ENTA À PRESIDÊNCIA E SINGULARIDADES DE USO

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Quando J.M. Costa refere "femininos com similar formação, como "governanta", "infanta"", faço notar que estas palavras não terminam em -enta, mas em -anta, não sendo o masculino -ente, mas -ante. A "similar formação" é aparente e importante, mas é conveniente distinguir a importância da diferença. Daí, Cunha & Cintra (p. 195) referirem-se a -nte, não serpenteando por -ente nem por -ante. O -ante em infante é um falso sufixo: não é -ante, mas -fante, do latim "fari" (falar). In-fante significa "que não fala", tal como prefaciar significa "falar no princípio". Infanta impôs-se, mas -ante não é sinónimo de -ente. Uma governanta e uma governante têm funções diferentes: a governanta governa uma casa, a governante governa um país. Continuando em -ante, elefante entrou no português através do latim e neste através do grego (έλέφας, marfim). Não havendo sufixo comum que permita uma explicação com regra comum, como em -ente, abriu-se a porta à flexão do género em -ante. Convém igualmente distinguir que alifante era usada até ao século XVI, tendo a relatinização do português permitido que Cunha & Cintra tivessem apresentado como excepção à "igualdade formal" elefante/a e não alifante/a. 2 - No Diário de Notícias de 1.7.2011, a propósito de crónica de Vasco Graça Moura sobre o instrumento a cujo nome não aludo, J.M. Costa refere o seguinte: "não é razoável a persistência em argumentos inexactos, como, por exemplo, na questão da queda das consoantes "c" e "p" das sequências "cc", "ct", "pt", etc.". Salvo melhor opinião, o que "não é razoável" é a persistência de J.M. Costa em considerar opiniões não fundamentadas mais exactas do que conclusões de quem estuda esta matéria. O pecado não é original, note-se, mas convém não perpetuar a erva daninha semeada pelos adeptos do instrumento sem referências, que convém abandonar e cujo nome não menciono. Aproveito os caracteres que me restam para informar que cobarde/covarde, febra/fevra, louro/loiro, ouro/oiro e afins não são variantes ortográficas, pois a sua "diferença" não remete para a grafia, mas para certos usos da fala ocorridos num determinado período. Cobarde e covarde não foram criadas por instrumento ortográfico, mas por pronunciações (e não "pronúncias") diferentes do "u" de couard (fr. antigo para cauda); oiro e loiro coexistem com ouro e louro, mas a corruptela "au" → "ou" → "oi" ocorreu no século XVI, porventura por influência judaica: por exemplo, na Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente, os judeus Latão e Vidal usam hoiver, coisa, oiço e usam-nas em discurso oral, não em registo escrito. Afinal de contas, o teatro é o palco da oralidade por excelência. Detenhamo-nos nesta ideia de indistintamente se poder usar fevra (e fêvera - J.M. Costa esqueceu-se de fêvera), covarde e oiro, quando na consulta de dicionários que J.M. Costa apresenta como referências se verifica remissão para febra, cobarde e ouro. Parte-se do princípio (e só deste) de que quem dicionarizou considerou estas entradas como as da norma-padrão, em sã convivência com outras. A fronteira prescrição/descrição é matéria delicada. Contudo, estes exemplos não são, nem de longe nem de perto, comparáveis com as facultatividades ortográficas irrestritas criadas pelo tal instrumento que nem sob coacção citarei. Muitas destas explicações estarão inclusive no Ciberdúvidas, em respostas dadas a consulentes. Consulentes, note-se. "Os" ou "as" consulentes. Consulenta, tal como presidenta, não é norma-padrão, aquilo que popularmente se chama "português correcto". (*) Autor de Demanda, Deriva, Desastre - os três dês do Acordo Ortográfico (Textiverso, 2009) ................................................................ Nota do Bibliotecário: o autor não menciona, não grafa, não alude e não cita o nome do tal “instrumento”. Mas, o bibliotecário de serviço grafa, alude e cita o monstruoso instrumento pelo nome por que é conhecido: "acordo ortográfico de 1990" (em bom português, sempre com minúsculas).


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