REABILITAÇÃO DO MOSTEIRO DE SANFINS

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REABILITAÇÃO DO MOSTEIRO DE SANFINS CENTRO INTERPRETATIVO DO ROMÂNICO DO VALE DO RIO MINHO

Ricardo Jorge Oliveira Moreira

VALENÇA

MOSTEIRO DE SANFINS

12|13 Orientador: Prof. Doutor Miguel Malheiro

Fundação para a Ciência e a Tecnologia MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA

faculdade de arquitectura e artes



UNIVERSIDADE LUSÍADA DO PORTO

REABILITAÇÃO DO MOSTEIRO DE SANFINS Centro Interpretativo do Românico do Vale do rio Minho

Ricardo Jorge Oliveira Moreira

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura

Porto, 2013



Dedico este trabalho às pessoas mais importantes da minha vida.

Aos meus pais, pelo sacrifício que fizeram para eu concluir o ensino superior, À Marta Vieira, pelo apoio incondicional, À minha família, pelo que me ensinaram e transmitiram, Aos meus amigos, pelos bons momentos.

À memória do meu avô Joaquim Gomes.



Agradecimentos

A dissertação que agora se apresenta resultou de um trajecto algo arrastado, ao longo do qual fui recebendo o maior apoio e estímulo de muitos. Agradeço o contributo das pessoas que me proporcionaram testemunhos de vários géneros. Gostaria de destacar o papel desempenhado pelo meu orientador, o Prof. Doutor Miguel Malheiro, ao qual agradeço o apoio, a partilha do saber e as valiosas contribuições para esta dissertação. Acima de tudo, obrigado por me ter acompanhado nesta jornada e por estimular o meu interesse pelo conhecimento e pela vida académica. O meu agradecimento vai, também, para o Prof. Doutor Manuel Maria Diogo e a Prof. Doutora Graça Correia. O meu obrigado pelos saberes, conselhos e sugestões que me foram transmitidos e pelo apoio e orientação disponibilizados na realização deste trabalho. Devo agradecer igualmente à Marta, Filipe e Hélder pelo apoio disponibilizado na elaboração do levantamento arquitectónico do mosteiro de Sanfins, pela sua paciência e empenho. O meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que contribuíram para a concretização desta dissertação.

Muito obrigado…



A arte românica é o nosso primeiro brasão artístico (...) o granito colorido pelo tempo, tostado pelo sol, beijado pelos séculos, é um documento sagrado, como os nossos veneráveis pergaminhos históricos.

Joaquim de Vasconcelos, 1914



Resumo

O património edificado na época românica no vale do rio Minho foi o nosso ponto de partida para este trabalho de investigação. Tendo em conta as suas características e importância, optamos por fazer um inventário de todos os monumentos com o objectivo de percebermos qual o seu estado de conservação, inserção no local e as relações entre si. Devido ao avançado estado de degradação do Mosteiro de Sanfins, Valença, consideramos imperativo reabilitar e salvaguardar este monumento criando um centro interpretativo da arquitectura românica do vale do rio Minho. Para isso estudamos as teorias, a legislação e os métodos de intervenção no património arquitectónico. O inventário e análise dos edifícios foi feito in loco e o estudo da metodologia para a intervenção no património foi elaborado com a pesquisa de monografias e textos de apoio sobre esta matéria e a visita aos casos de referência. Para o nosso caso de estudo foi necessário fazer um levantamento mais rigoroso do mosteiro. Com este trabalho conseguimos reunir o património românico do vale do rio Minho num centro interpretativo e, ao mesmo tempo, apresentar uma proposta para reabilitação de um dos monumentos que mais necessitava de ser salvaguardado segundo os princípios de intervenção no património dos grandes mestres da arquitectura.

Palavras-chave

- Românico - Património - Recuperação - Reúso - Salvaguarda



Abstract

The starting point for this research work was the heritage built in the romanesque era in the Minho river valley. Taking into account its characteristics and importance, we decided to make an inventory of all the monuments, in order to understand their condition, the insertion in the place where they are located and the relationships between them. Due to the state of degradation of the Monastery of SanďŹ ns, in Valença, we found it absolutely necessary to preserve and to rehabilitate this monument, creating an interpretive center of the romanesque architecture of the Minho river valley. For this, we studied the theories, laws and methods of intervention in the architectural heritage. The inventory and analysis of the buildings were done in locco and the study of the methodology to intervene in the heritage was prepared researching monographs and texts of support on the issue and also visiting the places mentioned. For our study case it was necessary to do a more thorough survey of the state of the monastery. With this work we managed to gather a survey of the romanesque heritage of the Minho river valley in an interpretive center. At the same time we presented a proposal of rehabilitation for one of the monuments that most needed to be preserved, according to the principles of intervention in the heritage of the great masters of architecture. .

Keywords

- Romanesque - Heritage - Rehabilitation - Reuse - Preservation



Índice de figuras

Figura 01 - Inserção na paisagem do Mosteiro de Sanfins, Valença

04

Fonte: Foto do Autor

Figura 02 - Mapa da Europa

06

Fonte: Adaptado de imagem retirada do site pt.wikipedia.org (26/11/2012)

Figura 03 - Mapa de Portugal e Galiza

06

Fonte: Adaptado de imagem retirada do site pt.wikipedia.org (26/11/2012)

Figura 04 - Mapa do distrito de Viana do Castelo

06

Fonte: Adaptado de imagem retirada do site pt.wikipedia.org (27/11/2012)

Figura 05 - Mapa do concelho de Valença

06

Fonte: Adaptado de imagem retirada do site pt.wikipedia.org (27/11/2012)

Figura 06 - Vista da igreja de São Fins de Friestas rodeada de vegetação

08

Fonte: Foto do Autor

Figura 07 - Claustro do mosteiro de Sanfins

10

Fonte: Foto do Autor

Figura 08 - Planta de implantação antes da intervenção da ex-DGEMN

12

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 09 - Planta de implantação depois da intervenção da ex-DGEMN

12

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 10 - Plantas, cortes e alçados da igreja

12

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 11 - Planta da igreja antes da intervenção da ex-DGEMN

12

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 12 - Planta da igreja depois da intervenção da ex-DGEMN

12

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 13 - Planta do piso 0 do mosteiro

14

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 14 - Planta do piso 1 do mosteiro

14

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 15 - Planta de cobertura do mosteiro

14

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 16 - Estaleiro de uma igreja românica Fonte: Suplemento da revista National Geographic - Agosto 2013

20


Figura 17 - Portal da Catedral de Tui

22

Fonte: Imagem retirada do site pt.wikipedia.org (27/11/2013)

Figura 18 - Planta da igreja de Ganfei

26

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (26/01/2013)

Figura 19 - Alçado da igreja de Ganfei

26

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (26/01/2013)

Figura 20 - Planta da igreja de Longos Vales

26

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (28/01/2013)

Figura 21 - Alçado da igreja de Longos Vales

26

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (28/01/2013)

Figura 22 - Planta da igreja São Fins de Friestas

26

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 23 - Alçado da igreja São Fins de Friestas

26

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 24 - Plano de S. Gall

30

Fonte: Imagem retirada do site pt.wikipedia.org (27/09/2012)

Figura 25 - Planta do plano de S. Gall

30

Fonte: Imagem retirada do site pt.wikipedia.org (27/09/2012)

Figura 26 - Alçado Norte da igreja São Fins de Friestas

34

Fonte: Foto do Autor

Figura 27 - Capela-mor da igreja São Fins de Friestas

36

Fonte: Foto do Autor

Figura 28 - Claustro do mosteiro de Sanfins

40

Fonte: Foto do Autor

Figura 29 - Portal da igreja São Fins de Friestas

42

Fonte: Foto do Autor

Figura 30 - Ala Norte do mosteiro de Sanfins, Valença

48

Fonte: Foto do Autor

Figura 31 - Mosteiro dos Jerónimo em 1879

62

Fonte: Imagem retirada do site lisboaantiga.web.simplesnet.pt (20/11/2013)

Figura 32 - Mosteiro da Batalha

64

Fonte: Imagem retirada do site pt.wikipedia.org (20/11/2013)

Figura 33 - Conversão do mosteiro de Sta. Maria do Bouro a pousada

68

Fonte: Imagem retirada do site www.arquitetonico.ufsc.br (21/11/2013)

Figura 34 - Pousada de Santa Marinha da Costa Fonte: Imagem retirada do site www.panoramio.com (21/11/2013)

76


Figura 35 - Planta do piso 1 da pousada Santa Marinha da Costa

78

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 36 - Planta do piso 0 da pousada Santa Marinha da Costa

78

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 37 - Planta do piso -1 da pousada Santa Marinha da Costa

78

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 38 - Planta do piso -2 da pousada Santa Marinha da Costa

78

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 39 - Pousada de Sta. Maria do Bouro

82

Fonte: Planta retirada do site saberescruzados.wordpress.com (21/11/2013)

Figura 40 - Planta do piso 2 da pousada Sta. Maria do Bouro

84

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 41 - Planta do piso 1 da pousada Sta. Maria do Bouro

84

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 42 - Planta do piso 0 da pousada Sta. Maria do Bouro

84

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 43 - Planta do piso -1 da pousada Sta. Maria do Bouro

84

Fonte: Planta retirada do site monumentos.pt (05/03/2013)

Figura 44 - Igreja São Fins de Friestas, Valença

90

Fonte: Foto do Autor

Figura 45 - Inventário de monumentos românicos no vale do rio Minho

92

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 46 - Localização da igreja São Fins de Friestas

98

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 47 - Acesso para a igreja São Fins de Friestas a partir de Valença

98

Fonte: Adaptado da carta militar do Instituto Geográfico Português

Figura 48 - Esquema dos vários percursos de acesso

100

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 49 - Esquema da proposta de intervenção para os percursos

100

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 50 - Implantação, antes da intervenção

102

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 51 - Implantação, depois da intervenção

103

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 52 - Corte longitudinal pela igreja Fonte: Adaptado do corte retirado do site monumentos.pt (18/10/2012)

104


Figura 53 - Planta da igreja

104

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 54 - Corte tranversal pela igreja

104

Fonte: Adaptado do corte retirado do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 55 - Corte tranversal pela igreja

104

Fonte: Adaptado do corte retirado do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 56 - Planta do piso -1, antes da intervenção

106

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 57 - Planta do piso -1, depois da intervenção

106

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 58 - Planta do piso 0, antes da intervenção

107

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 59 - Planta do piso 0, depois da intervenção

107

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 60 - Planta do piso 1, antes da intervenção

108

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 61 - Planta do piso 1, depois da intervenção

108

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 62 - Planta da cobertura, antes da intervenção

109

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 63 - Planta da cobertura, depois da intervenção

109

Fonte: Adaptado da planta retirada do site monumentos.pt (18/10/2012)

Figura 64 - Corte pela fachada do mosteiro

110

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 65 - Inventário dos monumentos românicos no vale do rio Minho

120

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 66 - Fachada principal da Capela Nossa Senhora da Orada

122

Fonte: Foto do Autor

Figura 67 - Inserção na paisagem da Capela de Santa Luzia

123

Fonte: Foto do Autor

Figura 68 - Fachada principal da Capela de São Julião

124

Fonte: Foto do Autor

Figura 69 - Inserção na paisagem da Capela São Pedro de Varais

125

Fonte: Foto do Autor

Figura 70 - Inserção na paisagem do Castelo de Castro Laboreiro Fonte: Foto do Autor

126


Figura 71 - Inserção na paisagem do Castelo de Melgaço

127

Fonte: Foto do Autor

Figura 72 - Vista aérea da Fortaleza de Valença

128

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (20/04/2013)

Figura 73 - Fachada principal da Igreja da Misericórdia de Melgaço

129

Fonte: Foto do Autor

Figura 74 - Adro e Igreja Paroquial de Castro Laboreiro

130

Fonte: Foto do Autor

Figura 75 - Fachada principal da Igreja de Fiães

131

Fonte: Foto do Autor

Figura 76 - Pormenor do cunhal da Igreja de Lamas de Mouro

132

Fonte: Foto do Autor

Figura 77 - Cabeceira da Igreja de Longos Vales

133

Fonte: Foto do Autor

Figura 78 - Fachada principal da Igreja de Santo Estevão

134

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (23/04/2013)

Figura 79 - Vista geral da Igreja São Fins de Friestas

135

Fonte: Foto do Autor

Figura 80 - Fachada principal da Igreja Matriz de Melgaço

136

Fonte: Foto do Autor

Figura 81 - Vista geral da Igreja Matriz de Valença

137

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (23/04/2013)

Figura 82 - Vista geral da Igreja Paroquial de Chaviães

138

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (23/04/2013)

Figura 83 - Vista geral da Igreja Paroquial de Ganfei

139

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (23/04/2013)

Figura 84 - Vista geral da Igreja Paroquial de Paderne

140

Fonte: Foto do Autor

Figura 85 - Vista geral da Igreja Paroquial de São Paio

141

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (23/04/2013)

Figura 86 - Vista geral da Ponte da Assureira

142

Fonte: Foto do Autor

Figura 87 - Vista geral da Ponte da Cava da Velha

143

Fonte: Foto do Autor

Figura 88 - Vista geral da Ponte da Pedreira Fonte: Foto do Autor

144


Figura 89 - Vista geral da Ponte de Varziela

145

Fonte: Imagem retirada do site monumentos.pt (23/04/2013)

Figura 90 - Tabuleiro da Ponte em Gondomil

146

Fonte: Foto do Autor

Figura 91 - Tabuleiro da Ponte em Portela

147

Fonte: Foto do Autor

Figura 92 - Vista geral da Ponte Velha

148

Fonte: Foto do Autor

Figura 93 - Vista geral do Santuário de São João de Arga

149

Fonte: Foto do Autor

Figura 94 - Vegetação em torno do mosteiro

153

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 95 - Carvalho-alvarinho

153

Fonte: Imagem retirada do site visao.sapo.pt (17/05/2013)

Figura 96 - Eucalipto

153

Fonte: Imagem retirada do site sisflorestal.wordpress.com (17/05/2013)

Figura 97 - Percurso do Culto

156

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 98 - Percurso da Paisagem

156

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 99 - Percurso da Pastorícia

157

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 100 - Percurso da Água

157

Fonte: Adaptado de fotografias aéreas retiradas a partir de ©GoogleEarthPro

Figura 101 - Corte A, antes da intervenção

160

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 102 - Corte A, depois da intervenção

160

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 103 - Corte B, antes da intervenção

160

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 104 - Corte B, depois da intervenção

160

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 105 - Corte C, antes da intervenção

161

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 106 - Corte C, depois da intervenção Fonte: Elaborado pelo Autor

161


Figura 107 - Corte D, antes da intervenção

161

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 108 - Corte D, depois intervenção

161

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 109 - Proposta para o piso 0

162

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 110 - Proposta para o piso 1

163

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 111 - Pormenorização do quarto-tipo

164

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 112 - Pormenorização das instalações sanitárias do quarto-tipo

164

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 113 - Foto da maquete do elemento expositivo

165

Fonte: Foto do Autor

Figura 114 - Planta, cortes e vistas do elemento expositivo

165

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 115 - Alçado do vão

166

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 116 - Corte horizontal pelo vão

166

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 117 - Corte vertical pelo vão

167

Fonte: Elaborado pelo Autor

Figura 118 - Foto da maquete da igreja e mosteiro, escala 1:100

168

Fonte: Foto do Autor

Figura 119 - Foto da maquete da igreja e mosteiro, escala 1:100 Fonte: Foto do Autor

168



Índice

Introdução

01

1.

MOSTEIRO DE SANFINS

05

1.1

Contextualização, análise e diagnóstico

07

1.2

Arquitectura românica e escolas regionais

17

1.3

A importância do mosteiro na época românica

28

1.4

Mosteiro românico

32

1.5

Conclusão

47

2.

INTERVENÇÃO NO PATRIMÓNIO

49

2.1

Evolução do conceito de património

51

2.2

Prática em Portugal

63

2.3

Casos de referência

72

2.3.1

Convento de Santa Marinha da Costa

75

2.3.2

Mosteiro de Santa Maria do Bouro

81

2.4

3.

Conclusão

88

CASO DE ESTUDO - CENTRO INTERPRETATIVO

91

3.1

Percurso pelo românico do Vale do rio Minho

93

3.2

Projecto

99

Conclusão

112

Anexo I

115

Anexo II

119

Anexo III

151

Anexo IV

155

Anexo V

159

Glossário

169

Bibliografia

173



Introdução

Motivação A conservação do património construído vem adquirindo importância na sociedade contemporânea, contribuindo para minimizar a degradação e manter permanente as memórias históricas. O tema da reabilitação arquitectónica esteve um pouco à margem do plano de estudos ao longo do curso e com este trabalho surge a oportunidade de estudar os conceitos em torno do património arquitectónico, da forma como deve ser encarado e analisado, bem como entender os diversos métodos de intervenção. Assim, achamos oportuno o estudo da intervenção num edifício românico e, no sentido de o salvaguardar e conservar, inserir uma nova função que, no nosso caso, passa pela criação de um centro interpretativo do românico do Vale do rio Minho, dada a proliferação de edifícios desta época ao longo deste vale.

Âmbito Este trabalho de investigação para a conclusão do curso de arquitectura incide sobre o estudo da arquitectura românica no Vale do rio Minho, em especial a Igreja de São Fins de Friestas, e os conceitos adjacentes à intervenção no património. Depois de uma visita pela região constatamos que parte do património se encontra no esquecimento e urge intervir com o intuito de conservar, valorizar e salvaguardar os edifícios caídos no abandono tornando-os aptos a satisfazer as exigências do presente. A recuperação deste património pode complementar a oferta turística do Vale do rio Minho, dada a inexistência de um aproveitamento do grande potencial paisagístico que nos é dado pela natureza. No seguimento da inventariação dos monumentos da época românica presentes nesta região, a igreja de São Fins de Friestas e restante conjunto edificado, no concelho de Valença, foi o local escolhido para a intervenção. Embora a igreja tenha tido uma intervenção da ex-DGEMN no século XX, o mosteiro adjacente está actualmente num avançado estado de degradação, mas tirando partido da sua localização, após uma intervenção de salvaguarda e valorização poderá assumir um papel determinante na dinamização da envolvente próxima com potencial turístico e cultural.

1


Estado da arte Charles de Gerville1 introduziu, em 1818, a designação de “românico” para designar toda a arquitectura medieval produzida depois da dominação romana e anterior ao século XIII2. Augusto Filipe Simões, ligado ao Instituto de Coimbra, em 1870, publica as Relíquias da Architectura Romano-Byzantina em Portugal e particularmente na Cidade de Coimbra, considerando esta a arte românica, explicada na altura pela influência de Bizâncio, considerada aberta às influências artísticas do Oriente, e pela arte latina de tradição romana3. Relativamente ao estudo da arquitectura românica nas duas últimas décadas do século passado, devemos referir o trabalho desenvolvido por Carlos Alberto Ferreira de Almeida e Manuel Luís Real, quanto à monografia dedicada à Rota do Românico do Vale do Sousa sob a orientação de Lúcia Rosas, realizada em 2008, para além dos estudos históricos para os quais têm contribuído numerosos medievalistas, dos quais se destaca José Mattoso4. O património não pode ser olhado apenas como uma reserva e, menos ainda, como recordação ou nostalgia do passado mas, antes, como algo que faz parte do nosso presente. Como afirma Hélder Monteiro Cardoso, todas as comunidades têm, pois, os seus monumentos que são como âncoras onde se afirma a memória de pessoas e a linhagem das comunidades, que são os indicadores da sua classificação. Eles dão segurança às comunidades, servem-lhe de referência, ajudam a axializar os seus itinerários e incitam a perspectivar o futuro5. Miguel Tomé, segundo uma abordagem mais projectual inerente à sua profissão de arquitecto, contribuiu através de uma obra muito completa e bem ilustrada sobre o Património e restauro em Portugal para o fundamento da problemática da intervenção no património em Portugal. Para esta análise do estado da arte recorremos a monografias, artigos publicados em revistas e documentos informatizados, sobre os autores que escreveram sobre o românico, a reabilitação do património e os casos de estudo em particular6. 1

Arqueólogo membro da Sociedade dos Antiquários da Normandia

2 ROSAS, Lúcia, Maria Cardoso, Monumentos Pátrios, A Arquitectura Religiosa Medieval, - Património e Restauro (1835-1928), Vol. I, Tese de Doutoramento em História da Arte, Porto, 1995. 3 Cf. MALHEIRO, Miguel, A Presença da Arquitectura - A arquitectura românica do vale do rio Sousa, Vol. 1, Tese de Doutoramento em Arquitectura, Valladolid, 2012. 4

Idem Ibidem.

5

CARDOSO, Hélder Monteiro, Artigo sobre a história do património edificado, 2006.

6

Fontes gráficas e descrições históricas disponíveis no página oficial dos Monumentos Nacionais e no

2


Metodologia A metodologia de trabalho a seguir resulta numa abordagem histórica à arquitectura românica, desde as condicionantes do seu surgimento até às suas características mais peculiares relacionando sempre com o nosso caso de estudo, a igreja de São Fins de Friestas. Depois desta abordagem, interessou-nos relacionar os monumentos presentes no território, percebendo as características da arquitectura, como a luz, sistema construtivo, volume, composição, proporções, escultura e orientação. Dado estarmos a estudar uma região fronteiriça, verificamos a existência de uma analogia das características nas duas margens do rio Minho. Para o correcto entendimento do local a intervir, fizemos uma pesquisa documental que se revelou insuficiente e, posteriormente, fizemos um levantamento no local com o intuito de obter maior rigor nos traçados do existente. Foi feita, também, uma análise às zonas protegidas dos concelhos de Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Monção e Melgaço de forma a estudar possibilidades de tirar partido dos recursos naturais existentes e uma marcação cartográfica das acessibilidades para percebermos as melhores formas de chegar ao monumento, a igreja de São Fins de Friestas.

Estrutura Este trabalho divide-se em 3 capítulos: no primeiro abordamos o Mosteiro de Sanfins através de uma análise e diagnóstico do monumento com o objectivo de percebermos o seu estado de conservação, a sua inserção no local e as relações que a sua construção tem ou não com a arquitectura românica da região. Levantam-se as possibilidades de intervenção de ali se instalarem diversas funções, entre as quais a interpretação do património arquitectónico de origem românica, dadas as suas características; no segundo capítulo exploramos o que é intervir no património, qual a relação entre o existente e o novo e como os outros intervenientes o fazem nos casos de referência definindo a atitude a tomar; no terceiro e último capítulo mostramos a possibilidade que encontramos para a conservação do imóvel, mostrando o antes e depois.

Boletim nº 11 da extinta DGEMN dedicado à Igreja de São Fins de Friestas.

3



1. MOSTEIRO DE SANFINS

Figura 01 - Inserção na paisagem do Mosteiro de Sanfins, Valença

5


Figura 02 - Mapa da Europa

MELGAÇO SANTIAGO DE COMPOSTELA

MONÇÃO VALENÇA

RIO MINHO V. N. DE CERVEIRA

PAREDES DE COURA

ARCOS DE VALDEVEZ

CAMINHA

PONTE DA BARCA PONTE DE LIMA VIANA DO CASTELO

PORTO

RIO DOURO

Figura 04 - Mapa do distrito de Viana do Castelo

RIO MONDEGO FRIESTAS GANFEI VERDOEJO VALENÇA

SANFINS GONGOMIL

RIO TEJO ARÃO CRISTELO COVO GANDRA

BOIVÃO LISBOA

TAIÃO S. PEDRO RIO GUADIANA

DA TORRE CERDAL

RIO SADO

FONTOURA

SILVA

S. JULIÃO

Figura 03 - Mapa de Portugal e Galiza

6

Figura 05 - Mapa do concelho de Valença


1.1 Contextualização, análise e diagnóstico

Contextualização Desde sempre que as igrejas constituíram sinais de identificação e domínio territorial, com gestão espiritual e material das localidades. A qualidade territorial da arquitectura românica é acentuada por Joaquim de Vasconcelos, ao referir que se integra de tal maneira no ambiente da paisagem que a envolve, que dir-se-ia gerada na escala das suas grandezas. O entendimento do objecto arquitectónico como ornamento primário e insubstituível da paisagem que a enquadra estava implícito em alguns dos textos incluídos nos boletins da ex-DGEMN, como testemunha a descrição da implantação da Igreja de São Fins de Friestas ao estar situada num outeiro, que é uma das últimas e mais suaves ondulações do áspero solo que, a caminho litoral minhoto, entre os rios Minho e Lima, desce das cristas da serra da Peneda, a igreja domina uma panorama transbordante de atractivos naturais tornando-se, por isso, o principal ornamento de um quadro que paisagem galega (…) embeleza com singular harmonia1. Uma intervenção nesta envolvente deve ter em atenção toda a microhistória local da freguesia de Sanfins, traduzida na relativização dos valores históricos e simbólicos enquanto acumulação de memórias. Historicamente, falar de Sanfins implica remontar muitos séculos na história. Desde o século V até ao século XXI, muitos são os testemunhos existentes, permitindo-nos viajar pelo tempo à descoberta das raízes históricas de toda esta localidade. O antigo território coutado de Sanfins2 teve origem num mosteiro de monges beneditinos, fundado em meados do século VI3, no tempo S. Martinho, primeiro bispo de Dume (Braga), e impulsionador nessa época da vida monástica no noroeste peninsular. A esse mosteiro chamaram São Fins por ter sido edificado em local sobranceiro a uma ermida que lá existira para veneração do mártir São Félix, outrora chamado São Fins – O – Velho. Segundo crença antiga, o nome de São Fins terá resultado de São Félix. A suposta cabeça do santo terá ido parar a essa ermida 1

Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

2 Sanfins era um antigo concelho que abrangia um território com 40 quilómetros quadrados, situado a nascente de Valença, na margem esquerda do rio Minho. Era formado por cinco freguesias: Sanfins, Verdoejo, Boivão, Friestas e Gondomil e incluía também uma pequena parte de Monção, o lugar da Aldeia, freguesia de Lara. O Paço do Concelho situava-se em Verdoejo, onde funcionava a Câmara, o tribunal e a cadeia 3

Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

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Figura 06 - Vista da igreja São Fins de Friestas rodeada de vegetação

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e, mais tarde, acabou por ser guardada no mosteiro pelos monges beneditinos, gerando a partir de então grande devoção a São Félix. Atribui-se a fundação do mosteiro a S. Rosendo no ano de 5664, mas essa referência terá resultado de uma interpretação precipitada da Corografia Portuguesa de 1706 do padre Carvalho da Costa. É que o nascimento de S. Rosendo ocorre mais de três séculos depois, facto que o exclui da fundação. De resto, nem o autor da Corografia Portuguesa de 1706 atribui a S. Rosendo a iniciativa dessa fundação, apenas refere que essa figura marcante do catolicismo no noroeste peninsular terá sido abade do mosteiro de Sanfins, acrescentando que o santo “transplantou” a sua virtude para o mosteiro que fundou em Cela Nova (Ourense). S. Rosendo foi sucessor de Sabarico II, seu tio, no lugar de bispo de Mondonhedo (Lugo) no ano de 925 e, por inerência dessa sucessão, tornou-se bispo de Dume. É possível que o mosteiro já exercesse direitos senhoriais sobre o Couto de Sanfins em época anterior à nacionalidade, provavelmente coincidente com o seu período mais áureo, início do século X. A Carta de Couto atribuída a Sanfins por D. Teresa e D. Afono Henriques data de 11345, mas só em 1172 é que o primeiro rei de Portugal decide demarcar esse território coutado e transmitir os direitos senhoriais ao mosteiro beneditino, que passa a ser, pelo menos por esses tempos, o Senhor do Couto, com poderes para o governar. Nessa época, o serviço judicial estava confinado a um mordomo, mas eram os abades do mosteiro que decidiam, “verbalmente”, as questões. Mais tarde, em época desconhecida, o Couto de Sanfins passou a estar unido ao de Coura, acomodando-se os moradores às suas justiças. Durante as dinastias Afonsina6 e de Avis7, o Couto de Sanfins esteve sujeito à administração judicial e municipal de Paredes de Coura, e só passou a gozar de plena autonomia camarária e judicial a partir do último quartel do século XVI, no reinado de D. Sebastião, que acabou por lhe conferir o estatuto de autêntica municipalidade, com direito a ter Câmara e juiz com jurisdição criminal e cível, justificado pelo crescimento populacional8.

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Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

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Idem, ibidem

6 A Dinastia de Borgonha, também chamada Afonsina (pelo elevado número - quatro - de soberanos com o nome de Afonso) foi a primeira dinastia do Reino de Portugal. Começou em 1096, ainda como mero condado (autonomizado em reino em 1139-1143) e terminou em 1383 7 1582.

A Dinastia de Avis, ou Dinastia Joanina, foi a segunda dinastia a reinar em Portugal, entre 1385 e 1581-

8

Manuel Felgueira do Cabo, Pároco de Verdoejo, 1758

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Figura 07 - Claustro do mosteiro de SanďŹ ns

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Com autorização do Papa Paulo III, em 15489, D. João III doou o mosteiro (e o couto) de Sanfins aos jesuítas que aplicaram as rendas nele obtidas na criação de um Real Colégio em Coimbra para o ensino das artes10. Esta entrada dos jesuítas para a administração do mosteiro, a partir de inícios do século XVI, ditou o princípio do fim da presença dos monges beneditinos. Tal como se verificou noutros mosteiros, os jesuítas preocupavam-se mais com os rendimentos do que com observância das regras. Acentuou-se o relaxamento dos deveres espirituais e a diminuição dos monges. Em 154511, o mosteiro já estava reduzido a três monges bentos. O mosteiro esteve administrado pelos padres da Companhia de Jesus até à expulsão dos Jesuítas de Portugal, por ordem do Marquês de Pombal. Em 1758, os padres jesuítas ainda permaneciam em Sanfins, mas o conflito entre Portugal e a Companhia de Jesus já fazia antever o fim desta congregação em Sanfins. Com a extinção da Companhia de Jesus, os bens passaram para a posse da Universidade de Coimbra. Entre finais do século XVI e meados do século XVIII, o concelho de Sanfins evidenciou algum vigor administrativo, chegando a ter 3 vereadores12. A presença de mais do que um vereador significa que houve um aumento da actividade económica na área territorial do concelho e pode também estar relacionado com o facto de haver perto de dois mil habitantes13. Apesar de ter entrado em decadência e em desagregação no início do século XIX, só foi, formalmente, extinto em 1834. A freguesia de Sanfins era das menos habitadas desse antigo concelho: em meados do século XVIII, tinha 229 habitantes. No entanto, à época, a Festa de São Félix, no primeiro dia de Agosto, atraía muito povo à freguesia e à igreja, principalmente da Galiza14, para venerar a cabeça desse santo, que os padres de Sanfins ainda conservavam num cofre particular, na parte da Epístola do Santíssimo Sacramento. Apesar de pouco populosa, Sanfins seria algo produtiva. À época colhia “em maior abundância” milho grosso, centeio, trigo, linho e feijão. No início da década de 50 do século XVIII começou a realizar-se uma feira em Sanfins aonde eram vendidos os bens e produtos agrícolas criados no couto. Nos primeiros anos foi uma feira livre, mas um pouco antes de 1758, a Alfândega de Valença passou a 9

Idem, ibidem

10

Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

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Idem, ibidem

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Informação dos párocos de Verdoejo, Gondomil, Friestas e Boivão, 1758

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O cálculo baseia-se nas informações fornecidas na época pelos párocos das cinco freguesias

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“Opressão sobre Sanfins” – Jornal Frontera Notícias, pág. 4, 2 de Junho de 2010

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Figura 08 - Planta de implantação antes da intervenção da ex-DGEMN

Figura 09 - Planta de implantação depois da intervenção da ex-DGEMN

Figura 10 - Plantas, cortes e alçados da igreja

Figura 11 - Planta da igreja antes da intervenção da ex-DGEMN

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Figura 12 - Planta da igreja depois da intervenção da ex-DGEMN


exercer, por livre arbítrio, jurisdição fiscal sobre os bens e produtos transaccionados. Pelos vistos, sobrepôs-se à superintendência fiscal do concelho de Sanfins, ao qual competia a regulação económica concelhia, situação que pode ser justificada pela presença habitual de muitos galegos na feira de Sanfins15. Com a extinção da Companhia de Jesus, o mosteiro transitou para particulares e a igreja passou a servir de paroquial. No ano de 193116, decide-se restaurar a igreja, então ao abandono e já em 1995, criou-se um protocolo entre a Região de Turismo do Alto Minho, a ex-Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, a Direcção-Geral do Património e o Fundo de Turismo para recuperação, beneficiação e criação de um itinerário de visitas integradas das igrejas românicas da bacia do Alto Minho. Recentemente, com o apoio de técnicos das Universidades do Minho e do Porto, foi feito o estudo de um projecto de remodelação do edifício e adaptação a um projecto turístico, ao qual não tivemos acesso.

Análise e diagnóstico A igreja de São Fins de Friestas, localizada na freguesia de Sanfins e incluída no Itinerário do Românico do Alto Minho, é uma igreja com nave estreita, quase da mesma largura da capela-mor, e de grande altura, adoptando dois níveis de frestas para solucionar os problemas da iluminação. Segundo Carlos Ferreira de Almeida, a dimensão da nave, pequena em relação à cabeceira, deverá apontar para a sua construção em data posterior. Dessa segunda fase construtiva, ou até mesmo de uma terceira, deverá datar, segundo o mesmo autor, a galilé, cuja existência explicava a relativa pobreza e a pouca profundidade do portal principal da igreja. A exuberância da sua decoração arquitectónica, com grande quantidade de cachorros, capitéis e mísulas de volumosa escultura animalesca e vegetal, faz desta igreja um dos exemplos mais importantes do Românico em Portugal, seguindo os padrões da Escola da Sé de Tui que o Alto Minho no fim do século XII e início do século XIII ainda adoptava. Destacamos a frequência com que o motivo do boi de raça galega aparece, existindo mesmo no interior um capitel com cabeça de novilho. O tímpano do portal axial tem gravada uma serpente e uma banda de ornatos geométricos – como surge em Rubiães e na igreja da Comenda de Távora – com carácter apotropaico. A ábside, com um tramo rectangular e outro em semicírculo, representa já uma evolução sobre o da igreja de Ganfei. Como regra da arquitectura românica, possui a fachada principal orientada 15

“Opressão sobre Sanfins” – Jornal Frontera Notícias, pág. 4, 2 de Junho de 2010

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Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

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B B B

Figura 13 - Planta do piso 0 do mosteiro

Figura 14 - Planta do piso 1 do mosteiro

Figura 15 - Planta de cobertura do mosteiro

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a poente, portal com três arquivoltas com capitéis vegetalistas. Nas fachadas laterais, há uma cornija sobre cachorros zoomórficos, geométricos e vegetalistas e existem também frestas a dois níveis diferentes. A cabeceira é percorrida por uma cornija sobre cachorros esculpidos, tem o primeiro tramo contrafortado e tem uma fresta com duas arquivoltas sobre colunas de capitéis vegetalistas. O seu interior está vazio, com frestas que rasgam a parede e permitem a entrada de luz, tem cobertura em madeira na nave e na capela-mor a cobertura é em abóbada de berço no primeiro tramo e em concha no segundo. O mosteiro tem, actualmente, planta em L dada a demolição de outro corpo que o interligava à igreja e possui diferentes tipos de silhares, uma delas medieval, o que poderá indiciar uma reconstrução do edifício. Do antigo mosteiro subsistem ainda muitos elementos, mas todos eles em ruína. É o caso do longo muro da cerca da igreja, aberto por portal de arco pleno, e sobre o qual ali corria, a grande altura, um aqueduto com canais a céu aberto que, desde o monte, trazia água para abastecer o mosteiro. As dependências monacais ainda existentes têm dois pisos, tendo no primeiro arcadas lavradas e no segundo janelas rectangulares. Numa das faces voltadas a Norte, há uma escultura tosca de um mamífero e noutra um bovino com a inscrição esculpida “BOPE”. Em frente à igreja existe também uma pequena fonte e uma caleira sobre pilares toscos que conduzia a água vinda do monte para o moinho. Marca da acção humana no domínio da região, a envolvente dos mosteiros deve ser entendida como extensão formal e funcional dessas estruturas, pois servia de área de cultivo. Também no caso do mosteiro de Sanfins, existem na sua envolvente construções que serviam de apoio ao cultivo, como é o caso de uma eira, uma base de um espigueiro, um moinho, campos de cultivo e zonas muradas. De entre os temas mais interessantes no âmbito da abordagem projectual no contexto das igrejas, conta-se, precisamente, com a aproximação ao objecto e à paisagem, que levam à transformação dos adros em plataformas mais ou menos regularizadas para observação e estabilização visual do conjunto edificado, como no caso da intervenção da ex-DGEMN na Igreja de São Fins de Friestas. Das intervenções realizadas pela ex-DGEMN, destaca-se a dos anos 30 aonde houve uma reconstrução completa dos telhados, a demolição de um campanário existente a Norte da igreja, demolição de construções anexas incluindo a galilé (que funcionara como capela mortuária), apeamento do coro, alargamento

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do adro, desentaipamento e reconstrução do portal a Sul, restauro das frestas, rebaixamento do pavimento e seu lajeamento, construção de um novo altar, raspagem de rebocos e limpeza das cantarias, reconstrução das escadas de acesso ao frontispício, colocação de pia baptismal e vidros nas frestas e reconstrução e modificação da casa que viria a ser a sacristia17. Ao longo dos anos foram feitas intervenções de salvaguarda18 como obras de reparação do telhado, reparação de portas e vitrais e instalação eléctrica, e em 1998 houve uma beneficiação do caminho de acesso.

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Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

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Ver Anexo I

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1.2 Arquitectura românica e escolas regionais

O termo românico, aplicado à arte, designa as manifestações artísticas que tiveram lugar nos séculos XI e XII, permanecendo até ao século XIII, nalgumas regiões mais afastadas dos grandes centros. Este novo movimento artístico que tem início na Borgonha e Normandia rapidamente se difunde por todo o espaço europeu. A arte romana e as artes do Oriente influenciaram a construção do mundo românico de acordo com a identidade das diversas regiões europeias. Para além dos veículos artísticos – tecidos, relíquias, marfins ou manuscritos – as Cruzadas tiveram um papel decisivo na sua divulgação. Temos igualmente de considerar a influência dos povos que habitaram o território europeu, como é o caso dos Árabes e Bizantinos na Península Ibérica. No século XI, a revitalização da economia e os novos meios de comunicação e de expansão, ajudaram a universalizar as conquistas, tendo desempenhado neste processo um papel fundamental: o ideal de peregrinação e a expansão das ordens monásticas. A estabilização das fronteiras dos reinos peninsulares permite uma maior estabilidade económica que está ligada à importância de Santiago de Compostela, que atraía peregrinos de algumas das importantes cidades do Norte – Porto, Guimarães e Braga. Esta foi, sem dúvida, uma das vias mais importantes de circulação das novas ideias estéticas. Das ordens religiosas que participaram no processo de repovoamento, destaca-se Cluny, que se assume como a ordem que assegura a expansão da Igreja para Ocidente, ao mesmo tempo que recebe as contribuições em metais preciosos na Península, nomeadamente em torno dos caminhos de peregrinação em que possui as abadias mais significativas. Segundo crónicas medievas, houve uma massiva construção de igrejas nos princípios do século X, o que pode explicar o crescimento da arte românica com uma força imparável, cujos motivos principais eram o factor religioso e a necessidade funcional dos edifícios. Como relata o monge Raúl Gabler no ano de 1003, Como se aproximara el tercer año después del año 1000, se vio en casi toda la tierra, pero sobre todo en Italia y Galia, la renovación de las basílicas de las iglesias; aunque la mayor parte no tuvieran ninguna necesidad, porque estaban muy bien construidas, un deseo

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de emulación llevó a cada comunidad cristiana a tener la suya más suntuosa que la de los otros. O que levou a estas intervenções foi o desejo de cada comunidade cristã ter a melhor igreja. Foi nesta época que muitos dos santos, que estavam em pequenas igrejas ou ermidas, passaram a ter um magnífico altar nas novas igrejas. Os artesãos da época passaram a estar ao serviço das comunidades que solicitavam os seus serviços para a transformação dos seus lugares de oração. As igrejas do Caminho de Santiago, que eram percorridas pelos peregrinos enquanto os pedreiros e escultores trabalhavam, constituíram um bom exemplo que mostra como esta arte se tornou quase como um museu com arte de vários artistas. A arte românica assumia-se como forma artística única dos povos europeus. Um peregrino que atravessasse a Europa medieval haveria de encontrar menos diferenças nessa época, do que actualmente se verificam, mesmo falando línguas diferentes, havia ainda a referência da língua latina como meio de informação. A religião mantinha unidade ainda que houvesse algumas diferenças entre as escolas teológicas da época. As aldeias, vilas e cidades mantinham semelhanças na sua realidade camponesa e de escassa população urbana e as igrejas românicas não diferiam muito de uma região para a outra, a função monástica era quase a mesma em todas as partes, estabelecendo a possibilidade de intercâmbio de monges de distintas nacionalidades, sem constituir um grande problema, nem para eles nem para a comunidade. Convém recordar que, graças às doações e isenções, foram criadas as primeiras multinacionais europeias - as ordens religiosas de beneditinos e cistercienses - para continuar depois o modelo com as ordens que as substituiriam e superaram na conquista de almas e bens. A acumulação de grandes excedentes de bens, terra e dinheiro, além da importância de intervenções políticas, foram determinantes na história da arte medieval e românica. Essa foi a base económica e construtiva das novas igrejas, aquelas que o monge Gabler descrevia como um “manto branco”. A arte românica foi o grande estilo europeu depois da decadência da arte de Roma, após a passagem pela pobreza artística que os romanos deixaram em morte lenta.

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Os modos arquitectónicos e escultóricos da arte românica deixam patente a importância da arte clássica romana nas novas formas que estavam a nascer. Não podemos falar de invenção da planta basilical no românico, porque já estava presente no mundo romano em edifícios com essa traça em obras civis; nem de uma nova escultura, porque as próprias ruínas romanas e os sarcófagos paleocristãos foram origem de inspiração dos novos artesãos. Já diziam os latinos que tanto na arquitectura como noutras coisas da vida “ex nihilo nihil fit”1, ou seja, nada vem do nada. Esta construção em massa deveu-se à potência de uma nova sociedade agrícola em expansão, cujos lucros levavam a novas construções, mais com a necessidade de reafirmar a identidade da aldeia, vila ou comunidade cristã, do que por necessidade eclesiástica porque havia a disputa pelo melhor exemplar em cada aldeia. Em nenhum momento a arte românica esteve estagnada, evoluiu pela iniciativa dos artesãos que a realizavam, dentro de uma linguagem comum. O que a leva a durar tanto no tempo pode dever-se aos ritmos lentos das sociedades antigas: não era como a realidade actual, cujo sentido da criatividade está ligada directamente ao mercantilismo renovador do mundo moderno. O românico chama hoje a atenção pela admirável beleza e equilíbrio das suas formas, tendo em conta a escassez de meios que dispunham para atingir tais resultados. Hoje somamos a esse equilíbrio, a beleza das paisagens onde se inserem os monumentos: locais ermos e solitários, em vales tranquilos e suaves ou em lugares ocultos das aldeias, sempre nas proximidades de um rio. Faziam-no seguindo a regra de São Bento, que exigia a construção dos mosteiros de forma aos monges não terem de ali sair para não porem em perigo a sua alma2. O românico é a grande obra dos reis, nobres, papas, bispos e abades como promotores e de mestres, escultores, pintores, pedreiros, artistas e artesãos, pessoas comuns, como realizadores. O promotor é o que imagina, o que promove e financia a obra de arte, deixando para os artistas a sua realização práctica. Primeiro deverá compreender-se 1 Ex nihilo nihil fit é uma expressão latina que significa nada surge do nada. É uma expressão que indica um princípio metafísico segundo o qual o ser não pode começar a existir a partir do nada. A frase é atribuída ao filósofo grego Parménides. 2 Como disse Ramón Molina, monge do mosteiro beneditino de São Salvador de Leyre, em Navarra, “… água e solidão não faltavam…” referindo-se à fundação do seu mosteiro.

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Figura 16 - Estaleiro de uma igreja rom창nica

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a necessidade do edifício, depois haverá que pensar na sua forma, porque qualquer edifício antes de se construir é teórico. A parte eclesiástica tinha como função promover a construção de edifícios e para isso eram necessários homens que pudessem levar a cabo este trabalho com consciência e talento, porque se o dinheiro era importante, era ainda mais a responsabilidade de quem o administra3. A arte românica não é absolutamente anónima, embora de autoria redundante. É muito difícil atribuir a gestão de uma obra e a realização da sua escultura devido à pouca importância dada àqueles que a realizavam. Esta informação não é fornecida em documentação e raramente existe em inscrições das cantarias e capitéis dos monumentos. Contudo, há alguns nomes, muito poucos, relativamente à quantidade de artistas que contribuíram com o seu esforço para a construção das igrejas. Entre os mais conhecidos podemos citar os mestres principais da Catedral de Santiago: Bernardo el Viejo e Esteban4. Há depois um reduzido número de nomes de mestres rurais que são citados, por inscrições na própria obra ou em documentação, mas são relativamente poucos comparando com a quantidade de edifícios construídos por eles. Na verdade, era um mundo em mudança, uma vez que foi sendo construído ao longo dos anos, e recebia alterações ao longo da sua construção, como é possível observar nas grandes construções, onde o trabalho é realizado por um longo período de tempo com a colaboração de diferentes mestres, que normalmente tinham também equipas de escultores diferentes. É precisamente com estas mudanças que percebemos as várias fases construtivas de uma igreja.

3 Bispo Bernward de Hildesheim afirmou: “construí uma igreja e vi cumprida a minha promessa de honrar e louvar o nome de Deus”. 4 Maestro Esteban, conhecido também como Maestro de las Platerías, foi um escultor e mestre de obras románicas, que trabalhou na península Ibérica, no ínicio do século XII. Consta que no ano 1101 passou a trabalhar na catedral de Pamplona, mestre da catedral de Santiago, em Gómez Moreno, María Elena. Mil Joyas del Arte Español, Piezas selectas, Monumentos magistrales: Tomo primero Antigüedad y Edad Media. Barcelona, Instituto Gallach, 1947.

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Figura 17 - Portal da Catedral de Tui

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Se tivéssemos de enumerar os passos que deveriam dar-se para a construção de qualquer monumento eclesiástico poderíamos sistematizá-los da seguinte forma: 1-

Necessidade espiritual da criação da igreja ou mosteiro;

2-

Pensar a obra e adequá-la à necessidade material;

3-

Pesquisa de promotores;

4-

Realização do trabalho com um mestre de confiança e sua equipa de escultores;

5-

Desenvolvimento da construção;

6-

Uso e exploração da obra.

O românico mostra a sua importância patrimonial principalmente na arquitectura das igrejas construídas. Quando nos referirmos a esta arte medieval tentamos resumir toda a sua beleza na arquitectura dos seus monumentos, com a sua grandiosa escultura e subtileza das suas pinturas, juntamente com outras artes: roupas, jóias, vasos sagrados, castiçais, livros e todo o tipo de utensílios com que se forma o mundo românico. A capela-mor, as fachadas, o transepto, as portas, a cúpula, o altar, tudo estava confinado à beleza, como afirmava Alberto Magno5 … a essência da beleza no universo está no resplandor das formas proporcionadas da matéria ou sobre as diversas forças ou acções… Mas também há uma articulação divina para levar o material ao espiritual, como afirmava Ulrico de Estrasburgo6 Deus não só é completamente belo, mas também é a causa de toda a beleza criada. Havia a intenção dos edificios medievais serem criados com a forma mais bela possível, em pequenas ou grandes construções aliando a qualidade construtiva à glória divina. O românico desenvolveu a sua técnica construtiva com muito poucos elementos, mas todos eles eram bem estruturados e relacionados entre si, de modo que o conjunto de arte simples e primitiva com volumes adequados e escultura apropriada resultassem de forma muito eficaz e duradoura. 5 Albrecht von Bollstädt, conhecido como santo Alberto Magno ou Alberto de Colônia, foi um frade dominicano, filósofo, teólogo, naturalista, químico e alquimista germânico. Professor renomado no século XIII, foi mestre de Tomás de Aquino. Bispo de Regensburgo e Doutor da Igreja, tornou-se famoso por seu vasto conhecimento e por sua defesa da coexistência pacífica da ciência e da religião. É considerado o maior filósofo e teólogo alemão da Idade Média e foi o primeiro intelectual medieval a aplicar a filosofia de Aristóteles no pensamento cristão. 6 Ulrico de Estrasburgo (1225 – 1277) foi um teólogo e filósofo alemão, discípulo de Alberto Magno. Ulrico defende que a beleza está na forma, e identifica Deus como beleza suprema e causa de todo o belo.

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Todos os arqueólogos reconhecem a dificuldade, se não a impossibilidade, de estabelecer uma classificação do românico peninsular por escolas, à semelhança do que acontece em França. Tirando Santiago de Compostela, influenciado pela escola de Toulose e de algumas igrejas da Catalunha enquadradas na temática lombarda, tudo o resto está bem marcado por influências regionais. Embora o mosteiro de Sanfins esteja também marcado por estas influências, este pequeno templo insere-se na tipologia da escola de Tui, como o comprovam a extraordinária riqueza decorativa dos seus capitéis historiados, dos cachorros e de toda uma abundante ornamentação zoomórfica e vegetalista. Quanto mais se caminha para Ocidente, mais nítidas se tornam as influências regionais, marcadas não só por motivos de ordem social e económica, mas também pelo aproveitamento dos materiais existentes na localidade e por uma gramática de tipo indígena. Embora não se possa aceitar como realidade exclusiva que a arte românica só se verificou ao longo dos caminhos de peregrinação, é conveniente considerar o caminho de Santiago como um foco e coluna vertebral da arte românica no norte de Espanha7. Como afirma Gaillard, a peregrinação a Compostela, em vez de produzir uma uniformidade monótona, estimulou a originalidade criadora de cada etapa do caminho de Santiago8. Gaillard divide o românico português em dois grandes grupos – o das catedrais e o rural – parecendo insinuar que o românico das catedrais é de importação francesa, trazido pelo Conde D. Henrique, pelos bispos, pelos monges de Cluny e pelos artistas que os acompanharam - S. Geraldo veio de Sahagum e mandou prosseguir as obras da Sé de Braga, tendo-se iniciado a sua construção no tempo do Bispo D. Pedro. No Porto, foi D. Hugo que mandou construir a Sé. Nas Sés de Coimbra e Lisboa, trabalharam os mestres franceses Bernard e Roberto.9 Quanto ao segundo grupo – o rural – exceptuando algumas igrejas mais amplas e mais apuradas pertencentes a mosteiros antigos, afirma que nelas se revela um primitivismo rude e a sua arte, em grande parte, é indígena (…) a ausência de uma tradição pré-românica explica, em parte, a simplicidade da arte 7

Valeriano Bozal, Historia del Arte en España, Madrid, 1972.

8 1961.

A. Bonet Correa, Las Peregrinaciones e Santiago de Compostela y el Arte Románico en Goya, Madrid,

9

Maria Helena Matos, Estudo sobre a Sé de Braga - Bracara Augusta, vol. IX e X, 1959

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românica portuguesa10. Como afirma C. A. Ferreira de Almeida, “unidade e variedade” é o axioma que pode sintetizar qualquer percurso que se faça pela arquitectura românica europeia e portuguesa. O percurso feito pelas nossas igrejas românicas não nos deixa qualquer dúvida sobre a existência de semelhanças regionais e acerca das notórias diversidades de região em região, apesar da unidade do estilo, dos contágios e de algumas intromissões. Não admira pois que desde o século passado tenham aparecido sucessivas tentativas para agrupar a arquitectura românica em “escolas regionais”, embora a sua caracterização e, ainda mais, a demarcação dos seus limites apresentem muitas dificuldades. Há autores que defendem uma classificação feita a partir da configuração dos grandes elementos do plano e outros autores, defendem as “famílias de igrejas”, a partir de monumentos mais nucleares, como catedrais. Este último critério parece-nos muito aceitável para Portugal porque tem em atenção a importância da catedral sobre o território diocesano, embora não fique preso a este. Não há dúvida de que a classificação das igrejas românicas por regiões continuará a impor-se pelas bacias dos pincipais rios. O estilo românico teve em Portugal uma longa permanência e, por isso, dentro de cada região, ele pode mostrar-nos notórias diferenças de raiz evolutiva, ou seja, de explicação cronológica. Valorizando os possíveis aspectos estruturais, o planeamento espacial, a organização dos elementos dos portais e das frestas, a forma das colunas e a sua decoração, notamos a existência de diferenças de região para região. No geral, as igrejas românicas do Alto Minho revelam um espirito de pobreza acentuado, próprio da época em que foram construídas. Com afirmou Reynaldo dos Santos, poderíamos caracterizar este românico como pobre, forte, rude e sem requinte11. Estas igrejas não revelam grandes exigências de materiais ou de traços arquitectónicos. A sua construção deveria ter sido relativamente fácil, no entanto, a sua decoração, se dispensou recursos materiais, não dispensou recursos humanos. Os canteiros que decoraram os portais, as frestas, os modilhões, os capitéis e as arquivoltas tinham de ser bons artistas. Estes artistas românicos, quase todos remetidos ao anonimato por imposição das regras das associações de artes e ofícios em que estavam inscritos, não 10

Comunicação ao Congresso Histórico de Portugal Medievo, Bracara Augusta, Vol. XVI-XVII, 1964

11

Oito séculos de Arte Portuguesa, vol. II.

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Figura 18 - Planta da igreja de Ganfei

Figura 19 - Alçado da igreja de Ganfei

Figura 20 - Planta da igreja de Longos Vales

Figura 21 - Alçado da igreja de Longos Vales

Figura 22 - Planta da igreja de São Fins de Friestas

Figura 23 - Alçado da igreja de São Fins de Friestas

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só esculpiam na pedra um conjunto de objectos de arte, como, também encheram de significado cultural as formas simbólicas desses mesmos objectos12. Muitos deles eram monges ou tinham recebido a sua formação nos conventos; outros, simples pedreiros curiosos, que pelo seu trabalho ainda hoje nos surpreendem. O românico do vale do rio Minho, uma das mais personalizadas linguagens deste estilo em Portugal, vem até ao rio Lima, em cuja bacia se notam também influências bracarenses. Nesta mancha há uma família de igrejas românicas caracterizadas pela potência arquitectónica das suas capelas-mores que mostram dois tramos bem distintos, pela solução simplificada dos seus portais e, sobretudo, pelo estilo, volume e rigor da decoração animalesca ou vegetal que exibe nos seus capitéis e cachorros. É um românico de expressão galega que tem, como monumento de referência, a Sé de Tui que por sua vez está na sequência da segunda fase da arte da Catedral de Compostela. Não admira que assim seja, dado que toda esta área pertenceu à diocese de Tui, até 1378. As igrejas de Ganfei, dos meados do século XII, e as de Longos Vales e de Sanfins de Friestas, um pouco mais tardias, caracterizam este agrupamento românico enquanto que nas igrejas de Orada, de Paderne e de Melgaço, dos meados do século XIII, há uma nova expressão com sintomas góticos. As arcadas dos portais chanfram-se para receberem grandes florões, na sequência do portal axial da Sé de Tui, os capitéis tornam-se mais estreitos e a sua decoração é quase totalmente vegetal e floral e não tem o volume da época anterior.

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Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Arquitectura Religiosa do Alto Minho, Lisboa, 2001.

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1.3 A importância do mosteiro na época românica

Os mosteiros foram os melhores aliados da arte românica para o seu estilo e, por sua vez, contribuíram para o desenvolvimento da vida religiosa. O mosteiro é um projecto de serviço eclesiástico - São Bento13 declara-o como a Casa de Deus – e está relacionado com a divulgação da fé, que se realiza através da evangelização dos novos mundos, dentro de formulações espirituais, mas ao mesmo tempo é um projecto de alojamento. Deverá preservar o seu espírito material, mas também a transmissão da fé evangélica, sendo o que procuram os monges em lugares remotos com um mundo diferente das aldeias de onde saíram. O mosteiro é um mundo carregado de espiritualidade, arte, economia e poder com dinâmica local. Recebendo o benefício económico da zona envolvente irá perpetuar a sua existência, porque deveria ser auto-suficiente, como refere a Regra de São Bento. Chegaram a ser verdadeiros centros do poder, com repercussão nas sociedades civis onde se instalavam e modificavam o modo de vida da região. Eram um elemento fundamental na interacção social do momento entre a monarquia, os nobres e o povo, com influência nos círculos políticos devido às suas doações, as manobras para as manter e melhorar, as conquistas económicas e a desejada independência relativamente aos bispos e ao Papa. A relação da nobreza com os mosteiros sempre foi de bom entendimento, porque quem quer crescer, deve procurar a protecção daqueles que podem contribuir para a sua elevação, o que foi bem entendido desde o início pelo poder eclesiástico. Sem essa ajuda é difícil especular sobre o nível que tinham alcançado. Os benefícios podiam vir através da colaboração directa ou de isenções fiscais, assim como a protecção jurídica e pessoal, mas grande parte do poder e influência social estava fundamentada na actividade e exploração agro-pecuária, dinâmica inerente à colonização de novas terras e na melhoria dos recursos existentes com a recuperação de terras sem cultivo e aproveitamento dos recursos hídricos. As terras ocupadas seriam propriedade do próprio mosteiro e a sua exploração, no início, correspondia aos monges como método de salvação e de 13 São Bento de Núrsia foi um monge italiano, fundador da Ordem dos Beneditinos, uma das maiores ordens monásticas do mundo. Foi o criador da Regra de São Bento, um dos mais importantes e utilizados regulamentos de vida monástica, inspiração de muitas outras comunidades religiosas.

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subsistência da comunidade. Com o tempo, e por abundância de terrenos que iam adquirindo, foi necessário introduzir outro tipo de mão-de-obra, inclusivamente arrendar parte das terras. Havia também terrenos suficientes dentro da área murada do mosteiro que proporcionavam alimento suficiente para a economia doméstica, suplementada com estábulos, celeiros, moinhos, oficinas e todo o tipo de serviços, necessários ao desenvolvimento da vida económica da comunidade. Existia também domínio territorial sobre uma diversidade de terras distantes onde havia o cultivo de vinhas, alimentação do gado e fornecimento de alimento suficiente que a comunidade necessitava para além da horta do mosteiro. O certo é que grande parte da vitalidade económica dos reinos cristãos medievais estava nas mãos dos monges, chegaram a ser autênticos impérios económicos14, mas não foi apenas economia e poder, também atendiam às necessidades religiosas e culturais próprias e em redor. Ninguém pode negar o trabalho da fé, nem a salvaguarda dos valores culturais. Aplicavam a cultura como uma necessidade interior no estudo da filosofia, da literatura e da teologia, mas também tinham cuidado com o impacto causado nas escolas que fundavam nos mosteiros para promover as pessoas que os habitavam ou aproximavam dos mosteiros. Elas foram durante muito tempo os únicos centros de ensino em muitos quilómetros até a chegada das universidades e escolas catedráticas: as obras de arquitectura, escultura e pintura presentes nos mosteiros tiveram influência das regiões fronteiriças. Mas nem todos os mosteiros eram iguais, havia grandes e pequenos, poderosos e dependentes, com influência desigual na sociedade. Este exemplo dos mosteiros refere-se aos grandes, mas a existência dos pequenos sustenta a importância do movimento, nada que não seja parecido com o que sucede hoje em dia com as entidades monásticas. Pelos grandes é que podemos reconstruir a história do monaquismo, pelos seus documentos, pelas suas posses, e pelo que contribuíram para a história, para a cultura e para a civilização a que pertencemos. Segundo Duby15, o mosteiro é, sem dúvida, o organismo a partir do qual o românico vai germinar e desenvolver-se, chegando aos campos e às cidades. As comunidades monásticas escolhem a ruralidade para viver, estruturando aí o novo saber e as novas ideias depuradas de tudo aquilo que as pudesse afastar da nova espiritualidade. 14 No início do século XIII, a abadia francesa de Morimond chegou a possuir 1600 hectares, 700 bois e 2000 porcos, dados do Portal Amigos del Românico. 15

Marie Madeleine Davy, Initiation à la Symbolique Romane, Paris: Champs Flammarion, 1973.

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Figura 24 - Plano de S. Gall

Figura 25 - Planta do Plano de S. Gall

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Os monges servem de intermediários entre o mundo dos vivos e dos mortos e, erguendo os mosteiros sobre os túmulos dos santos ou dos mártires, asseguram-lhes o culto e, dentro do espaço fechado que é o mosteiro, desenvolvem uma vida de relação com o sagrado, que está no Ocidente, regulamentada a partir do século VI pela Regra de S. Bento. De acordo com esta regra, os monges devem desenvolver dentro da cerca do mosteiro todas as actividades que necessitam para a sua sobrevivência. Quanto ao mosteiro, deve ser, se possível, construído de tal forma que tudo o necessário, quer dizer, a água, o moinho, o jardim e as diversas profissões, se exerça no interior do mosteiro16. O mosteiro de Sanfins tinha também uma comunidade que vivia dentro do couto e que recebia foros, rendas e primícias (de caça e pesca), cuja cobrança era particularmente severa. Entre os tributos que cobravam contava-se o das «reconhecenças» que consistia em receberem a primeira peça de caça montesa (veado, corça, javali) abatida ou apresada em cada ano, e no primeiro peixe de preço (salmão, truta marisca, sôlho, lampreia) que alguém lograsse pescar na parte do rio sujeita ao mosteiro por direito de confinidade17. Os habitantes do couto usufruíam de isenção do serviço militar e só eram obrigados a sair da área do mosteiro quando o rei, em pessoa, participasse no combate e exigisse por tal motivo a sua presença. Segundo a Regra de S. Bento, os monges devem viver segundo os preceitos da humildade, pobreza e obediência ao abade com um quotidiano dividido entre o trabalho manual e a oração. A ociosidade é inimiga da alma e, por isto, os irmãos devem estar ocupados em determinados tempos no trabalho manual e em horas determinadas na leitura divina18. Correspondendo a este espírito temos o projecto ideal para um mosteiro, conhecido por Plano de S. Gall. Esta planta sintetiza de uma forma exemplar a organização arquitectónica de um tipo de mosteiro que, com algumas variantes, será seguida na época carolíngia. Na Europa da Idade Média, os mosteiros serviam também como abrigo para os viajantes. A grande abadia beneditina de Cluny, em França, de grande dimensão, chegou a receber a corte de Luís IX de França e a corte papal de Inocente IV em simultâneo19, enquanto que os mosteiros mais pequenos, ocupavam-se dos caminhantes. 16

La Régle de Saint Benoit, Paris, Editions du Cerf, 1972.

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Boletim DGEMN n.º 11 - Igreja de S. Fins de Friestas – (Março de 1938)

18 Manuel Real, O Românico Condal em S. Pedro de Rates e as transformações beneditinas do século XII, Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. XXI, nº1, Póvoa de Varzim, 1982. 19

Consultado em http://pt.shvoong.com/humanities/history (28/11/2013)

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Os mosteiros exerceram uma grande obra civilizadora na Europa, principalmente no período medieval, além de colonização, exploração territorial e de pesquisa científica. Os mosteiros eram as maiores construções medievais, estando intercalados entre os recintos defensivos para acomodar as multidões que necessitavam de momentos de protecção. A arte românica teve o seu auge na mesma época do esplendor máximo dos mosteiros, no entanto há também muitas catedrais canónicas e igrejas rurais. Há que entender o mosteiro como um grupo de edifícios e construções destinadas ao uso religioso e comum de quem os habita. Se se pode entender a arquitectura como um modo de viver, a religiosa prova perfeitamente essa intenção, respondendo às necessidades e costumes de quem a promove e ocupa, porque a arquitectura é a expressão racional do espaço que se ocupa, neste caso, igreja e mosteiro.

1.4 Mosteiro românico

Os modelos arquitectónicos dos mosteiros mantiveram umas formas muito repetidas até hoje em dia, tendo em conta que as necessidades dos monges eram semelhantes, ainda que com algumas variações segundo as ordens e as alterações introduzidas desde então. Haverá neles, antes e agora, melhor dotação das peças mais relevantes, o que agora denominamos zonas nobres, como eram a igreja, o claustro e a sala capitular. Tudo deve remeter para um lugar de oração eterna, nas situações espirituais ditadas pela práctica do evangelho. Possuem na sua construção uma planta de magnífica distribuição de acordo com as necessidades e superam grandes dificuldades, tais como a cobertura, o desenho das abóbadas, a coroação das cornijas, os cunhais, entre outros elementos. A igreja era a peça chave que deveria constituir o centro das atenções devido às necessidades litúrgicas que nela se realizavam, era o lugar com mais uso para reunião da comunidade e nem sempre foi a primeira construção, porque aquando da chegada dos monges era necessário construir um abrigo, mas era edificada logo de seguida. Ao seu lado fica o claustro, espaço que articula todas as dependências

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do mosteiro. Era de forma quadrangular, simétrico e ajardinado com quatro corredores que permitiam a circulação em seu redor, às vezes com um tanque numa esquina e um poço ao centro. Era o lugar ideal para meditação, ponto de encontro e silêncio. A sala capitular situava-se num dos lados do claustro e era utilizada para actividades de reunião oficial da comunidade, para debates religiosos, para conselhos espirituais e confessionário. Tinha uma cobertura abobadada e acesso directo ao claustro e por cima situavam-se parte dos dormitórios. A sacristia era pequena, estava entre a igreja e o claustro e era o local onde se guardavam as vestes usadas na realização da eucaristia, os livros e os objectos litúrgicos. Na biblioteca guardavam-se os livros de ensino e havia acesso restrito por possuir publicações pagãs: os filósofos da antiguidade assustavam os monges e convinha uma certa preparação para consultar esses livros. O refeitório era onde comiam os monges - era diferente para os monges e para os convertidos, assim como o coro – e estava situado na banda oposta à igreja, entre a cozinha e o calefactório20. Tinha espaços altos e abobadados e era muito amplo para poder acolher todos os monges do mosteiro. A cozinha tinha ligação com o refeitório dos monges e o dos convertidos e tinha proporções consideráveis. No calefactório era onde se aqueciam os monges e era uma necessidade contra os climas rigorosos como abrigo e secador de roupas húmidas e também o local onde se cortava o cabelo e a barba. O dormitório estava situado no piso superior, sobre o calefactório, que fazia de aquecedor do tipo hipocausto21 dos romanos. Muitos mosteiros ligavam o dormitório ao transepto da igreja por uma porta superior e descendo umas escadas alcançava-se o coro com comodidade e fluidez. A arquitectura cisterciense realizou alterações de acordo com os princípios de sensibilidade e pobreza que São Bernardo tinha introduzido como novas formas de arquitectura e vida - os edifícios careciam de ornamentação, sem escultura nem pintura e com vitrais incolores. Alternava a situação do refeitório que 20 Calefactório: sítio, num convento, onde os religiosos vão aquecer-se (Do latim calefactorĭu-, «que tem a propriedade de aquecer»). 21 Hipocausto (latim: hypocaustum) é uma palavra de origem grega cujo significado literal é “aceso por baixo”: hypo significa “sob”, “por baixo de” e kaiein, “acender”. O hipocausto era um sistema de aquecimento, geralmente do período romano, em que o ar aquecido numa fornalha (praefurnium) circulava sob o pavimento de um edifício e daí através de tijolos perfurados colocados no interior das paredes.

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Figura 26 - Alรงado Norte da igreja Sรฃo Fins de Friestas

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seria perpendicular ao claustro, não como os beneditinos aonde era longitudinal e introduzia sistematicamente o arco apontado e uma fonte no claustro, em frente ao refeitório como elemento de higiene.

Fachadas A arte românica tem os seus componentes estéticos fixos, codificados desde a sua criação, independentemente dos valores arquitectónicos. As paredes são o local onde terminam as forças mecânicas do edifício, resultando sólidas e compactas, e onde as forças gravíticas descarregam em contrafortes que suportam os esforços das abóbadas, evitando a ruptura das mesmas e a ruína da igreja. Com uma espessura que varia entre sessenta centímetros e um metro estavam construídas por dois paramentos de pedra, reforçando a sua solidez. É nesta fase construtiva que se baseia o êxito da construção, que se pretende bela e resistente. Nas obras de menor porte havia menos dificuldade para elevar as paredes, já que não necessitavam de contrafortes pela pouca altura que alcançavam e porque a cobertura era, normalmente, em madeira e não em pedra, o que evita o reforço da parede. Mas também é verdade que devido à sua menor superfície possui menos espaço para decoração - como capitéis, pilastras, frestas moldadas - tornando-a menos atractiva. Da boa articulação da parede depende, em grande parte, a beleza da obra, pois é necessário recordar a importância da fachada principal, assim como a cabeceira, mas também as fachadas Norte e Sul. A parede rectilínea é a mais usada na construção da igreja, por isso, e por ser o elemento mais visível, foi necessário concebê-la da melhor maneira possível, caso contrário, dava um efeito de caixa e não de volume articulado, onde as superfícies das fachadas e contrafortes estavam diminuídas pela decoração horizontal das frestas, das portas e da cachorrada presente na cornija. Por vezes, podemos contemplar a parede em toda a sua extensão, rivalizando com a beleza da cabeceira, com o equilíbrio das torres da fachada principal e com a fachada do transepto encimado por uma cúpula.

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Figura 27 - Capela-mor da igreja S達o Fins de Friestas

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Abside ou Capela-mor A abside, ou capela-mor, é o módulo principal da igreja, seja na organização interior ou exterior. Por ela se começa normalmente a construção do edifício e procurava-se terminar o mais rápido possível para instalar o altar e celebrar a liturgia divina, mesmo sem ter completado a igreja. Os textos medievais mostram-nos a obrigação do mestre erguê-la na parte Nascente da igreja, voltada para Poente, como símbolo da Palestina distante, mas também com o significado da luz que nasce, com a chegada de Cristo de madrugada. O aparecimento da abside na história da arquitectura não se inicia na arte românica, mas sim no mundo romano e nas antigas basílicas paleocristãs, com a mesma função de lugar célebre nas cerimónias que ali se celebravam. O motivo de tal construção na arte românica surge com o desejo de enquadrar o lugar de máxima sacralização na celebração da liturgia eucarística e a sua localização deve ser visível para o maior número de fiéis que haviam de estar nas naves: a sua criação no cabeçalho do edifício iria resultar na forma mais funcional por poder ser contemplado pela comunidade de fiéis. O interior da abside está centralizado pelo altar como elemento principal dos rituais, mas nem todas as absides se dispuseram de forma semelhante: no exterior coordenavam os seus volumes em escalonamentos de massas. O mais comum era a inserção de um volume semicircular ao fundo de uma planta rectangular tal como a igreja de São Fins de Friestas, ainda que houvesse variações de acordo com as necessidades da comunidade e o modo como se entendia a obra. Regiões inteiras afastaram-se dessa formulação semicircular, como sucede na Galiza, que opta maioritariamente por formas rectangulares e poligonais na abside. Mas o que realmente importa é que o românico introduz uma regra geral nos volumes da cabeceira que dissolviam distorções ao simplificar e estereotipar os módulos, de uma forma prática, levando a um ajuste estético mais ou menos regularizado. Houve uma grande proliferação de absides nas cabeceiras das grandes plantas basilicais e catedráticas, mas menos nas igrejas rurais, onde a escassez de evolução arquitectónica não permitiu desenvolver mais do que uma abside: por vezes com melhor decoração que nas grandes igrejas, como sucede na Catedral de Santiago, onde a abside poligonal é de menor valor decorativo do que a generalidade das suas cópias nas terras de influência da Galiza. As possibilidades de construção de uma ou mais absides dependiam da

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estrutura da planta: se a igreja tinha uma só nave, correspondia apenas uma abside, sendo semicircular, rectangular ou poligonal; se a planta era de cruz latina podia ter uma ou três absides, sempre com mais decoração na central do que nas laterais; se a planta era basilical, estava estabelecido o padrão de três absides, com maior importância da central, mas havia grandes igrejas que tinham uma grande abside central e mais quatro nos braços do transepto, como a Catedral de Orense.

Abóbadas A arte românica é herdeira, nas suas formas tectónicas, das artes anteriores porque não é um modelo isolado, está ligada com o passado. Nessas circunstâncias do conhecimento do mundo antigo, sobretudo o romano, podemos entender a imitação dos espaços abobadados como uma necessidade da arquitectura, no entanto, a arte românica utilizou abóbadas com determinadas características, o que leva a pensar que foram uma invenção da própria arte medieval. Embora a igreja de São Fins de Friestas possua uma cobertura em madeira, parece-nos pertinente fazer uma breve análise das coberturas abobadadas. A abóbada é o culminar da obra, tem como função o remate final de todo o conjunto e a resolução práctica dos esforços da abóbada resultou na transmissão de conhecimentos ao longo dos anos. A preferência pela cobertura abobadada em pedra em vez da de madeira excluía os riscos de incêndio, melhorava a ressonância dos cantos litúrgicos e quando pintada era melhor esteticamente. No entanto, provocava enormes problemas na dinâmica do edifício, porque era necessário manter as tensões do seu peso em equilíbrio. Nem todos os que construíram tinham o mesmo grau de aprendizagem e conhecimento, pelo que se deve o facto de muitas obras terem terminado em ruína, no momento da construção ou com o passar dos anos por não ter um assentamento e rigidez precisa. A abóbada mais comum era a de berço, que tinha a sua articulação em forma de arco de volta perfeita mas, aquando das mudanças na época tardia do românico, construíram-se abóbadas de berço apontadas. Nas absides era comum usar-se um quarto de esfera. A tensão provocada pelo peso da abóbada era reforçada por arcos que apoiavam nos contrafortes. Os contrafortes exteriores eram a lógica do equilíbrio e das pressões diagonais que se exerciam nas paredes, porque o impacto da abóbada nunca se concentra apenas sobre o plano vertical, mas sim sobre o ho-

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rizontal e o diagonal, no entanto, não eram o único método de equilíbrio, porque as abóbadas das naves laterais e de quarto de esfera também contribuíam para o absorvimento das tensões da abóbada central. O sistema alcançou a perfeição quando se instalaram tribunas sobre as abóbadas das naves laterais, porque ajudavam a fazer a descarga das tensões superiores. Talvez o mais surpreendente de hoje em dia ao contemplar essas abóbadas seja a solidez e a altura que alcançaram algumas delas, e tendemos a não dar importância à sua amplitude porque se assemelham às dos melhores edifícios modernos que conhecemos. Este é o valor do conhecimento antigo, mil anos se passaram e ainda se mantêm de pé.

Altar Como em todas as artes cristãs, também no românico existe a formalização do altar no templo para satisfazer as necessidades do culto. Na base teológica da religião cristã está o sacrifício de Cristo que instituiu, de uma forma simbólica, o ritual do seu oferecimento na Última Ceia, onde instaurou simbolicamente a Eucaristia como memória da sua morte na Cruz. Com a sua Ascensão aos céus termina o seu ciclo na Terra e começa a aplicar-se a liturgia da Eucaristia como lembrança do seu sacrifício. Essa celebração da transformação do pão na Sua carne e do vinho no Seu sangue realizava-se no altar, que chegou a ser o lugar supremo, a cabeça de Cristo no simbolismo da representação da sua figura nas plantas das igrejas. Situava-se na cabeceira, alojado no fundo da abside, destacando-se com monumentalidade própria, definindo os volumes do interior e salientando a sua importância no exterior com uma maior protecção da abside central, aonde estava a divindade superior, sendo as absides laterais de menor importância. Toda a arquitectura do edifício românico estava definida em função do altar e o seu uso estava reservado unicamente ao sacrifício litúrgico que ali se fazia representar. Os fiéis observavam à celebração fora da abside. A consagração do altar era uma das cerimónias mais importantes das comunidades, pois significava a exaltação da morte e ressurreição de Cristo. Essas consagrações estavam reservadas somente ao Papa, aos bispos e abades dos mosteiros, que muitas vezes faziam a consagração mesmo com a igreja por terminar, porque a urgência do uso assim o determinava. A estrutura dos altares era basicamente a de uma mesa plana sobre co-

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Figura 28 - Claustro do mosteiro de SanďŹ ns

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lunas ou outro suporte, com ou sem decoração. A mesma mesa podia ter a sua frente tapada e a decoração podia ser de relevos na pedra ou em talha de madeira com pinturas e dependia da vontade e riqueza de quem promovia a obra. Há muito poucos altares da época românica, apenas restam algumas decorações em talha de madeira pintada em museus e, também na igreja São Fins de Friestas o altar actual foi colocado durante a recente intervenção da ex-DGEMN.

Claustro Os claustros não surgiram na época românica, já era uma arquitectura conhecida nas basílicas paleocristãs, no entanto, atingiram a plenitude da sua estrutura nesta fase. O claustro constituía a representação do paraíso, reconstruído no centro da clausura monacal, onde tudo devia ser harmonioso na busca da perfeição dos seres que nele habitam e desenvolvem a sua vida diária de reflexão. Está constituído fisicamente por quatro compartimentos, formando uma estrutura quadrada adossada ao muro da igreja e, embora existam excepções a esta disposição, são excepções à regra. Esses compartimentos estavam abertos ao exterior com arcadas, alojando capitéis com escultura de grande valor, de modo a que ambas as formações, escultórica e arquitectónica, alcançassem um dos mais belos conjuntos da planimetria geral dos mosteiros. O claustro é realizado como quadrado, mas interpretado à semelhança de Deus como os quatro rios evangélicos, como as suas quatro fontes que são a representação simbólica do evangelho e com os quatro pontos cardiais. O claustro é o “coração” do mosteiro, de onde se acede às distintas dependências do edifício, mas também é o lugar das reuniões, o lugar comum de convívio, o lugar que oferece melhores condições para a reflexão com tranquilidade e é nele que se desenvolve a meditação dos textos divinos. Era também um lugar sacralizado e harmónico, a casa da sabedoria cristã, onde convivia uma comunidade de homens ou mulheres com o objectivo de praticar a virtude. No reconhecimento do claustro, o monge fortalecia a alma para entrar no mundo da meditação em busca da perfeição e, por isso, era um lugar fechado, de clausura. É certo que hoje em dia isto já não acontece e podemos aceder a este espaço como visitantes. A arte românica era uma arte de pedra, e o claustro era também um espaço em pedra, porque ali se desenvolvia uma escultura exemplar dentro de uma

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Figura 29 - Portal da igreja S達o Fins de Friestas

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arquitectura singular. Tinha uma escultura monumental com diferentes temas: religiosos, fantásticos, alegóricos, vegetais, geométricos, muitos deles sobrepostos e havia cenas da vida de Cristo com mundos semelhantes e opostos, mas tudo se fazia corresponder ao divino, incluindo os monstros que apareciam com frequência, como histórias do mundo do mal e da perversidade, que muitas vezes adquiria formas fantásticas. Foi essa mistura que levou à revisão das teorias artísticas e decorativas por parte de São Bernardo que defendia mais austeridade, não só nos claustros mas também na vida conventual, depois de se ter passado pela experiência da riqueza beneditina. Com esta revisão, houve uma mudança na decoração dos claustros românicos que possuíam capitéis variados e também uma transformação nas decorações mais simples, que sem quebrar a harmonia da função dos claustros, perdeu importância para os amantes da escultura românica no seu sentido artístico.

Porta A arte românica, mais do que qualquer outra, atribui grande importância à porta como realidade física de entrada, mas também como conceito simbólico de entrar num mundo diferente, noutra dimensão espacial, num ambiente interior que se opõe ao conhecido. A porta é uma abertura na parede pela qual se pode entrar no edifício e a sua manipulação no românico é muito variada. Normalmente usa um arco de volta perfeita na parte superior e pode estar coberto com uma grande variedade de molduras e no seu interior pode ser ocupado por um tímpano, ou simplesmente estar vazio. Ao colocar um tímpano também pode estar adornado com escultura variada, mas sempre com um significado simbólico, porque era essa a função desse elemento: destacar o que se deseja, porque está colocado debaixo do arco de uma forma especialmente marcante. A porta não é apenas uma estrutura arquitectónica, é um dos principais símbolos de toda a igreja, é o eixo que separa o sagrado do profano, é o primeiro passo para entrar no lugar aonde reside a divindade, a revelação, o corpo de Cristo. Como símbolo representa a importância da transição para um ambiente diferente, para um espaço sagrado que não tem relação com o mundo exterior e, por isso, apresenta escultura de enorme valor no mundo medieval. Através das figuras do tímpano, dos capitéis e das arquivoltas faz-se referência a uma entrada sagrada.

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As inscrições formavam parte fundamental do desenvolvimento das teorias pedagógicas, embora não fossem entendidas por todos os fiéis. Nos espaços apropriados estavam inscritas as frases que as necessidades aconselhavam e as vontades decidiam. Estas inscrições surgem como vontade dos construtores das portas românicas de estabelecer um carácter simbólico. Como sucede na actualidade, onde a porta significa comunicação com uma divisão diferente que nada tem que ver com o espaço que acabamos de abandonar: é comparável ao atravessar uma porta duma cadeia, onde se entra num modo de vida diferente, ou ao atravessar uma porta dum palácio ou do local de trabalho. São mundos, que em muitos casos, pouco têm que ver com o simbólico, mas mostram a capacidade que a porta tem de nos levar para outros momentos e, no caso da porta românica, para o sagrado.

Tímpano O românico caracterizou de forma especial as portas dos templos. A descoberta e o desenvolvimento do tímpano foi fundamental para a relação entre a escultura e a arquitectura, porque desse modo, criou-se um espaço arquitectónico na superfície das paredes e portas com temas escultóricos. Como em todo o processo de recriação da escultura, tarda em aparecer essa nova combinação arquitectónica-escultórica, porque na arte românica surgiu primeiro a arquitectura e depois, lentamente, foi sendo acompanhada pela escultura na concepção final, no entanto, no início do século XI começaram a aparecer edifícios com escultura própria, com a concepção de frisos em blocos rectangulares. Simbolicamente, o tímpano representa o frontão dos edifícios do período clássico, ajustado pela arte românica: não ocupa todo o edifício, modela apenas a parte superior da porta. A sua concepção não esteve isenta de problemas, como a conclusão dos ângulos e a curvatura que obrigava as figuras a terem tamanhos diferentes - já os romanos tinham como hábito destacar as figuras importantes colocando-as sob um arco. É nesse local que surgem as várias mensagens que o clero pretendia que fossem absorvidas pelo povo antes de entrar. As arquivoltas tinham as figuras de santos, animais e cenas da Idade Média onde havia um encontro entre o mundo real e o irreal. Os tímpanos satisfaziam as necessidades construtivas e transmitiam a mensagem das sagradas escrituras.

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Escultura A escultura tem no edifício uma função de complementaridade, sendo difícil dissociá-los. Adapta-se às suas formas, alonga-se ou retrai-se conforme a superfície que lhe é deixada, mas em contrapartida é difícil também imaginarmos os edifícios românicos sem ela. Agrupavam-se na escultura os princípios religiosos com os da vida mundana, juntos na mesma representação, na mesma parede, na mesma portada, como demonstração de que ambos os mundos existiam e que a sua representação conjunta não formava mais do que a normalidade da vida comum. A escultura da arte românica usou representações humanas, mas também animais e monstros, não tendo o mesmo significado. O animal representava a realidade táctil, visual e empírica. Respondia ao conhecimento práctico do próximo sem ter de reconhecer as características da espécie e teve a Arca de Noé como representação do comum. Ambos os conceitos e formas não se opunham radicalmente no mundo medieval, completavam-se num conjunto de seres reais e irreais, como alguns padres da antiguidade tinham assegurado. Tudo fazia parte da criação: os animais como virtude e desenvolvimento do divino e os monstros como defeito dessa mesma realidade. Os monstros e animais estavam misturados na literatura da época, que representava tudo o que existe. Mas esses livros eram da antiguidade clássica, idealizados como bem cultural irrefutável. A Idade Média, insegura da sua própria cultura e fauna, adoptou os modelos literários antigos como válidos em todas as expressões, do mesmo modo que certificava as verdades evangélicas. Foi desta forma que a escultura românica representou o real e o fantástico sem uma linha divisória do verdadeiro e do falso: os leões foram transformados e passaram a ter uma cabeça de águia, as aves tinham um corpo com uma cabeça de mulher, os centauros e os dragões apareciam ao lado da fauna real de lebres, águias e todo o tipo de animais domésticos. Não havia interpretação livre dos monstros e animais, tudo estava codificado desde as estruturas eclesiásticas. Estas imagens deveriam servir para fazer variar os comportamentos, era a adequação das formas ao meio, porque cada monstro ou animal gerava o seu próprio discurso que deveria provocar as adequadas reacções em quem os interpretava. São Bernardo rompeu com o discurso teológico e com a presença do

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monstro na escultura românica, devendo existir apenas o real, que estava presente no Evangelho. Mas antes de chegar essa restrição às igrejas e claustros, já se tinham feito monstros e animais numa convivência difícil de entender tendo em conta a diferença dos dois mundos, que apenas serviu para unir a pedagogia cristã com a intenção de não perder o passado e dominar o futuro por meio de adaptações da herança clássica. A escultura românica só pode ser entendida na sua dupla faceta como resultado de uma técnica e enquanto especulação sobre o espaço. A escultura apodera-se do espaço, pressupondo que haja dois – o nosso e o espaço do objecto. A escultura românica tende a afastar-se de nós, a unir-se ao muro, a fazer bloco com a própria arquitectura, definindo-se pelo movimento, perfis e volumes. Dissimula os vazios, invade os tímpanos, decora as arquivoltas, dá à coluna, especialmente ao capitel, uma nova vida. Associa à parede o valor de ornamento e de estrutura. No entanto, nem sempre se assume da mesma forma face aos volumes, ora se manifesta em alto-relevo, ora em grafismos onde dominam o movimento da linha e o traçado geométrico.

Pintura A arte românica não perdeu a oportunidade de utilizar os interiores das igrejas para aumentar a decoração e o ensino da Bíblia, fazendo uso da pintura. A cor era uma das características das grandes igrejas românicas e surge como um complemento do simbolismo arquitectónico e escultórico. Instalava-se, principalmente, nas absides, e de forma secundária nas paredes das naves, cobrindo-as parcial ou totalmente. A técnica utilizada para sua fixação era o fresco22, uma técnica difícil que dava muitos problemas pela sua necessária rapidez de execução que provocava deficiências com o passar do tempo, devido à pouca durabilidade provocada pela pobreza do material. Os temas eram universais e convencionais, e normalmente surgia a aparição de Deus: esta era a representação mais usada nas absides. Nas paredes havia todos os tipos de cenas bíblicas em funções catedráticas semelhantes à da escultura da igreja, no interior ou exterior. 22 Fresco é o nome dado a uma obra pictórica feita sobre parede, com base de gesso ou argamassa. Assume frequentemente a forma de mural. A palavra fresco é empregada, muitas vezes, para designar a pintura mural em geral. Do italiano “buona fresco” (“boa nova”), pintura mural mais antiga e resistente da história da arte, que representa para a pintura contemporânea, o que representa o latim para as línguas neolatinas. Trata-se de uma pintura com pigmentos à base de água, feita sobre argamassa ainda fresca de cal queimada e areia. É caracterizado pela sua resistência ao tempo e também pelo retorno ao estudo das origens da arte, consequência de um longo período de procura estilística desenvolvido pelos contemporâneos.

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A pintura representava um segundo mundo dentro da própria igreja e proporcionava um ambiente próprio no interior com a luz do dia. Produzia emoções de exaltação ou de recuo, dependendo da intensidade luminosa e da hora do dia. No românico, os altares eram adornados com escultura mas também com pintura. Já foi referido que o altar era constituído por uma mesa apoiada em pilares ou colunas com decoração diferente, mas podia também estar tapado pela frente com uma pedra esculpida ou com talha de madeira pintada. Também era possível que a mesa do altar fosse fechada como uma caixa de painéis revestidos com pinturas ornamentais em toda a superfície. Estas pinturas de madeira tinham uma decoração com cores vivas que convidavam à reflexão dos temas evangélicos ao exibir e aumentar a sensação de monumentalidade mas, infelizmente, não se conservaram em grande número, pela remoção dos seus lugares primitivos, pela voracidade humana ou pelas modificações feitas no altar ou na igreja. Estas mesas dos altares românicos são peças carregadas de emoção e cor que aumentavam a decoração do núcleo espiritual da igreja. A pintura é o último elemento da decoração das igrejas porque é introduzida mais tardiamente, mas tem uma perfeita integração na arte românica com representações iconográficas sublimes e com uma beleza que surpreende os visitantes que têm oportunidade de as vislumbrar.

1.5 - Conclusão A arte românica permitiu-nos realizar um percurso intelectual e cultural através de uma ampla cronologia da Idade Média analisando a arquitectura, a escultura e a pintura da época. Com estes três elementos das obras arquitectónicas percebemos a vontade social e artística dos homens que as sonharam, as promoveram, as pagaram, as fizeram e as habitaram porque não se tratavam apenas de estruturas e de decoração, mas de uma forma de entender o universo, a religião e a relação entre os homens. Desta forma percebemos a importância da arte românica e em especial do mosteiro de Sanfins. Assim é imperativo reabilitar e salvaguardar este monumento propondo um novo programa capaz de revitalizar este local. Propusemos algumas alternativas para o futuro do imóvel, como a implementação de uma pousada nas instalações do mosteiro para turismo rural, conservação e salvaguarda das ruínas existentes ou a implementação de um centro interpretativo da arte românica presente no vale do rio Minho.

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2. INTERVENÇÃO NO PATRIMÓNIO

Figura 30 - Ala Norte do claustro do Mosteiro de Sanfins, Valença

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2.1 Evolução do conceito de património

Grandes civilizações como a grega e romana realizavam obras de reconstrução ou mesmo novas construções nos moldes das danificadas e não se preocupavam com o estilo da obra a ser restaurada e aplicavam as técnicas e os estilos das épocas em que estavam a ser modificadas. Estas culturas não conheciam o verdadeiro significado de uma restauração, pelo menos não tal como o conhecemos hoje. Nos finais da Idade Média a indiferença relativa aos monumentos, que tinham perdido a sua utilidade, faz com que os imponentes edifícios da antiguidade sejam transformados em pedreiras ou então recuperados e descaracterizados através de apropriações mundanas1. Razões práticas e económicas, em tempos de crise, estão na origem de muitos dos edifícios de culto pagão terem sido objecto de uma conservação deliberada, por incitação, directa ou indirecta, do Clero. Verifica-se ao longo dos tempos que, tanto os excessos radicais de uma pseudo-modernismo, que defende a “limpeza” geral da herança construída em nome do progresso, como as vontades alegóricas de recuperação ou imitação de um passado distante, convergem numa oscilação de atitudes marcadas, ora por excessos de optimismo, ora de pessimismo, em relação à coexistência pacífica de diferentes expressões contemporâneas com os salvados do passado2. Consideramos pertinente no âmbito deste trabalho abordar as teorias de conservação e debates na procura de respostas, face à constatação de problemas a nível teórico e metodológico, no confronto entre e necessidade de reutilização dos edifícios e a salvaguarda dos seus valores patrimoniais.

Viollet-le-Duc (1814-1879) A Viollet-le-Duc3 reconhece-se o mérito de articular uma teoria cujas componentes se encontravam ainda bastante dispersas, consolidando o restauro como disciplina autónoma da concepção arquitectónica. Os seus restauros baseavam-se em estudos arqueológicos, apoiados nos fragmentos originais do edifício e na sua própria indução arquitectónica, que em teoria não dava lugar a criatividade ou críticas pessoais. 1

O Circo Máximo em Roma, por exemplo, durante a Idade Média foi totalmente ocupado por habitações.

2 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado. 3 Foi Inspector-Geral dos Monumentos de França e rapidamente ascende a técnico e teórico do restauro de monumentos góticos franceses

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A sua formação estruturalista orientava a aplicação do tipo nas reconstruções, a procura da perfeição formal de cada obra, independentemente da sua verdadeira “história arquitectónica”. O domínio da linguagem com que se exprimia o monumento definia os critérios filológicos4 que guiavam todo o processo. Valorizando a capacidade de “vestir a pele” do arquitecto primitivo e completar o monumento conforme o seu “provável plano original”, admitia inspiração pessoal em supor como este reagiria perante o mesmo problema. Sublinhou a importância social e económica dos monumentos, considerando imprescindível a reutilização dos edifícios para a sua sobrevivência material. O seu pensamento respondia a solicitações nacionalistas mas teve também uma componente sonhadora e progressista, participando do conceito de lógico e estrutural proposto pelo positivismo da época. A sua teoria teve seguidores por toda a Europa e, apesar da crescente oposição aos seus princípios, foi doutrina preferencial, até meados do séc. XX, no nosso país5.

John Ruskin (1819-1900) Este sociólogo defendia a conservação litigiosa como modo de preservação dos monumentos, contrapondo-se a um processo de reconstituição estilística que conduzia à perda irreversível de grande parte do conteúdo documental, afectando a autenticidade histórica da obra. Considera o monumento histórico como suporte da memória da qual depende a identidade e o sentido do Ser e, numa visão ética e religiosa, entende-o como dádiva de Deus, cabendo ao Homem apenas assegurar a sua transmissão para as gerações seguintes, numa dupla responsabilidade para com o passado e para com o futuro. Tanto a história como a situação actual deveriam ser respeitadas até às últimas consequências, cingindo-se a intervenção à prevenção da destruição natural do monumento, só assim seria possível evitar que se perdesse para sempre o contacto com o legado deixado pelos antepassados6. Ruskin é caracterizado por uma postura fatalista7 oposta ao positivismo 4 Filologia é a ciência que estuda uma língua, literatura, cultura ou civilização sob uma visão histórica, a partir de documentos escritos. 5 Facilitado por condições político-ideológicas favoráveis, durante a ditadura salazarista, o restauro estilístico serviu de filosofia de actuação nas intervenções levadas a cabo pela DGEMN ao serviço do Estado Novo português, até à segunda metade do século passado. 6 “Tomem bem conta dos vossos monumentos e não haverá necessidade de os restaurar”. RUSKIN, John, op. cit. (tradução livre) 7 Ruskin defendia a ideia romântica de que as edificações deveriam atravessar os séculos de maneira “intocada”, envelhecendo segundo o seu destino, lhes admitindo a morte se fosse o caso. Remetendo para o conceito de romântico de pitoresco, assume a ruína como o testemunho da idade, do envelhecimento e da memória,

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de Viollet-le-duc que, na sua apologia do ruinismo8 defende a não-intervenção, por considerar que qualquer interferência imprimia um novo carácter à obra de arte, retirando-lhe veracidade. Aplica metaforicamente à arquitectura um conceito biológico, entendendo a obra como algo que nasce, vive e se não for devidamente cuidada, através de operações básicas de manutenção, acaba simplesmente por morrer. Neste sentido, compara o restauro com a irrisória pretensão de “ressuscitar os mortos”. Acredita inclusivamente na degradação como parte da história, sendo as suas marcas como “rugas”, sinais da passagem do tempo pelo edifício. Para Ruskin a restauração era a mais bárbara destruição a que o edifício poderia estar sujeito e propunha a erradicação do termo dos dicionários de arquitectura, substituindo-o por “reparação”.

Camillo Boito (1835-1914) Camillo Boito foi responsável pela conciliação coerente e sem precedentes entre as teorias proteccionistas de Ruskin e a necessidade de restaurar de Viollet-le-duc. Reconhece o testemunho dual da obra (histórico e artístico) e destaca-se pela filiação do restauro numa corrente científica que alerta para urgente necessidade de evitar a destruição do património, aos poucos substituído pelo “falso histórico”. De Ruskin partilha a noção de anterioridade contida no monumento e o perigo da sua corrupção histórica. Rejeita a visão fatalista, opondo-se à “morte dos monumentos” e apelando para a necessidade da sua recuperação. Tal como Viollet-le-duc sublinha a importância da reutilização para a manutenção dos edifícios, propondo todavia uma intervenção mínima a admitir as novas adições como medida extrema de consolidação e de modo a que sejam reconhecidas como acrescentos modernos, permanecendo distintas das partes originais. Dentro das suas bases teóricas, sustentadas por estratégias de conservação integrada, divide a actividade restauradora em três tipos: para os edifícios da Antiguidade, recomenda um restauro arqueológico de acção mínima, contemplando apenas a consolidação técnica; para os monumentos medievais ou ruínas, aponta um restauro pitoresco, invisível e exercido sobretudo a nível estrutural; podendo nela estar expressa a essência do monumento enquanto significado histórico-cultural de uma nação. 8 O “culto da ruína”, valorização da ruína enquanto fonte de prazer estético; passividade face à degradação, apologia da não-intervenção; crença no poder pictórico e emotivo contido nos fragmentos moribundos e o encanto pelo mistério do que teriam sido; sentimento romântico nostálgico e melancólico.

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para os monumentos modernos, sugere um restauro arquitectónico, envolvendo todo o edifício e promovendo a sua utilidade prática9.

Luca Beltrami (1854-1933) Luca Beltrami reclama contra a utilização de critérios gerais, reivindicando a individualidade de cada intervenção enquanto prova da sua veracidade. À busca de modelos contrapõe um rigoroso conhecimento documental, baseado na pesquisa apurada de fontes escritas e iconográficas a par de uma análise profunda e minuciosa da obra a restaurar. Recusa tanto as reconstituições hipotéticas baseadas em referências estilísticas duvidosas como quaisquer teses fatalistas. O objectivo desta tendência seria preservar “legado artístico do monumento”, salvaguardando os seus valores figurativos e actuando no sentido da restituição dos elementos necessários à expressão plástica do monumento. Enquanto método, defendia que se eliminassem sobreposições e acrescentos que pudessem alterar a integridade (figurativa) ou o reconhecimento da obra. A máxima ”com’era, dov’era”10 marca a sua ideologia positivista e dá origem a autênticas reconstruções arquitectónicas. O método, que em teoria parecia sério e rigoroso, acabou por se revelar infeliz na aplicação prática, baseado em más interpretações críticas de fontes e testemunhos pouco rigorosos, foi a subjectividade que tomou conta das intervenções. Actualmente, com a proliferação da capacidade crítica, cada intervenção está sujeita a um maior ou menor controlo na utilização das fontes documentais por parte do arquitecto responsável.

Alois Riegl (1858-1905) A sua tese assentava primeiramente na distinção entre monumento e monumento histórico. A análise deste último é estruturada pela oposição de duas categorias de valores: os valores rememorativos ligados ao passado e à memória; e os valores contemporâneos, ligados ao presente. Dentro dos primeiros, a par 9 Podemos alegar alguma controvérsia nesta separação, ou até contradições entre aquilo que é restauro da matéria e daquilo que é o restauro da sua realidade existencial, algo não se esgota na superfície visível, sendo esta essência inseparável da sua concepção interna e material: “entender a autenticidade como algo que afecta estritamente a condição visual da arquitectura antiga e não tanto, ou menos, a sua condição material e real, é uma completa distorção da disciplina”. Antón Capitel (tradução livre), citado por NETO, Maria João - Memória, propaganda e poder: o restauro dos monumentos nacionais (1929-1960). Porto: FAUP publicações, 2001. 10 Termo italiano que traduzido à letra significa “como era, onde estava” e foi a máxima apadrinhada por Beltrami, cujos restauros conduziam a uma reposição total ou parcial, fundamentada em registos fidedignos da obra original (documentos escritos, elementos gráficos, desenhos, fotografias, etc).

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do valor histórico, avança com o valor de antiguidade11. No segundo conjunto de valores, distingue o valor artístico relativo12 e o valor de uso13 e por fim aponta um outro valor emergente, o valor de novo, que a sociedade sempre atribuiu a uma aparência cuidada, no seu apreço ou preferência em relação à coisa velha. A par destas definições deixa a descoberto as exigências simultâneas e por vezes contraditórias, ou regidas por critérios opostos, entre os valores que envolvem a recente noção de monumento histórico. Esta avaliação do peso relativo dos valores em presença no monumento assume uma enorme importância operacional para determinar qual a melhor estratégia de salvaguarda a adoptar. Segundo esta “concepção relativista”, a definição do tipo de intervenção a que vai estar sujeito o monumento, seja qual for o seu tipo de enquadramento histórico e artístico, depende directamente da correcta avaliação dos valores patrimoniais em presença no edifício.

Gustavo Giovannoni (1873-1947) Giovannoni defende a ruptura entre “tempos históricos” e “tempos modernos”, através da obrigatoriedade de diferenciar o moderno, possibilitando sem choque, a coexistência deste com o antigo. Na sua teoria de restauro tolera a coexistência de monumentos vivos com monumentos mortos14 e considera cinco modelos de intervenção susceptíveis de uma ordenação hierárquica: a consolidação15 à qual se segue a recomposição16 e se necessária a remoção de acrescentos ou desmontagem17 de partes não originais e, finalmente o completamento 18. 11 Semelhante ao valor ético e religioso de devoção proposto por Ruskin, um valor que não resulta de interpretações artísticas ou históricas, mas que é adquirido pela sobrevivência de um objecto à passagem do tempo. 12

É relativo porque se refere ao valor artístico atribuído pela sensibilidade contemporânea.

13 Que engloba as condições materiais de utilização prática, inerentes a toda a arquitectura e marca a distinção entre monumento histórico e ruínas, que não possuem qualquer valor de uso, detendo apenas um valor memorial histórico. 14 As ruínas e, toda a edificação que é testemunho de uma cultura desaparecida, cujo uso original se desvaneceu no tempo assim como qualquer possibilidade de reutilização funcional, são tomados por monumentos mortos. Monumentos vivos são aqueles que mantêm o seu uso original, ainda que actualizado, ou que permitem ser reutilizados de acordo com programas adequados, ou usos similares aos originais, permitindo que a sua adaptação à vida contemporânea decorra com o mínimo de alterações possível. 15 Idealmente a única a que se devia recorrer, sendo uma intervenção de carácter técnico, desenvolvida com o objectivo de permitir a sobrevivência física do edifício, podendo esta ser feita com modernos materiais e tecnologias desde que estes ficassem ocultos. 16 Implicava a recolha de fragmentos dispersos e a sua remontagem nas determinadas posições originais, recuperando assim a imagem total ou parcial. 17 Só seria admitida caso os acrescentos não tivessem valor artístico ou documental e quando o seu despojar não afectasse a legibilidade global da obra. 18 Esta prática era aceite desde que assente em sólidas bases documentais, não podendo ser dominante face às pré-existências ainda autênticas.

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Só em último caso admite a possibilidade da inovação19. Também a este autor podemos atribuir a ampliação do conceito de monumento ao ambiente em seu redor, deixando este de ser apreendido de forma isolada para passar a ser entendido no espaço em que se insere20. Na sua tese realça a importância das relações contextuais que os edifícios mantêm com o sítio onde estão implantados, com a arquitectura e com o próprio urbanismo da sua envolvente21. Coube-lhe conciliar (enquanto arquitecto, urbanista e historiador de arte) os valores museológicos e os valores de uso contidos nos conjuntos urbanos antigos, integrando-os numa concepção geral de organização do território.

Cesare Brandi (1906-1988) Cesare Brandi reúne o seu pensamento numa obra síntese - Teoria del Restauro22 onde defende que a qualidade do restauro depende directamente do juízo crítico da artisticidade do objecto sobre o qual se incide23, ou seja, na capacidade de reconhecer no objecto, a par da sua função histórica, o seu estatuto enquanto obra de arte. Destaca a importância da materialidade24 enquanto meio específico da manifestação da imagem, sendo para transmitir os seus significados que se justificam as análises, os longos estudos e as cuidadas intervenções. É sobre esse material que devem incidir o conhecimento científico e técnico do seu comportamento no tempo e a selecção dos melhores procedimentos a utilizar. A própria matéria da obra de arte torna-se parte da história, não podendo ser substituída por outra (mesmo que química e fisicamente idêntica) sem uma enorme perda de valor. 19 Só se admitia se a sua inevitabilidade fosse provada. As novas partes deveriam identificar-se claramente e os materiais utilizados ser distintos dos originais. Evitando o mimetismo estilístico, a sua formalização seria de carácter esquemático e com datação devidamente assinalada de modo a evitar “equívocos”. 20 A noção de “património urbano histórico” associado a um projecto de conservação nasce em França, na época de Napoleão III, aquando da remodelação da cidade de Paris pelo barão Haussmann (1809-91). Ruskin e Morris tinham igualmente chamado a atenção para a importância do conjunto urbano antigo como memória do passado, encarnando também o papel atribuído ao monumento histórico. Viollet-le-duc e Sitte abraçam o princípio de que a cidade antiga servia o sentido pedagógico do presente, sobressaindo uma concepção de conservação urbana de natureza museológica. 21 Este arquitecto reage contra o isolamento urbano dos monumentos, provocado pela demolição dos elementos agregados, com o fim de obter a “unidade visual” dos mesmos, em detrimento dos pequenos mas antigos conjuntos urbanísticos e da “arquitectura menor” em geral. Giovannoni defende a relação histórica do monumento com a sua envolvência, enunciando o conceito de ambiente como definição urbana. 22 Publicada em 1963 e inicialmente formulada para a resolução de problemas em arte móvel mas que, pela sua amplitude, permitiu estender os seus princípios ao património edificado. 23 O restauro deve ser condicionado pela obra e nunca o oposto: “A operação prática de restauro estará para o restauro como a pena para a norma, necessária para a eficiência mas não indispensável para a validade universal da própria norma”. BRANDI, Cesare, op. cit. 24 Pela qual “deverão ser feitos todos os esforços e investigações para que possa durar o mais longo tempo possível”. BRANDI, Cesare, op. cit.

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Brandi afirma que o restauro deve inserir-se no processo histórico como mais um evento na complexa série de acções humanas que incidiram sobre o monumento e que o projectaram para o futuro. Insiste no respeito pela patina (entendida como sedimentação do tempo na matéria) e na preservação de partes originais que representem fielmente o estado do objecto antes da intervenção, sendo a sua justaposição com partes acrescentadas claramente identificável. Na visão do autor, cada obra de arte constitui uma unidade singular, que não pode ser separada em partes ou restaurada por analogia a outras obras do mesmo período ou local. Esclarece que as adições das várias épocas constituem sempre um novo testemunho do fazer humano e da sua história, ao passo que a demolição, embora constitua também um acto histórico, não se documenta a si mesma e pode conduzir à obliteração de uma importante etapa na vida do monumento. A abordagem de Brandi alerta para a importância de salvaguardar a autenticidade da obra, nas suas mais variadas vertentes. Marca preferência pela intervenção mínima e pela manutenção que evita o próprio restauro.

Lewis Mumford (1895-1990) Segundo Mumford, um dos principais atributos de um ambiente urbano reside na sua capacidade de renovação, encarando a noção moderna de monumento como uma contradição por se afastar de renovação e se desenquadrar das necessidades contemporâneas vitais. Considera que as cidades não devem aspirar a ser monumentos mas a “organismos auto-regeneráveis”, constituindo na capacidade de rejuvenescimento o seu conceito de obra de arte. Admitindo a durabilidade de uma estrutura no futuro, salienta que a questão primordial reside na capacidade de resposta ao programa que lhe é implícito como legado de vida para com as gerações futuras e não no culto metafísico da imortalidade.

Aldo Rossi (1931-1997) Aldo Rossi revela um estudo útil da cidade relacionando-a com as teorias de conservação. Uma análise morfológica que se fundamenta na geografia e história da arquitectura. Faz distinção entre dois elementos da cidade: a área habitacional e urbana que forma a história e a ideia de cidade, e os monumentos como pontos fixos desta dinâmica em torno dos quais se agregam os restantes edifícios. A cidade antiga é encarada como uma obra de arte em que os elementos primários e perenes (os monumentos) assumem um papel fundamental. A estes

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elementos primários de grande valor para a forma urbana não é atribuída a capacidade de transformação. A conservação de conjuntos de “áreas patológicas” opõe-se ao processo dinâmico de transformação da cidade e por isso o fenómeno de transformação está ligado à decadência de certas zonas (normalmente residenciais) em detrimento de outras.

Solá-Morales (1939) Solá-Morales é da opinião que grande parte do debate teórico desenvolvido nas últimas décadas centra-se na questão da autenticidade, discussão que se volta ora para a forma, ora para a matéria, ora para a história (Viollet-le-duc, a Ruskin e a Giovannonni). Actualmente reivindica-se a necessidade de uma atitude de interpretação projectual específica. Trata-se de responder, perante o monumento, com uma proposta sensível e realista, incorporando todos ensinamentos e teorias desenvolvidos ao longo do tempo.

As intervenções revestem-se hoje de grande complexidade, a cultura arquitectónica actual favorece a diversidade da forma, aceitando-se que essa tendência seja uma expressão do nosso tempo. A prática da intervenção no património construído caracteriza-se por uma grande diversidade, quer ao nível dos objectivos, quer ao nível dos seus procedimentos. A morfologia do edifício pode assumir diferentes formas consoante a opção de actuação que reforça a necessidade de conservar o valor histórico sem, no entanto, esquecer o valor arquitectónico e artístico, dentro de um verdadeiro diálogo entre passado e presente, entre a memória como valor a preservar e projecto como resposta contemporânea à renovação25. É pois importante que o conhecimento crítico e evolutivo do fenómeno do restauro esteja presente nas intervenções dos nossos dias, a par da cultura e do indispensável bom senso que nos mune26.

25 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado. 26

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Idem ibidem.


Legislação Desde os anos 30 do século passado que, na Europa primeiro, alastrando-se ao resto do Mundo depois, se tem vindo a reunir esforços no sentido de criar um conjunto de princípios coerentes entre si que sirvam de base para orientar intervenções de restauro no património arquitectónico. Algo que, dada a homogeneidade pretendida, conduz a uma permanente actualização de conceitos e critérios operativos. Tal como a própria noção de restauro tem vindo evoluir ao longo do tempo, também o conceito de património tem vindo a observar um considerável alargamento, relacionando-se não apenas com o legado do objecto em termos históricos, artísticos e culturais, mas também com o próprio contexto ambiental e social em que se insere.

Carta de Atenas Em 193127, durante o I Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos em Monumentos foi elaborada na capital Grega uma Carta tendo como tema a longevidade dos monumentos históricos, constituindo-se como primeiro acto normativo internacional exclusivamente dedicado ao património e a incidir sobre a problemática do restauro de monumentos28. Caracteriza-se pela vontade transformadora de mentalidades que procura sobrepor a união humana a interesses individuais. Exprime acima de tudo o desejo de valorizar e recuperar os inúmeros monumentos degradados, sendo discutidas e acordadas medidas legislativas e administrativas, técnicas de conservação, o papel da educação no respeito pela herança construídas e a utilidade da documentação enquanto cooperação entre os estados envolvidos.

Carta de Veneza Foi aprovada no II Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos de Monumentos Históricos, na cidade italiana em Maio de 196429. De forma algo redutora podemos considerar este documento (onde participaram 21 países, incluindo Portugal) uma actualização da Carta de Atenas. Começando por alargar 27

TOMÉ, Miguel, Património e restauro em Portugal (1920-1995). Porto: FAUP publicações, 2002.

28 A elaboração conjunta deste documento enquadra-se no período de instabilidade que caracteriza a I Guerra Mundial, agravado pelo tempo antecedente ao segundo conflito. É marcado pela grave crise económica, social e política, pela expansão de extremas ditaduras nacionalistas, pela quebra na bolsa de Nova Iorque, e toda uma série de vicissitudes que repartiram povos e consciências. 29

TOMÉ, Miguel, Património e restauro em Portugal (1920-1995). Porto: FAUP publicações, 2002.

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a definição de monumento ao meio envolvente, desde que nele estejam contidas manifestações de um acontecimento histórico ou de uma civilização particular, este documento refere também que, na conservação e restauro de monumentos, devem ser usadas todas as ciências e técnicas que possam contribuir para o estudo e protecção do património. Adianta ainda que a essência do monumento não deve ser alterada pelas intervenções, pelo que este não deve ser retirado do seu “ambiente” nem tão pouco despojado de alguma das suas partes. A intervenção deve ser feita respeitando os materiais originais e a documentação existente, bem como precedida e acompanhada por um estudo histórico-arquitectónico do monumento.

Documento de Nara A redacção deste documento teve lugar no Japão em Novembro de 1994, reunindo 45 participantes, a convite da Direcção de Assuntos Culturais do Governo Japonês e do Município de Nara. Juntou organismos como o Conselho Internacional dos Munumentos e Sítios (ICOMOS), o Centro Internacional para o Estudo da Preservação e Restauro de Bens Culturais (ICCROM) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com o objectivo de questionar o pensamento convencional referente à conservação do património e de debater medidas e meios de alargar horizontes, visando assegurar maior respeito pela diversidade cultural. Pretende acima de tudo estabelecer um conceito de autenticidade que salvaguarde os valores sociais e culturais de todos os países. É um documento que segue o espírito da Carta de Veneza, pretendendo alargar conteúdos em função dos interesses que se afiguram mais importantes e actuais. Este documento reforça o princípio da UNESCO, segundo o qual o património cultural de cada um é património cultural de todos, pertencendo a responsabilidade e gestão do monumento à comunidade que o gerou ou que o preserva.

Carta Internacional do Turismo Cultural Adoptada pelo ICOMOS na 12ª Assembleia-Geral no México, em Outubro de 1999. É uma Carta que assenta no princípio de que o património pertence à Humanidade e que, consequentemente, todos têm direitos e deveres quanto à sua protecção e compreensão. Reflecte sobre a necessidade de respeitar e transmitir valores que constituem a identidade de cada povo. Aponta o património como

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base para o desenvolvimento de uma sociedade e atribui um papel fundamental à gestão equilibrada da sua acessibilidade emocional e intelectual. Este documento assume o fenómeno complexo e em pleno desenvolvimento do turismo cultural como uma mais-valia para o património, representando um privilegiado meio de intercâmbio e difusão cultural, proporcionando economicamente um retorno do investimento efectuado na sua protecção, contribuindo para a valorização contínua e actualizada dos monumentos a par da sua dinamização. Alerta por outro lado para os efeitos negativos de um turismo cultural mal gerido, cujos fluxos massivos podem ameaçar a integridade ou acelerar a degradação dos monumentos. Tem como prioridade encorajar e facilitar o trabalho entre conservação e gestão do património cultural, o trabalho da indústria turística, o diálogo entre responsáveis pelo turismo e pelo património, e o encorajar das propostas de programas e políticas que se traduzam numa acção integrada entre interpretação, dinamização cultural e protecção/conservação dos conjuntos patrimoniais.

Carta de Cracóvia Este documento elaborado na cidade polaca em 2000, vem sublinhar a diversidade de identidades que constituem a Europa actual e em crescente ampliação, alertando para que a divergência de valores culturais pode gerar conflitos de interesse, solicitando maior atenção por parte de todos os responsáveis pela salvaguarda do património, face aos problemas e decisões a serem tomados no prosseguimento dos objectivos. A integridade e autenticidade dos monumentos são objectivos na conservação, solicitando um projecto apropriado às suas diferentes expressões e um programa funcional adequado ao seu significado cultural. O projecto de restauro deve compreender um modo de actuar específico sobre os elementos artísticos e decorativos da arquitectura, pressupondo a formação especializada e complementar entre os elementos que constituem a equipa de intervenção. Para todos os tipos de património e respectivas intervenções, defende a ligação das técnicas de conservação à investigação pluridisciplinar sobre tecnologias e materiais usados na construção (modernos ou tradicionais). No fundo, a Carta de Cracóvia reflecte toda a complexidade a que se assistiu na teoria e na prática do restauro, tenta essencialmente minimizar e actualizar práticas obsoletas, digerindo mais de meio século de Normas, Cartas e Convenções Internacionais produzidas no âmbito deste tema30. 30 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado.

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Figura 31 - Mosteiro dos Jer贸nimos em 1879

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2.2 Prática em Portugal

Para avaliar o fenómeno da intervenção em monumentos históricos nacionais torna-se indispensável recuar ao séc. XVIII para descrever os antecedentes que explicam, em parte, o desempenho posterior da ex-DGEMN. Da acção estatal destaca-se, em 1720, a iniciativa de D. João V (17071750) em criar a Academia Real de História Portuguesa (ARHP) e a figura do rei D. Fernando II (1819-1885) que, apesar do seu afastamento político, chegou a governar o Reino por diversas vezes e a fazer valer atitudes proteccionistas que cedo deixaram a descoberto o seu gosto pelas artes. A ele se devem as obras de conservação desenvolvidas no Mosteiro dos Jerónimos e a reconversão do antigo Convento da Pena numa residência artística que hoje conhecemos por Palácio da Pena. No contexto da intervenção no património português é incontornável a referência aos dois grandes momentos “anticlericais” em que a legislação liberal republicana transfere para o organismo oficial inúmeros imóveis de manifesto valor histórico e artístico até então pertencentes à Igreja. Esta desamortização dos bens a que o país assiste por duas vezes, uma em 183431 e outra em 191132, conduz o Estado a usufruir de uma situação privilegiada de intervenção sobre estes monumentos expropriados, ocupando rapidamente o espaço cultural deixado vago pelo Clero. Os imóveis nacionalizados (quando não eram vendidos a particulares para saldar dividas estatais) sofriam às mãos de um liberalismo anticlerical que dava aos seus técnicos a total liberdade de actuar em edifícios sacros, segundo um espírito laico e historicísta, desinteressado nas componentes litúrgicas dos objectos religiosos. Depois de incorporados também os bens da Coroa, alojados os serviços públicos e pagas as dividas governamentais, o regime jurídico do património artístico nacional, começa a mostrar a sua conduta dividida entre contradições e atropelos de competências, algo que, desde as suas primeiras medidas, será uma constante até à actualidade. Precedida pela Administração-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (AGEMN), criada em 1920 no quadro do sistema burocrático português de protecção de monumentos, nasce a ex-DGEMN em 1929, da disputa de tutelas entre a pasta de Educação e Cultura e pasta das Obras Públicas. 31 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado. 32

Idem ibidem.

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Figura 32 - Mosteiro da Batalha na actualidade

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O novo organismo, criado dentro da dinâmica das Obras Públicas, actuava segundo “padrões nacionalistas”, repondo aos monumentos a sua “traça primitiva”, de acordo com o momento histórico evocado, removendo-lhes os acrescentos posteriores que pudessem eventualmente prejudicar a leitura da mensagem simbólica neles contida. Pode efectivamente dizer-se que a unidade de estilo violletiana, encontrou no Portugal Salazarista um campo favorável de propagação até meados do século passado. No plano de reflexão teórica dos critérios de intervenção praticados pelo organismo público, assinala-se a faceta destabilizadora de Raul Lino (1879-1974) que, face a discursos em torno da unidade de estilo, protagonizados pelo director geral, se mostra bastante crítico em relação à prática decorrente de reintegração estilística. Este arquitecto, na sua breve passagem pela ex-DGEMN, procurou contrariar toda uma filosofia de intervenção, propondo alternativas de acordo com os princípios discutidos internacionalmente.

Em Portugal, com a instauração do regime liberal, a Igreja sofre um profundo ataque (dirigido particularmente ao Clero regular) que vai desencadear a extinção das ordens religiosas em 1834 e a consequente espoliação dos seus bens. Se por um lado a extinção das ordens teve um papel importante para a consolidação de um novo regime em território nacional, por outro, como aponta Francisco Soares Franco (1810-1885), a perda cultural foi evidente33. A onda de destruição autorizada veio a culminar num processo de degradação dos imóveis sacros, tanto mais que os magros rendimentos destas casas conventuais, depois das reduções impostas pelos sécs. XVIII e XIX, não conseguiam assegurar as necessárias medidas de manutenção. Só muito lentamente a entidade estatal promoveu um serviço burocrático de protecção aos edifícios, de valor histórico e artístico, desamortizados à Igreja. O Mosteiro da Batalha constituiu a primeira iniciativa de recuperação promovida pelo Estado. Mouzinho de Albuquerque (1855-1902), responsável por este restauro, não poupou críticas aos frades pelo deplorável estado do imóvel à data da sua intervenção (1840). Note-se que estes antigos mosteiros eram tomados apenas na sua componente artística e histórica, esfumando-se propositadamente quais33 “Há mosteiros famosos pela sua antiguidade, santidade e grandeza, que seria uma barbaridade destruírem-se ou entregarem-se a particulares, que não farão deles uso algum”. Francisco Soares Franco, citado por NETO, Maria João, op. cit.

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quer traços de vivência religiosa nos monumentos, recuperados apenas como símbolos “celebrativo-nostálgicos” de determinado acontecimento da história da Nação. Todavia, devido à alegada ignorância e negligência dos seus membros, a Igreja continuava a ser acusada de influir na degradação do Património. Muitos destes imóveis comportaram reutilizações violentas e prejudiciais para a sua integridade cultural, histórica e artística. Muitos passaram a albergar as mais diversas repartições públicas, unidades de saúde ou assistência social, alguns foram transformados em escolas ou em quartéis da Guarda Nacional Republicana, sendo evidente o desgaste físico que qualquer uma destas funções provoca num edifício de “reconhecido” valor documental34.

A partir de 1834 com a extinção das ordens religiosas e a desamortização dos seus bens, o Estado apodera-se subitamente de um número considerável de edifícios de elevado valor histórico e artístico. Revelando-se penoso para o património religioso, durante o regime liberal assiste-se à destruição, à venda abusiva e a mudanças radicais de funções que, sem que se definisse uma política concreta de salvaguarda, deixaram as suas marcas em inúmeros imóveis de valioso significado cultural para a nação. O decreto de 1929 determinava que o cargo de director-geral fosse ocupado por um engenheiro de reconhecida competência, submetido à escolha ministerial, enquanto que o director do Serviço de Monumentos seria obrigatoriamente um arquitecto de 1ª ou de 2ª classe dos respectivos quadros. O primeiro cargo recai sobre o eng.ro Henrique Gomes da Silva (1890-1969) e o segundo é assumido numa primeira fase pelo arq. Adães Bermudes (1864-1949) a quem rapidamente se segue António de Couto Abreu. A própria ex-DGEMN, à mercê das novas partituras políticas, responde com intervenções muitas vezes estranhas às necessidades efectivas dos imóveis. O procedimento dos técnicos perfilhava-se em doutrinas de actuação profundamente idealistas, procurando repor os imóveis no seu estado primitivo, expurgando-os dos acrescentos posteriores a fim de clarificar a leitura da mensagem simbólica, conotada esteticamente com a época com a qual os monumentos eram identificados35. A unidade de estilo violletiana encontrou no Portugal do Estado 34 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado. 35

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Idem Ibidem.


Novo, um campo de acção particularmente favorável para se desenvolver, mediante condicionalismos mentais certamente diferentes dos que lhe deram origem mas que, de certa forma, propiciaram a sua sobrevivência no nosso país muito para além da sua aceitação internacional. O ano de 1940 vem a constituir o momento máximo de entendimento e colaboração entre Estado e Igreja. A Concordata36 reconhece finalmente a personalidade jurídica tão ansiada pela instituição religiosa, prevendo que os imóveis classificados como monumentos nacionais e de interesse público (…) ficarão em propriedade do Estado com afectação permanente ao serviço da Igreja. Cabendo à instituição estatal a conservação, reparação e o restauro destes imóveis, de harmonia com ao plano estabelecido de acordo com a autoridade eclesiástica, para evitar perturbações ao serviço religioso37. A década de 40 registou um abrandamento no programa da ex-DGEMN, retomando em força a sua actividade ainda antes de 1950 depois de restabelecida a paz na Europa e com o elevar do Orçamento de Estado. É neste momento que se começam projectos de reutilização de alguns monumentos, para fins assistenciais, sociais, sanitários e também de turismo e lazer38. Assiste-se então a uma abertura progressiva à evolução de conceitos e critérios fixados internacionalmente39 a par de uma mobilização interna dos serviços, que contava com um grupo dinâmico de dirigentes em estreita ligação com áreas do saber como a Arqueologia e Historia da Arte, o que permitiu actualizar filosofias de intervenção. Assimilada a importância da envolvente do monumento, conceitos de sítio e conjunto implicaram o alargamento da área a salvaguardar, de acordo com uma noção de “conservação integrada”40. Após a revolução de 1974, é criado um despacho conjunto das Obras Públicas e da Educação e Cultura, alertando para a urgente necessidade de criação de “uma instituição que se responsabilizasse pela protecção do nosso património regida por meio de legislação adequada e eficiente”41. 36 Nas palavras de Manuel Braga Cruz a Concordata foi “um acordo de mútuas compensações, num inteligente e hábil equilíbrio, com repartição de benefícios recíprocos”. NETO, Maria João, op. cit. 37

Segundo o Art. 41º/1940 da CRP. Ibidem.

38 Entre outros exemplos: o Forte de Catalazete é adaptado a pousada de veraneio privada, o Convento de São Bento de Castris a escola agrícola da Casa Pia, o Mosteiro do Lorvão a Hospital de alienados, o Forte da Berlenga a Pousada e o Palácio de Seteais a hotel de luxo. 39

Carta de Veneza, 1964.

40 A correcta salvaguarda do monumento não dependia apenas do arquitecto mas cada vez mais de uma acção multidisciplinar onde interagem disciplinas como a Antropologia, História da Arte, Engenharia, Estruturas, Química, Geografia, etc. 41

Despacho n.º45/74 de 11 de Novembro. Cf. Caminhos do Património, op. cit.

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Figura 33 - Convers達o do Mosteiro de Sta. Maria do Bouro a pousada

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Em 1977, neste domínio é formada uma equipa de trabalho para o Plano de Fomento Turístico-Cultural, no seio da qual são avaliados imóveis monumentais com características favoráveis à adaptação a pousada42. A década de 90 traz uma nova orgânica no seio da ex-DGEMN, que como consequência de inúmeras reorganizações de serviços, gabinetes e direcções regionais, esbate a tradicional divisão nominal entre os serviços de Monumentos e os serviços de Edifícios. O novo instrumento jurídico inscreve no leque de competências da ex-DGEMN a de promover a organização e a actualização do património arquitectónico, dando esta iniciativa origem a um Inventário do Património Arquitectónico (IPA), sendo este disponibilizado para consulta pública em Abril de 1993. O Instituto Português do Património Cultural (IPPC) criado em 1980, com funções de recuperação e valorização do património, vai dar lugar em 1992 ao Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), correspondente hoje ao Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR) criado em 2006 que, por sua vez, resultou da fusão do IPPAR com o Instituto Português de Arqueologia (IPA) e da incorporação de parte das atribuições da agora extinta DGEMN (1929-2006). A Empresa Nacional de Turismo (ENATUR) que explora a rede de Pousadas de Portugal, apesar do sufixo “nacional”, consiste actualmente numa sociedade anónima privatizada desde 2003.

Modos de intervenção A famosa colecção de Boletins43 editados pela ex-DGEMN tratava-se na altura, de uma iniciativa de exposição pública dos “feitos grandiosos” daquele organismo, que se acreditava terem sido empreendidos segundo critérios correctos e seguros dentro de um quadro mental já definido. Segundo o director-geral tratava-se de um conjunto de dados que pudessem informar a crítica acerca dos trabalhos realizados. Um conjunto de publicações acerca de alguns dos monumentos sobre os quais se cumpria um plano de acção da responsabilidade daqueles Serviços que não apresentava, salvo algumas raras excepções, a preocupação em defender ou justificar os critérios de actuação utilizados. A “nota histórica”, nor42 Pousadas ENATUR: Santa Marinha da Costa; Santa Maria do Bouro; Flor da Rosa; Nossa Senhora da Assunção; D. Afonso II; D. João IV; etc. 43 Consistindo, mais concretamente, numa pequena monografia histórica sobre o edifico, que figurava nas primeiras páginas, seguida de um enunciado das obras realizadas pela Direcção-Geral, e finalmente, uma série de elementos gráficos (entre desenhos e fotografias) que ilustravam a narrativa dos trabalhos e que traduziam a situação do imóvel antes e depois da intervenção. VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado.

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malmente encomendada a personalidades exteriores à ex-DGEMN, limitava-se a estabelecer alguns factos relacionados com o imóvel, dispensando uma mais aprofundada investigação documental, artística ou arqueológica. O resumo dos trabalhos e a sua enumeração eram redigidos sem grandes explicações pelos técnicos responsáveis pela intervenção, assim como os levantamentos gráficos editados. Todos os intervenientes mantinham o anonimato e cada Boletim aparecia sobre a responsabilidade global dos Serviços. As iniciativas de restauro protagonizados pela ex-DGEMN junto dos monumentos, pautaram-se por uma “reintegração arquitectónica”, baseada na “pureza de estilo” que incluía o sacrifício de elementos de épocas posteriores, considerados como atentados estéticos à harmonia do conjunto, como é o caso da galilé da igreja de São Fins de Friestas que foi destruída no restauro da ex-DGEMN, ou o caso de S. Pedro de Rates, onde foi sacrificada, em nome da “pureza de estilo”, uma raríssima abóbada artesoada44. Como afirmou Raul Lino, não basta consolidarmos as pedras, é preciso também mantermos viva a tradição de todos aqueles valores espirituais, quer a sua missão activa ainda perdure, quer já tinha terminado45. O Congresso de Veneza em 1964 e a elaboração da nova Carta de restauro fortaleceu também, e em definitivo, a nova era da ex-DGEMN, aprovando de vez as contribuições das diferentes épocas para a consolidação histórica do monumento, tal como reconhecimento e compreensão da importância da envolvente ao monumento (urbana ou natural), a par das novas noções de conjuntos e sítios monumentais. A dinamização da sua actividade tem vindo a considerar crescentemente a importância de proporcionar ao património uma “função social” e também económica, tendo em conta o seu valor para a recuperação urbana e desenvolvimento local. Igualmente, como se pode constatar, tem sabido acompanhar as evoluções tecnológicas e conceptuais, face às medidas de intervenção, do mesmo modo que tem vindo a dominar outras áreas de interacção com o mercado46. Muitos dos trabalhos de restauro foram impeditivos para o normal desenvolvimento do culto nos edifícios e algo “desvirtuosos” pela supressão de altares e outros elementos decorativos acrescentados pelas épocas posteriores47. Esta crí44

Cf. TOMÉ, Miguel - Património e restauro em Portugal (1920-1995). Porto: FAUP publicações, 2002.

45

Raul Lino citado por NETO, Maria João, op. cit.

46 Nomeadamente com o “turismo cultural”, cada vez mais preponderante para a divulgação e desenvolvimento económico do país. 47

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Afirmou directamente da tribuna da Assembleia Nacional, Diogo Pacheco de Amorim (1888-1976) em


tica foi também reforçada pela colegiada de Guimarães que acusa a ex-DGEMN de utilizar critérios que em nada contemplam a vida religiosa dos edifícios, sendo conduzidas obras sem qualquer consulta aos clérigos interessados, levando a graves atropelos iconográficos por motivos de ignorância da parte dos técnicos. Os párocos viam-se levados a crer que muitas das obras eram de motivação anti-clérical e que a sua planificação era propositada para retirar o culto ao imóvel.

1935.

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2.3 Casos de referência

Embora Cultura e Lazer, possam remeter para realidades opostas, estas noções parecem ter alargado a sua charneira, admitindo a possibilidade de uma fusão fundamentada numa mentalidade pós-moderna, que se opôs à tentativa catalisadora de separar as esferas de actividade e distinguir com clareza os espaços e as classes sociais. Enquanto uma possível ligação entre arte e consumo era censurada pelos modernos, para o pós-moderno, esta mesma ligação parece perfeitamente natural, quando por exemplo, ao visitar um museu, espaço que abriga a cultura e expõe por excelência obras de arte, (antigamente apenas acessíveis às elites culturais) se confronta com um leque de serviços e comodidades dirigidos ao mais comum transeunte, procurando dar respostas às necessidades lúdicas e consumistas do visitante. Em Portugal, podemos apontar os anos 50 e 60 como os anos da adaptação dos imóveis históricos a outras funções, nomeadamente a adaptação do monumento a pousada48. Surgem pela crescente necessidade de dar alguma utilidade prática a muitos imóveis entretanto restaurados, assegurando assim, com o novo uso, a sua devida (e dispendiosa) manutenção. O tipo de intervenção correspondia em geral a uma espécie de “arquitectura de interiores históricos”, procurando geralmente a criação de um “ambiente evocativo”, com decoração e mobiliário de cariz revivalista que imitava os modelos do passado49. As obras realizadas eram consideradas inofensivas para o monumento, sempre com o intuito de o preservar ou recuperar e destinadas apenas a conciliar a rudeza das construções arcaicas” [com] “as vulgares susceptibilidades dos homens da actualidade, a quem os quatro séculos de activa civilização tornaram mais exigentes que os antepassados50. Embora, algumas sugestões de adaptação a pousada sejam discutíveis, efectivamente, este é um programa que apresenta uma enorme solidez de conteúdos: a integração e diálogo entre património e turista, assim como a grande flexibilidade e capacidade adaptativa destes monumentos, torna-os veneráveis a este tipo de transformações. 48 As primeiras adaptações a pousadas foram o Castelo de Óbidos (1952), o Forte de São João Baptista na Berlenga (1953), o Convento de Lóios em Évora (1965), o Palácio da Rainha Santa Isabel em Estremoz (1977), o Castelo de Palmela (1984) e o Convento de Santa Marinha da Costa (1985). 49 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado. 50

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Boletim nº68-69. [a propósito da adaptação do Castelo de Óbidos a pousada]. Porto: DGEMN, 1952.


Segundo o historiador João Appleton, os mosteiros são, de facto, os edifícios históricos que mais se aproximam da ideia de unidade hoteleira ou de Pousada. A validade do programa é evidentemente compreendida, por permitir uma maior aproximação e, portanto, um mais apurado relacionamento com património monástico em comparação com as visitas esporádicas que duram apenas um dia ou uma manhã. No entanto, relembra-se que a função original, que ainda existe - a conventual - é sem sombra de dúvidas a que melhor se adapta à essência destes edifícios, contribuindo para o reanimar das memórias e vivenciar no espaço e na actualidade todos os aspectos que deram origem à sua estrutura e desenvolvimento, opção que em nada interfere com as suas atribuições culturais e educativas, antes pelo contrário, tornam-se “mosteiros vivos”, a cumprir a verdadeira função para que foram construídos e não apenas circuitos funcionais e climatizados e que, por isso, representam o fim da história que, afinal, todos desejamos que continue, com passado, presente e futuro51. As últimas duas décadas do século passado abriram caminho a um novo tipo de intervenção em monumentos52: as Pousadas Históricas Design. Históricas porque procuram a adaptação de um edifício histórico, ou monumento; e Design porque veiculam um traço de modernidade na arquitectura. A Pousada de Santa Marinha foi o modelo a seguir para três outras novas pousadas modernas construídas em monumentos53. A Pousada Flor da Rosa no Crato, projectada pelo arq.to João Luís Carrilho da Graça e inaugurada em 1995; a Pousada de Nossa Senhora da Assunção, inaugurada no ano seguinte em Arraiolos, obra de José Paulo do Santos; e em 1997 a obra de Souto Moura em Amares, a reconversão do antigo Mosteiro de Santa Maria do Bouro a Pousada Histórica Design. Na Flor da Rosa, a pousada de Carrilho da Graça deixa livre e desafecta toda a área da igreja e do claustro, afirmando de modo discreto, nos espaços laterais e traseiros do conjunto, a sua área de arquitectura moderna, luminosa e imaculada. 51 Cf. COSTA, Alexandre Alves, “A arte de construir a transformação” in Estudos/Património, nº3, Lisboa: IPPAR, 2002 52 Como de certa forma responsável por este fenómeno podemos apontar a Pousada de Santa Marinha da Costa, em Guimarães. Um projecto de recuperação, levado a cabo por Fernando Távora e realizado dentro dos serviços da DGEMN, que se estende ao longo de 12 anos sendo finalmente inaugurado em 1985. 53 Estas três pousadas só em parte foram acompanhadas pela DGEMN e apenas em termos de fiscalização de obras, porque todas as restantes incumbências foram dirigidas ou pelo IPPAR ou pela ENATUR.

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Em Arraiolos, a proposta é a de um novo corpo, compacto e branco, em diálogo com as formas do manuelino e requintadamente introduzido no desenho de fecho do claustro central. Finalmente, na Pousada de Santa Maria do Bouro, o arquitecto assume a manutenção da expressão poética do conjunto como imagem de “ruína”: o claustro, elemento gerador do conjunto, é assumido como arcada escultórica; a cobertura, sem telha, é deliberadamente convertida num plano de terra ajardinado. O antigo mosteiro é assumido pelo autor do projecto como “conjunto de materiais” a tratar e a interpretar, e não já como obra unitária ou monumento a restaurar. O novo e o velho unem-se numa nova mutação do edifício, pelo que o novo volume é introduzido quase que invisivelmente no conjunto. Estas três obras, influenciadas pela intervenção em Santa Marinha da Costa, indicam um caminho algo inovador e são a cara das mais recentes intervenções em monumentos portugueses. Embora de estranha subtileza, estes três exemplos são notáveis na forma como abordam a junção do novo com o velho numa intervenção patrimonial, não se limitando a seguir à risca o caminho trilhado pela obra de Fernando Távora, estes projectos procuram novas interpretações, por vezes bastante contraditórias com o conceito introduzido pela sua fundadora. No âmbito do nosso trabalho de investigação, optamos por analisar o caso de Santa Marinha da Costa e de Santa Maria do Bouro por terem as visões mais antagónicas dentro do contexto da intervenção no património.

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2.3.1

Convento de Santa Marinha da Costa, Fernando Távora No que respeita à intervenção no Património, Távora partilha de alguns

valores de Ruskin, todavia reconhece que o descuido e o abandono não são eticamente aceitáveis na Arquitectura. A intervir na ruína, questionou-se até que ponto, deveria ou não, ela ser transformada. Em certos trabalhos confrontou-se com a ausência quase total da ruína, noutros foi confrontado com vestígios que não documentavam a totalidade do corpo que constituía a ruína antes do estado de degradação, como é o caso da Casa dos 24. Porém, ao contrário do amor platónico de Ruskin pela ruína, Fernando Távora preferiu intervir quando houve essa necessidade. No final do seu percurso profissional Fernando Távora envolveu-se sobretudo em obras de reabilitação. No Porto, para além da Casa dos 24, tem a oportunidade de desenvolver mais dois importantes projectos de edifícios públicos. Entre 1988 e 2001, realiza o projecto de Reestruturação e Ampliação do Museu Soares dos Reis e entre 1996 e 2003 desenvolve o projecto de restauro do Palácio do Freixo. Távora desenvolve também a adaptação a pousada do Convento Santa Marinha da Costa (1975-85), obra que rejeita a ruptura e o pessimismo, assumindo os valores de continuidade com História. Os estudos efectuados permitiram-lhe registar a evolução do Convento ao longo do tempo, pressupostos que constituíram razão e fundamento do próprio projecto de intervenção. Admite-se que o conjunto tenha sido edificado sobre um pequeno templo dos finais do séc. IX, construído, sobre um anterior estabelecimento romano, havendo vestígios de ocupações românicas e pré-românicas. Supõe-se pela sua proeminente localização que este tenha sido o local dos Paços Condais Portucalenses. Como convento foi fundado em 1154 pela rainha D. Mafalda54, esposa do primeiro Rei de Portugal. Foi entregue à ordem de Sto. Agostinho que, durante os 350 anos em que o manteve, ampliou a igreja e construiu as quatro novas alas envolvendo o claustro. Em 1528, foi lá instituída a ordem de S. Jerónimo, com um colégio que ministrava estudos preparatórios de humanidades e artes e o ensino superior em Teologia. Durante este período são executadas as principais obras de transformação, desde a construção de um novo claustro à reformulação da fachada. Os sécs. XVII e XVIII levaram à actualização estética interior, à reconstrução 54 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado.

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Figura 34 - Pousada de Santa Marinha da Costa

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da nova capela-mor e às alas conventuais, alargando-se à redefinição da cerca. Em 1936, já a Igreja e o Convento haviam sido classificados como “imóvel de interesse público”55 e pareciam estar asseguradas condições opostas à continuada degradação do edifício. Porém um incêndio em 1951 devolveu-o novamente ao abandono. Definitivamente em 1972 o imóvel é adquirido pelo Estado, que dá início às obras de restauro cinco anos depois, já com vista à actual adaptação a pousada. À semelhança de outros casos idênticos é a ex-DGEMN que escolhe a equipa de projectistas chefiada por Fernando Távora. Durante o processo de restauro, com o aparecimento de importantes vestígios, foram envolvidas entidades especializadas como a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (UAUM). Situação que viria a proporcionar, segundo o IPPAR, uma das mais importantes campanhas arqueológicas, em edifícios medievais, no nosso país. Sobranceira à cidade de Guimarães, esta recuperação de Fernando Távora integra a rede Pousadas de Portugal com a classificação de Pousada Histórica instalada no antigo convento homónimo, fundado no séc. XII. Quando foi decidida a adaptação a pousada, o edifício encontrava-se já em avançado estado de degradação provocado em parte pela variedade de usos que comportou a partir da extinção das ordens e, mais recentemente, pelo incêndio de que foi vítima em 1951 e que o conduziu ao estado de abandono. Em 1972, Fernando Távora faz os primeiros esboços, entrando no trabalho encomendado pela ex-DGEMN com uma postura próxima da simplicidade com que os nossos mestres pedreiros sempre encararam a continuação ou a alteração das obras dos seus predecessores56. O desvendar do processo histórico do edifício dita os indícios que orientam a própria intervenção. A complexidade do conjunto apontava para vários momentos de crescimento a partir do núcleo claustral, correspondentes às várias fases construtivas. No entender do autor, a actual intervenção é apenas mais uma destas etapas na vida do edifício, projectada com regras claras, também elas resultantes da interpretação da história e da própria contemporaneidade. Destacam-se três níveis de leitura fundamentais para a compreensão do carácter do monumento na sua relação interior-exterior: o edificado, a cerca circundante e a própria paisagem. O edifício ostenta um corpo principal de dois pisos que acolhe as instalações da nova pousada, bem como um novo volume rebaixado onde se situam 55

Decreto-Lei nº 26 450, DG 69 de 24 Março 1936.

56

COSTA, Alexandre Alves, “Alguns fragmentos” em TÁVORA, C.O.A.G., 2002.

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Figura 35 - Planta do piso 1 da Pousada Santa Marinha da Costa

Figura 36 - Planta do piso 0 da Pousada Santa Marinha da Costa

Figura 37 - Planta do piso -1 da Pousada Santa Marinha da Costa

Figura 38 - Planta do piso -2 da Pousada Santa Marinha da Costa

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vinte e sete dos quartos cuja decoração contrasta, pelo despojamento, com o restante edifício. A entrada principal faz-se pela área que fora o refeitório, sendo ainda visível a moldura de granito que sustentava o púlpito de onde eram efectuadas as leituras durante as refeições. A sala do bar desenvolve-se no que terá sido a cozinha, dando acesso ao restaurante da unidade. Em vários locais da pousada é possível ver a descoberto vestígios arqueológicos das ocupações românicas e pré-românicas. Vastas áreas permanecem revestidas a azulejo do séc. XVIII, nomeadamente os acessos ao salão nobre e à sala do capítulo. Ao fundo do corredor dos quartos, foi igualmente preservada a fonte setecentista e a varanda de São Jerónimo debruçada sobre o jardim. Nesta obra seguiu-se um método, segundo o qual se sintetizaram duas vertentes complementares a considerar numa intervenção no património: o conhecimento científico da sua evolução e dos seus valores, através da história e da arqueologia, e uma não menos fundamental concepção criativa no processo de alteração. Primeiro o reconhecimento do valor global do conjunto e depois a intervenção de recuperação do monumento através da preservação do seu carácter e do seu valor expressivo. O respeito pela estrutura original do edifício levaria o arquitecto a recusar a proposta inicial de construir um segundo andar de quartos, de maneira a “aproveitar” o generoso pé direito daquele piso, uma vez que isso alteraria os valores espaciais de escala e proporção, impondo inclusivamente a reformulação dos alçados. A resposta a outras questões funcionais, como a incorporação de serviços e acessos verticais, foi dada com grande naturalidade, ao assumir claramente a condição contemporânea e o seu papel funcional57. Esta intervenção divide-se em dois momentos distintos: a reabilitação da preexistência e a construção do novo volume. A recuperação do antigo edifício para adaptação a pousada centrou-se nas suas duas principais unidades, o núcleo envolvente ao claustro e a ala dos dormitórios. Na reconstrução da grande ala ardida, da qual restavam quase intactas as zonas de remate (o acesso a Norte e a varanda a Sul), foi recusada a reconstituição mimética por parte do arquitecto, recorrendo a soluções formais contemporâneas que se aproximavam da antiga espacialidade e dos seus valores plásticos. O desenho de cada espaço foi o resul57 O conforto térmico de um edifício desta dimensão durante o Inverno foi conseguido à custa de um aquecimento radiante colocado sob os pisos, que permite obter uma temperatura homogénea a constante ao longo do mosteiro.

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tado de um processo criativo baseado na analogia, compreendida na recuperação de elementos expressivos da estrutura antiga, através da sua simplificação construtiva e formal (paredes brancas, abóbadas, cantarias em remates, etc.) e eleita como opção mais correcta perante tal condição. No seguimento das ideias de Brandi, Távora pretendia uma reflexão crítica que, ao fugir da cópia exacta, contornava a tempestuosa questão da autenticidade histórica, sendo a unidade visual conseguida pela atenuação da marcação arqueológica, entre novo e antigo. O novo volume, desenhado na continuidade da ala poente do claustro, reforça um eixo que ainda não tinha sido marcado: nós quisemos integrar-nos nesse crescimento (do convento). Se esta ampliação tivesse sido feita pelos frades do século XVIII seguramente seria algo parecido58. Muito diferente da evocação violletiana do “espírito construtor original”, no sentido de “ressuscitar” a forma original do edifício, o valor do monumento é entendido aqui pela capacidade de absorver as transformações do tempo, inteirando-as no seu corpo. A procura de Távora nunca foi orientada para aquilo que o edifício foi ou poderia ter sido mas simplesmente para o que ele podia e “desejava” ser. Na introdução deste novo edifício, de assumida expressão contemporânea, a dificuldade principal residia na sua ligação física ao antigo corpo, fortemente estabilizado na sua aparência exterior. Perante esta questão, o arquitecto esboçou uma solução muito simples, através do desenho de um volume opaco, aberto apenas a Sul e a poente através de um envidraçado contínuo, contraposto à solução barroca de grandes cheios e pequenos vazios. A ligação com o corpo principal era feita a um nível subterrâneo. Nesta obra tudo é conjugado sem sobressaltos, sem rupturas e em conformidade. É um trabalho que reflecte uma profunda reflexão crítica acerca da possibilidade de intervir num património carregado de memória, sem com isso ficar refém do seu peso histórico, agindo naturalmente na sua continuidade.

58

80

Fernando Távora, citado em “tradição e modernidade”, Fernando Távora, op. cit.


2.3.2

Mosteiro de Santa Maria do Bouro, Eduardo Souto Moura É difícil falar dos pressupostos teóricos do arquitecto Souto Moura sem ser

através da análise das suas obras, visto não existir obra escrita que torne teóricas as suas ideias sobre arquitectura. O autor aponta a falta de elementos teóricos, capazes de regrar a concepção arquitectónica, segundo o próprio, num momento em que todas as verdades são questionáveis (pressupostos do modernismo), em que tecnologias e sistemas construtivos estão em constante mutação e em que os modos de ver e os próprios programas sofrem profundas alterações. A história é fundamental para o projecto (…) A História que me interessa e me serve é a do classicismo. O classicismo é a regra que entende o todo e é capaz de incluir as partes, o particular, a excepção a que o lugar o obriga. O classicismo liga a artificialidade do conceito com a naturalidade do sítio. O modernismo continuou a pensar assim, só teve de mudar os “materiais”. Substituiu a pedra e a madeira pelo betão e o aço59. Das suas escassas obras de intervenção no património sobressai o projecto de conversão a pousada do Mosteiro de Santa Maria do Bouro60. A construção do conjunto, envolta em mistério, remonta ao séc. XI, altura em que alguns peregrinos, atraídos pela imagem da Virgem se lançaram na construção de um novo templo e respectivas dependências monásticas. Os vestígios mais antigos, uns elementos arquitectónicos dispersos, apontam para uma cronologia que ronda os finais do séc. XII e os princípios do séc. XIII. O conjunto cisterciense seria então formado por uma Igreja de três naves com cabeceira tripartida e planta rectangular, organizando-se os restantes edifícios em torno do claustro encostado à parede meridional do templo. A partir do séc. XV entrou em processo de degradação chegando ao século seguinte em estado de quase ruína. Nos finais do séc. XVI, iniciaram-se obras de recuperação que incluem novas decorações em talha e azulejos, avançando até meados do séc. XVII, período em que é reconquistada a pujança de outrora com obras de expansão do edifício onde já viviam mais de 30 monges. No início do séc. XVIII, foram reconstruídos alguns espaços e a nova ala a Oeste para onde foi transferida a entrada. 59

Eduardo Souto Moura, citado por ESPOSITO, António; LEONI, Giovanni - Fernando Távora. 2009.

60 “Construí um edifício novo com paredes antigas (...). Quando comecei percebi, juntamente com os arqueólogos, que o mosteiro era feito de sobreposições, comprovando que o património acaba sempre por ser feito por atentados ao património... A partir daí foi-me mais fácil materializar a ideia: fazer renascer o mosteiro como uma estrutura do século XX, no respeito pela História”, Guia das Pousadas e Hotéis de Sonho. Lisboa: Ed. Expresso, 2001. Vol. 1.

81


Figura 39 - Pousada de Santa Maria do Bouro depois da intervenção de Souto Moura

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Em 1834, com a extinção das Ordens, o Mosteiro foi abandonado sendo depois vendido em hasta pública. O conjunto foi classificado como Imóvel de Interesse Público em 195861 e em 2005 foi estabelecida uma Zona Especial de Protecção ao monumento62. Em 1986 parte do edifício é adquirida pela Câmara Municipal de Amares e em 1989 é apresentado o projecto de Eduardo Souto Moura para a adaptação a Pousada. As obras foram iniciadas cinco anos depois, sendo a Pousada inaugurada em Março de 1997. Esta obra surtiu várias nomeações internacionais, por exemplo o 1º prémio na I Bienal Ibero Americana, em 1998 e a menção honrosa “Pedra na Arquitectura” no ano seguinte. Santa Maria do Bouro situa-se em Amares, distrito de Braga. Integra hoje a rede Pousadas de Portugal com a classificação de Pousada Histórica Design, designação que reflecte a intervenção no conjunto. O projecto foi encomendado pelo Ministério da Cultura em 1988 e entregue a Souto Moura (em colaboração com Humberto Vieira) pelo IPPAR, no seguimento do enquadramento legal de adjudicação directa. Quando foi encomendado o projecto não estava ainda definido o destino a dar ao monumento o que, em conjunto com as suas reduzidas dimensões e profundo grau de degradação, acabou por agradar ao arquitecto. Pareciam estar reunidas as condições ideais para nele se intervir. Inicialmente a intenção de Souto Moura era distinguir a sua intervenção da pré-existencia antigo é antigo, novo é novo. Se for novo, faço as coisas de uma certa maneira… se for antigo faço-as de outra63 (…) queria experimentar novas técnicas e imagens, e marcar bem a diferença entre a minha intervenção e a parte histórica do edifício64. À medida que o projecto foi evoluindo também a sua opinião mudou. Atitude a que não foi estranha a descoberta de novos indícios arqueológicos que confirmaram uma fusão de épocas e estilos resultante da sucessão de ocupações, demolições e ampliações, “tudo em perfeita harmonia” como nota o arquitecto. Tal como para Távora, o momento da intervenção passou a ser encarado como mais um episódio na vida do edifício, dando-lhe a sensação de fazer parte da história do mosteiro. E as decisões começaram a surgir naturalmente, sem

61

Decreto- Lei nº 42 007, DG 265 de 6 de Dezembro de 1958.

62

Portaria n.º 1277, D.R., 2ª Série, n.243 de 21 de Dezembro de 2005.

63 Eduardo Souto Moura, citado por Roberto Collová em “Santa Maria do Bouro, uma história contínua”, Santa Maria do Bouro, construir uma Pousada com as pedras de um Mosteiro. Lisboa: White & Blue, 2001. 64 Eduardo Souto Moura, citado por Sérgio Andrade, “A arquitectura invisível de Souto Moura” in Pública, 21 Junho de 1998.

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Figura 40 - Planta do piso 2 da Pousada Santa Maria do Bouro

Figura 41 - Planta do piso 1 da Pousada Santa Maria do Bouro

Figura 42 - Planta do piso 0 da Pousada Santa Maria do Bouro

Figura 43 - Planta do piso -1 da Pousada Santa Maria do Bouro

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grande reflexão65. De facto, todo o minimalismo e discrição que caracterizam esta obra ocultam uma profunda intervenção por parte do arquitecto: verifica-se que os novos pavimentos não se distinguem dos antigos o projecto previa pôr o antigo ao lado do novo, separado por uma junta. Mas, depois, fiz os novos iguais aos antigos e tornou-se mais vulgar, mais normal. Afinal de contas, ninguém vai verificar o que é antigo e o que é novo66. O projecto tenta adaptar, ou melhor, servir-se das pedras disponíveis para construir um novo edifício. Trata-se de uma nova construção onde intervêm vários depoimentos e não da recuperação do edifício na sua forma original. Para o projecto as ruínas são mais importantes que o ‘mosteiro’, já que são material disponível, aberto, manipulável, tal como o edifício o foi durante a história.67 Encontrado em ruínas, assim se manteve deliberadamente a intensa imagem poética do edifício. A arcaria do claustro foi assumida na sua nova vertente escultórica enquanto elemento cénico e isolado, a cobertura passou a plano vegetal sobre a laje, pretendendo com isso reproduzir a imagem ligada à vivência e memória do autor que confessa nunca lhe ter visto o telhado, as janelas não voltaram a ter caixilhos com vidros aos quadradinhos, a imagem dos vãos vazios da ruína foi mantida através da introdução de vidros com caixilhos ocultos atrás das molduras dando a ideia etérea de buracos. A única ala “totalmente nova” projectada pelo arquitecto instalou-se de forma discreta onde apenas existia um muro de pedra, resolvendo o novo corpo de serviços da pousada por detrás de uma fachada que aparentemente consiste numa longa parede de granito apenas pontuada por pequenas janelas. Neste novo corpo, o contraste que se estabelece entre novo e antigo é quase nulo. O edifício mantém a imagem natural que ostentava nos últimos anos, as janelas em vidro sem caixilharia aparente, reforçam a ideia de algo parado no tempo, sem qualquer telhado detectável do exterior, vêem-se apenas as ervas a crescer na cobertura68. No interior salvaguardou-se, tanto quanto possível, a estrutura das dependências, com uma decoração simples e sóbria. Parte do sistema hidráulico montado pelos monges de Cister foi preservada, sendo possível obser65

Eduardo Souto Moura, citado por Roberto Collová, op. cit.

66

Idem ibidem.

67 MOURA, Eduardo Souto, “Reconversão do mosteiro de Santa Maria do Bouro numa pousada”, em Santa Maria do Bouro, op. cit. 68 Esta foi revestida a terra de onde saem plantas como as que antigamente, na memória do autor, se agarravam ao travejamento em ruínas.

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var e ouvir, em vários locais, a água que atravessa o mosteiro. Souto Moura afirma que tinha de escolher uma imagem para o mosteiro. Românico? Impossível, não restava nada! Cobrir a pedra com estuque? (…) e o telhado? (…) era de telha de canudo, que já não se faz. Só há telhas romanas, o que pode ficar realmente horrível. Pensei: se usar estuque branco, se usar janelas com quadrados pequenos e fizer telhado com telhas romanas, o meu objectivo será reconstruir a imagem do mosteiro no início do século XX. Será o mais correcto? Quando se identifica o edifício com um século específico, a restauração deverá ser feita tendo em vista essa poderosa identidade. Caso contrário, quando se escolhe um século: para mim a única possibilidade será o século XX (…) e não faz sentido construí-lo seiscentos anos mais velho69. O que o arquitecto propôs em Santa Maria foi fixar a sua imagem actual (de ruína) para tal apagando vestígios que pudessem perturbar essa passividade; o telhado não é reconstruído propositadamente e as novas funções são alojadas com aparente pragmatismo sem a preocupação de analogia com espaços que albergaram funções idênticas no passado. Só depois de “estabilizada” a ruína, (e não a antiga construção) é que o edifício se adapta ao novo programa, privilegiando o usufruto da ruína enquanto prazer estético, numa intervenção que se dilui em absoluta expressão minimalista70. O conhecimento do monumento (enquanto realidade histórica) partiu de uma “dupla orientação”: a análise tipo-morfológica de espírito empírico (por parte do arquitecto e à semelhança do que Távora faz na Costa) e a investigação histórico-arqueológica (assegurada por especialistas) depois da obra entrar em curso. A nova regra admitida pela intervenção, não deixa de traduzir a anterior realidade que se pretendia preservar e transmitir, invocando através da nova construção (fundada sobre a antiga), memórias de experiências e de realidades passadas. Passado e presente fundem-se e o tempo encarregar-se-á de camuflar as diferenças71. Esta ruína de aparente afinidade com conceitos conservadores de Ruskin resulta, na verdade, de uma postura profundamente oposta, muito mais próxima do positivismo intervencionista de Viollet-le-duc. Para Souto Moura a incipiente dicotomia entre passado e presente não tem necessariamente de existir, pois a

69

Eduardo Souto Moura, citado por Roberto Collová, op. cit.

70

Cf. COSTA, Alexandre Alves, “A arte de construir a transformação”, op. cit.

71

TOMÉ, Miguel, op. cit.

86


contemporaneidade também faz parte da história72. Neste projecto, ao contrário do que Távora fez em Santa Marinha, nunca houve a intenção de restaurar o conjunto, no sentido de fazer regressar o esplendor das formas que este conheceu desde a sua fundação. Porém, apesar de ter sido considerada pelo autor como “nova construção”, sem complexos em introduzir materiais e técnicas contemporâneas, verifica-se que tudo foi feito para parecer que sempre ali esteve.

72 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado.

87


2.4 Conclusão

No âmbito de uma intervenção num edifício de valor histórico e documental devemos assumir duas realidades distintas - “o novo” e “o velho” e assegurar um ponto de equilíbrio entre a continuidade e a ruptura da história do edifício, assumindo a nova intervenção uma nova etapa na sua vida e uma (re)interpretação daquilo que o edifício foi e o que poderá vir a ser para a nova sociedade, (re) afirmando a sua utilidade prática ao mesmo tempo que é clarificada a velha mensagem73. Introduzir um novo uso a um edifício, seja ele de valor histórico ou não, requer uma profunda sensibilidade por parte do projectista, no sentido de compreender se o carácter daquele edifício e se a sua solução tipológica suporta ou não, a introdução de novos modos de estar e experiências naquele espaço. Embora entendamos a tentação de utilizar os mesmos materiais para assegurar uma continuidade de expressão, porém embora legítima, esta intenção pode conduzir “acidentalmente” a uma falsificação, mas quando se distingue exageradamente o material novo do pré-existente, incorre-se no “anti-estético” e na sobrevalorização do novo, em nada favorável à expressão visual do conjunto. Como refere Raquel Guedes Vaz na sua dissertação de mestrado, existem materiais que pela sua própria natureza, simplesmente não “combinam”, têm expressões muito antagónicas e processos de envelhecimento muito distintos que devem ser evitados. O aço e o vidro, por exemplo, são materiais que assumem claramente a sua contemporaneidade e que, pela sua natureza subtil e aparente leveza, para além de facilitarem um processo de reversibilidade, comunicam facilmente com qualquer outro material, mesmo antigo.

73 VAZ, Raquel Maria Filipe Álvares Guedes, Património: Intervir ou Interferir?, Coimbra, 2009. Dissertação de Mestrado.

88


Património não pode ser apenas aquilo que os antepassados (…) nos deixaram. O património resulta duma criação permanente e colectiva e o próprio acto de recuperação do património tem de ser um acto de criação e não um acto de rotina burocrática ou de capricho pessoal. (…) A obsessão pela conservação do património quase denota falta de criatividade (…) Há uma certa decadência nesta obsessão por conservar edifícios74.

74 Fernando Távora (memória descritiva do Plano Geral de Urbanização de Guimarães, Porto, 1982), citado em “Tradição e modernidade na obra de Fernando Távora”, Fernando Távora, op. cit.

89



3. CASO DE ESTUDO - CENTRO INTERPRETATIVO

Figura 44 - Igreja de Sรฃo Fins de Friestas, Valenรงa

91


Figura 45 - Inventário de monumentos românicos no vale do rio Minho

Legenda 1- Capela S. Pedro de Varais 2- Santuário São João de Arga 3- Capela de Sta. Luzia 4- Ponte de S. Pedro de Torre 5- Igreja Matriz de Valença 6- Igreja e Mosteiro de Ganfei 7- Igreja e Mosteiro de São Fins de Friestas 8- Ponte em Gondomil 9- Ponte em Portel 10- Igreja e Mosteiro de Longos Vales 11- Igreja e Mosteiro de Paderne 12- Igreja Matriz de Melgaço 13- Capela de S. Julião 14- Castelo de Melgaço 15- Capela da Orada 16- Igreja de Chaviães 17- Igreja de Fiães 18- Igreja de Lamas de Mouro 19- Igreja de Castro Laboreiro 20- Ponte de Varziela

92

21- Ponte das Cainheiras 22- Castelo de Castro Laboreiro 23- Ponte da Assureira 24- Capela de S. Brás 25- Colegiata de Baiona 26- Igreja de Coruxo 27- Igreja de Goyas 28- Igreja de Bemi 29- Igreja de Castrelos 30- Igreja de Bembrive 31- Igreja de Castro 32- Igreja de Angoares 33- Igreja de Gandariña 34- Igreja de Solvado 35- Igreja de Palláns 36- Igreja de Toxeira 37- Igreja de Santo Domingo 38- Catedral de Tuy 39- Igreja de Rebordans 40- Igreja de Campol


3.1 Percurso pelo Românico do vale do rio Minho

Ao percorrer o Alto Minho é possível encontrar igrejas e capelas românicas entre vinhedos e pomares na margem dos rios ou no cimo dos outeiros. Umas ainda estão abertas ao culto, mas há também outras que foram, total ou parcialmente, abandonadas. Deslocaram-se os interesses económicos e sociais da população ficando os velhos templos num abandono quase total. Muitos já se degradaram, sem qualquer possibilidade de recuperação, mas há outros que ainda se conservam, no entanto, com grande probabilidade de se degradarem se, entretanto, não houver uma intervenção. Das duas dezenas de igrejas e capelas românicas do Alto Minho, poucas ostentam a traça primitiva. Umas foram transformadas, através do tempo, e delas apenas restam alguns cachorros1, algum floreado decorativo, ou uma outra linha arquitectónica. Ainda que as novas exigências de ordem histórica, artística ou litúrgica justifiquem tais transformações, a maior parte deveu-se ao desleixo, à carência de conhecimentos e a uma fé que aceita todas as inovações sem espírito crítico2. No geral, as igrejas românicas do Alto Minho revelam um espirito de pobreza acentuado, próprio da época em que foram construídas. Como afirmou Reynaldo dos Santos, poderíamos caracterizar este românico como “pobre, forte, rude e sem requinte”3. A temática abordada pelos artistas românicos merece um olhar atento, pois pode revelar-nos a situação cultural do povo daquela época, contribuindo assim para um maior aprofundamento e esclarecimento mais transparente da vida económica, social e cultural de um período da história considerado, ainda por alguns, obscuro e atrasado. Com este breve apontamento sobre o românico do Alto Minho, pretendemos alertar as consciências para o valor cultural e arquitectónico destes pequenos templos espalhados pela bacia do rio Minho. Uma igreja românica, mesmo que hoje esteja isolada, é sempre um centro 1

Como acontece na igreja da Misericórdia de Melgaço.

2 Casos há em que tais atropelos não encontram justificação possível: por exemplo, na igreja de Friestelas, concelho de Ponte de Lima, para respaldar o telhado, foi introduzida ao longo da cornija, uma faixa de cimento, para obter o nivelamento da mesma; mas, coisa pior se fez em Vila Nova de Muía, Ponte da Barca. Para alterar o telhado de um corredor do lado sul da igreja, esmoucaram os modilhões. 3

Oito séculos de Arte Portuguesa, vol. II.

93


cheio de múltiplas ligações. “É essencial ir, sentir o monumento no seu sítio e no seu ambiente e depois observá-lo por fora e por dentro. Ao aproximarmo-nos de um monumento medieval devemos olhar a sua fachada e volumetria no seu enquadramento histórico e natural, darmos, em seguida, umas voltas de observação em seu redor e penetrarmos depois no seu interior para sentirmos o seu espaço e apreciarmos as suas soluções e arranjos”4. O inventário apresentado permitirá focalizar a “paisagem artística românica”5 do vale do rio Minho e a dialectologia das suas formas. O vale do rio Minho é uma unidade natural e também o foi, económica e socialmente. A linha fronteiriça, aparecida sobre o leito do rio, no decurso do século XII, não a separou - o Alto Minho fez parte da diocese de Tui até ao fim da Idade Média e só na época moderna se deu a separação com a Galiza. O poeta João Verde já escrevia: Vendo-os assim tão pertinho A Galiza mai-lo Minho, São como dois namorados Que o rio traz apartados Quasi desde o nascimento. Deixai-os, pois, namorar, Já que os pais para casar Lhes não dão consentimento6.

Sendo a Galiza uma região pobre, os seus habitantes tinham necessidade de emigrar para Sul, levando consigo a imagem das igrejas da sua terra bem gravada na memória, os elementos decorativos que tantos os encantavam e, quiçá, algum esquema ou esboço arquitectónico. Manuel Monteiro, depois de nos demonstrar a influência exercida pela catedral de Santiago no românico português, escreve: mais do que reflexo e preponderância fizeram-se cá reproduções exactas e fidelíssimas como sucede nos capitéis de Sanfins de Friestas e na ábside de S. João de Longos Vales em que se repetem os mesmos motivos patentes na Sé de Tui7. A semelhança entre a escultura das igrejas românicas das duas margens 4

Carlos Alberto Ferreira de Almeida, História da Arte em Portugal – O Românico, Lisboa, 2001

5

Idem ibidem

6

VERDE, João, Ares da Raya, Vigo, 1902.

7 MONTEIRO, Manuel, S. Pedro de Rates (com uma introdução acerca da architectura românica em Portugal”, in Dispersos I, Braga, ASPA, 1980 (edição original de 1908).

94


do rio é, desde há muito, notada pelos historiadores que têm dedicado o seu trabalho a esta região. Em 19088, Manuel Monteiro agrupou os templos portugueses em dois núcleos, ligando-os ora à Sé de Tui, ora ao românico da província de Orense. Depois desta primeira sistematização, confirmam-se as mesmas afinidades, que uma fronteira permeável e uma diocese comum ajudaram a esclarecer. A cronologia das várias etapas da construção da catedral de Tui constitui, ainda hoje, uma questão em aberto na produção historiográfica espanhola. As semelhanças estilística, temática e técnica entre a escultura dos capitéis de São Fins de Friestas, São Salvador de Ganfei e São João de Longos Vales e a escultura do transepto e da tribuna Norte da Sé de Tui é tão evidente, que a datação atribuída às igrejas portuguesas tem tido, como padrão de referência, o início do estaleiro da catedral de Tui. Seja qual for a data daquelas parcelas da catedral tudense, a verdade é que os modelos aí presentes tiveram uma ampla circulação que ultrapassa a região do rio Minho, como demonstram os capitéis da cabeceira da igreja de Rio Mau, em Vila do Conde, cuja data de fundação é atestada por uma epígrafe que regista o ano de 1151. Estes modelos são também interpretados numa vasta série de igrejas da província de Pontevedra, testemunhando a contínua circulação de artistas e modelos, entre as duas margens do rio. Mas a arte românica não produziu apenas obra eclesiástica, ainda que seja a que mais se destaca pela sua monumentalidade e expansão. Houve também a construção de palácios, vilas, muralhas, castelos, pontes e calçadas que faziam parte da vida quotidiana do homem medieval. Entre as mais interessantes e importantes, pela sua função, estavam as pontes que, embora não sejam obras exclusivas da época, tiveram um grande desenvolvimento por permitir a mobilidade das pessoas num mundo de peregrinações com um enorme tráfego humano e mercantil que necessitava de infra-estruturas para o desenvolvimento da comunicação e do comércio. O transporte feito por carros puxados por bois era o meio de transporte mais adequado para grandes pesos e volumes e, para isso, era necessário o consequente arranjo de caminhos para proporcionar a extraordinária actividade construtiva românica, testemunhada desde os finais do século XI. Na época românica havia um povo que se deslocava bastante em busca do conhecimento com o despertar de uma nova vida depois do ano 1000, quando 8 MONTEIRO, Manuel, S. Pedro de Rates (com uma introdução acerca da architectura românica em Portugal”, in Dispersos I, Braga, ASPA, 1980 (edição original de 1908).

95


houve uma explosão demográfica proporcionando o momento da curiosidade, da necessidade expansiva e da oportunidade. Para isso, havia que atravessar os cursos de água para alcançar o destino e até então existia o recurso de atravessar o rio pelas águas, que era barato, mas perigoso e incómodo para as pessoas e bens. Precisamente porque solucionava esses graves problemas e beneficiava um grande número de pessoas foi considerada - a construção da ponte - como uma obra vital, para não pôr em perigo as pessoas. Umas vezes recebia financiamento através de testamentos ou peditórios públicos, outras vezes era paga por pessoas individuais - depois do século XIII chegou a decretar-se benefícios para quem contribuía para a construção das pontes. A ponte era uma obra monumental importante e estava situada num lugar que as pessoas conheciam e, por vezes, funcionava como âncora para a fixação de novas construções, como moinhos ou até mesmo pequenos núcleos populacionais. Eram obras singulares, pontos de atravessamento e contacto com outras terras, e foram usadas também como pontos de controlo de pessoas e bens, convertendo-se em fonte de riqueza pela sua importância dos limites territoriais e administrativos. Por isso, a sua construção foi tão importante e era favorecida pelos reis, pelo interesse estratégico e económico que representavam. A sua construção estava baseada na engenharia romana do assentamento de pilares no leito do rio para levantar sobre eles distintos arcos, geralmente o maior ao centro pela necessidade de acolher maior caudal e libertar a força das águas que ali ocorrem com mais violência. Os pilares estavam destacados por talha-mares que favoreciam a continuidade da corrente das águas e a parte superior, para pessoas, tinha uma ligeira inclinação devido ao tamanho dos arcos. Uma das melhores formas de entender a importância e acompanhar a evolução das pontes medievais está relacionada com o Caminho de Santiago, onde é possível encontrar muitas infra-estruturas que, em alguns casos, ainda servem as necessidades das pessoas com a circulação pedonal9 e até mesmo automóvel. Desde sempre, o Homem arranjou e preparou locais para seu refúgio e defesa, tanto sobre a sua residência como fora dela, no interior das povoações ou em sítios ermos, entre penhascos escondidos ou em castelos sobre esporões sobranceiros aos povoados. Os castelos são um dos grandes símbolos da época 9

96

Como por exemplo a ponte românica de Ponte de Lima


românica por esta os ter multiplicado por todos os sítios, por os ter carregado de funções e por tanto os ter feito evoluir. O castelo românico tem o teu ponto nevrálgico e mais característico na torre de menagem, isolada e resguardada por uma cerca que muitas vezes ainda não apresenta torres de flanqueamento, a não ser junto da entrada. A torre de menagem, que tanto tipifica o castelo românico, não foi mais do que uma transposição para o interior de uma cerca castelar da torre isolada ou associada a casa, uma solução de arquitectura defensiva, pessoal e familiar de senhor abastado10, bem conhecida já em tempos pré-românicos. O castelo românico, marca do triunfo de uma nobreza fundiária11 que começou a ser chamada para “serviços” de prestígio, foi um instrumento de poder e também um símbolo de segurança dum território.

10

Como por exemplo a Torre de Vilar, Felgueiras.

11

Relativa a terrenos, agrária.

97


Figura 46 - Localização da Igreja São Fins de Friestas (a vermelho)

Figura 47 - Acesso para a Igreja São Fins de Friestas a partir de Valença

98


3.2 Projecto

O interesse pela arquitectura românica no Alto Minho, fez com que fizéssemos uma pesquisa mais aprofundada no tema e, consequentemente, descobríssemos um vasto património em ambas as margens do rio Minho, onde se incluem castelos, igrejas, pontes e mosteiros. Pelo que foi possível observar aquando da visita a alguns monumentos, parte deste património, que data do início da nossa nação com D. Afonso Henriques, está esquecido e ao abandono e, por isso, consideramos que seria fundamental inventariar e divulgar todo este património criando uma rota pela arquitectura românica no Vale do Minho, tal como já existe no Vale do Sousa e Tâmega. Após várias pesquisas em diversos locais, contabilizamos 40 monumentos românicos ao longo do rio Minho, sendo que 26 encontram-se na margem portuguesa, fizemos uma ficha técnica1 para cada monumento e pareceu-nos mais adequado criar um centro interpretativo num destes monumentos, sendo que o que tem mais potencial e mais necessita de intervenção por estar em degradação, é o mosteiro de Sanfins. Este mosteiro é acompanhado pela igreja de S. Fins de Friestas que teve uma intervenção de conservação e salvaguarda nos anos 60 a cargo da ex-DGEMN. Este conjunto situa-se a, aproximadamente, 6 quilómetros de Valença, em plena montanha, isolado e a mais de 200 metros de altitude rodeado pelo maior carvalhal do concelho, é um dos melhores monumentos reveladores da traça original do românico em Portugal e um dos melhores exemplos de integração na paisagem. O acesso desde Valença é feito pelo troço 1 da Estrada Nacional 101, com um percurso sinuoso, por vezes sem protecção na berma e sem iluminação pública. Chegando à povoação de Soutelo, o acesso é feito por uma via de carácter local que termina num parque de estacionamento a cerca de 300 metros da igreja, de onde já é possível observá-la no meio do denso carvalhal. A partir daí, o acesso é feito a pé por um caminho de terra batida e à chegada, um aqueduto abre-nos uma pequena passagem para o conjunto arquitectónico elaborado e extenso: a igreja possui a tradicional sacristia acompanhada por um mosteiro beneditino com várias dependências em seu redor.

1

Ver Anexo II

99


12 13

11

Figura 48 - Esquema dos vários percursos de acesso ao centro interpretativo

1

- criação de passeios para

2

3

- guardas de proteção

- iluminação (inserida no muro já

- iluminação pública

existente)

- iluminação pública

- pavimentar o solo

- pavimentar o solo

- repavimentação

- sistema de recolha de águas

- sistema de recolha de águas

peões

- sistema de recolha de

pluviais

pluviais

águas pluviais Figura 49 - Esquema da proposta de intervenção para os percursos de acesso ao centro interpretativo

100


A nossa proposta de intervenção para estes acessos mais próximos possibilita a chegada de veículos até ao aqueduto, mas apenas em caso de emergência ou para cargas e descargas. É proposto também a recuperação do percurso pedonal pelo cemitério, que permite um acesso mais directo a quem se desloque a pé. Propomos também que seja criado um sistema de recolha de águas pluviais, pontos de iluminação de forma controlada, novos e adequados pavimentos e, quando se justifique, guardas de protecção. Este conjunto integra-se numa Reserva Ecológica Nacional (REN) e é uma zona fértil repleta de carvalhos-alvarinho com árvores de outras espécies intercaladas, no entanto, esta massa arbórea está ameaçada2 com o avanço do eucaliptal que surge a poente e consome muita da água existente no solo eliminando as outras espécies. Por isso, torna-se vital fazer plantação de novos carvalhos e criar uma zona de protecção que impossibilite a chegada do eucalipto ao conjunto arquitectónico que ali foi construído antes da chegada do eucalipto a Portugal vindo da Austrália.

Analisando todo o conjunto arquitectónico em torno da igreja, pareceu-nos útil criar algo mais a par do centro interpretativo que levasse as pessoas a deslocarem-se àquele local para prática de actividades relacionadas com a natureza e para isso propomos a criação de rotas temáticas com equipamentos de apoio nas antigas dependências do mosteiro. Desta forma, o visitante para além do âmbito cultural poderia usufruir da natureza com actividades lúdicas e, assim, propõe-se a criação de 4 rotas com temáticas diferentes3. A mais longa, a que chamamos rota do culto, tem aproximadamente 22 quilómetros e está planeada para ser percorrida de bicicleta de montanha pelas freguesias e respectivas igrejas que estavam anexas ao mosteiro de Sanfins. Foi pensado um percurso alternativo que funciona como atalho, tornando o percurso mais curto. É possível ser percorrido em família, embora seja de dificuldade média pela sua altimetria. Propomos também uma rota que pode ser percorrida a cavalo com uma extensão de 10 quilómetros, no entanto, pode também ser percorrida a pé. Esta rota une os pontos mais elevados de onde é possível observar a paisagem. Mais pequenas, mas não menos interessantes, são também propostas duas rotas em torno da igreja sendo um delas denominada rota da pastorícia que 2

Ver Anexo III

3

Ver Anexo IV

101


5

6

4

7

8 4 8 9 10

4

4

4 3

11

12

1

9

2

12

13

0

5

15

30m

Legenda: 1- Igreja (estado: razoável) ; 2- Sacristia (estado: mau); 3- Mosteiro (estado: ruína); 4- Anexos (estado: ruína); 5- Eira 6- Capela (estado: ruína); 7- Cultivo (murado) ; 8- Cultivo (aberto); 9- Tanque; 10- Fonte (estado: mau); 11- Moínho (estado: ruína); 12- Aqueduto (estado: mau); 13- Cemitério (estado: razoável)

(estado: mau;

Figura 50 - Implantação, antes da intervenção

102


10

12

11

9

8

13 7

13

17 14

6

4

5 3

15 16

1

17

2

16

18

0

5

15

30m

Legenda: 1- Centro interpretativo; 2- Arquivo e WC; 3- Alojamento com biblioteca; 4- AVAC, PT...; 5- Anexo; 6- Recepção; 7- Centro de BTT; 8- Estábulo; 9- Espigueiro; 10- Eira; 11- Ruína; 12- Capela; 13- Parque merendas; 14- Fonte; 15- Moínho; 16- Aqueduto; 17- Tanque; 18- Cemitério.

Figura 51 - Implantação, depois da intervenção

103


Figura 52 - Corte longitudinal pela igreja

Figura 53 - Planta da igreja

Figura 54 - Corte transversal pela igreja

104

Figura 55 - Corte transversal pela igreja


abrange os antigos campos de cultivo e de pasto e leva o visitante a perceber os locais que ajudavam a sustentar os habitantes do mosteiro, como os campos com vinhas, a eira e anexo, o espigueiro e os campos de pasto dos animais. Propomos também a rota da água que leva o visitante a perceber a forma como era aproveitada a água para consumo humano, para a moagem de cereais, para alimentar os animais e ainda para rega dos campos. Há também uma fonte num ponto a uma cota mais baixa por onde passa este percurso. Portanto, para apoiar estas rotas, propõe-se a criação de uma recepção, um centro de BTT com balneário e um estábulo para cavalos que poderia estar a cargo do já existente Centro Hípico de Friestas que organiza passeios pela montanha. No entanto, havia a necessidade de complementar o conjunto com alojamento para podermos ter turistas e a permanência de pessoas naquele local por vários dias. Propõe-se então que esse alojamento seja feito nas antigas instalações do mosteiro, com 5 quartos, cozinha, refeitório, biblioteca e uma cafetaria de apoio ao centro interpretativo. A igreja será transformada em centro interpretativo do românico do vale do Minho pelo facto de ser um monumento românico a expor o românico e pela ausência do culto por parte da população, justificado pela existência de outra igreja no centro da freguesia. No seu interior serão expostas fichas técnicas com fotografias dos 26 monumentos portugueses que integram a rota. De forma a respeitar o valor arquitectónico do espaço existente, o centro interpretativo localizado no interior da igreja São Fins de Friestas, introduz apenas peças expositivas4 autónomas e flexíveis permitindo uma intervenção mínima no património. A escala arquitectónica e a ausência de mobiliário no interior da igreja conduziram a uma reinterpretação dos bancos de igreja usados pelos fiéis para oração. Desta forma consegue-se uma alusão à repetição da estereotomia da estrutura da cobertura e as peças que, embora assumam uma função expositiva, também podem ser usadas como banco pelos visitantes. Para a capela-mor são criadas duas peças únicas aonde serão expostas informações sobre o românico em geral.

4

Ver Anexo V

105


0

2

5

10m

Figura 56 - Planta do piso -1, antes da intervenção 0

2

5

10m

Figura 57 - Planta do piso -1, depois da intervenção

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0

2

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10m

Figura 58 - Planta do piso 0, antes da intervenção 0

2

5

10m

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Figura 59 - Planta do piso 0, depois da intervenção

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0

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10m

Figura 60 - Planta do piso 1, antes da intervenção 0

2

5

10m

Figura 61 - Planta do piso 1, depois da intervenção

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0

2

5

10m

Figura 62 - Planta da cobertura, antes da intervenção 0

2

5

10m

Figura 63 - Planta da cobertura, depois da intervenção

109


Figura 64 - Corte pela fachada do mosteiro

110


Relativamente ao mosteiro, em termos construtivos, pareceu-nos mais adequado manter a pedra granítica pelo exterior1. No interior, optou-se por rebocar a pedra e as novas estruturas em madeira serão revestidas a madeira. Assim, no interior, o que é existente será revestido a reboco e o que é novo será revestido a madeira. As coberturas tiveram de ser todas desenhadas porque o mosteiro já não possuía cobertura e optou-se por uma cobertura com estrutura em madeira. Tem uma primeira camada constituída pela telha que é a primeira protecção contra a chuva e radiações solares, o suporte da telha, espaço de ar para ventilação que permite a dissipação do calor da radiação solar, placa do tipo onduline que impermeabiliza a cobertura, isolamento térmico que protege das temperaturas exteriores e evitar que o calor saia do interior, barreira ao vapor que escoa a água condensada do isolamento, estrutura, e forro em madeira. Quanto aos vãos existentes, apenas há os registos em fotografia, e por isso tentou-se recriar as janelas existentes com a observação dos documentos existentes. Acrescentou-se um blackout e uma portada em madeira que permite o encerramento visual2. Os pavimentos são em soalho de madeira maciça apoiado em estrutura de madeira. Aqui foi inserido o sistema de aquecimento do tipo jaga, que funciona como uma calha embutida no pavimento e é alternado com grelhas de ventilação do soalho. A par da estrutura é colocado o isolamento térmico e acústico e na parte inferior é colocado um forro em madeira. Nas fundações, foi colocada uma grelha de recolha das águas pluviais, tendo em conta a inexistência de caleiras e colocado um dreno envolvido numa manta geotêxtil e em pedra tipo brita. O quarto foi pormenorizado e optou-se por esconder o mobiliário de maiores dimensões, ficando as portas envolvidas na estereotomia do revestimento em madeira. É possível seguir as linhas do pavimento pela parede e pelo revestimento do tecto. Nas instalações sanitárias, o pavimento é em madeira tratada com a mesma largura do pavimento do quarto e nas paredes foi colocado vidro temperado até à altura da porta. Na zona de duche, permanece a madeira no pavimento, mas com espaço entre as tábuas e com um tina metálica por baixo para recolha das águas. 1 Adoptando a mesma concepção da Pousada de Sta. Maria do Bouro, no entanto, optamos por uma cobertura tradicional como na Pousada de Santa Marinha da Costa. 2

Ver Anexo V.

111


Destinou-se um anexo para a instalação das infra-estruturas técnicas necessárias, tendo em conta a sua inexistência naquele local. Terá ainda de ser planeada a construção de uma mini estação de tratamento de águas residuais aonde serão tratadas as águas para posteriormente serem repostas numa linha de água próxima.

Conclusão

A arte românica permitiu-nos realizar um percurso intelectual e cultural através de uma ampla cronologia da Idade Média analisando as principais características dos monumentos da época. Com isto, percebemos a vontade social e artística dos homens que as sonharam, as promoveram, as pagaram, as fizeram e as habitaram porque não se tratavam apenas de estruturas e de decoração, mas de uma forma de entender o universo, a religião e a relação entre os homens, sempre dirigida pelos ensinamentos evangélicos de que derivavam as formas de construir e decorar. O centro da vida das pessoas da Idade Média estava determinado por duas estruturas clássicas de poder: o real e o divino. Cada uma dessas áreas tratava de não perder o domínio e a autoridade. Não restava muito espaço para o humilde trabalhador que teria de atender às necessidades do rei e às exigências morais dos ensinamentos dos padres. Tudo na arquitectura, na escultura e na pintura se reflecte nos traços do passado porque a história do homem é a história dos artefactos. A história do povo é a história das suas necessidades, das suas vitórias sobre as dificuldades sociais e económicas, mas também dos seus símbolos, daquilo que embora não seja material faz parte das suas vidas. O homem medieval regia-se, tal como o moderno, pelos símbolos porque só assim podia elevar-se da baixa condição humana sujeita às misérias das realidades quotidianas. A promessa da vinda de um mundo melhor, fora da órbita dos poderosos, foi o que incentivou as ideias simbólicas nas realizações artísticas presentes na arquitectura, escultura e pintura das igrejas românicas. Se havia outro mundo, havia que alcança-lo através das realizações alegóricas dos sinais evangélicos que os artistas tinham à disposição. 112


As pessoas da Idade Média foram forçadas a construir as igrejas com esculturas e pinturas, que reflectiam as suas preocupações, com as suas próprias mãos e pagar com os seus dinheiros. O mundo românico medieval teve uma realidade artística que foi construído para a eternidade e, durante mil anos foram contempladas as virtudes e defeitos das sociedades que lhe sucederam, as ansiedades e orações dos peregrinos e as intrigas políticas ou eclesiásticas dos poderosos que dominaram a construção e as lutas para exercer o poder. As qualidades da arquitectura românica - sobriedade, serenidade e grande enraizamento no lugar – conservadas durante nove séculos demonstram os valores deste património arquitectónico que nos cabe salvaguardar. A visão global do património pressupõe um claro entendimento da sua realidade, dos seus valores e das suas potencialidades. O conhecimento das especificidades do património torna-se por isso, e acima de tudo, uma questão cultural que deve ser entendida não como excepção mas como fazendo parte da normalidade. Assim se assumirá a importância e a necessidade de dispor de um conjunto de princípios-base para desencadear um processo de recuperação. A intervenção actual deverá procurar acrescentar património ao já existente, e não retirar ou substituí-lo por outro, devendo por isso, o “novo entendimento” do preexistente, bem como as soluções propostas para o preservar, verdadeiramente se verem adequadas ao monumento. A escolha deverá por fim recair sobre o projecto que demonstre a melhor adequação às premissas estipuladas, escolhido de entre um variado leque de opções e independente da assinatura do seu autor.

113



ANEXO I

115


RELATÓRIO DA OPERAÇÃO DE LIMPEZA EFECTUADA NO CONVENTO DE SANFINS DE FRIESTAS EM AGOSTO DE 1987

1. Julgo não ser necessário dissertar sobre o interesse arqueológico do convento de Sanfins de Friestas e, consequentemente, da acção aí levada a cabo pela delegação do F.A.O.J. de Viana do Castelo sob a minha orientação. Com efeito, era ele o apoio da conhecida igreja românica da mesma denominação, já que esta igreja, além de paroquial, era conventual e o convento era o habitat da comunidade a que se destinava e por isso usufruía/mantinha a igreja. Outras das fontes de interesse do convento ( e que obrigará por isso à presença dum arqueólogo especialista em Arqueologia Medieval e Moderna) é ele ter sido remodelado. Com efeito, situado em local remoto, mas na linha de água de fértil vale, foi mosteiro beneditino inicialmente, mas passou a partir de 1554 para a Companhia de Jesus, depois de um processo de decadência que passou pela existência de comendatários e resultou na redução da comunidade, que era de apenas 3 monges em 1548 (Costa 1981: 107-108). Há ainda visíveis inequívocos vestígios da fase jesuíta. Extinta a Companhia de Jesus, ficou a igreja reduzida a paroquial e o convento a residência do pároco. Com a passagem da igreja paroquial para a capela (mais central na freguesia) de Nossa Senhora dos Remédios, o convento foi abandonado, tectos e soalhos desabaram, os logradouros e compartimentos transformaram-se em entulheiras e ficaram pasto da vegetação silvestre espontânea, as heras cobriram as paredes, ameaçando-as. O objectivo da operação foi, portanto, proceder a uma operação de limpeza que restituísse ao monumento a dignidade a que a antiguidade lhe dá direito, incutir nos jovens o respeito pelos monumentos do nosso património e os tornasse interessados pela e participantes na respectiva recuperação. Tendo-me sido solicitado aceitasse orientá-los, prontamente acedi, com a finalidade, tanto de os esclarecer sobre o valor do monumento em questão, como o de os orientar e evitar danos que ao monumento pudessem ser feitos por actos irreflectidos ou ditados pela ignorância e/ou inexperiência.

2. A limpeza, levada a cabo em grande parte do monumento, pôs à vista:

116

2.1

Estruturas arquitectónicas arruinadas

2.2

Uma pedra esculturada com a inscrição romana BOVE


2.3

Pedras com orifícios que podem ter sido de fórceps

2.4

Várias sigilas medievais

2.5

Uma pia, numa das dependências interiores

2.6

Uma porta do século XVI com um monograma na chave do arco

2.7

Foi em tempo oportuno solicitado à Câmara Municipal de Valença

(aliás proprietária do imóvel) mandasse fazer uma planta do convento na escala 1:200. Se chegou a ser feita, não chegou às minhas mãos. Por isso vou reproduzir aqui o “croquis” do meu “diário de trabalhos” onde anotei a relação entre as paredes que a limpeza revelou. Distanciei, no desenho presente, de 1mm as paredes que “encostam”, e cruzei os contornos das que emalhetam. Por ele podemos fazer uma ideia aproximada (a ideia exacta só se poderá ter ao traduzir este esquema do “croquis” para a planta) das várias fases por que passou a construção do edifício.

3. A limpeza revelou ainda muitas pedras de antigas construções medievais e outras inscrições, nomeadamente de sepulturas, algumas das quais estão a ser sistematicamente usadas na obra de alindamento do local. Urge, a meu ver, portanto, e é o que avento à guisa de conclusão, urge um plano de recuperação de todo o imóvel que inclua num todo harmónico o templo também, e que esse plano, além de arquitectos e engenheiros, inclua também um arqueólogo experiente na problemática medieval e moderna para que não se corra o risco de poderem ser obliterados elementos estruturais medievais, do mesmo modo que peças romanas e altimedievais reaproveitadas. Meadela, 1987 Dezembro 30.

O ARQUEÓLOGO RESPONSÁVEL Alberto Antunes de Abreu

117



ANEXO II

119


Figura 65 - Inventário dos monumentos românicos no vale do rio Minho - margem esquerda

Legenda 1- Capela de Nossa Senhora da Orada, Melgaço 2- Capela de Santa Luzia, Vila Nova de Cerveira 3- Capela de São Julião, Melgaço 4- Capela de São Pedro de Varais, Caminha 5- Castelo de Castro Laboreiro, Melgaço 6- Castelo e Muralha de Melgaço 7- Fortificação da Praça de Valença 8- Igreja de Misericórdia de Melgaço 9- Igreja de Castro Laboreiro, Melgaço 10- Igreja de Fiães, Melgaço 11- Igreja de Lamas de Mouro, Melgaço 12- Igreja de Longos Vales, Monção 13- Igreja de Santo Estêvão, Valença 14- Igreja de São Fins de Friestas, Melgaço 15- Igreja Matriz de Melgaço 16- Igreja Matriz de Valença 17- Igreja Paroquial de Chaviães, Melgaço 18- Igreja Paroquial de Ganfei, Valença 19- Igreja Paroquial de Paderne, Melgaço 20- Igreja Paroquial de São Paio, Melgaço 21- Ponte da Assureira, Melgaço 22- Ponte da Cava da Velha, Melgaço 23- Ponte da Pdereira, Valença 24- Ponte de Varziela, Melgaço 25- Ponte em Gondomil, Valença 26- Ponte em Portela, Monção 27- Ponte Velha, Valença 28- Santuário São João de Arga, Caminha 120


Rota do Românico do vale do rio Minho

O românico chegou a todos os cantos do continente europeu e revestiu-se de notórias características locais, com uma extraordinária variedade que varia de sítio para sítio. A arquitectura românica espalhada pelos vales dos nossos rios, entre campos, vinhedos, matos ou casarios necessita da perspectiva geográfica para o seu entendimento. Fizemos, portanto, um levantamento dos monumentos românicos implantados no vale do rio Minho abrangendo cinco concelhos: Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Monção e Melgaço. Este inventário, que totaliza 28 monumentos, marcado pela diversidade biográfica de cada monumento permitirá a compreensão da dialectologia das suas formas. Deixamos uma breve descrição de cada monumento, acrescentando a sua classificação e coordenadas geográficas. No entanto, é essencial sentir o monumento no seu lugar e, aí, observá-lo por dentro e por fora. Levamos a intenção de saudarmos e vislumbrarmos as fachadas no ambiente natural e histórico, darmos seguidamente um olhar em seu redor e depois penetrar no interior sentirmos o seu espaço nas soluções e decoração apresentadas.

121


1 – Capela de Nossa Senhora da Orada, Melgaço

Arquitectura religiosa românica com planta longitudinal de uma nave e abside quadrada, com cobertura de madeira a duas águas. Possui portal de três arquivoltas com motivos vegetalistas, molduras e besantes, encimado com cornija sobre cachorrada e fresta, capitéis lisos, arquivolta e frisos envolventes de motivos geométricos e também vegetalistas. Junto à porta lateral a Sul, no interior, surge uma inscrição em algarismo romanos que correspondem ao ano de 1245. Ergue-se com excelente panorama sobre Melgaço tendo na envolvente terrenos cultivados e algumas habitações. Nos cachorros observamos temas tradicionais e populares, como a roseta, suástica flamejante, e outros mais modernos, como cabeças – rei coroado. O portal axial deve ser considerado já protogótico, embora nele se possam ainda ver aves afrontadas, típicas do portal lateral de Paderne. A decoração do tímpano do portal lateral a Norte, com a árvore da vida, constitui uma composição escultural única em Portugal, de grande carácter simbólico.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136 de 23 junho 1910 Coordenadas: Latitude 42.120178 ; Longitude -8.252495

Figura 66 - Fachada principal da Capela Nossa Senhora da Orada, Melgaço

122


2 – Capela de Santa Luzia, Vila Nova de Cerveira

Planta longitudinal com uma nave quadrada irregular e capela-mor também quadrada, da mesma largura e à mesma altura com cobertura homogénea. No interior possui pavimento de lajes graníticas, paramentos rebocados e pintados de branco e cobertura de madeira em masseira. Junto ao portal axial há uma pia de água benta. Tem arco triunfal de volta perfeita, de duas arquivoltas. O altar é de pedra com frontal apresentando pintura decorativa de motivo vegetalista. O acesso é feito por um caminho florestal, com piso degradado. O edifício surge isolado, no meio de campos agrícolas, protegido por pequeno adro murado, ao lado existe um fonte. Caracteriza-se pelo seu carácter rural e simplicidade de linhas, algo irregulares, sobretudo a Sul, devido às obras do século XV que dali eliminaram o contraforte. No século XVII, com o novo conceito de iluminação, assiste-se à modificação da fenestração e à elaboração de um retábulo, a pintura mural, em estilo maneirista. Das antigas dependências conventuais não existem quaisquer vestígios o que, aliado às pequenas dimensões da capela, nos faz pensar terem sido de materiais essencialmente perecíveis.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 28/82, DR, 1.ª série, n.º 47 de 26 fevereiro 1982 Coordenadas: Latitude 41.966590 ; Longitude -8.690105

Figura 67 - Inserção na paisagem da Capela de Santa Luzia, Vila Nova de Cerveira

123


3 – Capela de São Julião, Melgaço

Edifício de arquitectura religiosa, românico-gótica, de planta rectangular, cobertura em madeira, fachada principal com arco quebrado e fresta, fachadas laterais terminadas em cornija sobre cachorrada de decoração geométrica simples e fachada posterior também rasgada por fresta. No interior o pavimento está em terra batida, integrando os silhares em granito provenientes do retábulo que foi apeado. Ergue-se à saída da Vila em direcção à fronteira, apoiada em muro sustentação, sendo o acesso feito por escadas de granito. Em frente à capela eleva-se o cruzeiro de São Julião e sobre o muro do adro existe ainda Alminhas, interiormente vazio. Pequena capela com aparelho em silhares de granito e frontaria mais larga e alta que o restante corpo.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 1/86, DR, 1.ª série, n.º 2 de 03 janeiro 1986 Coordenadas: Latitude 42.116124 ; Longitude -8.254125

Figura 68 - Fachada principal da Capela de São Julião, Melgaço

124


4 – Capela São Pedro de Varais, Caminha

Edifício com planta longitudinal composta por nave única e capela-mor quadrangular irregular, coberturas escalonadas com telhados de duas águas. Portal de arco quebrado, com duas aduelas, encimado por rosácea e fachadas laterais iguais. No interior, tem as paredes rebocadas, pavimento de lajes graníticas irregulares, tecto com forro de madeira, retábulo-mor e mesa de altar em pedra. Ergue-se destacada em plataforma num largo lajeado, acedido por rampas laterais e com zona de parqueamento em terra vegetal. Está implantada de forma isolada e em frente possui eucaliptal. Caracteriza-se pela sua simplicidade, quase sem decoração, a qual reserva exclusivamente para os tímpanos e para os modilhões. Planimetricamente o eixo central da capela-mor está desviado do eixo longitudinal da nave, sem qualquer razão de ordem topográfica. Há indícios de diferentes épocas construtivas, como o facto do aparelho apresentar diferenças construtivas entre a nave e a metade inferior da capela-mor, entablamentos e cachorros mais cuidados na capela-mor e mais irregulares na nave e diferentes frestas, umas simples para o interior e outras serem mais elaboradas com fecho moldurado.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº37 728, DG, 1.ª série, n.º 4 de 05 janeiro 1950 Coordenadas: Latitude 41.827336 ; Longitude -8.828338

Figura 69 - Inserção na paisagem da Capela São Pedro de Varais, Caminha

125


5 - Castelo de Castro Laboreiro, Melgaço

Apenas persistem no tempo as ruínas de um castelo românico com cintura de muralhas com planta oval envolvendo a torre de menagem central e a cisterna. A entrada principal abre-se a nascente e a da traição a Norte. Possui estrutura de paredes autoportantes com cantaria em aparelho “vittatum”. Destaca-se na paisagem com a sua implantação no cimo de um monte, de difícil acesso, com mais de mil metros de altitude entre o rio Minho e Lima. Já no século XX foi alvo de obras de consolidação, arranque da vegetação e remoção de terras, e recentemente teve obras de valorização do acesso ao castelo.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto nº 33 587, DG, 1.ª série, n.º 63 de 27 março 1944 Coordenadas: Latitude 42.022616 ; Longitude -8.158344

Figura 70 - Inserção na paisagem das ruínas do Castelo de Castro Laboreiro, Melgaço

126


6 - Castelo e Muralha de Melgaço, Melgaço

Castelo românico, de planta oval, composto por muralha, dois cubelos, uma cisterna quadrada e torre de menagem. Possui duas portas com arco de volta perfeita encimadas com balcão de defesa. O castelo de Melgaço constituiu uma primeira linha de defesa do Minho, desempenhando um papel de castelo de retenção juntamente com o castelo de Valença e mais tarde também com o de Monção, Caminha e Vila Nova de Cerveira. A torre de menagem constitui um excelente exemplo, não só pela imponente altura, como pelo remate em parapeito avançado assente em cachorros escalonados com alguns matacães e ameias piramidais. Foi alvo de acções de reparação de limpeza ao longo dos anos, devido à sua degradação. Em 1999 adaptou-se a torre de menagem a espaço museológico e no ano seguinte iniciaram-se escavações arqueológicas que permitiram descobrir a existência de um largo e fundo fosso cavado no exterior da muralha do castelo e da cerca, uma couraça nova e quatro níveis de calçadas e o alicerce de um dos muros da falsa braga que, no séc. 17 inutilizou a circulação no interior do fosso;

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136 de 23 junho 1910 (castelo), Decreto nº 11 454, DG, 1.ª série, n.º 35 de 19 fevereiro 1926 (muralha de Melgaço) / ZEP, Portaria DG, 2.ª série, n.º 105 de 09 maio 1949 (castelo e cerca) Coordenadas: Latitude 42.114464 ; Longitude -8.259723

Figura 71 - Inserção na paisagem do Castelo de Melgaço

127


7 – Fortificações da Praça de Valença do Minho, Valença

Fortificação militar medieval, com abaluartes, composta por dois polígonos irregulares, portas de arco de volta perfeita, encimadas por frontão com brasão. Ambos os polígonos estão envolvidos por fossos e contra-escarpa em torrão (areia com seixos do rio) cobertos por vegetação e com caminhos subterrâneos. Ergue-se no cimo de dois outeiros aplanados sobre margem esquerda do Rio Minho, fronteira à cidade espanhola de Tui. A praça envolve o núcleo antigo da vila, estando os baluartes, revelins e restantes obras exteriores cobertas por vegetação rasteira. Juntamente com a fortaleza de Viana, Caminha e Monção, constitui uma das quatro grandes fortalezas em que se assentava a defesa do Noroeste português. É a praça mais importante no género e da época em Portugal, caracterizando-se, segundo Rafael Moreira, por uma planta sofisticada com impressionante sobre posição de recintos fortificados e obras defensivas ao longo da encosta, de modo a tirar o máximo proveito das condições topográficas

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto nº 15 178, DG, 1.ª série, n.º 60 de 14 março 1928 / ZEP, Portaria nº 65/2010, DR, 2.ª série, n.º 12 de 19 janeiro 2010 Coordenadas: Latitude 42.026659 ; Longitude -8.645889

Figura 72 - Vista aérea da Fortaleza de Valença do Minho

128


8 – Igreja da Misericórdia de Melgaço, Melgaço

Esta igreja de arquitectura barroca resultou da adaptação de outra igreja pré-existente, com invocação de Santa Maria do Campo. Possui planta longitudinal e nave única, de fachada principal em cantaria aparelhada, com portal de arco apontado, de duas arquivoltas, no interior tem tectos em madeira, retábulos em talha dourada, maneirista e barroco e retábulo-mor neoclássico. Tem uma integração harmoniosa no interior do perímetro muralhado de Melgaço. Igreja de fundação românica atestada pela presença de dois cachorros românicos na fachada Sul, testemunhos de uma anterior capela, provavelmente do século 13. O frontispício segue a tradição românica mas foi muito reformulado no século XVIII, aquando do prolongamento e alteamento da capela-mor. O corpo do Consistório apresenta um aparelho distinto e menos cuidado que o da igreja, em alvenaria irregular que originalmente deveria ser rebocada, e com pilastras nos cunhais que, tal como a “loggia”, corresponde a uma remodelação do edifício.

Classificação: Incluído na Zona Especial de Protecção do Castelo de Melgaço e muralha Coordenadas: Latitude 42.113455 ; Longitude -8.259680

Figura 73 - Fachada principal da Igreja da Misericórdia de Melgaço

129


9 – Igreja Paroquial de Castro Laboreiro, Melgaço

De arquitectura medieval e tardo-barroca, esta igreja de planta longitudinal possui uma nave única dividida em seis tramos, separados por 5 arcos de volta perfeita e marcadas no exterior por contrafortes. Tem capela-mor mais estreita, cobertura em madeira, de duas águas na nave e de perfil curvo na capela-mor, possui um arco triunfal de volta perfeita. Adapta-se ao declive do terreno, com pendente para nascente, o que levou à criação de um embasamento mais desenvolvido na capela-mor, ergue-se no interior de um adro com pavimento de terra, vedado por muro. Em seu redor existem casas de arquitectura vernácula de granito. Igreja de construção medieval, reformada possivelmente no século XVI, período que deve datar a divisão da nave em tramos, denotando influência galega como é comum em zonas de fronteira portuguesas. Já no século XVIII, construiuse a sacristia, abriram-se janelas na nave e capela-mor e fez-se o portal lateral Sul que é uma cópia tosca do portal Norte da Igreja de Santa Maria la Real de Entrimo, em território Galego muito próxima de Castro Laboreiro.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 45/93, DR, 1.ª série-B, n.º 280 de 30 novembro 1993 Coordenadas: Latitude 42.030341 ; Longitude -8.158175

Figura 74 - Adro e Igreja Paroquial de Castro Laboreiro, Melgaço

130


10 – Igreja de Fiães, Melgaço

Igreja românica, alterada no século XVII e XVIII, em estilo barroco de que resultou nova iluminação. Sendo uma construção da Ordem de Cister sofreu influências do chamado Românico Cisterciense. A decoração românica resume-se aos cachorros prismáticos que segue a solução corrente na época em mosteiros cistercienses galegos e igrejas minhotas. Possui planta longitudinal, de três naves e quatro tramos, cabeceira de três capelas quadrangulares, torre sineira adossada a Norte e sacristia a Sul. Do edifício conventual, desenvolvido a Sul, nada resta, mas existe integrada nas construções próximas um pequeno troço com arcos plenos sobre pilares e colunas dóricas, as quais devem ter pertencido ao convento. Implanta-se na encosta da serra da Peneda, numa plataforma a 700 metros de altitude, com cruzeiro no amplo adro e inserida numa área agrícola rodeada de alguns velhos carvalhos e castanheiros. Do românico cisterciense tem a típica cabeceira de 3 capelas quadradas e de abóbada quebrada, embora com marcas locais.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136 de 23 junho 1910, Decreto nº 129/77, DR, 1.ª série, n.º 226 de 29 setembro 1977 Coordenadas: Latitude 42.104085 ; Longitude -8.211173

Figura 75 - Fachada principal da Igreja de Fiães, Melgaço

131


11 – Igreja de Lamas de Mouro, Melgaço

Arquitectura religiosa românica com remodelações em Época Moderna e Contemporânea. Possui planta com uma só nave, cabeceira de planta rectangular, com sacristia de planta rectangular adossada à parede Sul da nave e cabeceira. Flanqueando a frontaria, para Norte, está a torre sineira com escadaria de acesso exterior. Possui arco triunfal de volta perfeita flanqueado de ambos os lados por uma mísula com imagem. No interior, o pavimento é em lajes de granito e os tectos de madeira, com estrutura visível. Está rodeada por casario de arquitectura recente e tradicional e, em fundo, os picos orientais da serra da Peneda. No pavimento, sob o arco triunfal, há três cavidades e duas outras no próprio arco, podendo corresponder a vestígios de um antigo gradeamento.

Classificação: Inexistente Coordenadas: Latitude 42.050908 ; Longitude -8.196477

Figura 76 - Pormenor do cunhal da Igreja de Lamas de Mouro, Melgaço

132


12 – Igreja de Longos Vales, Monção

Arquitectura religiosa românica, maneirista e neoclássica com planta longitudinal composta por nave única, seiscentista, e capela-mor de três tramos, o último semi-circular, românica, interiormente cobertas com tecto de madeira e abóbada de berço e quarto de esfera, respectivamente. Possui torre sineira e sacristia adossada à fachada Norte, cabeceira com contrafortes e zona circular ritmada por colunas com capitéis de decoração fitomórfica, zoomórfica e antropomórfica, terminada em cornija biselada sobre cachorrada igualmente esculpida. Integra-se na periferia da povoação, tendo a Sul o edifício do antigo Convento de Longos Vales. Possui amplo adro de terra batida, pontuado por árvores de grande porte, com construções de vocação agrícola. Em frente do portal erguese um cruzeiro. Igreja conventual conservando a capela-mor românica. Segundo Carlos A. F. Almeida, a potência da sua arquitectura, veemência dos volumes e a exuberância da sua escultura nos cachorros, capitéis e bases das colunas, fazem da cabeceira da igreja um dos cumes do românico nacional, constituindo-se um espaço onde há uma grande variedade de formas.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto nº 11 454, DG, 1.ª série, n.º 35 de 19 fevereiro 1926 (capelamor) Coordenadas: Latitude 42.051027 ; Longitude -8.444503

Figura 77 - Cabeceira da Igreja de Longos Vales, Monção

133


13 – Igreja de Santo Estêvão, Valença

Esta igreja data de 1800, no entanto, há registos do ano de 1322 da conhecida igreja de Santo Estevão nas Inquirições. Tem características da arquitectura neoclássica de planta longitudinal, de três naves e três tramos, separados por possantes pilares quadrangulares e cabeceira tripla. Possui portal enquadrado por pilastras e coroado por frontão entrecortado. Surge dentro da fortaleza de Valença, num largo lajeado parcialmente murado, sobranceiro a arruamento. No largo ergue-se marco miliário romano, do Imperador Cláudio. As obras de reconstrução deveram-se a um terramoto no século XVIII que afectou toda a estrutura da antiga igreja, sendo necessário efectuar profundas reparações. Actualmente não existem vestígios românicos, mas é possível identificar vários momentos de construção desde o século XV. Esta igreja serviu de catedral, tendo a comarca de Valença, entre 1382 e 1514, sido uma administração eclesiástica independente superintendendo o território entre o Rio Lima e o Rio Minho.

Classificação: Incluído na Zona Especial de Protecção das Fortificações da Praça de Valença do Minho Coordenadas: Latitude 42.031634 ; Longitude -8.644550

Figura 78 - Fachada principal da Igreja de Santo Estêvão, Valença

134


14 – Igreja de São Fins de Friestas, Valença

Igreja românica de planta de uma só nave e cabeceira contrafortada, de dois tramos, o primeiro da mesma largura e o segundo semicircular, formando três volumes escalonados, Possui a Norte dependências monacais de estrutura e fenestração setecentista. Ergue-se isolada, a 200 metros de altitude, no cimo de um monte, envolto pelo resto da antiga mata de carvalhos do antigo mosteiro e tem em frente monte onde se dedicam à pastorícia e caça. Havia junto do antigo convento uma torre que era usada por vezes como prisão para pessoas nobres. Segundo Carlos A. F. Almeida, a dimensão da nave, pequena em relação à cabeceira, deverá apontar para a sua construção em data posterior. Dessa segunda fase, ou até mesmo terceira, deverá datar a galilé, cuja existência explicava a relativa pobreza e a pouco profundidade do portal principal da igreja. A exuberância da sua decoração arquitectónica, com grande quantidade de cachorros, capitéis e mísulas de volumosa escultura animalesca e vegetal, faz desta igreja um dos exemplos mais importantes do românico português, segundo os padrões da Escola da Sé de Tui que o Alto Minho ainda adaptava.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136 de 23 junho 1910 (trechos da igreja), Decreto nº 14 425, DG, 1.ª série, n.º 228 de 15 outubro 1927 (igreja) Coordenadas: Latitude 42.031418 ; Longitude -8.582168

Figura 79 - Vista geral da Igreja de São Fins de Friestas, Valença

135


15 – Igreja Matriz de Melgaço, Melgaço

Arquitectura religiosa, medieval, maneirista e barroca, de planta longitudinal de nave única e capela-mor, mais baixa e estreita, tectos de madeira, com capelas laterais profundas e torre sineira. A fachada principal é rasgada por portal de origem medieval, de três arquivoltas, assentes em quatro colunas, de capitéis fitomórficos, na fachada Norte há uma porta medieval, de arco quebrado, com quadrúpede fantástico esculpido no tímpano. Possui capela lateral seiscentista e torre sineira. Situa-se no interior do núcleo medieval da vila, erguendo-se junto a uma das antigas portas da cerca. Adapta-se ao declive do terreno, formando quarteirão, e possui frontalmente uma praça pavimentada. Antiga igreja medieval que, segundo Carlos A. F. Almeida, teria sido reformada no século XIII, possivelmente datando desse período o portal lateral Norte. Segundo esse autor, a decoração da arquivolta, com riscos sinuosos, é semelhante à que surge no lacrimal de Paderne e o portal axial, apesar de ter uma feição mais arcaica do que o de Paderne e de Orada, poderá se anterior aos mesmos. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a igreja sofreu várias reformas, ou acrescentos, com a construção das duas capelas laterais e a torre sineira. A própria nave foi alteada e rematada com cornija.

Classificação: Incluído na Zona de Protecção do Castelo de Melgaço Coordenadas: Latitude 42.113925 ; Longitude -8.259232

Figura 80 - Fachada principal da Igreja Matriz de Melgaço

136


16 – Igreja Matriz de Valença, Valença

Arquitectura religiosa, românica, quinhentista, tardo-barroca, neoclássica e revivalista de planta longitudinal composta por nave e capela-mor, mais baixa e estreita, com cobertura em madeira. A fachada principal é rasgada por portal neoromânico, em arco de volta perfeita, de três arquivoltas sobre colunas e capitéis fitomórficos e um vão. Situa-se no interior da fortaleza de Valença e no núcleo medieval da vila envolvida pela muralha, num largo lajeado, sobranceiro a arruamento que o definde frontalmente. Igreja em românico tardio, de que conserva, nas fachadas laterais, o remate em cornija sobre cachorros de diferentes tipos, possuindo entre eles decoração com temas florais e geométricos populares, algumas frestas e antigos vãos em arco de volta perfeita. O aparelho irregular das fachadas revela alterações posteriores, nomeadamente a abertura de janelas. A torre sineira data do século XVII e a fachada principal tem portal reformado em 1918/1919 em revivalismo neoromânico, mas, possivelmente, reconstruído segundo o modelo românico.

Classificação: Incluído na Zona Especial de Protecção das Fortificações da Praça de Valença do Minho Coordenadas: Latitude 42.032600 ; Longitude -8.645414

Figura 81 - Vista geral da Igreja Matriz de Valença

137


17 – Igreja Paroquial de Chaviães, Melgaço

Arquitectura religiosa de planta longitudinal composta por nave e capelamor, tendo adossado à fachada lateral direita a torre sineira quadrada. No interior possui vestígios de pintura mural na parede do arco triunfal, na parede da nave adjacente e na parede testeira da capela-mor. Está rodeada de habitações e tem a residência paroquial a Norte. Inserese num adro vedado por muro de alvenaria de pedra. Existem evidências de, pelo menos, três camadas de pintura mural sobreposta que se desenvolve em altura, mas é impossível avaliar a sua extensão original. Os vários temas ou painéis representados são delimitados por barras decorativas definidoras, realizadas à mão livre e de desenho e concepção bastante simples.

Classificação: Inexistente Coordenadas: Latitude 42.130626 ; Longitude -8.250250

Figura 82 - Vista geral da Igreja Paroquial de Chaviães, Melgaço

138


18 – Igreja Paroquial de Ganfei, Valença

Igreja conventual românica, alterada em estilo barroco. Apesar das modificações, conserva a sua organização primitiva românica com influência de Tui e na tipologia das igrejas de três naves e quatro tramos, com cobertura de madeira e cabeceira de três capelas, com dois tramos abobadados. Possui um mosteiro barroco, evidenciando grande riqueza e monumentalidade. Ergue-se ao fundo de um grande terreiro, fechado por dependências conventuais desenvolvidas a Norte, com cerca da antiga quinta a Poente e Nascente e por muro de cemitério adossado a Sul. Nas imediações existem algumas construções. É muito semelhante com a vizinha Igreja de S. Bartolomeu de Revordans (Tui) em termos de organização e espacialidade. Segundo Carlos A. F. Almeida, uma certa imperícia no fecho das abóbadas, um tipo relativamente curto de cachorros e a ausência de contrafortes adossados no interior, mostra que estavam perante experiências construtivas. Possui uma escultura decorativa de grande interesse e tratamento volumoso personalizado. As dependências conventuais organizam-se a Norte, tal como no vizinho Mosteiro de São Fins de Friestas, e não a Sul como era mais frequente.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 40 684, DG, 1.ª série, n.º 146 de 13 julho 1956 (igreja), Decreto nº 44 075, DG, 1.ª série, n.º 281 de 05 dezembro 1961 (claustro e elementos arquitetónicos existentes na cerca) Coordenadas: Latitude 42.039807 ; Longitude -8.622350

Figura 83 - Vista geral da Igreja Paroquial de Ganfei, Valença

139


19 – Igreja Paroquial de Paderne, Melgaço

Arquitectura religiosa, românica e barroca, com planta harmonizada com as necessidades e funções da reduzida comunidade monástica rural, mas sendo notório a adopção de algumas soluções arquitectónicas que lembram pormenores da ordem Cisterciense: cabeceira de capelas e transepto. A arcada exterior foi influenciada pela Catedral de Orense. Dos acréscimos posteriores destacamos os azulejos seiscentistas, retábulo da capela-mor de talha em estilo nacional e retábulo do absidíolo Norte neoclássico. Possui també um convento, muito arruinado, restando apenas três faces do claustro. Ergue-se dentro da povoação, com grande largo fronteiro, tendo adro fechado por muro de pedra, desenvolvendo-se a Sul as dependências conventuais e a Norte o cemitério. O portal do corpo a Norte possui uma escultura muito cuidada e rica, o que se poderá explicar pela função funerária do espaço fronteiro. As linhas verticais do convento são acentuadas ao nível dos telhados por pináculos, mas a fenestração barroca inicial foi profundamente adulterada com a redução das janelas de sacada no segundo piso.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG n.º 136 de 23 junho 1910 (igreja) / IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 129/77, DR, 1.ª série, n.º 226 de 29 setembro 1977 (convento) Coordenadas: Latitude 42.089692 ; Longitude -8.273917

Figura 84 - Vista geral da Igreja Paroquial de Paderne, Melgaço

140


20 – Igreja Paroquial de São Paio, Melgaço

Arquitectura religiosa de origem medieval e com intervenções seiscentistas e novecentistas, com planta longitudinal composta por nave única e capela-mor, mais baixa e estreita. Tem adossada à fachada lateral direita a torre sineira quadrangular e sacristia rectangular. Fachadas em alvenaria ou cantaria aparente, de aparelho muito irregular, denotando as várias intervenções ao longo dos séculos. Surge isolada no interior da aldeia, junto à estrada que a atravessa, integrada num adro, delimitado por muro com acesso frontal. O adro possui pavimento de terra e é pontuado por árvores de grande porte. Igreja de construção românica, conforme denotam os vestígios das frestas nas fachadas laterais e da porta em arco na fachada lateral direita e o portal axial, ainda que este integre alguns elementos revivalistas, nomeadamente o tímpano. A igreja possui uma volumetria desproporcionada entre os vários volumes. Pelos registos sabe-se que foi ampliada para três naves separadas por arcos e, já na primeira metade do século XX, para ampliar o espaço, esses arcos foram removidos. Também as diferentes modinaturas das janelas da nave e capela-mor apontam para a sua feitura em épocas distintas.

Classificação: Inexistente Coordenadas: Latitude 42.091714 ; Longitude -8.264575

Figura 85 - Vista geral da Igreja Paroquial de São Paio, Melgaço

141


21 - Ponte da Assureira, Melgaço

Ponte romana com acréscimo posterior, românico, que assim aumentou a largura do tabuleiro em cavalete sobre arco pleno, precedida de rampas de acesso, pavimento de grandes lajes e guardas de pedra. Situa-se junto à estrada municipal que liga Assureira a Castro Laboreiro, sobre o ribeiro do Barreiro envolvida por arbustos. Junto à ponte está também implantado um moinho de carácter robusto e uma capela de arquitectura popular. A estrutura da ponte é verdadeiramente original, uma vez que adossa dois arcos cronologicamente distintos; metade nascente, romana, com grandes lajes e metade poente, românico, constituído por lajedo de pedras miúdas.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 26-A/92, DR, 1.ª sérieB, n.º 126 de 01 junho 1992 Coordenadas: Latitude 42.003706 ; Longitude -8.165647

Figura 86 - Vista geral da Ponte da Assureira, Melgaço

142


22 - Ponte da Cava da Velha, Melgaço

Esta ponte, também conhecida por Ponte Nova, possui tabuleiro em cavalete sobra dois arcos plenos de tamanho muito desigual, talha-mares prismáticos a montante e talhantes rectangulares e jusante, pavimento de grandes lajes e guardas de cantaria. Tem um implantação isolada, sobra o rio Laboreiro, ligando uma calçada existente em ambas as margens, possivelmente romana. Constitui um dos melhores exemplares de pontes erguidas no Parque Nacional da Peneda Gerês pelo tamanho, volume e feitura em cantaria com aparelho “incertum”. Ainda que se desconheça a data da sua construção, a sua implantação junto à via romana que entra em Espanha pela Portela do Homem, o tipo de aparelho e o emprego de talha-mares muito toscos indicam ser obra romana, no entanto, o pavimento do tabuleiro e as guardas são já medievais do século XIII.

Classificação: MN - Monumento Nacional, Decreto nº 1/86, DR, 1.ª série, n.º 2 de 03 janeiro 1986 Coordenadas: Latitude 42.003215 ; Longitude -8.164014

Figura 87 - Vista geral da Ponte da Cava da Velha, Melgaço

143


23 - Ponte da Pedreira, Valença

É um exemplar da arquitectura de transportes medieval, construída em cantaria de pedra, de tabuleiro em cavalete, assente num único arco abatido, de aduelas compridas. Possui, em geral, aparelho regular, no entanto, os sucessivos arranjos são denunciados pelo aparelho irregular dos paramentos. Muito alterado está o pavimento que é constituído por lajes de granito e saibro compactado. Situa-se na freguesia de Cerdal sobre o ribeiro Mira, está integrada no Caminho de Santiago, e rodeada por campos de cultivo e árvores e encontra-se parcialmente coberta por vegetação. Possivelmente está assoreada num terço da sua altura, conforme se detecta na análise dos seus paramentos e só possui guardas em metade do tabuleiro.

Classificação: Inexistente Coordenadas: Latitude 41.983753 ; Longitude -8.633473

Figura 88 - Vista geral da Ponte da Pedreira, Valença

144


24 - Ponte de Varziela, Melgaço

Ponte com tabuleiro formando ligeiro cavalete precedida de rampas de acesso, assente num arco pleno com pavimento de grandes lajes e guardas de pedra aparelhada. Ergue-se sobre o rio Varziela (afluente do Laboreiro) sobre duas margens muito altas. Esta ponte deve ter substituído uma outra ponte, romana, como indicia a presença nas proximidades de várias minas de ouro exploradas pelos romanos e porque liga a via romana que parte da Portela do Homem e passa por Varziela. A ponte inicial seria uma das muitas construídas pelos romanos na tentativa de pacificação da região ao conseguir-se vias de rápida circulação transpondo os obstáculos naturais.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 1/86, DR, 1.ª série, n.º 2 de 03 janeiro 1986 Coordenadas: Latitude 42.027298 ; Longitude -8.145850

Figura 89 - Vista geral da Ponte de Varziela, Melgaço

145


25 – Ponte em Gondomil, Valença

Ponte românica com tabuleiro em cavalete sobre arco de volta perfeita, precedida de rampas de acesso, com pavimento de grandes lajes e guardas de pedra. Situa-se isolada, rodeada de campos agrícolas, perto da povoação. Encontra-se num caminho de carácter local, com pavimento de alcatrão, e está preparada para o trânsito automóvel. Possui muita vegetação em sua volta, escondendo o arco parcialmente.

Classificação: Inexistente Coordenadas: Latitude 42.027410 ; Longitude -8.551073

Figura 90 - Tabuleiro da Ponte em Gondomil, Valença

146


26 – Ponte em Portela, Monção

Ponte medieval, com tabuleiro em cavalete sobre grande arco entre duas margens altas, precedida de rampas de acesso, pavimento e guardas de pedra tosca. Encontra-se num local de difícil acesso e inacessível ao automóvel. Situa-se isolada, rodeada de árvores de grande porte e com densa vegetação a cobri-la parcialmente. Esta ponte permite a transposição de duas margens rochosas a uma altura superior ao normal para a época. O arco, que está apoiado em duas bases rochosas divididas por um pequeno ribeiro, possui um construção mais cuidada do que o tabuleiro e as próprias guardas.

Classificação: Inexistente Coordenadas: Latitude 41.985474 ; Longitude -8.471307

Figura 91 - Tabuleiro da Ponte em Portela, Monção

147


27 - Ponte Velha, Valença

Ponte de tabuleiro plano sobre arco de volta perfeita de aduelas estreitas e compridas, com guardas de cantaria aparelhada e pavimento calcetado com cubo granítico. Sobre o arco fixa-se uma cruz de pedra com a imagem de Cristo em madeira pintada. Atravessa o rio na povoação de São Pedro de Torre, tendo na proximidade algumas construções.

Classificação: IIP - Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 735/74, DG, 1.ª série, n.º 297 de 21 dezembro 1974 Coordenadas: Latitude 41.987693 ; Longitude -8.668629

Figura 92 - Vista geral da Ponte Velha, Valença

148


28 – Santuário de São João de Arga, Caminha

Arquitectura religiosa, românica, barroca e popular. Santuário de montanha em recinto fechado com igreja românica, do tipo da bacia do Minho, de planta longitudinal, reformulada no século XVIII, em estilo barroco, e dois albergues, de arquitectura popular. Igreja de planta longitudinal composta por volumes desiguais, com nave e capela-mor rectangulares e sacristia adossada a Sul. Surge numa plataforma em encosta de pendente acentuada, sobranceira à ribeira de São João. Insere-se num recinto de contorno rectangular com duas entradas, abertas no muro que o delimita e é pontuado por alguns sobreiros de grande porte. Na fachada principal da igreja há um portal axial de verga recta terminando em frontão angular encimado por cruz latina, alta. As fachadas Norte e Sul são semelhantes, sendo a nave percorrida por cornija sustentada por cachorrada lisa e decorada, excepto na zona próxima da frontaria, em que a diferença no aparelho de paramento demonstra a reconstrução que sofreu. No piso térreo, destinado às vendas e tabernas, tem pavimentos cimentados e em terra batida, constituindo a zona frontal uma galeria aberta entrecortada pelos pilares que sustentam o varandim do piso superior: a este acede-se por escadas frontais, tendo o varandim parapeito em grandes lajes e pilares quadrangulares sustentando a cobertura, constituindo um corredor amplo pelo qual se faz a passagem para os compartimentos dos romeiros.

Classificação: Em vias de classificação Coordenadas: Latitude 41.838459 ; Longitude -8.732304

Figura 93 - Vista geral do Santuário de São João de Arga, Caminha

149



ANEXO III

151


152


Figura 94 - Vegetação em torno do mosteiro (picotado amarelo: carvalhal; mancha vemelha: eucaliptal)

Carvalho - alvarinho

´Quercus robur´

Eupalipto

´Eucalyptus´

É uma árvore de folha caduca, com grande

É uma árvore de folhagem persistente. Em Portugal

porte e uma copa ampla. Em Portugal é abundante

é considerada uma espécie invasora, tendo em conta

no Norte Litoral. Encontra-se em climas húmidos e

a sua capacidade de absorver grandes quantidades

tem alguma resistência ao frio e tem um período de

de água no verão, apresentando vantagem sobre as

vida muito longo, atingindo as centenas de anos.

outras espécies com consequências nefastas para a biodiversidade das florestas. Outra problemática em torno desta árvore prende-se com os fogos florestais, sendo esta árvore uma das que mais inicia a propaga o fogo.

Figura 95 - Carvalho-alvarinho

Figura 96 - Eucalipto

153



ANEXO IV

155


Igreja S達o Fins de Friestas

Figura 97 - Percurso do Culto

Igreja S達o Fins de Friestas

Figura 98 - Percurso da Paisagem

156


Igreja São Fins de Friestas

Figura 99 - Percurso da Pastorícia

Igreja São Fins de Friestas

Figura 100 - Percurso da Água

157



ANEXO V

159


Figura 101 - Corte A, antes da intervenção

Figura 102 - Corte A, depois da intervenção

0

1

5m

3

Figura 103 - Corte B, antes da intervenção

Figura 104 - Corte B, depois da intervenção

160

0

1

3

5m


Figura 105 - Corte C, antes da intervenção

0

Figura 106 - Corte C, depois da intervenção

1

3

5m

Figura 107 - Corte D, antes da intervenção

Figura 108 - Corte D, depois da intervenção

0

1

3

5m

161


Biblioteca

W.C.

Refeit贸rio

Cozinha

Caixa de escadas

Hall de entrada

Cafetaria

Infra estruturas t茅cnicas

0

1

2,5

5m

Figura 109 - Proposta para o piso 0

162


Sala de leitura

Arrumos

Quarto

Quarto

Suite

Biblioteca

Biblioteca

0

1

2,5

5m

Figura 110 - Proposta para o piso 1

163


Figura 111 - Pormenorização do quarto-tipo

Figura 112 - Pormenorização das instalações sanitárias do quarto-tipo

164


Figura 113 - Foto da maquete do elemento expositivo

Painel informativo Aro metรกlico

Madeira

Figura 114 - Plantas, cortes e vistas do elemento expositivo Peรงas espositivas do interior da igreja

0

25

50

100cm

CENTRO INTERPRETATIVO

165


Figura 115 - Alçado do vão

Figura 116 - Corte horizontal pelo vão

166


Figura 117 - Corte vertical pelo v達o

167


Figura 118 - Foto da maquete da igreja e mosteiro, escala 1:100

Figura 119 - Foto da maquete da igreja e mosteiro, escala 1:100

168


GLOSSÁRIO

169


Abóbada – sistema de cobertura côncavo ou arqueado, usualmente construído em pedra aparelhada ou em tijolo. Abside – construção de planta semicircular, quadrangular ou poligonal, aboba dada ou coberta de madeira, situada no topo de uma igreja. Concentrandose no seu espaço o ponto nevrálgico da liturgia aí se situa, por norma, o altar-mor. Adro – espaço aberto fronteiro à igreja, geralmente resguardado por muro baixo. Altar-Mor – altar principal de uma igreja ou capela, geralmente situado na capela-mor e colocado no seu eixo axial. Alvenaria – sistema de construção que utiliza pedras sem aparelho de formas e dimensões irregulares. Aparelho – termo aplicado à identificação da disposição dos materiais de construção aparentes de uma estrutura arquitectónica, sejam eles pétreos ou cerâmicos. Diferencia-se segundo a dimensão dos blocos, a disposição das filas e o acabamento da face invisível. Arco – elemento construtivo e de sustentação, composto por aduelas, que cobre um vão entre dois pontos fixos. Batistério – espaço ou capela onde se encontra a pia baptismal. Cabeceira – é a extremidade de uma igreja, para além das naves ou transepto (quando existente) e onde se encontra o santuário. É constituída por diversos elementos, sendo o principal a capela-mor. É conotada com a cabeça de Cristo. Cachorro – pedra esculpida ou lisa na qual assenta uma cornija. Capela-mor – espaço principal da igreja ou capela, onde se encontra o altar-mor. Capitel – peça superior esculpida de uma coluna, pilar ou pilastra formado por ábaco e cesto. Cantaria – pedra emparelhada de forma geométrica disposta de forma regular. Canteiro – artista que desbasta, corta e aperfeiçoa as pedras que irão constituir uma cantaria. Claustro – pátio interior do mosteiro, rodeado por galerias com arcadas, de um ou dois andares, que serve de circulação aos religiosos. Geralmente apresenta planta rectangular e ao centro encontra-se o pátio, que pode servir de jardim ou cemitério. A partir das galerias pode-se aceder a outras extensões do conjunto monástico, como a sala do Capítulo, o refeitório, etc.

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Coluna – suporte de forma normalmente cilíndrica que serve para sustentação. É constituído por três partes: base, fuste e capitel. Cornija – moldura saliente que remata superiormente um muro. Fresta – abertura estreita e alta numa parede para facultar a entrada de luz natural no interior do edifício. Friso – na arquitectura refere-se à parte constituinte do entablamento, entre a arquitrave e a cornija. Faixa horizontal decorativa, podendo apresentar o interior esculpido ou pintado. Galilé – corpo avançado, em relação à fachada principal ou às fachadas laterais de um edifício, que o antecede em jeito de galeria. Normalmente está apoiado em elementos de sustentação arquitectónica, como colunas ou pilares, embora possa constituir um espaço fechado ao qual se acede por um portal. Igreja – edifício cristão onde se reúnem os fiéis para assistir à celebração do culto. A igreja diferencia-se da capela por ser mais vasta e do oratório por servir ao culto público. Existem três graus principais na hierarquia das igrejas: Igreja Catedral, Igreja Primacial e Igreja Colegial. No patamar mais baixo da hierarquia temos a igreja paroquial. As igrejas abaciais, que pertencem às abadias, estão inseridas numa categoria à parte. Inscrição – conjunto de caracteres gravados em diversos suportes, nomeadamente na pedra, que indicam o destino de um monumento, recordam um facto ou uma data. Mísula – elemento arquitectónico ou decorativo saliente, em jeito de consola, avançando a partir de uma superfície vertical de maneira a apoiar uma escultura, um arco, etc. Mosteiro – do grego monastérion, de monázo, ou seja, viver só, é um edifício religioso onde vivem os monges (1.ª Ordem) ou as monjas (2.ª Ordem), governados por um abade ou uma abadessa, respectivamente. Havia mosteiros em que os monges levavam vida contemplativa e eram construí dos fora dos povoados. Normalmente eram implantados em terras férteis e junto das principais vias de comunicação. Nártex – átrio com pórtico erguido imediatamente antes das naves das basílicas paleocristãs, igrejas e mosteiros românicos. Nave – espaço ou área longitudinal de uma igreja ou capela, situado entre a entrada principal e a cabeceira, delimitado por elementos arquitectónicos de

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sustentação como paredes, muros, colunas, pilares, arcos, etc. Pintura Mural – pintura executada num muro ou parede. Planta – desenho arquitectónico que representa um edifício ou parte dele, em secção horizontal. Portal – porta de grandes dimensões, normalmente monumental, com decoração escultórica. Pórtico – antecorpo de um portal de igreja. Simples guarda-vento em madeira ou cobertura monumental em pedra, que pode ser esculpida, que protege os fiéis e as esculturas das intempéries. Púlpito – mobiliário eclesiástico destinado às leituras e pregação. Geralmente encontra-se erguido acima do solo e adossado a um pilar ou à parede da nave. Retábulo, estrutura retabular, máquina retabular – estrutura pintada ou entalhada, de carácter devocional, colocada no espaço sacro ao modo de altar, para colocação de objectos e alfaias litúrgicas. Habitualmente apresenta-se encostado a uma parede. Pode representar um episódio do foro do sagrado ou acolher várias representações relacionadas com esse campo. Talha – tipo de revestimento em madeira esculpida por meio de cinzel e goiva que pode ou não receber acabamento posterior por douramento ou pintura. Talhamares – construção de alvenaria em pedra, formando um ângulo para quebrar a força da corrente das águas. Tímpano – elemento que fecha a parte semicircular de um vão originado pela construção de um arco. Nos portais recebe, habitualmente, escultura. Tramo – cada uma das partes em que se divide uma nave, quando considerados os elementos de suporte da cobertura. Transepto – corpo transversal, de uma ou mais naves, construído perpendicularmente à nave (ou naves) de um templo.

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BIBLIOGRAFIA

Artigos em publicações periódicas

“Convenção para a protecção do património mundial cultural e natural”. Cartas e Convenções Internacionais . Lisboa: IPPAR, 1996.

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Monografias e contribuições em monografias

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ROSAS, Lúcia Maria Cardoso – Monumentos pátrios: a arquitectura religiosa medieval: património e restauro: 1835-1928 . Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995. Vol. II.

ROSAS, Lúcia – Românico do Vale do Sousa. Lousada: Comunidade Urbana do Vale do Sousa, 2008.

SILVA, Jorge Henrique Pais da; CALADO, Margarida – Dicionário de termos de arte e arquitectura . Lisboa: Editorial Presença, 2005.

TOMÉ, Miguel – Património e restauro em Portugal . Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1998. Vol. I, II e III.

VIEIRA, José Augusto – O Minho pittoresco . Lisboa: Livraria António Maria Pereira - Editor, 1886. Vol. II, III e IV.

Trabalhos académicos

ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – A arquitectura românica de Entre-Douroe-Minho . Porto, 1978. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

BOTELHO, Maria Leonor - A historiografia da arquitectura da Época Românica em Portugal: 1870-2010 . Porto, 2010. Tese de Doutoramento no ramo de Conhecimento em História da Arte, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

MALHEIRO, Miguel - A presença da Arquitectura: A arquitectura românica do vale do rio Sousa, 2012, Tese de Doutoramento apresentada à Universidade de Valladolid.

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Páginas electrónicas

http://www.igeo.pt http://www.igespar.pt http://www.googleearthpro.com http://www.monumentos.pt http://www.rotadoromanico.com http://www.amigosdelromanico.org

Esta dissertação foi escrita ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990. 175


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