A garota no trem paula hawkins

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Mas, pensando bem, ele me enganou sim, não foi? Quando me contou que tinha conversado com Rachel pelo telefone, que ela parecia melhor, quase feliz, não duvidei nem por um momento. E quando ele chegou em casa na segunda à noite, e eu perguntei como tinha sido seu dia, e ele me contou de uma reunião muito cansativa pela manhã, eu ouvi o que me disse sem questionar, em nenhum momento suspeitando de que não havia reunião nenhuma, que o tempo todo ele esteve num café em Ashbury com a ex-mulher. É nisso que estou pensando enquanto esvazio a lava-louças, com muito cuidado e atenção, porque Evie está tirando uma soneca e o barulho de talheres batendo em cerâmica pode acordá-la. Ele me engana sim. Sei que ele não é sempre cem por cento honesto a respeito de tudo. Penso naquela história dos pais dele — que ele os convidou para o casamento, mas eles se recusaram a comparecer por estarem com raiva por ele ter largado a Rachel. Sempre achei isso estranho, porque, nas duas ocasiões em que conversei com a mãe dele, ela parecia tão feliz em estar falando comigo. Era gentil, interessada em saber mais sobre mim, sobre Evie. — Espero poder conhecê-la em breve — disse ela, mas, quando contei isso a Tom, ele fez pouco caso. — Mamãe está tentando me fazer convidá-los para vir aqui — retrucou — só para ela poder recusar. Jogos de poder. A mim ela não pareceu ser uma mulher que gostava de jogos de poder, mas não insisti. As dinâmicas da família alheia são sempre tão impenetráveis. Ele deve ter seus motivos para mantê-los a distância, sei que tem, e com certeza esses motivos estão centrados em proteger a mim e a Evie. Então por que estou me perguntando agora se isso era mesmo verdade? É essa casa, essa situação, tudo o que tem acontecido aqui — estão me fazendo duvidar de mim mesma, de nós dois. Se não tomar cuidado, vou acabar enlouquecendo, vou acabar igual a ela. Igual à Rachel. Estou aqui sentada esperando a hora de tirar os lençóis da secadora de roupas. Penso em ligar a televisão e ver se não está passando um episódio de Friends que eu não tenha visto trezentas vezes, penso em fazer meus alongamentos de ioga, e também no livro que está em cima da minha mesinha de cabeceira, do qual só li doze páginas nas últimas duas semanas. Penso no laptop de Tom na mesa de centro da sala. E então faço as coisas que jamais pensei que fosse fazer. Pego a garrafa de vinho tinto que sobrou do jantar de ontem e me sirvo de uma taça. Então vou à sala e pego o laptop dele, ligo e começo a tentar adivinhar a senha. Estou me comportando igual a ela: bebendo sozinha e espionando Tom. As coisas que ela fazia e ele detestava. Mas, ultimamente — mais especificamente, desde hoje de manhã — tudo mudou. Se ele vai mentir, então vou conferir o que anda fazendo. É justo, não é? Sinto falta de um pouco de justiça na minha vida. Então tento adivinhar a senha. Tento


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