriam incomportáveis, reflectindo-se, por falha de alternativas, em má qualidade do projecto. O segundo problema era de natureza técnica e consistia na dificuldade de estabelecer regras que contemplassem a rotação em dois eixos, as aberturas entre painéis e as dimensões, o que originava pequenas intersecções entre os painéis ou em aberturas excessivamente largas.

Foi ensaiada uma tentativa de solucionar o problema das intersecções entre painéis, ainda que tenha sido executada sem sucesso. Esta consistia na utilização de um algoritmo heurístico - generativo - com o objectivo de proceder a rotação individual dos painéis sobre dois eixos ortogonais

109
fig. 4.27. Planta do projecto. Podem ser observadas as várias áreas funcionais e a distribuição da malha de painéis, condicionada por várias transformações geométricas.

fig. 4.28. Perspectiva do interior do projecto. Através desta imagem híbrida - fotomontagem parcialmente renderizada - é possível formar uma ideia dos vários princípios de que se pretendia imbuir o projecto. As ideias são expressadas de uma forma teatral e encenada. Na imagem, são representados equipamentos multimédia e intervenções artísticas.

fig. 4.29. Modelo físico, fabricado por processos generativos, à escala 1/500.

Dada a escala, este modelo foi extremamente simplificado, sendo alguns painéis verticais suprimidos, a sua espessura aumentada e os painéis que formam os espaços fechados foram igualmente simplificados, assumindo uma forma definidora pela geometria de suporte da malha dos painéis. Este modelo foi fabricado por processos generativos e obtido no sítio da internet http://www.shapeways. com/

110 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

tendo como valor de fitness a avaliação do número mínimo de intersecções entre painéis. Este método falhou pelo grande número de painéis no projecto. Demonstrou-se inadequada a função de optimização para o domínio excessivamente elevado de soluções possíveis.

Ainda que a estruturação do projecto não tenha sido a ideal, o modelo paramétrico foi claramente bem sucedido, ao verificarmos que tínhamos obtido um algoritmo em que diversos parâmetros poderiam ser alterados, reestruturando todo o modelo de acordo com as regras estabelecidas. Esta faculdade demonstrou-se fundamental para o desenvolvimento do projecto. Sendo possível introduzir o organigrama funcional, confrontando-o, em tempo real, com a sua materialização em várias escalas. Qualquer modificação introduzida a qualquer momento, poderia ser testada de acordo com os valores fundamentais e variáveis do projecto.

A abordagem deste projecto foi peculiar na forma como foram usados os diferentes métodos postos à disposição. De certa forma, foi invertido o papel que cada elemento costuma desempenhar num processo tradicional. O modelo digital foi utilizado como meio rápido de exteriorizar soluções. Este foi o primeiro método a que recorremos para expressar as nossas ideias, tendo-se demonstrado mais adequado para modelar os níveis de detalhe impostos pela quantidade de elementos do projecto. A prática do esquisso teve maior importância para exteriorizar informações complexas e, por isso, substituiu recorrentemente os métodos rigorosos como a modelação digital avançada. Os modelos físicos revelaram-se pouco proveitosos, considerando a quantidade de detalhe que o projecto detinha, mas foram importantes como ferramentas que possibilitavam a experimentação de várias alternativas.

Generative Gestaltung

O curso Generative Gestaltung37 - Design Generativo - tinha como objectivo estudar linguagens de programação, tendo como instrumento o software Processing. Este software de linguagem textual de programação apresenta vantagens claras por incorporar visualização de resultados e ser extremamente flexível, sendo preferido por vários programadores

111 4. casos práticos – Generative Gestaltung
37. Curso frequentado pelo autor, na BauhausUniversität Weimar - Alemanha, em co-autoria com a colega Corina Puiu, da Roménia.

fig.

estrutura é formada pela cooperação mútua das barras à tracção e das barras à compressão. É conseguida uma relação de simbiose com capacidade de se manter estruturalmente intacta independentemente das forças actuantes exteriores. Difere do conceito pretendido por, no nosso caso, depender de forças exteriores.

Esta definição é conseguida pela emulação de um motor físico.

amadores e profissionais. O sistema predifinido de visualização consiste num plano bidimensional de coordenadas cartesianas, podendo este ser expandido para três dimensões com recurso a bibliotecas suplementares para técnicas de programação avançadas. O curso foi constituído por duas partes: formação inicial, cobrindo todos os princípios iniciais de programação, e posterior trabalho de projecto.

A orientação do trabalho de projecto consistia na criação de uma estrutura dotada de qualidade estética e com a capacidade de poder ser adaptada a vários contextos, mediante a alteração dos parâmetros constituintes do algoritmo.

Estrutura de crescimento aleatório.

• Crescimento ilimitado.

• Definir um valor máximo de compressão. Impede o crescimento da estrutura quando este for registado numa barra. Estrutura orgânica complementar.

• Se o ângulo da barra for diferente de zero e se a estrutura estiver em equilíbrio (subtracção da inclinação das barras à força resistente da tracção), há criação de um cabo.

• Definir um valor máximo de tensão. Quando o valor é alcançado, há criação de novos cabos.

Foi de particular interesse para o nosso estudo a capacidade de gerar uma estrutura por processos que implicassem uma grande participação computacional na criação da forma, com o objectivo de construir a estrutura por processos maioritariamente artificiais. Pretendia-se desenvolver uma solução com a capacidade de atingir um equilíbrio estrutural, tirando partido das resistências de tracção e de compressão.

Num processo paramétrico não é determinante o rigor dos valores numéricos introduzidos, devido a estes poderem ser posteriormente alterados sem anular o algoritmo estabelecido. Respeitando este princípio, o projecto apenas considerava a noção de equilíbrio numa perspectiva

112 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica
4.30. Diagrama de Tesnsegridade. Esta fig. 4.31. Diagramas representativos das regras iniciais propostas.

abstracta, sem a influência material e física, conscientes de que a distância que separava o projecto da realidade estrutural podia ser ajustada em qualquer momento, pela adição de regras ou manipulação paramétrica. O foco de atenção foi dado ao desenvolvimento de regras (fig. 4.31) que tivessem a capacidade de formular uma relação simbiótica entre duas entidades com características funcionais distintas que, coexistindo em equilíbrio, possibilitavam o desenvolvimento da estrutura.

Uma vez que a nossa formação em programação textual era muito limitada e a dificuldade da tarefa pretendida exigia capacidade de programação avançada, as regras escolhidas foram bastante elementares. Foram consideradas duas entidades, uma resistente a esforços de compressão - que apelidámos de barras - outra resistente a esforços de tracção - que apelidámos de cabos. A criação da estrutura desenvolvia-se por níveis, começando pela geração de barras, sendo a sua origem aleatória na dimensão de X e zero na dimensão Y, o seu comprimento aleatório e com grande domínio de variação e o seu ângulo de rotação restrito ao primeiro e segundo quadrantes, tendo a origem como referência - deste modo as barras apresentavam um sentido de crescimento vertical. Entre este nível e o próximo, a inclinação das barras era calculada. De acordo com os valores obtidos na etapa anterior, era iniciado um processo de geração de

113 4. casos práticos – Generative Gestaltung
fig. 4.32. Monitorização dos vários estados de evolução da solução. Duas amostras dependentes de diferentes sementes pseudo-aleatórias.

cabos, dentro de um domínio de tolerância que conduzia a que as barras que apresentassem maior verticalidade não necessitassem de cabos. Os cabos eram criados nos extremos das barras e ligados a outras barras de forma aleatória - ainda que a situação ideal seria a busca de ligações às barras mais verticais - de forma a simplificar ao máximo a solução. Após a geração de cabos, era executada uma operação matemática tendo como objectivo testar o equilíbrio da solução. Ao valor de inclinação das barras era subtraído o valor de inclinação dos cabos e novamente um processo de geração de cabos era iniciado se o equilíbrio da estrutura não estivesse

114 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica
fig. 4.33. e Imagens de renderização do projecto inserido numa volumetria esquemática. Pretendeu-se utilizar uma escala próxima à de um edifício, simulando uma fachada. fig. 4.34.

dentro dos limites estabelecidos. Neste processo, os segmentos de barras que se encontravam em equilíbrio eram excluídos do processo de geração de novos cabos, mas devido à solicitação de apoio de cabos responsáveis pelo equilíbrio de outras barras poderiam sofrer ajustes. Seguidamente, o valor da inclinação dos cabos era dado como critério para tornar mais vertical as barras que não apresentavam ainda estabilidade suficiente. Desta forma, era optimizado o processo de equilíbrio entre elementos, aumentando a probabilidade de alcançarmos resultados válidos.

Foi alcançado uma definição que gerava uma estrutura controlada

115 4. casos práticos – Generative Gestaltung
fig. 4.35. e Fotomontagens da estrutura inserida em espaços interiores. Pretendia-se simular divisões entre espaços. fig. 4.36.

pela atribuição de parâmetros, em que o seu processo de evolução podia ser monitorizado (fig. 4.32). Desta forma, a geração do projecto atingiu contornos maioritariamente artificiais, dado que a participação humana era definida inicialmente sem pretender orientar a geração formal para soluções previamente definidas, permitindo que o processo decorresse de forma autónoma. A participação humana podia ser feita através da atribuição de comandos de geração de barras suplementares e do controlo dos patamares de evolução, individualmente por atribuição de comandos no teclado numérico.

O processo de criação da forma foi alcançado através da computação de valores pseudo-aleatórios. Estes valores foram atribuídos a parâmetros como ângulos das barras, variação do comprimento das barras e direcção dos cabos. O uso de valores pseudo-aleatórios foi restringido para domínios que limitavam a variação de soluções e que considerávamos equilibrados. Fizemos ainda um processo de selecção manual dos melhores resultados obtidos, através da leitura dos valores da semente usada como valor de geração de pseudo-aleatoriedade. Os resultados das soluções demonstraram-se muito variáveis, tendo-se obtido estruturas funcionais e outras, que por insuficiência de regras de restrição dos domínios das soluções, se revelaram incoerentes.

116 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

Conclusões

Após a investigação realizada sobre teorias que se têm manifestado através do uso de ferramentas digitais, concluímos que as teorias baseadas nos processos - entendidas como programas de investigação sobre a aplicablidade arquitectónica de novas técnicas digitais - não são tão acutilantes como as teorias que evocam necessidades emergentes da sociedade contemporânea - como fins justificativos da aplicabilidade de novas técnicas digitais à arquitectura.

Consideramos que a orientação das teorias pragmáticas, que solicitam o uso das ferramentas digitais como auxílios processuais, são impulsionadas pelo alcance do arquitecto comum e pela arquitectura de corrente dominante. Concluímos que os limites de investigação que podem ser explorados no uso das ferramentas digitais impõem um programa de investigação teórica que transcende a análise imediata da performance processual, sendo exemplos dessa investigação teórica as propostas de unidade de estilo - Parametricismo - as formas multifuncionais derivadas do mimetismo dos processos naturais e as qualidades funcionais da forma manifestadas por novas técnicas construtivas.

Quanto à validação do Parametricismo, enquanto estilo, parece ser uma conclusão válida, se considerarmos a definição proposta por Schumacher de estilos como sendo programas de investigação da disciplina

117 Conclusões

da Arquitectura. Este estilo é concordante com as características da Autopoiese da Arquitectura e propõe soluções adequadas à sociedade contemporânea que se distinguem, por vezes de forma radical, dos estilos que se manifestaram após o Modernismo.

A transição do Parametricismo como estilo de vanguarda para a corrente dominante pertence ao domínio da especulação. Ainda que possam ser identificados argumentos persuasivos da sua transição, não é possível prever o seu futuro. O estilo implica o uso das ferramentas digitais como meio principal de design, refletindo-se nas principais vantagens deste em relação aos estilos do século XX.

Como solução alternativa à adopção de qualquer estilo ou teoria que envolva técnicas digitais, podemos concluir que é possível usar técnicas digitais como um recurso de optimização de aspectos técnicos em fases finais, ou como meio de refinar projectos em fases construtivas sem introduzir alterações que afectem os princípios estruturais do projecto.

Uma solução virtualmente independente de teoria seria a adopção de métodos racionais suportados pelas ferramentas digitais. A aplicação destes métodos é ainda precária, mas o benefício de um processo de design racional é independente do estilo. O estilo que mais beneficia deste método é o estilo Parametricista, pelo seu código de beleza que valoriza a correlação entre formas. Achamos, por isso, que existirá maior tendência da arquitectura que procura seguir um método racional de design em se subsidiar ao Parametricismo.

Considerando que a exploração criativa das ferramentas digitais na arquitectura contemporânea está numa fase de maturação, persiste a dúvida se a utilização de técnicas digitais criativas poderá originar estilos paralelos, não subsidiários ao Parametricismo, ainda que a adopção destas técnicas criativas pelos estilos de corrente principal actual possa não dar resposta às suas características definidoras. A reestruturação necessária na maioria dos estilos actuais poderá levar a uma alteração radical. Podemos considerar, ainda que a título indicativo, que estes atingiram a sua maturação antes do advento das técnicas digitais como processo criativo.

Seria contraproducente, para esta investigação, prosseguir com a

118 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

análise da epistemologia dos estilos em arquitectura. Para a nossa investigação, consideramos suficiente a definição de estilo como programa de investigação, proposta por Schumacher (Schumacher, 2012: 505). Paralelamente, ainda que possa ser feito um estudo rigoroso sobre a evolução dos estilos actuais, a exploração exaustiva de novas técnicas digitais implicará uma alteração de paradigma muito profunda no statu quo da Arquitectura. Esta conclusão é transversal, independentemente das teorias que possam ser utilizadas como meios de explicar a disciplina. Não preconizamos um determinado trajecto na evolução da arquitectura, pretendemos antes reflectir acerca do conflito existente entre a Arquitectura e a adopção de técnicas criativas digitais, propondo teorias de elevada racionalidade que gradualmente tornam mais credível uma mudança efectiva de paradigma.

As Técnicas

A categorização das ferramentas digitais em ferramentas de representação, ferramentas de gestão de informação (BIM) e ferramentas generativas é consensual segundo vários autores. Todavia, extrapolar acerca das implicações e significados das diferentes categorias pode revelar-se uma tarefa difícil, que implica o choque de mentalidades. A adaptação progressiva de ferramentas digitais ao processo de design já não é uma novidade. As ferramentas CAD já assistem a criação de desenhos há algumas décadas, tornando os processos mais rápidos. As ferramentas BIM são apenas um instrumento de trabalho que facilita a comunicação do projecto, revelando-se apropriadas em algumas situações e em outras não. Já as ferramentas paramétricas são técnicas que potenciam uma grande quantidade de processos dos quais podemos salientar os processos generativos. Estes foram identificados, nesta dissertação, como processos que divergem de outras práticas paramétricas, pois, na realidade, implicam geração artificial de forma.

Uma opção razoável seria adoptar a terminologia de ferramentas paramétricas em vez de ferramentas generativas. Em rigor, para se beneficiar da criação de forma por processos generativos é necessário recorrer a um método racional de design. O elemento catalizador que separa os

119 Conclusões

processos meramente paramétricos dos processos generativos é o método utilizado e não a ferramenta digital empregue, sendo esta comum a muitos outros processos. Esta categorização pretende discriminar o uso de ferramentas paramétricas como processo de refinação do projecto, do uso vocacionado para processos de emersão formal que usam ferramentas digitais como meios de design, como são exemplos o design baseado em regras e métodos racionais de geração formal bottom-up. No entanto, a terminologia ferramentas generativas é muito usada, tendo-nos parecido ser contraproducente adoptar outra designação na nossa investigação. Em alternativa a opção de separar os conceitos em questão não pretende impor o uso de um termo específico, mas explicar o conceito exaustivamente para que não sejamos induzidos em erro, pelos significados imediatos que a terminologia pode suscitar.

A imprecisão que se tem gerado em torno das características das ferramentas digitais e o fracasso de alguns projectos em atingirem a sua materialidade têm contribuido para a estagnação do pensamento crítico e geração de dogmas. Actualmente, dispomos de tecnologias inovadoras que podem integrar o processo criativo. A adopção destes métodos entra em conflito com os ideais de quem já estabeleceu que o uso de tecnologias digitais se deve restringir ao melhoramento de operações de desenho, como a repetição ou eliminação de elementos. De facto, a mudança de paradigma que é inerente ao uso das ferramentas digitais tem implicações radicais a vários níveis, apresentando-se como um grande desafio para quem toma contacto com o tema pela primeira vez.

Não existem grandes dúvidas sobre as capacidades de modelação e manipulação de informação que as tecnologias paramétricas estão aptas a processar. Independentemente do contributo de algumas tecnologias para a eficiência da tarefa de projectar, persiste a dúvida de saber se será possível, ou mesmo necessário, recorrer a estes meios de forma proveitosa para a Arquitectura. Segundo o nosso estudo de casos múltiplos, concluímos que esta dúvida só pode ser respondida caso a caso, isoladamente, excluindo-se a generalização.

Actualmente, o poder computacional é virtualmente gratuito, mas adquirir o software necessário para solucionar cada problema pode

120 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

revelar-se fora do alcance - económico e produtivo - do arquitecto comum. Uma alternativa seria optar pela prática de programação, tirando-se partido da informação open source. Contudo, a tarefa de programar pode demonstrar-se demasiado exigente, se não existir o conhecimento e a prática adquiridos ao longo de vários anos. Virtualmente, qualquer tarefa pode ser programada sem necessidade de softwares dispendiosos. Mas a crescente complexidade das tarefas que os softwares actuais conseguem desempenhar constitui uma limitação à sua programação de raiz.

A tendência de maior abertura a técnicas de programação nas ferramentas digitais é travada pelas limitações comerciais dos softwares. Ainda que existam interfaces mais preparados para técnicas de programação, estes raramente são distribuídos em código aberto - open source - de forma a proteger os direitos de autor e o valor comercial dos softwares. Esta limitação dificulta o entendimento das ferramentas e a sua manipulação. A alternativa actual é, na maioria dos softwares, a integração de linguagens de programação auxiliares - não nativas - para superar possíveis necessidades não contempladas previamente.

A aplicação prática de linguagens de programação não nativas é, na maioria dos casos, extremamente limitativa. Implica o domínio de dois métodos em simultâneo, em que um - o nativo - é usado em situações normais e outro é usado apenas quando o nativo falha na execução da tarefa pretendida. Nesta situação, o utilizador depara-se com a necessidade de esgotar todas as possibilidades de resolver os problemas pelos métodos convencionais - linguagem nativa - que usa de forma fluente no decorrer do processo. Normalmente, quando existe um problema que obrigue a abandonar a linguagem nativa, ele é de ordem superior a qualquer outro que tenha surgido em situações comuns. Seguidamente, o utilizador tem de resolver um problema de grau de dificuldade elevado numa linguagem de programação que não utiliza frequentemente, aumentando ainda mais o grau de dificuldade do problema.

O conflito entre linguagens nativas e linguagens de programação auxiliares é muito comum, tendo marcado presença constante no decorrer dos casos práticos apresentados. Com efeito, este conflito revelou-se

121 Conclusões

como um dos obstáculos mais difíceis de ultrapassar no desenrolar do processo. Se, por um lado, podemos dispor de algum tempo e empenho para solucionar esta questão - com linguagens não nativas - por outro, encontrar uma alternativa dentro das possibilidades das linguagens nativas - ainda que não seja totalmente concordante com as nossas expectativas - é, frequentemente, a solução que mais se ajusta aos factores condicionantes do projecto - como os prazos de conclusão. Neste sentido, podemos inferir que as possibilidades oferecidas por um software são, muitas vezes, determinantes no resultado final. Como tal, a melhor alternativa será deter o máximo de conhecimento sobre informática, para que os processos decorram independentemente dos condicionalismos de softwares.

Contexto

Ainda que muitos projectos que recorrem a tecnologias digitais tenham sido concretizados, estabelecendo uma demarcação dos projectos que ambicionam temas mais especulativos, o êxito destes projectos tem nos valores instituídos um entrave que tem vindo a ser superado muito gradualmente. Os valores instituídos não reconhecem a racionalidade das teorias. Estes baseiam-se no conhecimento das práticas, com décadas de produção de arquitectura pós-industrial, a forma como a informação é partilhada, os valores culturalmente aceites, o conceito instituído de funcionalidade, os valores comerciais, de mercado e logísticos, entre outros, de uma lista interminável de implicações directas e indirectas na materialização de projectos.

O confronto entre teorias e os valores instituídos não é, de forma alguma, exclusivo das novas tecnologias e não implica que pela sua aceitação que a qualidade da arquitectura seja melhorada. O mundo moderno tem vindo a conhecer, de uma forma progressiva, alterações estruturais que afectam a sua organização de forma radical. O que estas alterações têm em comum é a forma lenta como foram planeadas e progressivamente integradas na sociedade. Ainda que o mundo moderno esteja repleto de novidades radicais, são raras as novidades que não foram fruto de um lento processo de investigação que decorreu ao longo de

122 Processos Virtuais - Aplicação de técnicas digitais e a sua sustentação teórica

anos ou mesmo décadas. Certamente seria impossível imaginar a arquitectura contemporânea sem a invenção do elevador, rompendo com os valores instituídos da construção horizontal. As inovações tecnológicas actuais têm a capacidade de alterar a sociedade de forma radical, mas prevemos que se processe muito lentamente, deixando margem para a sua progressiva infiltração no mundo moderno, sem se esperarem abalos profundos dos valores instituídos. Podemos, no entanto, orientar-nos pelo sucesso que novos processos introduzidos têm alcançado em alguns projectos.

A influência de técnicas digitais na arquitectura tem sido assinalável, contando já com mais de uma década espalhada por todo mundo e seguindo várias orientações teóricas e processuais. Não obstante, os primeiros casos foram exclusivos de um sector mais poderoso economicamente, que iniciou esta prática demarcando-se das restantes. Num passado recente, iniciou-se a prática de arquitectura digital por um sector economicamente menos poderoso. Apresentando-se como um método de afirmação do trabalho realizado por pequenas empresas de arquitectura e em meios académicos. Sendo exemplo alguns dos casos de estudo analisados, como o curso Bridging the gap, que poderia ser construído sem grande investimento económico.

Os arquitectos pertencentes aos sectores mais poderosos economicamente podem ser vistos como os veículos que abrem caminho à investigação. Sem o seu contributo, seria impossível superar os valores instituídos no mundo moderno e na estrutura capitalista. Existe uma clara diferença de rapidez de processos entre um grupo de arquitectos que possa adquirir software e hardware de topo e contratar técnicos especializados dos restantes grupos económicos.

Casos práticos

Retiramos conclusões diversas da análise de casos práticos, sendo cada caso útil isoladamente. Estas conclusões variam relativamente ao valor das técnicas digitais, à aplicação de diferentes processos, à aplicação de métodos racionais e à maior valia de processos de produção digital.

O projecto Bridging the gap foi um dos projectos em que menos

123 Conclusões

tiramos partido das capacidades generativas dos softwares paramétricos. Neste curso, as ferramentas digitais foram usadas de forma a rentabilizar o processo de exteriorização das soluções previamente definidas, recorrendo a métodos que necessitam de poucos argumentos para sustentar a sua validade.

A criação de variações de elementos e respectivos encaixes entre elementos foram executados através de regras restritivas, programadas com a flexibilidade de permitir posterior experimentação formal sem destruir as relações previamente definidas. Estabelecemos um processo de refinação entre a forma inicial, encontrada intuitivamente, e as solicitações emergentes durante todo o processo. Este projecto permitiu comprovar o valor de um método híbrido, tirando partido das técnicas CAD e paramétricas em simultâneo, como as curvas extraídas das geometrias CAD e a sua posterior divisão controlada por parâmetros.

O projecto Between Thought and Expression foi importante na descoberta de novos processos criativos, para além de expandir o conhecimento de técnicas digitais que podem ser usadas - como B-Splines. Este projecto revelou-se particularmente interessante no processo como se conseguiu originar forma funcional através de princípios meramente expressivos. Ainda que não tenha sido determinante o uso de ferramentas paramétricas neste projecto, as técnicas B-Splines foram fundamentais para conceber as formas fluídas do projecto.

No projecto Die Poesie des Digitalen, recorremos exaustivamente às capacidades paramétricas, construindo um nível de complexidade geométrica que só poderia ser alcançado através do recurso a meios digitais. Este projecto demonstrou-se difícil de solucionar. Foram encontrados problemas que implicavam o desenvolvimento de operações informáticas e conceptuais em simultâneo. A pouca experiência informática e os baixos recursos computacionais dificultam o desenvolvimento conceptual do projecto.

Foram identificadas alternativas que envolviam melhor integração estrutural dos elementos construtivos e melhores capacidades funcionais no projecto Die Poesie des Digitalen. Uma destas potenciais soluções consistia na intersecção de painéis com o objectivo de produzir uma solução

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estrutural e formalmente dependente. Composta por cruzamento em sistema waffle de painéis horizontais e painéis verticais - com rotações e mudanças de escala graduais - em simultâneo um algoritmo heurístico seria introduzido para tornar planas as superfícies afectadas pelas rotações dos painéis. Esta solução foi ensaiada com sucesso, sem que tenha sido concluída a tempo de figurar nesta investigação.

O aspecto mais bem conseguido deste projecto foi a forma como foi adoptado um método racional de design, permitindo desenvolver em separado o projecto formal, o projecto funcional e o projecto organizacional do programa. Os diferentes projectos foram apenas adicionados numa fase final e as soluções optimizadas dos sub-problemas foram introduzidas em simultâneo e de forma flexível.

Embora em nenhum projecto tenha sido usado um algoritmo heurístico como meio criativo, o processo usado no projecto Generative Gestaltung consistiu, de forma muito clara, num método generativo. Ainda que a pouca experiência da linguagem de programação - do software Processing - tenha sido um impasse ao desenvolvimento conceptual do projecto - sem por isso ter condicionado os objectivos do curso, que foram alcançados com excelência - este projecto foi um exemplo em que foram aplicados métodos de geração. Não existiam expectativas em obter formas exactas, mas tínhamos o maior interesse em criar um processo que pudesse ser controlado e monitorizado, originando diferentes resultados de cada vez que era accionado. Através deste projecto, conseguimos experimentar um método generativo, concluindo que este método é verdadeiramente divergente de outros métodos paramétricos.

Perspectivas para o futuro

O conhecimento de diferentes linguagens de programação é um grande desafio, especialmente para quem apenas nas fases académicas mais avançadas inicia o seu estudo. Em contrapartida, os softwares mais comuns são progressivamente mais intuitivos, podendo ser manipulados com relativo grau de eficácia com um período de aprendizagem reduzido, dependendo da experiência de cada utilizador e da complexidade do software. Para se adquirir uma capacidade sólida em explorar

125 Conclusões

ferramentas digitais avançadas é necessário adquirir o máximo de conhecimento sobre linguagens de programação. Elas são o meio através do qual se consegue produzir resultados mais específicos. Desta forma, aperfeiçoar o conhecimento destas ferramentas e adicionar mais variantes de programação às que já são conhecidas, será um investimento que dará frutos quando surgirem necessidades informáticas complexas ao longo da actividade profissional.

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