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voltados para um tipo de imagem mística, psicodélica e transcendental. Fizemos um juramento segundo o qual ele podia possuir minha mente, tudo o que eu sabia e também o meu corpo; e eu podia possuir tudo o que ele sabia, e também o seu corpo: e que nos entregaríamos um ao outro, de tal modo seríamos propriedade um do outro; faríamos tudo o que quiséssemos sexual e intelectualmente e, em certo sentido, nos seria permitido nos explorarmos mutuamente até alcançarmos juntos o “X” místico e brotar como duas almas fundidas em uma só. Chegamos ao acordo de que quando esse desejo erótico (particularmente o meu) fosse finalmente satisfeito e saciado (em vez de negado), haveria uma diminuição do desejo, dos laços da paixão, das ânsias e do apego e que, por último, nós dois seríamos depositados, livres, no céu. E assim, fizemos a promessa de que nenhum dos dois iria ao céu a menos que pudesse levar o outro – como uma promessa bodhisattva mútua. De fato, nisto se resume a promessa bodhisattva: “Os seres conscientes são incontáveis, prometo iluminar todos eles. As paixões são incontáveis, prometo afogar todas elas, desenraizá-las totalmente. A natureza do dharma e as portas da natureza são infinitas, prometo entrar por cada uma delas. O caminho de Buda, muito elevado e muito amplo, é infinito, prometo segui-lo até o final. O caminho de Buda, infinito e sem limites, prometo percorrê-lo até o final.” Os seres conscientes, incontáveis, sem número, prometo contá-los um a um, iluminar cada um deles. Basicamente é uma promessa de renascer em todos, um depois do outro, em cada pedra, cada folha, ser cada parte individual do universo num ou noutro momento e, por assim dizer, aceitar o destino desta partícula. Bom, o nosso era uma versão limitada disso, quase intuitiva, era a promessa de permanecermos unidos sem nos importarmos qual fosse a consciência eterna: ele com suas árvores inclinadas; eu, com a minha visão da

eternidade de Blake. Eu era mais intelectual, de modo que oferecia a minha mente, meu intelecto; ele era mais atlético e físico, de modo que oferecia o corpo. Então, nos demos a mãos e fizemos uma promessa: eu prometo. E tu prometes? Sim, eu prometo. Nesse instante nos olhamos nos olhos e era como se houvesse um fogo celestial a crescer dentro de nós e acendia e iluminava a cafeteria convertendo-a num lugar eterno. Eu encontrara alguém que aceitava a minha devoção e ele, por sua vez, encontrou quem aceitasse a sua e que sentia verdadeira devoção por ele. Foi a realização de uma fantasia, até o ponto em que fantasia e realidade se fundem. O desejo iluminou o apartamento, porque foi a culminação de todas as minhas fantasias desde os meus 9 anos, quando comecei nutrir fantasias amorosas e eróticas. E essa promessa tornou-se o núcleo da nossa relação. É a consciência mútua, o contato social divino, válido porque era a expressão do desejo dessa época e era viável. É realmente a relação humana básica – um se dá ao outro e outro se dá a você, ajudam-se mutuamente e um não vai ao céu sem o outro. No Baghavad Gita fala-se do mitológico Arjuna e da sua chegada às portas do céu. Ele levava consigo um cachorrinho que o seguia e disseram-lhe: “Podes entrar, mas não podes trazer o cão.” Ele respondeu: “Bom, se não posso ir com meu cão, então não entrarei.” E eles disseram: “Ora, vamos, pode entrar, deixe-o lá fora, é apenas um cão.” E ele disse: “Não, amo o meu cachorro e confio nesse amor e se não posso entra com essa confiança, que tipo de céu é este?” E pela terceira vez disse: “Não, não, não. Fico do lado de fora e colocarei o cão no meu lugar porque não entrarei sem ele. Comprometi-me com ele até as lágrimas, não posso abandoná-lo” E, assim, depois da terceira vez, o cão se manifesta como Krishna, senhor do universo e do céu em pessoa. Ele apenas cuidava de colocar o céu dentro do céu e seu instinto estava certo. Isso nos bastou para nos guiar nos momentos


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