Capitania Geral dos Açores

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ESPECIAL

ANGRA DO HEROÍSMO


ESPECIAL ANGRA DO HEROÍSMO

Em que conjuntura surgiu a Capitania-Geral dos Açores?

O que era a Capitania-Geral dos Açores? A Capitania-Geral dos Açores foi uma estrutura político-administrativa de governação dos Açores, criada por Decreto de 2 de Agosto de 1766. A criação da Capitania-Geral era um reflexo do centralismo do Estado iluminista e despótico subjacente às chamadas reformas pombalinas da administração portuguesa, levadas a cabo durante o reinado de D. José I de Portugal, por iniciativa de Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, então primeiro-ministro. A Capitania-Geral teve a sua sede no hoje denominado Palácio dos Capitães-Generais, na cidade de Angra, sendo encabeçada por um capitão-general, com o título majestático de Governador e Capitão-General dos Açores. As competências deste cargo alargavam-se à administração civil, à justiça, à fazenda, ao fomento e mesmo, com as restrições impostas pela presença do bispo, à administração dos assuntos religiosos. Igualmente, ao Capitão-General estavam atribuídos poderes vastos e meios excepcionais de controlo dos poderes locais, incluindo a tutela imediata sobre as câmaras municipais, o que rompia com a tradição secular de autonomia das autarquias açorianas. A Capitania-Geral colocou termo à total separação entre capitanias e concelhos, que até ali vigorara e que era tão querida das elites insulares. Semelhante às capitanias gerais espanholas nas Américas, a Capitania-Geral dos Açores era um governo fundamentalmente militar, assente sob um comando unificado das forças existentes no território. A Capitania-Geral, que se manteve por 65 anos, foi extinta pelo Decreto n.º 28, de 4 de Junho de 1832, assinado em Ponta Delgada por D. Pedro IV, embora tenha efetivamente deixado de funcionar como tal em 1828, com o desencadear dos movimentos revolucionários que levariam à Guerra Civil Portuguesa (1828-1834). A extinção deu lugar à Província dos Açores, uma estrutura administrativa efémera que colapsaria nos anos imediatos.

Retrato de D. José I.

Estabelecida desde o século XV, a administração dos Açores estava assente num conjunto de capitanias, entregues aos capitães do donatário que, de forma autónoma entre si, efetivamente governavam as ilhas. Paralelamente, seguindo a Casa do capitão do donatário (na rua do forte tradição municipalista Marquês). portuguesa, os Açores foram rapidamente estruturados em concelhos, com os seus órgãos municipais a assumirem boa parte da condução da governança local. Em 1495, com a subida ao trono do rei D. Manuel I de Portugal, o donatário das ilhas de então, a donataria ficou incorporada na Coroa, deixando de ser clara a destrinça entre poder real e poder do donatário. A mudança provocou desordem na administração açoriana, sobretudo na área da fiscalidade e da justiça. Assim, a instituição da Capitania-Geral dos Açores em 1766 foi motivada pelo modelo, considerado ineficaz à luz do tempo, do governo dos capitães do donatário que acusados de utilizar as rendas em proveito próprio em vez de as aplicarem na defesa das ilhas, não permanecerem nas suas capitanias, privando os povos de um governo exercido com a regularidade que uma boa administração requeria e de durante a sua ausência deixarem a justiça nas mais dos juízes ordinários, que eram influenciados por parentes e amigos. Além disso, não tinham a técnica militar necessária para prepararem as guarnições insulares.

Quais eram as competências dos capitães-generais? O Alvará de Lei e Regimento que cria a Capitania-Geral dos Açores continha 17 artigos, fixando as competências do novo cargo e delimitando a esfera de ação do capitão-general. As competências do capitão-general repartiam-se por diversas áreas de atuação, nomeadamente: Governança militar: À semelhança dos generais do Reino, o capitão-general governava as Armas da Província. Esta competência foi ampliada e regulamentada pelas alterações introduzidas em 1799, que fixaram uma nova orgânica militar para os Açores. Retrato de Marquês de Pombal.

Governança política e civil: Tinham a tutela sobre as câmaras municipais, que incluíam poderes de supervisão direta e de avaliação do desempenho dos juízes de fora que a elas presidiam. O capitão-general tinha também competências em matéria de obras públicas e fomento, cabendo-lhe cuidar dos portos e estradas e tomar as medidas necessárias ao desenvolvimento da Capitania. Em 1817 foi criada uma Junta da Agricultura, também presidida pelo capitão-general, à qual cabia conduzir a política de fomento agrícola, em particular a arroteia dos baldios, uma das políticas que mais descontentamento criaria. Administração da justiça: O capitão-general presidia à Junta Criminal, o tribunal superior do arquipélago, podendo aplicar penas até à pena capital, decidindo recursos e petições. Administração fiscal: O capitão-general presidia à Junta da Fazenda, que superintendia na administração fiscal e na autorização da despesa pública. Apesar de não poder criar novos cargos, o capitão-general podia nomear interinamente os funcionários nos cargos que vagassem, ficando o provimento definitivo pendente de aprovação régia. Também não podia autorizar despesas que não estivessem legalmente previstas.

Retrato de D. Antão de Almada, primeiro capitão-general dos Açores.

Regulamentação das leis: O capitães-generais não tinha poderes legislativos, podendo contudo regulamentar as leis, criando regimentos e regulamentos vários, alguns dos quais com grande relevância. Com a invasão de Portugal por forças francesas e a consequente transferência da corte para o Rio de Janeiro, o capitão-general de então, D. Miguel António de Melo, assumiu poderes extraordinários, alterando algumas leis, sendo o único capitão-general que exerceu poder legislativo.


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Quais foram as fases da Capitania-Geral dos Açores? Apesar da relativa estabilidade normativa de que gozou durante a maior parte da sua existência, a história da Capitania Geral dos Açores apresenta três períodos distintos: 1766 – 1799 Este período compreende os governos dos dois primeiros capitães-generais, e termina com o governo interino de seis anos que se lhes seguiu. Foi a fase de montagem da máquina administrativa e política da Capitania-Geral, que incluiu a adaptação do antigo Colégio dos Jesuítas para Palácio dos Capitães-Generais, a reformulação da administração municipal e o esvaziamento do que ainda restava do poder dos capitães-do-donatário. 1799 – 1821 Com a nomeação de D. Lourenço José Boaventura de Almada, a Capitania-Geral entra então no seu período de maior estabilidade, mantendo-se assim até 1821, pesem embora as dificuldades resultantes das guerras napoleónicas, da fuga da Corte portuguesa para o Brasil e da independência norte-americana. 1821 – 1832 Fase final da Capitania-Geral, durante a qual a sua história se confunde com o processo revolucionário que levaria à implantação do liberalismo nos Açores e à formação da Regência de Angra. Apesar da Capitania Geral ter ficado na história como uma organização política típica da intervenção colonial e centralista imposta aos açorianos e por eles fortemente combatida, por anular as tradicionais liberdades municipais e das capitanias insulares, é justiça lembrar que à sua existência se deveu um importante impulso dado às atividades económicas no arquipélago e mesmo uma tentativa de reforma agrária, com a introdução de novas culturas, entre as quais a batata e o milho, o controlo de pragas agrícolas e de animais daninhos e a racionalização, ainda que fortemente contestada, da utilização dos baldios. No âmbito das suas atribuições, a Capitania-Geral interveio na circulação monetária, tradicionalmente caótica nos Açores, impôs medidas reguladoras das exportações, criou uma Junta de Melhoramentos Agrícolas, construiu estradas (com relevo para a Reta da Achada), promoveu projetos portuários e desencadeou a primeira campanha de vacinação pública, conseguindo debelar a varíola que de há muito periodicamente flagelava as populações insulares.

Quem foram os capitães-generais? Ao longo da sua história, a Capitania-Geral dos Açores foi encabeçada por seguintes capitães-generais: 1766 – 1774 D. Antão de Almada; 1774 – 1793 Dinís Gregório de Melo Castro e Mendonça; 1793 – 1799 Governo Interino presidido pelo bispo D. frei José da Avé-Maria Leite da Costa e Silva e pelo corregedor de Angra, Dr. Manuel José de Arriaga Brum da Silveira (substituído em 23 de maio de 1795 por Luís de Moura Furtado e em 9 de julho do mesmo ano por José Acúrsio das Neves). Por sua vez o bispo, alegando velhice e doença, solicitou insistentemente a sua substituição, mas nunca foi atendido, sendo porém substituído interinamente no governo, a partir de 1796, devido a doença, pelo deão Mateus Homem Borges da Costa; 1799 – 1804 D. Lourenço José Boaventura de Almada, conde de Almada; 1804 – 1806 D. José António de Melo da Silva César de Menezes, conde de São Lourenço; 1806 – 1810 D. Miguel António de Melo, conde de Murça; 1810 – 1816 Aires Pinto de Sousa Coutinho; 1816 – 1820 Francisco António de Araújo e Azevedo; 1820 – 1821 Francisco de Borja Garção Stockler (1.ª vez); 1821 – 1822 Junta Provisória do Supremo Governo das Ilhas dos Açores; 1823 – 1824 Francisco de Borja Garção Stockler, 1.º barão da vila da Praia (2.ª vez); 1824 – 1828 Manuel Vieira de Albuquerque Touvar; 1828 – 1828 Governo Interino; 1828 – 1829 Junta Provisória; 1828 – 1831 Henrique da Fonseca de Sousa Prego, pelo partido miguelista, governando em Ponta Delgada; 1829 – 1832 D. António José de Sousa Manoel de Menezes Severim de Noronha, conde de Vila Flor e futuro duque da Terceira, pelo partido liberal, na sede da capitania, em Angra. Foi o último capitão general, governando até à extinção da Capitania Geral dos Açores.

Palácio dos Capitães-Generais, sede da Capitania-Geral dos Açores.

Porque se extinguiu a Capitania-Geral dos Açores? A fase final da Capitania-Geral iniciou-se com o vintismo (situação política que dominou Portugal entre agosto de 1820 e abril de 1823, caracterizada pelo radicalismo das soluções liberais e pelo predomínio político das Cortes Constituintes), quando os efeitos da Revolução Liberal do Porto chegaram aos Açores e fizeram desabrochar o descontentamento que a Capitania-Geral gerara. O primeiro sinal da extinção surgiu na madrugada de 1 de março de 1821, quando um grupo de liberais conseguiu aliciar a guarnição do Castelo de São Brás (Ponta Delgada), que aos gritos de «Viva a Constituição» e «Viva a independência de São Miguel», implantou naquela cidade um Governo Interino, deixando de obedecer à Capitania-Geral. O capitão-general, Francisco de Borja Garção Stockler, tentou resistir fazendo uma proclamação aos micaelenses, que contudo não surtiu efeito. O ódio ao governo da Terceira era demasiado forte, já que a Capitania-Geral fora sempre muito contestada nas outras ilhas, principalmente pelos micaelenses que se consideravam amesquinhados pela secundarização política e subordinação a Angra, quando a ilha de São Miguel já era o principal centro social e económico do arquipélago. Para piorar a situação, a 1 de abril do mesmo ano, um levantamento militar em Angra destituiu Stockler, que se refugiou na vila da Praia, recolocando em funções o anterior capitão-general, Francisco António de Araújo e Azevedo. A vitória liberal durou apenas três dias, pois na sequência de um contragolpe, Azevedo foi morto e Stockler voltou ao poder. A Capitania-Geral foi temporariamente extinta pelas Cortes em 1822, e restabelecida e reorganizada com uma nova comarca da Horta, pelo rei D. João VI, em 1823. A estrutura durou, com grandes dificuldades, até 1830, quando se estabeleceu em Angra a regência do reino. O poder central, resistiu enquanto pôde à ideia de acabar com o governo centralizado, considerando-o mais eficiente do que a divisão administrativa por ilhas ou por grupos de ilhas. A Capitania-Geral deixou de funcionar como órgão político a partir de 1828, embora só tenha sido formalmente extinta a 4 de junho de 1832. Foi então substituída pela Província dos Açores que, subdividida pouco depois, deu origem aos distritos que perduraram até 1975.


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09h30 | SESSÃO DE ABERTURA Intervenção do Presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira João Maria Mendes Intervenção do Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo Álamo de Meneses Lançamento da Medalha Comemorativa dos 250 anos da Criação da Capitania Geral dos Açores Rúben Quadros Ramos, sócio subscritor do Instituto Histórico da Ilha Terceira e autor da medalha 10h00 | CONFERÊNCIA DE ABERTURA “O apogeu do centralismo e a emergência da autonomia. Reflexões sobre a Capitania Geral dos Açores.” Avelino de Freitas de Meneses, sócio honorário do Instituto Histórico da Ilha Terceira 10h40 | PAUSA PARA CAFÉ 1º PAINEL Moderado por José Damião Rodrigues 11h00 | “A Capitania Geral 250 anos depois. Uma breve reflexão sobre o regime.” Ricardo M. Madruga da Costa, Investigador integrado do Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa / Universidade dos Açores) e sócio efectivo do Instituto Histórico da Ilha Terceira 11h30| “Poderes, Instituições e Território Insular. 1766-1834.” Alberto Vieira, Investigador-coordenador do Centro de Estudos de História do Atlântico, investigador do Centro de Investigação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e sócio correspondente do Instituto Histórico da Ilha Terceira 12h00 | Debate 12h30 | PAUSA PARA ALMOÇO 2º PAINEL Moderado por Alberto Vieira 14h30 | “A importância da Capitania-Geral na Evolução Económica dos Açores: O caso da Agricultura” João Madruga & Alfredo Borba, Universidade dos Açores / Sócios efectivos do Instituto Histórico da Ilha Terceira 15h00 | “As tropas da Capitania-Geral.” Manuel Faria, Sócio honorário do Instituto Histórico da Ilha Terceira 15h30 | PAUSA PARA CAFÉ 15h45 | “A Junta da Fazenda e contratos régios.” Margarida Vaz do Rego, Centro de História d’Aquém e d’Além-Mar, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa / Universidade dos Açores e Sócio correspondente do Instituto Histórico da Ilha Terceira 16h15 | “A instituição da Capitania Geral dos Açores no contexto dos reformismos setecentistas.” José Damião Rodrigues, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e sócio correspondente do Instituto Histórico da Ilha Terceira 16h45 | Debate 17h00 | SESSÃO DE ENCERRAMENTO “A segunda tentativa: uma reflexão.” Álvaro Monjardino, 5.º Presidente do Instituto Histórico da Ilha Terceira

Angra, capital da Província dos Açores Decreto de 28 de Outubro que declara Angra a Capital da Província dos Açores: “Tendo sido esta cidade condecorada com o titulo de «muito nobre e sempre leal cidade de Angra», pelos feitos heroicos praticados por seus fieis habitantes na restauração de Portugal em 1641, e tendo outrosim estas ilhas sido declaradas adjacentes ao reino de Portugal por alvará de 26 de Fevereiro de 1771, e ultimamente contempladas como província do reino (§. 1.º, artigo 2.º, titulo I da carta constitucional): ha por bem esta junta provisoria, encarregada de manter a legitima auctoridade de el-rei o Senhor D. Pedro IV, declarar, em nome do mesmo augusto senhor, que todas as nove ilhas dos Açores são uma só e unica provincia do reino, e que esta cidade de Angra é a capital da provincia dos Açores. As auctoridades a quem competir assim o tenham entendido, cumpram e façam executar, e o Secretario dos Negocios Interinos faça dirigir copia d’este decreto ás estações competentes e auctoridades na fórma do estylo. Angra, 28 de outubro de 1828.” = Deocleciano Leão Cabreira = João José da Cunha Ferraz = José Antonio da Silva Torres = Referendado. = Alexandre Martins Pamplona.

“A política pombalina para os Açores foi efectivamente a que trouxe a mais radical alteração político-administrativa que alguma vez se operara nestas ilhas. Extinguia a velha instituição das donatarias do séc. XV, que não obstante serem obsoletas e há muito terem esgotado a sua eficácia, continuavam a ter plena inserção na ordem jurídica. Instituía a figura dum Governador e Capitão General que assumia, como se pode ver pelo seu regimento e pelas instruções secretas para sua orientação, um vasto poder que se estendia da acção política à militar e à administração da justiça, controlando ainda a vida económica através duma política fortemente intervencionista em todas as actividades produtivas. À imagem do modelo metropolitano, este novo governo era fortemente centralizador e burocrático, criando uma complicada rede administrativa que se amarrava às repartições centrais, situadas na cidade de Angra, que passou a ser a capital dos Açores, assento e residência dos Governadores, dos Tribunais Superiores e da Junta da Fazenda, numa visão administrativa típica do século XVIII e do despotismo iluminado, com o seu horros às organizações descentralizadas e aos poderes locais, tidos como geradores de agitações e desordens prejudiciais ao bem estar social e à ordem pre-estabelecida.” José Guilherme Reis Leite, O Códice 529 - Açores do Arquivo Histórico Ultramarino: a Capitania-geral dos Açores durante o Consulado Pombalino, Angra do Heroísmo, Secretaria Regional de Educação e Cultura, 1988, p. 13.


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