Revista Gávea - 11ª Edição

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O Avesso das Coisas Aceito para publicação em junho de 1993. 0 artigo de Carmen Maia destaca a dinâmica tensa e reflexiva do trabalho de Cildo Meireles. Armando complexos paradoxos, o artista surge com o um au­ têntico propositor de questões, exatamente para de­ monstrar a fragilidade e instabilidade daquilo que se apresenta como "realidade". É esse posicionamen­ to crítico do trabalho que possibilita à autora traçar paralelos entre as obras de Cildo Meireles e Marcei Duchamp. Arte Contemporânea Arte Brasileira Cildo Meireles

CARMEN MAIA Graduada em Ciências Sociais (UFRJ), pós-graduada em História da Arte e da Arquitetura no Brasil (PUCRJ) e aluna do mestrado em História Social da C ul­ tura (PUC RJ).

O trabalho dc Cildo Meireles é uma poética do intrigante. Investigando os limites dados como "naturais", trama um verdadeiro jogo: o de erguer paradoxos cons­ tantes. O seu mundo lembra um mundo às avessas, subverte o senso do que se apresenta como a "realidade" e, em troca, nos oferece um real que é pura interpretação. A obra, no conjunto, produz uma evidência sutil. Primeiro, atrai e estonteia. Depois é como entrar num jogo em que não há regras prévias, sendo muitas contra­ ditórias entre si. De modo característico, opera uma série de deslocamentos complexos, ver­ dadeiros puzzles, com a história da arte, a física, a linguagem, a cultura popular, e, afinal, a política. Não pode existir, portanto, um único referencial para a obra de Cildo Mei­ reles. Ele utiliza materiais heterogêneos para explorar os limites formais, os limites da per­ cepção, das ideologias, dos processos de arte e da experiência estética, a partir sobretudo de uma realidade ambígua e movente como a brasileira. Dito isto, é óbvio que alguns aspectos da obra de Meireles reportam-se di­ retamente à lógica de Marcei Duchamp. Ambas indicam, no conjunto, a marca do rigor: cada trabalho deve mostrar-se muito diferente do outro. A tentativa é elaborar "para cada nova idéia, uma nova linguagem"*1). Ambos trabalham no sentido da libertação perante os choques e os impasses armados pela realidade. Para Duchamp, como se sabe, a arte era acima de tudo reflexão. O trabalho do artista contemporâneo se apóia, basicamente, no binômio arte-linguagem, e não mais GÁVEA. 11 (11), abril 1994

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