Revista Gema #1

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Design

Raíssa Vítola Yago Perezynski

Ilustrações Revisão Consultoria Editorial

Raíssa Vítola Julie Pires Vanessa Marques Revelyn Veloso

Colaboradores nessa edição

Contato

Giovanna Grillo

raissajoanna@gmail.com yagoperezynski@gmail.com


2020 foi um ano e tanto, né? Ainda estamos enfrentando uma pandemia global, muitos de nós ainda estão em isolamento dentro de nossas casas e as caixas que fomos colocados na sociedade parecem cada vez mais apertadas. Como dois designers em formação, tudo isso preencheu nossas cabeças (e nossas rotinas), nossos neurônios fritando a cada aumento da temperatura do problema. E daí surgiu nossa proposta, nossa zine, nossa Gema. Nas páginas desta primeira edição você verá nossos questionamentos, nossas análises, anseios e preocupações, tudo que vem de dentro. O momento é difícil e todo mundo está pisando em ovos, mas há muito mais do que só dificuldades na nossa vida. Que o nosso pequeno projeto tempere um pouco a sua vida, leitor, e que te direcione a ver as coisas de um novo ângulo. Talvez te ajude a chegar no centro da questão, qualquer que seja. Boa leitura! Yago Perezynski



8o

que

t e faz cr

iar?

10 em matéria de mo evista com Giova entr nn aG ril lo

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O que te faz criar ? Raíssa Vítola

Recentemente deixei a quase despretensiosa pergunta “Pandemia e processo criativo? Como funciona pra vocês?” na caixinha de perguntas do meu Instagram. Não nego que a princípio achei que me depararia com muitas rotinas ou indicações de novas dinâmicas adaptadas para o “novo mundo” mas a verdade é que a maioria das pessoas que chegou a responder só parecia estar cansada ou desanimada de alguma forma. Comentários que diziam que os processos não funcionavam ou que ocorriam de um jeito muito irregular foram quase que unânimes.

gema_ #1 verãoutono 2021

Quando já não estava esperando receber mais nenhuma mensagem, no entanto, duas notificações brilharam na minha tela. Incrivelmente uma indicação e uma rotina compartilhada. As duas pessoas me falaram que eram “coisas pequenas” mas a verdade é que foram grandes o suficiente para serem mencionadas. Tenho pra mim que processos são tão pessoais quanto pensamentos, mas eu realmente não consegui deixar de perceber semelhanças entres as respostas. Não acho que as duas pessoas estavam em seu momento ideal de trabalho ou com a rotina que


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Uma conversa mais longa com um parente, o tempo que você se dá pra estar sozinho ou o momento que você para pra ver o céu mudar de cor podem ser coisas tão grandes quanto pequenas. São momentos repetidamente únicos, já que, como dizia Heráclito, “Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio”. Nisso me ocorreram duas ideias: o ócio criativo como essa forma de contemplação do entorno e a criação como algo, quase terapêutico, que deixamos sair. Acho que todo processo de materialização acaba sendo um diálogo contínuo entre o dentro e o fora da gente, essa reorganização de pensamentos e sentimentos onde somos criatura e criador. Em minha experiência pessoal muito dessa frustração que temos vivido está nessa expectativa dos planos que o acaso nos rouba volta e meia. Está nesse hábito tão comum de deixar o processo em segundo plano do resultado. Mas afinal o que temos tirado dos nossos grande-pequenos imprevistos?

mente sã

planejaram para si, mas de certo modo pareciam celebrar pequenos momentos e conquistas.


Em matéria de moda... Conheça um pouco sobre os novos materiais e hábitos que tem feito parte da moda consciente

Linocel Tecido hipoalergênico feito a partir de fibras vegetais de árvores como eucalipto e carvalho. Ecosimple Empresa brasileira que produz tecidos gerados a partir da reciclagem de retalhos e garrafas PET. Pinatex Inspirado por técnicas têxteis tradicionais filipinas, este couro sintético é produzido de fibras de folhas de abacaxi.


Slow fashion é um Fibra de Leite conceito antagônico Produzida a partiraode “fast fashion” que coloca em proteínas de primeiro plano o respeito leite, a fibra de leite às pessoas, meio ambiente como e vem animais. Ao uma contrário das práticasao industriais, resposta desperdício envolve produção artesanal de leite não adequado e utilização de materiais ao consumo humano. ecológicos. A reciclagem de materiais é muito presente nesse pensamento, tendo sido repensada para evitar o uso de produtos químicos e desperdício de recursos.

Brechós e feiras de troca são muito utilizados como alternativa à linearidade do consumo, estendendo assim o ciclo de vida das roupas. Além de evitar o descarte, diminuiem os impactos ambientais da produção. A produção sob demanda surge como alternativa aos Seda de Laranja estoques e superprodução alternativa vegana daUma indústria de moda. Além de tradicional, reduzir o descarte à seda de materiais e resíduos, se este tecido é feito do adapta às demandas dos resíduo orgânico de consumidores, agregando laranjas após a extração valor às peças.

do seu suco.


Em matéria de moda... Conheça um pouco sobre os novos materiais e hábitos que tem feito parte da moda consciente

Linocel Tecido hipoalergênico feito a partir de fibras vegetais de árvores como eucalipto e carvalho.

Fibra de Leite Produzida a partir de proteínas de leite, a fibra de leite vem como uma resposta ao desperdício de leite não adequado ao consumo humano.

Ecosimple Empresa brasileira que produz tecidos gerados a partir da reciclagem de retalhos e garrafas PET. Pinatex Inspirado por técnicas têxteis tradicionais filipinas, este couro sintético é produzido de fibras de folhas de abacaxi.

Seda de Laranja Uma alternativa vegana à seda tradicional, este tecido é feito do resíduo orgânico de laranjas após a extração do seu suco.


Ok, e o que já existe? Quais são os destinos e impactos das roupas e materiais que já usamos?

170 mil toneladas de roupas jogadas no lixo todos os anos no Brasil; roupas vão para aterros ou são queimadas, afetando negativamente o meio-ambiente nos dois destinos

20% a 30% dos tecidos são descartados na etapa de corte de peças

50 bilhões de garrafas plásticas é o equivalente da quantidade de microfibras de plásticos lançadas ao mar como subproduto da lavagem de peças de poliéster todos os anos

Fonte: “A New Textile Economy: Redesigning Fashion’s Future” Ellen Macarthur Foundation & Circular Fibers Initiative, 2017


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Cancelar ou não cancelar? Entrevista com Giovanna Grillo

Giovanna, é um prazer

difusão dessa cultura

ter você como a primeira

de cancelamento

entrevistada da nossa zine!

na rede social. Nós

Você pode apresentar

todos já sabemos

por alto pros nossos

o que é cultura do

leitores a sua pesquisa?

cancelamento, é um

Giovanna: É uma

dos termos mais

honra ser convidada

comentados entre as

para essa entrevista!

figuras públicas nos

Então, a minha

últimos anos, mas para

pesquisa se chama

além de contextualizar

“A Cultura do

ele, eu quero analisar

Cancelamento

como ele se desenvolve

no Twitter e os

no ambiente do

mecanismos

Twitter que é, sem

informativos da rede

dúvida, a rede social

como estímulo para

onde mais se “cancela”

esse fenômeno”. Nela,

famosos.

gema_ #1 verãoutono 2021

eu busco entender como as ferramentas

Você considerou analisar

do Twitter (como

outras redes sociais também?

os Trending Topics,

Giovanna: Na verdade,

a ferramenta de

não. Eu sou usuária do

pesquisa, e o Explorar)

Twitter há mais de 10

podem influenciar na

anos, desde a minha


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com o movimento

é definitivamente a

#MeToo em 2017.

rede social que eu mais tenho contato, ainda

Você comentou das

mais tendo feito parte

ferramentas do twitter

de diversos “fandoms”

poderem influenciar

ao longo da minha

na difusão dessa cultura.

vida. Hoje em dia eu

Poderia falar mais

faço parte do fandom

sobre isso?

do Kpop e lá é um dos principais “ambientes” em que se vê a cultura do cancelamento agir, por isso achei que era melhor manter essa rede como meu objeto de estudo, até por eu entender muito da linguagem de lá.

Giovanna: Então, basicamente todas as redes sociais de hoje em dia utilizam do mecanismo de bolha de filtro, que é um algoritmo que busca te mostrar aquilo mais próximo dos conteúdos que você costuma acessar e falar sobre. É

E durante minha

meio que parecido com

pesquisa inicial

a Netflix, por exemplo,

sobre a cultura do

que te indica filmes e

cancelamento eu pude

séries baseados no que

ver que fiz a escolha

você viu recentemente.

certa, pois descobri que

No Twitter,

foi exatamente

recentemente (não

no Twitter que o

sei lhe dizer quando

fenômeno se originou,

exatamente, mas há

entrevista

pré-adolescência, então


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menos de 5 anos atrás)

relacionados ao Kpop

foi apresentada a aba

ou ao BBB, conteúdos

Explorar, que meio que

que eu mais comento

funciona como um

na rede. Isso faz

jornal. Ele possui seis

com que o usuário

categorias: A com

fique “preso” naquela

as principais

bolha, somente

palavras-chave do

recebendo e repassando

momento selecionadas

aquilo que te interessa,

para você, as últimas

já que poucos irão

novidades com

fazer o esforço de abrir

relação ao COVID-19,

outras categorias

os Trending Topics

do Explorar para

(que podem ser

procurar saber sobre

configurados por mundiais ou locais),

gema_ #1 verãoutono 2021

Notícias, Esporte e

outros assuntos. Isso limita o conhecimento

Entretenimento. A

do usuário.

primeira categoria

Mas o que que isso tem

apresentada para o

a ver com a cultura

usuário é a “Para Você”,

do cancelamento? O

que compila os tópicos

Trending Topics e o

mais comentados

“Para Você” acabam

de acordo com os

servindo como uma

seus interesses e sua

lista de cancelados

localidade. No meu,

do dia. Todos os dias

por exemplo, o que eu

algum nome de uma

mais vejo são termos

figura pública aparece


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que vai me aparecer

você, atiçando a sua

é “transfóbica” e não

curiosidade. E o que

“Harry Potter”, já

você faz? Já se pergunta

que o cancelamento

“O que será que essa

da autora por falas

pessoa fez?” e clica

transfóbicas é o que

no nome pra poder

mais tem sido atrelado

ver do que se trata,

à ela recentemente. E,

engajando com a

novamente, isso faz o

situação e aumentando

usuário engajar com

ainda mais o alcance

o assunto e aumentar

daquele cancelamento,

sua proporção. O que

já que quanto mais

eu busco provar com

comentamos algum

a minha pesquisa é a

nome no Twitter, mais

forte influência que

ele sobe no Trending

essas ferramentas do

Topics. A mesma

Twitter tiveram para

coisa acontece com a

transformar a cultura

ferramenta de busca

do cancelamento

da rede, que funciona

no grande fenômeno

da mesma forma que o

que ela é hoje.

Google, te mostrando os termos adjacentes

Você acredita que de

mais buscados junto

alguma forma a limitação

com aquela palavra.

de 140 caracteres do

Então, se eu jogar JK

Twitter alimenta a cultura

Rowling na search

de cancelamento?

do Twitter, muito

Giovanna: Hoje em

provavelmente o termo

dia, na verdade, o

entrevista

ali, em destaque pra


gema_ #1 verãoutono 2021

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limite de tweet é de 280 caracteres. Mas, mesmo ainda sendo pouca coisa, eu acho que o Twitter conseguiu superar essa ideia de passar pouca informação. Algo que muitas redes sociais sofrem é isso, a falta de informação ou até a própria desinformação, já que na internet as pessoas têm o costume de só ler a manchete e não clicar no link para saber mais e isso é uma alavanca enorme para as fake news. O surgimento das threads foi uma ótima forma do Twitter driblar isso. Os usuários ainda se sentem pouco atraídos para clicar em links, mas hoje no Twitter são criadas diversas threads sobre assuntos que merecem atenção.

Então, no próprio site, você vê que um tweet tem continuação e se sente inclinado a clicar e saber mais. Eu acho que o que alimenta a cultura do cancelamento no Twitter, além de seus mecanismos, como eu expliquei, é também a linguagem dos usuários da rede. Às vezes o Twitter se torna um ambiente muito hostil, preenchido com discurso de ódio. É ditado como cada um tem que se portar. Um dia a internet pode estar amando uma pessoa e no outro ela vai estar odiando aquela mesma pessoa. Essa mudança de opinião fica muito clara quando você acompanha o BBB pela rede, por exemplo. Em


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muda sua opinião sobre o mesmo participante mais de dez vezes. E isso pode acontecer com figuras públicas ou até anônimas, também, pessoas que são filmadas no dia a dia fazendo alguma coisa que a internet não concorda e acaba sofrendo as consequências na sua vida pessoal quando aquele conteúdo viraliza. A internet não esquece também e isso fica muito claro no Twitter quando são trazidos à tona tweets e opiniões expressadas por aquela figura pública há anos atrás, já que a rede não possui função de editar tweets, então qualquer coisa postada nela pode

ser trazida de volta com uma simples pesquisa avançada. E muitos são cancelados por isso, por opiniões passadas, mesmo que tenha aprendido ou mudado com o tempo. Você mencionou anteriormente a relação fã-ídolo. Você acredita que essa relação parassocial tem alguma correlação com esse fenômeno?

Giovanna: Eu acredito que sim. Óbvio que muitos casos de cancelamento são por um bom motivo, quando alguma figura pública comete algum crime ou erro problemático, como práticas homofóbicas, machistas, etc. É natural que isso enfureça as pessoas que querem agir de alguma

entrevista

três meses o público


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forma para que aquela

algum artista que eles

pessoa sofra com as

não gostassem.

consequências, já que muitas vezes a justiça falha conosco. A cultura do cancelamento, inclusive, tomou forma quando, em 2017, mulheres usaram a hashtag #MeToo para ir a público denunciar o produtor Harvey Weinstein de abuso sexual. A hashtag cresceu e se tornou um grande movimento com muitas pessoas contando casos de

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abuso que haviam

A cultura do cancelamento anda de mãos dadas com as fake news, também, pois hoje em dia é muito fácil manipular imagens, mensagens e vídeos como provas do “erro” daquela pessoa. Por isso temos que ter muito cuidado com o que acreditamos na internet e verificar a veracidade daquilo antes de ir criticar e xingar na rede.

sofrido. Porém, acredito

Então você diria que

que os fandoms,

existe uma relação entre a

ou “stan twitter”,

cultura de cancelamento

contribuíram muito

e o discurso de ódio?

para a banalização

Giovanna: Com

do cancelamento,

certeza! Talvez esse

usando disso em

discurso de ódio já

brigas de fandom

estivesse presente

ou para prejudicar

no Twitter antes do


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se expressam na rede

cancelamento, mas

e como elas reagem

agora eles andam

diante uma situação

basicamente juntos

de cancelamento.

na rede social, não só

Elas acreditam

no stan twitter, mas

imediatamente e já

nos usuários como um

passam a criticar o

todo. Muitos tweets

cancelado da vez? Ela

agressivos que você vê

engaja com aquilo e

na internet você não veria aquela mesma pessoa agindo de tal forma na vida real, por exemplo. Por trás do anonimato as pessoas reverberam um grande número de absurdos. E muitas vezes parece que fazem aquilo só para se “enturmar”,

espalha para as outras pessoas? Ou ela sente um certo receio, uma hesitação e procura verificar antes de agir? Uma das bases da sua pesquisa é a análise da relação entre ativismo e a cultura do cancelamento. Você observou se o cancelamento reproduz

sabe? São influenciados

elementos de justiça social?

pelas atitudes que

Giovanna: Sim,

veem de outras pessoas

com certeza. E foi

na rede. E uma outra

definitivamente

coisa que eu quero

assim que a cultura

estudar é como esse

do cancelamento se

ambiente influencia na

originou, na busca de

forma como as pessoas

justiça social, quando

entrevista

boom da cultura do


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a legislação falha tantas vezes. Com a internet, se expandiram as maneiras de se expressar e, aos poucos, as pessoas foram percebendo o poder que podem ter nas redes sociais, se fizerem barulho o suficiente. Com isso em mãos, elas utilizaram de sua força para criar as consequências que elas achassem necessárias, prejudicar a vida de abusadores, agressores e preconceituosos, para que estes não ficassem impunes. Só que muitas vezes esse tribunal online acaba indo longe demais. Sem um mínimo de organização ou regras, as pessoas se exaltam e não pensam antes de agir. Assim, qualquer um é passível de cancelamento, já

que esse tipo de “ativismo” online já foi tão banalizado. Você acredita que o período da pandemia, junto com a quarentena e o estresse que acompanha ela, tenha alimentado a cultura de cancelamento?

Giovanna: Pode ser um fator, sim. Com a pandemia, todo mundo tá mais ligado na internet do que o normal, se aproveitando dela pra abstrair os problemas da vida real. Então, isso pode alavancar mais drama nas redes e pessoas sendo pegas de surpresa ao ser alvo de cancelamento. Giovanna, gostaríamos de te agradecer outra vez pela disponibilidade! Pra finalizar, você tem algum conteúdo


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sobre o assunto que você recomendaria ao leitor?

Giovanna: Foi uma honra participar dessa entrevista! Agradeço a vocês pela oportunidade de expôr um pouco da minha pesquisa. E sobre conteúdo, para quem gostaria de se aprofundar no assunto, eu recomendaria a edição 258 da revista Cult, “Dossiê: A cultura do cancelamento, cancelamento da cultura” e também um artigo em inglês no portal Vox.com da autora Aja Romano chamado “Why we can’t stop fighting about cancel culture”. Foram materiais que me ajudaram muito na minha pesquisa e espero que ajude quem mais se interessar, também.

Giovanna Grillo, 24 anos, está terminando a graduação de Jornalismo - Comunicação Social na UERJ. Em sua tese tem pesquisado a presença da cultura do cancelamento no Twitter, suas características e como os mecanismos dessa rede social podem influenciar no fenômeno.


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Raíssa Vítola

Eu tô em espera. Tipo chamada de operadora mesmo, que fica tocando umas músicas até boas mas que a gente não consegue ouvir bem porque dá gastura. Me pego aqui olhando pras paredes remotas da minha realidade de cimento e só vejo o ventilador girar. Acho que em algum ponto ele remexe as minhas ideias e cabeça fica voando perdida nesse não-lugar. É engraçada a ideia de não-lugar porque eu sei que ele não é só meu - a primeira vez que eu ouvi falar dele não foi na minha cabeça, então eu tenho certeza dessa parte - mas ao mesmo tempo eu nunca vou saber se ele é de mais alguém. Fico pensando se eu não sou esse não-lugar, ou se eu não sou alguns deles. Mas ele me ocupa. Ocupa meu tempo, ocupa meu eu. E eu quero fugir dele, nem que seja pro vazio do não pensar. Eu queria muito uma coisa física pra me agarrar... É isso, ele é etéreo. Isso me assusta. Um não-lugaretéreo que talvez só eu entenda parece solitário demais pra fragilidade do momento. Talvez tenha uma ideia brilhante lá, talvez só um monstro kármico. É um nãolugar-de-schrodinger.

te conto mais

Pausa no espaço tempo das minhas paredes remotas


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Será que existe um diálogo nessa caixa? Quem sabe toda de uma humanidade - que espero ser a minha esteja resumida em algumas falas: - Bom te ver de novo. Achei que nunca ia ter coragem de entrar. - Eu não sabia o que ia encontrar aqui. - Nós vamos poder ver o que sempre procuramos. Fico feliz que chegou a tempo. Mas eu não sei. Pode ser uma caixa de Pandora e tudo que eu consegui conter em mim pode escapar. Ou um esparadrapo com uma ferida bem feia embaixo que eu só não soube esperar sarar. Encantos e dores podem ser alienantes. Há dor e felicidade em fugir dessa realidade quente-fria que me faz botar e tirar o casaco a cada cinco minutos embaixo do ventilador cíclico e incansável. Mas eu gosto do seu barulho, me acalma, comove e é fisicamente etéreo. Quem sabe a caixa não tem um ventilador mal iluminado e constante? Ele parece bem

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equilibrado. Mas talvez só seja familiar. Talvez eu só queira ter o ciclo certo de um girar de ventilador nesse futuro-caos de incertezas-sem-planos.


27 te conto mais


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