Revista TrabalhoNecessário Nº 25

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Sonia Rummert


Universidade Federal Fluminense Faculdade de Educação NÚCLEO DE ESTUDOS SOBRE TRABALHO E EDUCAÇÃO – NEDDATE Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação REDAÇÃO R. Professor Waldemar Freitas Reis, s/n°, bloco D, sala 525, Gragoatá - São Domingos, Niterói RJ, CEP 24210-201 revistatrabalhonecessario@gmail.com EDITORES Jaqueline Ventura Sonia Rummert CONSELHO EDITORIAL Celso Ferretti (UNISO) Gaudêncio Frigotto (UFF/UERJ) Maria Ciavatta (UFF) Roberto Leher (UFRJ) Virgínia Fontes (UFF/EPJV-Fiocruz) ASSISTENTE DE EDIÇÃO Camila Azevedo Souza EQUIPE EDITORIAL Taynara Bastos Teodoro Montagem da Capa: Taynara Teodoro | Foto da Capa: Sonia Rummert Indexado por / Indexed by Portal de periódicos da CAPES LATINDEX – Sistema Regional de Información en Linea para Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal DIADORIM – Diretório de Políticas de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras

Ficha Catalográfica R 454

Revista eletrônica TrabalhoNecessário [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Ano 14, n. 25 (set/dez-2016). Niterói: NEDDATE, 2016. [On-line]. Quadrimestral. Editorial. Modo de acesso: revistatrabalhonecessario@gmail.com ISSN 1808-799x 1. Educação. 2. Trabalho. I. Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título: Revista Eletrônica TrabalhoNecessário. CDD 370

Catalogação da Fonte: Biblioteca Central do Gragoatá


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EDITORIAL Não podemos deixar de registrar, no início deste Editorial, o fato de chegarmos ao vigésimo quinto número da Revista Trabalho Necessário, publicação do Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação - NEDDATE, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF. Trata-se, sem dúvida, de uma conquista a ser comemorada, tanto pela essencial colaboração de tantos colegas que abraçaram, dentro de suas possibilidades, a proposta quanto pelo fato de que cada número divulgado expressa um substantivo esforço de sua Equipe Editorial que conta tão somente com apoio institucional do NEDDATE. Não é demais assinalar o fato de que contamos hoje com expressivo Comitê Científico constituído por cinquenta e oito colegas, professores doutores de todas as Regiões do Brasil, bem como da Espanha, do México e de Portugal. A registrar, também, que desde abril de 2015, quando passamos a ter o contador de visitantes, até esta última semana de 2016, computamos mais de cinquenta mil visitas à Revista que oferece aos leitores artigos científicos de pesquisadores das mais diversas instituições de ensino superior do Brasil, bem como dos demais países acima mencionados, aos quais agradecemos enfaticamente a colaboração imprescindível ao nosso trabalho. A revista, dirigida a professores e pesquisadores que atuam no âmbito do Ensino Superior, bem como na Educação Básica, assim como a estudantes de graduação e pós-graduação, especialmente das áreas das ciências humanas, em especial a Educação, vem se aprimorando ao longo do tempo, dentro de suas possibilidades institucionais. Orientam esse processo tanto o compromisso de constituí-la instrumento de socialização de conhecimento no campo de estudos Trabalho e Educação, bem como a busca de aprimoramento, visando a torná-la cada vez mais atrativa para os leitores e, sobretudo, a melhor qualificá-la. Nesse sentido, mantendo a coerência com suas bases teórico-metodológicas, a revista vem se tornando uma referência no âmbito do embate político, teórico e prático, pela superação do modo societário que expropria da classe trabalhadora o direito à formação integral.

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Assim, publicar o número 25 de nossa revista constitui, apesar de muitas adversidades, motivo de contentamento. Nada melhor, portanto do que fazê-lo uma Edição Especial, comemorativa, apresentando aos leitores o Dossiê do Intercrítica III, no qual estão reunidos trabalhos de importantes pesquisadores em Trabalho e Educação, vinculados ao GT de mesmo nome da Anped, bem como de convidados que participaram do III Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação – Intercrítica III, realizado, em setembro de 2016, na Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UFTPR), que convocou professores e estudantes, a aprofundar reflexões a partir de seu tema central: "Formação dos trabalhadores e luta de classes". Parte expressiva da riqueza desse encontro está sintetizada nos artigos que integram o Dossiê aqui publicado. Não podemos, portanto, deixar de registrar o quanto nos sentimos honrados com a decisão de nossos colegas em prestigiar de forma tão significativa a Trabalho Necessário, escolhendo-a como veículo de divulgação das importantes contribuições apresentadas nas conferência e mesas e que em muito enriqueceram o encontro e, para além dele, os debates na área. Um destaque especial deve ser dado ao empenho essencial da Profa. Dra. Célia Vendramini (UFSC) (Coordenadora do GT Trabalho e Educação da ANPEd), do Prof. Dr. Domingos Leite Lima Filho (UFTPR) e da Profa. Dra. Mariléia Maria da Silva (UDESC) (Vice-Coordenadora do GT Trabalho e Educação da ANPEd) que, além de organizarem o evento, também se ocuparam intensamente da organização deste Dossiê – “Formação dos trabalhadores e luta de classes”. Além do Dossiê, os organizadores também elaboraram a relação dos quarenta e oitos Grupos de Pesquisa representados com um ou mais pesquisadores no III Intercrítica e que integra a seção Memória e Documentos deste número. Além dessa relação fundamental para a memória do GT, nossa seção Memória e Documentos conta, inicialmente, com texto constituído pela conferência do Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto e dos comentários a ela acrescidos pela Profa. Dra. Maria Ciavatta, na festa comemorativa dos trinta e um anos do NEDDATE, precursor dos demais grupos que, em sequência e até os dias atuais, são criados para analisar, a partir de diferentes perspectivas, as relações Trabalho-Educação.

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Sabemos do esforço feito pelos organizadores do Dossiê que a ele se dedicaram tendo que, para isso, desviar esforços fundamentais canalizados para o apoio e o intenso envolvimento nas lutas travadas pelos estudantes nos processos de ocupação das Universidades. Lutavam e lutam esses jovens pelo direito pleno à educação para todos, imbuídos de forte espírito público e de solidariedade. Não serão, certamente, portadores das estéreis habilidades sociemocionais tão bem analisadas por Freitas (2016) que sublinha o fato de que a tão proclamada resiliência, tal como apresentada na nova vulgata, significa, sob o ponto de vista ideológico, ocultar que a origem das incertezas que marcam a vida dos jovens se deve a fatores de esgotamento do atual sistema social e colocar o foco na pessoa, fazendo com que a juventude mantenha sua crença no sistema da “igualdade de oportunidades", oportunidades estas que para se concretizarem dependem de esforço pessoal, onde a concorrência é algo “normal” e desejável. Serve de anteparo para que a juventude não se deixe levar por discursos críticos que mostrem como o sistema capitalista é injusto na sua base, no seu próprio “contrato social”. A ofensiva da direita mundial, que assistimos neste momento, inclusive aqui, está ligada a esta pré-ciência da própria crise e à necessidade de criar fatores contra-restantes a ela" (FREITAS, 2016).

Certamente, também, os jovens que ocuparam escolas e universidades brasileiras, a exemplo do Chile, neste ano que finda de modo sombrio, também não podem ser incluídos no contingente de jovens europeus alvo de pesquisa recente liderada pela Universidade de Bergen, na Noruega. No caso de Portugal, a pesquisa com dois mil e setecentos alunos entre 16 e 29 anos foi coordenada pela Profa. Dra. Margarida Gaspar de Matos. Resultados parciais revelam que, à medida que crescem, jovens vão perdendo a auto-estima e confiança em si mesmos. As raparigas, por outro lado, parecem ver o seu desempenho prejudicado por terem maior consciência social. E, quanto mais ricos, menos preocupações com os outros.

Não é esse, certamente, o caso dos jovens brasileiros que encontraram novas formas de luta, por exemplo, contra a Medida Provisória 746, que visa a contrarreforma do Ensino Médio e, também, contra os projetos defensores da Escola Sem Partido que foram rechaçados pela campanha Escola Sem Mordaça. A esses jovens e aos professores - como os organizadores deste Dossiê -, familiares e amigos que os apoiaram, só nos cabe agradecer e aprender. A eles dedicamos a capa deste número de nossa Revista Trabalho Necessário. Aos coordenadores do III Intercrítica e do Dossiê aqui apresentado, também o nosso muito obrigada, expresso na destinação do número 25 ao encontro tão rico e estimulante. Aos nossos leitores dedicamos todo o trabalho dessa longa

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empreitada que se iniciou em 2003 e que até hoje temos a alegria de, regularmente, divulgar. As Editoras Referências Freitas, Luiz Carlos. Uberização, OCDE e habilidades socioemocionais. Avaliação educacional - Blog do Freitas. Publicado em 20/12/2016. Disponível em https://avaliacaoeducacional.com/2016/12/20/uberizacao-ocde-e-habilidadessocioemocionais/; acesso 21 de dezembro de 2016. JORNAL PÚBLICO. Jovens mais confiantes e competentes têm menos valores e consciência

social.

19/12/2016.

Disponível

https://www.publico.pt/2016/12/19/sociedade/noticia/estudo-revela-que-jovensmais-confiantes-e-competentes-sao-os-que-tem-menos-valores-e-conscienciasocial-1755246; acesso 19 de dezembro de 2016.

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em


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Formação dos trabalhadores e luta de classes Célia Regina Vendramini1 Domingos Leite Lima Filho2 Mariléia Maria da Silva3 Na apresentação deste Dossiê, não podemos deixar de vincular o tema em debate com a conjuntura brasileira. Como encerramos o ano de 2016? Com forças em luta! Diversos grupos, setores, categorias de trabalhadores, estudantes e jovens saíram às ruas, levantando diferentes bandeiras e expressando projetos de sociedade diferenciados. Muitos bateram panelas em defesa da moralização da política e pelo combate à corrupção, seja pela via democrática ou pela força (alguns ativistas chegaram a levantar cartazes pela volta da ditadura militar no país). Outros foram às ruas defender a permanência do governo diante do processo de impeachment e a continuidade das reformas em curso. Há ainda os que exigiam que o governo avançasse de forma mais profunda e radical na direção das reformas econômicas e sociais. Por fim, também ouvimos vozes dos que lutavam pelo fim do capital, como estratégia para a superação das profundas desigualdades sociais. Estas vozes, entretanto, não ecoavam nos meios populares, na periferia, nas favelas, entre os trabalhadores mais precarizados. Por que? Seria o poder dos meios de comunicação imbuídos em formar opinião, consenso e consumo? Ou melhor, em fazer com que grande parte da população brasileira permanecesse no silêncio e na invisibilidade? Seria o poder judiciário com sua autoridade a insistir na normalidade e na ideia de que está tudo sob controle? Seria o poder legislativo completamente desacreditado e sem qualquer legitimidade a gerar o desinteresse pela política?

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Professora na Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: celia.vendramini@ufsc.br Professor na Universidade Federal Tecnológica do Paraná. E-mail: domingos@uftpr.edu.br

Professora na Universidade marileiamaria@hotmail.com

Estadual

de

Santa

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Catarina.

E-mail:


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Temos a expressão do processo de dominação, correlato ao processo de exploração, exercido, segundo Miliband (1999), por uma elite do poder composta por pessoas que controlam as poucas centenas de grandes empresas industriais, financeiras e comerciais no setor privado da economia; e por pessoas que controlam as posições de comando do sistema estatal (executivo, legislativo e judiciário). Entretanto, 2016 nos brindou com novidades a compor o cenário para o debate que estamos buscando abrir. A partir do mês de outubro, estudantes secundaristas começaram a ocupar escolas públicas e institutos federais e estudantes universitários seguiram o exemplo e ocuparam centros de ensino, reitorias e outros espaços das universidades. Conforme os dados divulgados pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, em 28 de outubro haviam 1197 escolas ocupadas (https://ubes.org.br/2016/ubesdivulga-lista-de-escolas-ocupadas-e-pautas-das-mobilizacoes/). Desta vez, bairros, escolas e estudantes da periferia também compuseram a mobilização. Escolas começaram a ganhar vida, cor, arte, poesia. Pais entraram na escola não apenas para receber boletins dos filhos, mas para participar de debates, para acompanhar os filhos na ocupação e para defender a escola. Professores se engajaram na luta e observaram que a formação poderia extrapolar as portas das salas de aula, compondo nesta ação e na luta coletiva elementos que podem ser considerados embriões da constituição de uma coletividade e solidariedade de classe, como instâncias intermediárias entre os indivíduos e a sociedade (MAKARENKO, 2005). O debate e as ações de ocupação e mobilização se espalharam rapidamente, ou como tem sido dito por estudantes, transbordaram. Transbordaram inclusive os muros das escolas. Aos poucos, a PEC 55 (a que congela os investimentos sociais por 20 anos) tornou-se conhecida e combatida. A medida provisória 746, que visa a contrarreforma do Ensino Médio, foi amplamente debatida entre estudantes, professores e também pais e, da mesma forma, rejeitada. Os projetos em torno da Escola Sem Partido também ficaram conhecidos no meio escolar e universitário e logo uma campanha se espalhou, a da Escola Sem Mordaça. O crescimento das ocupações estudantis em defesa da educação pública, entretanto, foi acompanhado pela intolerância, agressões físicas e TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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verbais, provocações e outras formas de violência. Estudantes defendendo o retorno às aulas e a desocupação, mais preocupados com o término do semestre ou do ano letivo e, inclusive, apoiando a PEC 55 e outras reformas que a acompanham, se apresentaram, de forma isolada e individual, ou de forma organizada, muitos deles em torno do Movimento Brasil Livre (MBL) 4. As intolerâncias não têm limites. Atacam-se principalmente as estudantes do sexo feminino, os negros e os jovens homossexuais. Manifesta-se o preconceito, a discriminação e a opressão de gênero, etnia, sexual, religiosa (especialmente de matriz africana) e de pobreza. Não se admite que outras visões de mundo, de educação e de conhecimento se apresentem. Mais do que isso, não se admite o pensamento crítico. Violências também foram praticadas pelas direções de algumas escolas e reitorias de institutos federais e universidades, fechadas ao diálogo ou com medo dos seus próprios estudantes, ou pela pressão das secretarias regionais e estaduais de ensino, “preocupadas” com o cumprimento do calendário letivo. A força policial foi muitas vezes acionada, adentrando violentamente e com tropa de choque os espaços escolares. Estudantes preocupados com a escola pública passaram a ser tratados como “baderneiros”, “marginais” e “esquerdistas”. 4 Para compreender o MBL é necessário saber quem são seus financiadores. Por trás desse movimento está a empresa imperialista dos irmãos Koch, que é responsável por um faturamento de 115 bilhões de dólares anuais. A indústria Koch tem suas principais atividades ligadas à exploração de óleo e gás; ela esteve envolvida no roubo de 5 milhões de petróleo em uma reserva ambiental e foi multada em 30 milhões de dólares por conta de vazamento de óleo. De acordo com a Carta Capital, os irmãos Charles e David Koch são sócios, possuem 42,9 bilhões de dólares e estão em sexto e sétimo lugar na última lista dos 10 mais bilionários do mundo. O irmão caçula, Bill Koch, tem um império de 2,8 bilhões e financia políticos conservadores norte-americanos. Todos esses são filhos de Fred Chase Koch, um empresário de petróleo, admirador de Mussolini e um dos fundadores em 1958 da organização ultradireitista John Birch Society. (“Quem são os irmãos Koch?”, publicado pela Carta Capital em 23/03/2015). Em outra reportagem, de 2016, a revista reuniu documentos que revelam o patrimônio obscuro e ligações de políticos corruptos com os líderes do Movimento no Brasil. Estes estão longe de ser apartidários (um dos líderes admitiu que o grupo recebeu apoio financeiro do PSDB), como aparentam, ou éticos: Uma investigação de Carta Capital na cidade de origem do movimento, Vinhedo, cidade de 70 mil habitantes na região metropolitana de Campinas (SP), revela que no próprio quintal a turma do MBL não hesita em adotar as velhas práticas criticadas nas manifestações “contra a corrupção”. (“MBL, heróis com pés de barro”, publicado pela Carta Capital em 20/06/2016).

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Na votação da PEC 55 em primeiro e segundo turno no senado federal, os milhares de estudantes, professores e movimentos sociais foram “recebidos” com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha, spray de pimenta, cavalaria e tropa de choque. Assistiu-se a uma verdadeira cena de guerra. O que esta situação revela? Em nossa análise, os conflitos e confrontos não são de ordem moral ou individual. Eles são a expressão da luta de classes. Estão em disputa projetos formativos antagônicos. Para os jovens filhos da classe trabalhadora interessa uma escola pública bem equipada, com qualidade e professores valorizados e bem pagos. Para o Estado capitalista, a escola para estes jovens pode ser mínima, reduzida a um conjunto básico de conteúdos (matemática, língua portuguesa e inglês), direcionada para o mercado de trabalho e visando conter a demanda pelo ensino superior. As lutas assumem, de acordo com Miliband (1999), uma multiplicidade de formas e expressões, mas pode-se identificar duas categorias gerais: de um lado, a classe dominante procura defender, manter e fortalecer a ordem social; de outro lado, a classe subordinada, ou a minoria ativista, está envolvida num processo permanente de pressão de baixo para cima. Esta pode ser exercida para modificar ou melhorar as condições de vida ou para erradicar por completo a subordinação. É a partir deste quadro rapidamente apresentado que introduzimos o tema deste Dossiê – “Formação dos trabalhadores e luta de classes”, com a compreensão de que os projetos educacionais são fruto de disputas de diferentes concepções de mundo e, portanto, expressam a luta de classes. O Dossiê que ora apresentamos tem o objetivo de aprofundar o debate acerca das disputas de classe em suas manifestações nas políticas de formação dos trabalhadores; ampliar a discussão em torno dos vários espaços formativos do trabalhador para além das instituições escolares, contemplando variadas experiências educacionais que envolvam a relação trabalho e educação em diferentes espaços sociais (escola, trabalho, moradia, movimentos sociais); e, por fim, debater e aprofundar questões relacionadas às referências teórico-metodológicas que têm sustentado as produções teóricas dos pesquisadores da área Trabalho e Educação no Brasil. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Os artigos que compõem o Dossiê foram apresentados e debatidos no III INTERCRÍTICA - Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação, realizado na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Curitiba, no período de 28 a 30 de setembro de 2016. O encontro foi organizado pelo GT Trabalho e Educação (GT 09) da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPED e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia – GETET/UTFPR. O INTERCRÍTICA se caracteriza como encontro de trabalho e troca de experiências entre os vários grupos de pesquisa vinculados ao GT Trabalho e Educação. Este constitui um fórum de discussão sobre as relações entre o mundo do trabalho e a educação, enfocando temáticas como: trabalho na sua dimensão ontológica e nas suas formas históricas de trabalho escravo e trabalho alienado sob o capitalismo, formação profissional, formação sindical, reestruturação produtiva, organização e gestão do trabalho, trabalho e escolaridade, trabalho e educação básica, trabalho e educação nos movimentos sociais, trabalho docente, dentre outras que tomam a relação entre o trabalho e a educação como eixo de análise. O I INTERCRÍTICA ocorreu no ano de 2002, na cidade de Niterói (RJ), organizado pelo NEDDATE/UFF – Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação -, no qual os principais grupos brasileiros de pesquisa em trabalho e educação organizados, bem como alguns outros emergentes e a coordenação do GT Trabalho e Educação da ANPEd, reuniram-se apresentando os respectivos percursos históricos dos núcleos presentes no encontro, suas linhas de pesquisa e atuação, seus vínculos institucionais e associações interinstitucionais e seus referenciais teóricometodológicos. Desde então o GT Trabalho e Educação tem construído e possibilitado a socialização e problematização de conhecimentos pertinentes à área de Trabalho e Educação, buscando fortalecer, ampliar e aprofundar as discussões sobre as questões relativas a essa temática, a partir da categoria trabalho, visando atuar no sentido da construção e consolidação de projetos de pesquisa voltados para a emancipação social, política, ética e cultural dos trabalhadores. Dessa forma, a interlocução entre grupos e pesquisadores TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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veio se dando nos momentos das reuniões anuais da ANPEd e em outros espaços, uma vez que o II INTERCRÍTICA foi realizado somente no ano de 2014, sendo o evento organizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação – GEPTE/UFPA, na cidade de Belém, ocasião em que o GT 09 também indicou a necessidade de realizar-se o INTERCRÍTICA bianualmente, intercalando-o com as Reuniões nacionais, considerando a nova configuração da Reunião nacional da ANPEd, que a partir de 2013 passou a ser bianual. Na continuidade, durante a 37ª. Reunião Anual da ANPEd, realizada em Florianópolis no ano de 2015, o GT 09 aprovou a realização do III INTERCRÍTICA na cidade de Curitiba, em 2016. Tendo em vista as mudanças no mundo do trabalho, a discussão de políticas educacionais, e seus vínculos com a organização e formação da classe trabalhadora, entre outros elementos, além do grande volume da produção acadêmica na área, que implicam a necessidade da permanente interlocução e debate que aglutine pesquisadores e núcleos de pesquisa que mobilizam o GT 09, o INTERCRÍTICA constitui-se como espaço de reflexão e crítica, para avaliar os rumos que vêm sendo tomados pelos diferentes núcleos e identificar as possibilidades e limites que se delineiam para a área, assim como a socialização e problematização das produções de estudantes e pesquisadores. O III INTERCRÍTICA reuniu em torno de 250 participantes de cerca de 20 estados do País, desde graduandos e pós-graduandos, professores, educadores e pesquisadores que se dedicam às temáticas relacionadas a trabalho e educação, conforme uma programação que reuniu mesas de debates, grupos de trabalho, exposições de pôsteres, lançamentos de livros e apresentações culturais 5 . Os pesquisadores professores e estudantes vinculados aos núcleos de pesquisa inscritos no evento apresentaram trabalhos de sua autoria e/ou do coletivo dos Grupos de Pesquisa na forma de Pôster exibido na exposição permanente que ficou aberta ao público

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A programação do III INTERCRÍTICA e a relação de grupos de pesquisa com participantes inscritos no evento pode ser consultada na Seção Memória e Documentos deste dossiê. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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durante todo o evento, oportunizando um espaço de socialização de suas pesquisas, vivências, experiências, análises e produções 6. O tema central do III INTERCRÍTICA e do presente Dossiê em torno da questão da formação dos trabalhadores e luta de classes, prioriza reflexões

teóricas

e

metodológicas

estruturadas

em

três

questões

subtemáticas. A primeira questão, tratada no texto “Formação dos trabalhadores e luta de classes”, de autoria de Virgínia Fontes, se refere à relação entre educação, trabalho e luta de classes, buscando aprofundar e pautar a questão da luta de classes e a categoria “classe social” inserida no contexto da atual conjuntura econômica, política e educacional, evidenciando as posições e tensões de classe. Dessa maneira, objetiva-se priorizar reflexões relacionadas aos estudos que associam a educação com o trabalho nos quais se apresentam o desafio de construir e alimentar os elos de ligação entre a educação, o ensino e as lutas, protestos, manifestações e organizações de classe que têm emergido na atualidade, bem como, o vínculo entre a educação, o ensino e a atividade revolucionária da classe trabalhadora. O texto “Para que serve a teoria da alienação?”, de Ramon Peña Castro, trata da segunda subtemática e relaciona-se à interlocução do campo trabalho e educação com a teoria social marxiana, considerando questões como a divisão sócio-técnica do trabalho intelectual, da especialização das ciências e sua autonomização da economia e da administração burocráticoacadêmica, com vistas à retomada do estudo sobre a teoria social marxiana para melhor enfrentar os desafios colocados ao campo Trabalho e Educação. A terceira subtemática diz respeito à formação dos trabalhadores no espaço de trabalho, da moradia, na escola e nos movimentos sociais, buscando discutir a questão da educação da classe trabalhadora em seus diversos espaços, meios e formas, do local de trabalho ao local de vida, da escola aos cursos técnico-profissionalizantes, além do território dos movimentos e lutas sociais. Estas questões são tratadas nos textos “A 6

A relação de pôsteres aceitos para apresentação no III INTERCRÍTICA e o álbum com fotografias dos respectivos pôsteres estão disponíveis em https://getetutfpr.wordpress.com/2016/08/29/posteres-aceitos/ e http://migre.me/vh8V0 TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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formação dos trabalhadores no espaço de trabalho”, de Acácia Zeneida Kuenzer, “A formação dos trabalhadores na escola: onde está o centro da disputa?”, de Eveline Algebaile, e “Movimentos sociais e educação: uma relação fecunda”, de Sandra Luciana Dalmagro. Compõe ainda este Dossiê, na Seção Memória e Documentos, a programação do III Intercrítica e a lista de núcleos e grupos de pesquisa em trabalho e educação vinculados a universidades e institutos federais do país. A lista foi composta a partir das informações das fichas de inscrição dos participantes do III Intercrítica. Esperamos que as reflexões e análises aqui socializadas nos ajudem a compreender o pano de fundo que compõe a atual conjuntura educacional brasileira. De um lado, o projeto privatista que avança de forma acelerada por meio de reformas que ameaçam ainda mais a educação pública e aprofundam a dualidade do sistema educacional. E, de outro lado, as lutas estudantis que conduzem à elevação cultural e intelectual da classe trabalhadora. Referências: MAKARENKO, Anton. Poema pedagógico. Rio de Janeiro: Akal, 2005. MILIBAND, Ralph. Análise de classes. In: GIDDENS, A.; TURNER, J. Teoria social hoje. São Paulo: UNESP, 1999, p. 471-502.

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FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES E LUTA DE CLASSES Virgínia Fontes (*)

Resumo Tece considerações sobre processos de formação e de educação para a classe trabalhadora em sociedades capitalistas, voltados para a inserção no mercado de trabalho (formação para o capital), deseducadores e des-formadores. Destaca as formas de ingerência empresarial direta e indireta na educação pública brasileira. Apresenta a Educação do Campo como experiência original, capaz de apontar possibilidades

para

a

educação-formação

da

classe

trabalhadora,

com

elaboração, formulação e execução paralelas à organização da própria classe e estreita conexão entre ensino e pesquisa.

Palavras chave: Educação – Formação – Classe Trabalhadora Resumen Reflexion sobre la formación y la educación para la clase obrera en las sociedades capitalistas, para ajustarla al mercado de trabajo (formación para el capital), deseducadoras y des-formadoras. Destaca las formas de interferencia burguesa directa e indirecta en la educación pública brasileña. Presenta la Educación del Campo como experiencia original, capaz de señalar posibilidades para la educación y la formación de la clase obrera, con formulación y ejecución paralelas a la organización misma de la clase y estrecha relación entre la enseñanza y la investigación. Palabras

Clave:

Educación

Formación

Clase

obrera

Professora da Pós-Graduação em História da UFF e da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio-Fiocruz. Professora da Escola Nacional Florestan Fernandes-MST. Conferência proferida dia 28/09/2016 no III Intercrítica: Intercâmbio Nacional dos Núcleos de Pesquisa em Trabalho e Educação, realizado na UTFPR, Curitiba-PR. Foram realizados apenas pequenos ajustes ao texto original.

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Em primeiro lugar, quero agradecer o convite para estar com vocês aqui em Curitiba, na Conferência de Abertura deste III Intercrítica, e o carinho da insistência para que eu conseguisse vir, especialmente de Célia Vendramini e de Marileia. Não sou uma pesquisadora da pedagogia, mas uma historiadora, militante da educação e da formação da classe trabalhadora, e vocês não encontrarão

nessa

intervenção

as

devidas

citações

(apenas

algumas,

especialmente relevantes para exemplificar certas passagens). Além disso, certamente encontrarão imprecisões conceituais. Certamente todos encontrarão no caderno que está sendo preparado com as demais intervenções maiores precisões sobre categorias caras à área da Pedagogia. Organizei essa intervenção em quatro pontos, procurando contextualizar alguns dos desafios dramáticos para a classe trabalhadora decorrentes das características atuais da expansão do capitalismo. 1. uma breve definição – incompleta, para fins dessa argumentação - de educação formal e da escolarização capitalista apontando elementos que se encontram mesclados e entremeados na vida social concreta; 2. uma breve definição de formação sob o capitalismo e das contradições que a envolvem; 3. algumas experiências contra-hegêmonicas; 4. uma rápida análise dos desafios históricos para uma formação da classe trabalhadora nas condições da massificação expandida da educação escolar, lembrando a importância do controle direto pela classe trabalhadora da educação (nada de mera participação!) – como uma reivindicação fundamental; 1) Separação metodológica do inseparável – instituições educativas formais e formação social. A educação nas sociedades capitalistas é apresentada como limitada à educação formal, letramento, acesso à cultura, socialização de conhecimentos fundamentais, hierarquizado até o nível da produção científica, neutralizada e isolada das condições sociais que a geram. No entanto ela responde sempre a dois movimentos contraditórios: de um lado, a formar “trabalhadores” de níveis diversos (do mais simples ao mais complexo) para assegurar o 'desenvolvimento' do país (isto é, a lucratividade do capital). Expressam-se aqui divergências entre empresários que pretendem TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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vender educação e os que precisam comprar trabalhadores devidamente formados (RODRIGUES, 2007). De outro lado, a sociedade capitalista é impelida a responder às exigências de massas crescentes de trabalhadores, que aspiram a (e reivindicam) inúmeras saídas pela educação (mesmo se ambivalentes): a) letramento e conhecimento; b) ascensão social; c) sobrevivência (acesso a emprego ou a empregabilidade, isto é, a arte de se virar sozinho, sem contrato e sobreviver); d) cidadania, ou o acesso aos direitos; e, finalmente, e) aspiram a igualdade de condições. Como se depreende, em sociedades de classe a educação formal é sempre atravessada por contradições que ela não pode resolver no próprio ambiente escolar, que a constituem e ultrapassam, tanto no âmbito dos dominantes quanto dos dominados. Em função da escala das lutas populares, das tensões entre as classes dominantes nacionais e mesmo das posições relativas das classes dominantes no cenário internacional (imperialismo), desenvolveram-se em muitos países escolas públicas de tipo universal, desde a pré-escola até a universidade (e as pósgraduações), que tendem a se apresentar como se fossem voltadas apenas para uma “educação” pura, “descarnada” das contradições sociais. Esse não é um processo homogêneo e não ocorreu de maneira idêntica nos diferentes países, embora haja uma tendência comum à massificação da escolarização. Vale lembrar que o fato de haver escolarização pública em grande escala em sociedades capitalistas não isenta as escolas das contradições (como fartamente demonstrado por Pierre Bourdieu). Ao contrário, sua universalização e seu aparente caráter público somente se mantém onde, quando e enquanto as tensões e lutas sociais sejam incorporadas nas escolas, nos programas, nos currículos e prosseguem, fora da escola, como espaço de luta constante. Se as classes

dominadas

não

se

organizam,

se

suas

lutas

não

avançam

substantivamente, a tendência é que as escolas se convertam em espaço de sua domesticação, ainda que através de enorme estardalhaço midiático que encobre o recuo das posições das classes subalternas. Podemos citar alguns exemplos díspares, como o avanço do racismo carreado sob a proibição do véu islâmico nas escolas francesas, proibição defendida em nome da neutralidade republicana. A luta pela igualdade social se inverte: se despe de seu conteúdo concreto e assume o véu (um símbolo) como se fosse a expressão da desigualdade... Em outro exemplo, há alguns anos vem ocorrendo enorme difusão midiática da TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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indisciplina nas escolas, em diferentes países. Novamente é silenciado o crescimento das desigualdades sociais e a piora das condições de trabalho dos educadores, focalizando exaustivamente apenas atos 'indisciplinados'. Os dois exemplos mostram o crescimento de exigências retrógradas de imposição de autoridade e de disciplinamento, apresentados (e naturalizados) como a tarefa das escolas. Na mesma direção atua a medicalização da vida social, com a criação de diagnósticos controversos – como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade-TDAH – para comportamentos infantis ou juvenis “irrequietos” ou “rebeldes”, seguidos de subsequente difusão de medicamentos para tratar de supostas “doenças”, que podem silenciar precocemente as inquietações sociais e juvenis. As conquistas sociais da classe trabalhadora no interior da educação escolar são esvaziadas de seu sentido original, permanecendo como conchas vazias, desprovidas do impulso concreto que animaram as reivindicações e organizações de trabalhadores. O mesmo pode vir a ocorrer com uma das mais importantes conquistas dos movimentos antiracistas, a introdução de cotas. A acomodação e o silenciamento resultantes de pequena conquista – pequena, pois as proporções das cotas são mínimas frente à massa da população oprimida e discriminada que deveria estar em todos os níveis escolares – não leva à sua expansão. Infelizmente, em sociedades capitalistas, o silenciamento dos dominados gera o avanço dos dominantes, levando ao encolhimento das conquistas realizadas. Mesmo onde houve maior extensão da escola pública, a tendência dominante sob o capitalismo é dirigir e enquadrar o processo de educação (desde um Estado apenas aparentemente “neutro”) para a formação adequada ao mercado (de trabalho ou de empregabilidade). Decerto, o Estado capitalista responde a pressões dos dominados, que procuram – e precisam, até mesmo desesperadamente – vender força de trabalho. Isso provoca novas tensões, mesmo quando não são imediatamente contra-hegemônicas: muitas vezes a educação/formação para o mercado não se coaduna com as expectativas dos educandos, muitas vezes infladas pela própria propaganda levada a efeito pelos setores dominantes. Nas últimas décadas, essas tensões vêm crescendo de vários lados: há mais jovens querendo fazer universidade pública, há mais pressão popular por escolas públicas em escala internacional. Do outro lado, as entidades patronais TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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(patronal aqui está sendo utilizado como sinônimo de empresarial, burguês, capitalista) vêm atuando no sentido de assumir todas as parcelas que possam vir a ser lucrativas na atividade educativa. Em nome da educação para o mercado, da formação da “mão de obra”, isto é, educar para a obediência e o conformismo às normas mais ou menos estreitas da subalternidade, cresce o predomínio patronal direto sobre as escolas públicas, assim como aumenta a industrialização da educação. Esse processo tende a ocorrer sob duas modalidades: a privatização direta e a modificação da escola pública. Não me parece que se trate de acabar com o Estado, nem com os recursos públicos destinados à educação, mas de direcioná-los de forma direta para a valorização apenas do capital (Leher, 2014 e 2015). Pretendem que todo recurso público deva ser direcionado para os 'setores produtivos' (de mais-valor, é claro), isto é, diretamente para entidades empresariais que lucram tanto nos materiais, quanto na venda de programas educacionais, de informatização e, finalmente, na venda da própria concepção curricular e dos processos de avaliação, seja para a escola privatizada, seja para a escola pública. Ao implantar tal predomínio, pretendem ao mesmo tempo lucrar e silenciar as tensões constitutivas da escola, pública ou privada, paga com o salário ou com voucher. Tendem portanto a acirrar as tensões sociais, a curto e médio prazos.1 Entrementes, isso significa um extensíssimo processo de deseducação pública generalizada (no público e no privado)2. Mais uma vez a formação patronal pragmática tenta domesticar de maneira direta a maior parcela da educação de massas, eliminando qualquer concepção crítica (e até mesmo qualquer voz contraditória), apresentando-se como se resumisse toda a educação3. Em alguns países resta ainda alguma preocupação com aspectos 1. Isso pode significar eventuais momentos de maior 'estatização' de parcela da escolarização, desde que as crises sociais (ou o fracasso econômico de indústrias da educação) leve parcelas do empresariado a endossar essa reivindicação, de preferência remunerando novamente o capital, através do mecanismo já clássico da socialização dos prejuízos. Essa foi uma das estratégias capitalistas para a “reforma agrária de mercado”, com fartas remunerações a grandes proprietários. 2. Vale conhecer um pouco a situação da educação nos Estados Unidos, através de um depoimento de mãe brasileira que lá vive, sobre as terríveis condições das escolas charter (https://antesqueelescrescam.com/2015/04/13/escola-publica-nos-estados-unidos-e-pior-do-queeu-pensava/), acesso em 20/09/2016 e de artigo científico de FREITAS, 2012. 3. Essa é uma das contradições severas e que merece aprofundamento. A separação entre educação formal e formação é característica do encobrimento das relações capitalistas. Ao investir massivamente na deseducação (formadora para a concorrência no mercado, entretanto) de grandes massas, torna-se mais gritante o papel segregador das classes dominantes.

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formais do conhecimento, em outros até mesmo isso é desconsiderado. Em todos os casos, a escola massiva (pública e/ou privada) tende a uma atuação formadora para a competição acirrada entre os estudantes, preparando-os para sua vida ulterior de trabalhadores sem direitos, 'responsáveis' por si próprios na competição mercantil, sem igualdade ou equalização de direitos. A socialização para o comportamento da empregabilidade é massiva e extensa; em contrapartida, a socialização dos conhecimentos e da cultura humana sofre processo de retração, promovendo deseducação de grandes massas e apropriação seletiva e restritíssima dos conhecimentos e da 'alta cultura', como a denominou Gramsci. E isso, mesmo que os números absolutos de formados aumente. No caso brasileiro, que espelha o que vem ocorrendo em diversos países, a situação é mais grave, pois jamais chegamos a sequer uma escola pública de amplo espectro e alcance, nem mesmo uma escolarização geral (pública e/ou privada) capaz de assegurar massivamente a conclusão dos anos de educação obrigatória. O movimento Escola sem partido é um exemplo gritante de proposta explícita de deseducação, ou de imposição da censura direta sobre o processo de socialização do conhecimento. Mas não é único. O movimento Todos pela Educação, tornado política pública no governo Dilma, é outro exemplo da expropriação da interferência popular na escola pública, assim como do uso direto dos recursos públicos em favor do comando empresarial. 2) Formação de trabalhadores ou adequação para a vida social sob a dominação do capital Historicamente, em sociedades capitalistas, a formação para o trabalho ocorre tendencialmente a cargo do patronato (o famoso “mercado”), mesmo nos casos onde ocorreu extensa escolarização pública universalizante. A clássica “dualidade” da escolarização ocorre seja através da imposição direta empresarial, seja através de sua imposição indireta, por processos diversos de hierarquização das instituições e dos estudantes. Essa dualidade geralmente ocorre em escolas massivas e aligeiradas para as grandes massas, contrapostas a uma formação à parte e separada para setores dominantes (como o caso exacerbado da Ivy League, ou dos Master of Business Administration-MBAs multinacionais). TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Isso é também mais grave quando o patronato – como no caso brasileiro não se responsabiliza nem endossa uma escola pública nem privada à altura de suas próprias exigências e necessidades, nivelando por baixo. O que pretende? Adequar-se a índices internacionais, de maneira a reduzir a péssima figura da situação da educação brasileira? É o caso gritante do Rio de Janeiro, e da invenção de fórmulas para supostamente 'resolver' o problema da deseducação em grande escala (evasão e iletramento massivos) através da retirada desses estudantes das salas de aula regulares, desaparecendo portanto das estatísticas. Lucrar a partir das próprias reivindicações de escolarização dos trabalhadores e de seus filhos, através da venda a governos (municipais, estaduais, federal) de programas como o Projeto Autonomia, da Fundação Roberto Marinho? São arranjos de curtíssimo prazo, fugas para a frente de tensões e lutas que reparecerão quase imediatamente. Nos últimos anos, cresceu a dualização da educação, subalternizada à formação direta para o mercado: Pronatec, Pronacampo, FIES (Prouni) massificam a formação para o capital e se perfilam ao lado do sistema S, que se ampliou brutalmente. Esse tipo de formação, aliás, associa para o empresariado o útil (formar mão de obra) ao agradável, pois recebem polpudos recursos públicos sob as mais diversas formas e rubricas, diretos ou indiretos, através de “bolsas” ou vouchers. A novidade dos últimos tempos é o interesse redobrado pela ocupação direta da Escola Pública pelo empresariado, através de programas privados, “parcerias” e contratação e gestão através de “OS” (Organizações Sociais, isto é, entidades privadas sem fins lucrativos), modelo copiado dos EUA e que se expande no mundo, embora o ritmo da privatização do ensino público seja diferenciado segundo os países. Sem falar do MTPE (Movimento Todos pela Educação) e pela alucinada privatização, não apenas dos recursos públicos, mas do teor e conteúdo dos processos educacionais, o que precariza inclusive a formação para o mercado. Estamos assistindo à industrialização em larga escala dos processos educativos. Ela será desigual e promoverá simultaneamente novos procedimentos de hierarquização, ao lado de forte deseducação para amplos setores populares. Mas sequer reduz as tensões sociais e, portanto, tende a gerar revoltas crescentes. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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A situação brasileira é dramática em função da precariedade educacional histórica (deseducação), ao que se acresce uma herança difícil de des-formação da classe trabalhadora nas últimas décadas, por diversos caminhos: a) através dos componentes objetivos e diretos de dominação do capital sobre o trabalho, aumenta sem cessar desde a restruturação produtiva uma intensa e extensa fragmentação das formas de contratação dos trabalhadores (expropriações secundárias). Ela tem profundos efeitos subjetivos, pois enevoa e obnubila a própria condição de trabalhador para grandes massas que, não obstante, precisam vender força de trabalho para sobreviver. Essa tendência da subcontratação ou do trabalho sem contrato disciplina multiplamente trabalhadores (formação para o capital): pelo despotismo patronal, pela concorrência interna mais acirrada e, finalmente, pelo aumento tanto dos procedimentos de convencimento (que se tornam totalitários) quanto pelo crescimento da violência do Estado, novo déspota direto sobre as relações de trabalho; b) pelo recuo da formação da classe trabalhadora tanto pelas instâncias sindicais

quanto

partidárias,

especialmente

a

Central

Única

dos

Trabalhadores-CUT e Partido dos Trabalhadores-PT. Ambos passaram a formar para o enquadramento à sociedade capitalista. De um lado, gestores sindicais e, de outro, requalificação profissional. Em outros termos, partidos de origem popular disseminaram em amplíssima escala a formação de mão de obra, também com recursos públicos (Fundo de Apoio ao Trabalhador-FAT), ao lado das formas tradicionais diretamente empresariais. Isso erigiu uma instância institucional enorme, apartada das condições de luta e cuja existência tem impactos objetivos e subjetivos de longo alcance. Parcela significativa da atuação sindical incorporou os valores do capital; c) pelo crescimento exponencial do papel privado na formação geral – igrejas (escolas dominicais ou outras), mídias proprietárias e redes sociais (círculos tendencialmente fechados, embora extensos). 3) experiências contra-hegemônicas no Brasil A mais significativa delas foi a Educação do Campo, empreendida pelo TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra-MST, que precisou enfrentar tanto a inexistência de escola para os trabalhadores rurais, quanto a deseducação (no caso deles, a ausência da educação escolar) quanto a proposta de formação para o mercado destinada aos trabalhadores do campo. Do ponto de vista das práticas educativas e pedagógicas, e da própria elaboração teórica, foi a experiência que mais avançou. Tem claro que não deve dissociar educação e formação e que, portanto, trata-se de educação-formação da classe e para a classe trabalhadora, recusando o papel de formadora de mão de obra. A Educação do Campo tem o mérito de associar a formulação e sistematização orgânica das exigências de formação às reivindicações de que ela constitua a base da própria educação pública. Em outros termos, teve a ousadia de propor uma educação formulada e conduzida por trabalhadores, mas como dever do Estado. Conseguiu olhar de outra forma a Constituição, integrando-a e superando-a (mas a Constituição ainda existe?4), Portanto, trata-se de impor desde a classe trabalhadora organizada exigências à formulação, configuração e práticas da educação pública. A experiência do processo (e da luta) mostrou que a Educação do Campo precisa estar permanentemente sob o controle da própria classe trabalhadora organizada, caso contrário a atuação das classes dominantes pode desvirtuá-la por dentro (através da própria burocracia pública) e por fora do Estado (pela intervenção direta empresarial, que planta apoios por dentro do próprio Estado). Não basta assegurar um direito: ele tem de ser exercido permanente e diretamente pelos próprios trabalhadores e jamais delegado a burocratas “peritos” ou convertido em processo rotineiro, banalizado. As tensões evidenciadas a partir da Educação do Campo mostraram como a conexão entre ensino e pesquisa pode assumir papel crucial, auxiliando a compreensão das diversas manobras (algumas evidentes, outras discretas) do empresariado, que tenta subordinar diretamente a educação pública. A reiteração permanente da relação entre o processo educativo e o processo organizativo de diversos setores da classe trabalhadora (e não apenas da parcela de classe atingida diretamente por aquele processo educativo específico) se evidenciou outro ponto nodal, posto repensar permanentemente as conquistas realizadas, tensionando tendências à acomodação ou à adaptação ao molde deseducativo e desformador vigente. Essa 4. Estamos atravessando um período de exceção após um golpe político palaciano, com seguidas suspensões das práticas legais feitas pelo próprio parlamento e reiteradas pelo Judiciário.

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experiência é fundamental e original, e precisa ser melhor compreendida, divulgada

e amplificada

resolutamente

para

outros espaços da

classe

trabalhadora. Certamente, não se trata de erigir uma experiência – ainda que fundamental – em modelo obrigatório, mas de extrair dessa experiência elementos que nos parecem fundamentais para qualquer educação e formação da classe trabalhadora. Vale reafirmar algo de extremamente importante nessa formulação: não se trata de reivindicar meramente participação, mas protagonismo de classe, organizadamente. A contribuição do MST não se limitou à educação-formação, mas também à formação-educação, através da Escola Nacional Ffloresta Fernandes. Há outras iniciativas, que merecem uma pesquisa detalhada de suas propostas, práticas e conquistas concretas.5

4) Formação da e para a classe trabalhadora Enfim, chegamos no que nos interessa. A formação da classe trabalhadora depende brutalmente da expansão de processos educativos mas vai muito além deles. A escala da deseducação (também em âmbito internacional) e o recuo da dimensão pública tornam nossos desafios muito maiores. Para a formação da classe, não se trata de adequar para o mercado, nem de formar habilidades, competências ou capacidades específicas para trabalhos previamente determinados. Aqui se trata de uma verdadeira filosofia da existência social, de uma efetiva socialização da capacidade crítica, do enfrentamento às condições de produção da desigualdade social. Aqui, estamos no terreno do enfrentamento de seres sociais concretos com um mundo dominado pela sua redução ao... trabalho, sob quaisquer condições. Aqui, se trata de compreender que a liberdade começa quando as necessidades fundamentais estão satisfeitas. E não ao contrário, como tentam nos impingir na atualidade, onde sugerem que a liberdade se limita a acatar e a obedecer a uma infinita necessidade, sempre 5. Muitos movimentos sociais e sindicatos fizeram ricos experimentos, que precisam ser sistematizados. Como exemplos, o NPC-Núcleo Piratininga de Comunicação (sob a coordenação de Vito e Claudia Giannotti); sindicatos que elaboraram iniciativas educativas e formativas simultaneamente (como o Sintese-Sergipe); tendências políticas que organizam a formação de seus próprios militantes; lutas por uma Universidade Popular (por exemplo, encabeçada pelo Partido Comunista Brasileiro-PCB e outros).

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crescente. Essa é uma discussão longa, filosófica, que não cabe nesse espaço. Mas que é essencial na formação da classe trabalhadora. Essa não pode ser uma formação que elimine a perspectiva do trabalho necessário, nem que ampute o ser social de suas potenciais atividades criativas – manuais e intelectuais, afetivas e lúdicas. Todos os bens (concretos ou intangíveis, utilitários ou artísticos) resultam da atividade criativa humana, social, ao elaborar e modificar a natureza. A sociedade capitalista tende a tudo reduzir a trabalho vendável, necessidade infinitamente recriada para a grande maioria, destinada a produzir mais-valor incessante para as burguesias. Essa formação depende da educação, considerada como socialização dos aspectos formais e acesso aos estoques de conhecimento e de experiência disponíveis, mas ambas precisam ser autônomas frente ao Estado e frente ao mercado. Isto é, precisam necessariamente serem anticapitalistas, na sua concepção e atuação prática. Como não se pode criar um meio não-capitalista em sociedades capitalistas, essa formação precisa concretamente estar na luta, uma vez que os trabalhadores, em condições sempre mais precárias, dispõem de escassos meios, de pouco tempo e têm baixa disponibilidade, que somente poderão ser potencializadas se essa formação fizer parte da própria vida, desde o cotidiano até a dimensão organizativa (que é sempre múltipla). Se ela se converter numa necessidade de outro tipo, que não se limita à subsistência, mas à existência propriamente humana. Aprendemos socialmente da maneira mais difícil possível que o Estado segue fundamental para o capital e que não é “domesticável”. Mesmo quando há conquistas reais, elas devem estar nas mãos da classe trabalhadora organizada e não serem entregues nas mãos de prepostos. Essa é talvez a única experiência que ainda não fizemos, mas que a Educação do Campo do MST mostra (mesmo se com limites e com dificuldades) ser necessária e urgente.

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Referências Bibliográficas FREITAS, Luiz Carlos de. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educação e Sociedade., Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, abr.-jun. 2012. In: http://www.scielo.br/pdf/es/v33n119/a04v33n119.pdf Acesso: 20/09/2016. LEHER, Roberto. Movimentos sociais, padrão de acumulação e a crise da Universidade, apresentado na 37ª Reunião Nacional da ANPEd - GT11 - Política de Educação Superior - 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC – Florianópolis. In: http://www.anped.org.br/sites/default/files/trabalho-de-roberto-leher-para-ogt11.pdf. Acesso: 20/09/2016 LEHER, Roberto. Organização, Estratégia política e o Plano Nacional de Educação. Disponível em http://marxismo21.org/wp-content/uploads/2014/08/RLeher-Estrat%C3%A9gia-Pol%C3%Adtica-e-Plano-NacionalEduca%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso EM 20/11/2016. RODRIGUES, José. Os empresários e a educação superior. Campinas: Autores Associados, 2007.

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PARA QUE SERVE A TEORIA DA ALIENAÇÃO?1 Ramon Peña Castro2 Resumo Este texto propõe uma reflexão sobre o significado da teoria da alienação; sua relação com a proliferação de diversas teorizações sociológicas que pretendem explicar o processo de reconstrução da realidade social moderna como representação. O debate gira em torno da centralidade de fenômenos, mais ou menos novos, que servem de base para teorias como: sociedade do espetáculo, sociedade de consumo, sociedade do conhecimento, sociedade computacional Na conclusão sugerimos retomar a critica do fetichismo do mercado, juntos aos mitos da empregabilidade e do empreendedorismo, propiciadores de comportamentos passivos e autoalienação ignorada. Palavras-chave: Alienação; Empregabilidade; Empreendedorismo; Sociedade de consumo; Sociedade do espetáculo; Sociedade do conhecimento; Sociedade digital. Abstract This text proposes a reflection on the meaning of the theory of alienation; its relationship with the proliferation of various sociological theories aiming to explain the process of reconstruction of modern social reality. The debate relies on some new phenomena, which have been the bases for theories like those of the spectacle society, the consumer society, the knowledge society and the computational society. Summarizing, we suggest the adoption of a critical perspective on the idea of market fetishism together with some myths on employability and entrepreneurship, which may lead to passive behaviors and self-alienation. Keywords: Alienation; Employability; Entrepreneurship; Spectacle society; Consumer society; Knowledge; Computational society.

I. Introdução Os anos 70 marcaram o fim do capitalismo “com rosto humano”, comprovando-se que o chamado Estado de Bem-estar foi uma mera contingência histórica e não fruto de insondáveis leis naturais. A sucessiva ofensiva neoliberal cada dia mais reacionária não pode ser considerada como definitiva. É uma etapa que situa em um novo patamar

1

Foi preservada a forma de reprodução, pelo autor, de sua intervenção no III Intercrítica (nota dos editores). 2 Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio - FIOCRUZ.

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barreiras que as classes trabalhadoras têm que superar para conquistar um futuro de “liberdade, igualdade e fraternidade”. Um dos traços, talvez o principal, da presente etapa histórica consiste na mudança do espaço de disputa da Hegemonia (domínio+consenso). Nas etapas históricas precedentes a FABRICA foi -segundo Gramsci- o centro de construção de hegemonia e contra-hegemonia. Hoje, esse centro parece ter-se deslocado para o MERCADO. Um ente3 abstrato e onimodo, usado e abusado para apagar a noção de CAPITALISMO. Esta mudança de cenário da hegemonia manifesta-se em uma serie de modismos ideológicos, tais como sociedade de consumo, sociedade do espetáculo.

Sociedade

informática,

sociedade

do

conhecimento,

empreendedorismo, “Uber-ismo”4 ,etc.. Para começar a entender as causas materias e espirituais do eclipse das culturas de resistência revolucionaria anticapitalista, esta intervenção propõe uma reflexão sobre a origem e natureza desse novo hedonismo de massas, chamado consumismo com sua adição tecnológica. Com

indissimulada

ortodoxia

consideramos

essas

mistificações 5

incompatíveis com a crítica marxista de capitalismo, ou mais exatamente com a dialética materialista ou “estudo concreto da realidade concreta” (Lênin). Para melhor entender o que ocorre abordamos a seguir o conceito marxista da alienação do trabalho assalariado.

II. Aproximação a Teoria marxista da Alienação A teoria marxista da alienação representa “uma genealogia da consciência", uma “fundamentação materialista do processo de construção social da realidade como representação” (Fernandez Enguita6). Em outras palavras, a teoria da alienação pretende explicar como a concepção de mundo 3

Ente= aquilo que existe, coisa, substancia, ser..[dicionário Aurelio]_ UBER =arquétipo de relação triangular que invisibiliza a dominação econômica “atípica e descolada do direito trabalhista” e da tributação empresarial. Ciberpoder que oculta as novas degradações do trabalho de mercado. [Cf. J.Dirringer. “El derecho social, ante la prueba de la uberización” . IN HTTP://vientosur.info/spip.php?article11695] 5 Segundo Roland Barthes (Mytologies,1957) o MITO funciona como uma palavra que naturaliza o fato social esvaziando-o do seu conteúdo histórico. 6 Fernández Enguita, Mariano. Trabajo, escuela e ideología. Marx y la crítica de la educación. Madrid, Akal,1985:144 4

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e de homem, própria a cada cultura e de cada grupo social e também a cada individuo concreto, surge ‘espontaneamente’ a partir da experiência de determinadas condições materiais de existência humana, da produção e reprodução especifica dessa existência. A teoria da alienação tem sido objeto de longos debates, desde o século XIX até hoje. A primeira exposição filosófica da alienação foi feita, em 1807, por George W.F. Hegel. Em sua Fenomenologia do espírito, a alienação constitui a categoria central do mundo moderno; através da qual o espírito se objetiva, em todos os seus níveis e manifestações, através do estranhamento universal de Deus (Idéia ou Espírito Absoluto). Para Hegel toda alienação pode ser superada na medida em que a Idéia desenvolva seu autoconhecimento até tornar-se absoluto, pressupondo que esse desenvolvimento acompanha a crescente complexidade social e espiritual da historia do ser humano, representada pela filosofia idealista moderna. Para Feuerbach7, a idéia hegeliana de Deus não passa de ser uma alienação da essência humana, projetada num céu imaginário; elevada ao absoluto e descolada, assim, da realidade humana que é a sua fonte real. Contra o que ele considera teologia hegeliana, Feurbach propõe uma antropologia. Por sua vez, Marx considera que a idéia de homem de Feuerbach é insuficiente porque também representa outra abstração. Criticando esta visão, ele (Marx) concentra sua atenção na realidade material do homem, afirmando que a alienação surge nesse plano material. Mediante a categoria de trabalho alienado8. Marx desloca a problemática da esfera filosófica para a econômica. Concretamente no campo econômico, onde a mercantilização da força ou capacidades humanas de trabalho, isola e submete os trabalhadores (despossuídos de meios de produção e de vida), ao poder de decisão de capital, tanto no processo de produção como na apropriação do produto do trabalho assalariado. Por conta disso, o trabalho (processo de consumo da mercadoria força de trabalho) junto ao seu resultado (produto-mercadoria), tornam-se forças estranhas ou alienadas que submetem ao ser humano assalariado, impedindo a plena expressão da sua humanidade. 7 8

Feuernach, L. La esencia del cristianismo. (Salamanca, Sígueme, 1975) Marx, K. Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. (texto inédito recuperado em 1932)

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Nos seus Manuscritos de 1844, Marx salienta quatro aspectos principais da alienação: 1) o homem alienado da natureza (no entanto o trabalho é uma relação com a matéria para transformá-la); 2) o homem está estranhado de si mesmo, da sua práxis (da sua própria atividade e intencionalidade); 3) o homem está alheio ao seu “ser genérico” (seu ser enquanto membro do gênero humano) e 4) o homem está estranhado do homem (dos outros seres humanos). Ao atribuir um conteúdo econômico (materialista e histórico) à alienação, Marx transcende o nível mais abstrato da teoria para penetrar no mais concreto: a luta social (econômica, política e ideológica). Nível que permite conceber e defender a superação do trabalho assalariado (alienado e explorado) como um processo histórico (social, político e ideológico) de transformação revolucionaria, socialista, do modo de produção capitalista. O fenômeno da alienação está profundamente relacionado com a “coisificação” do ser humano, convertido de fato em instrumento do capital, proprietário e gestor das condições materiais e espirituais de produção, fenômeno inerente à sociedade capitalista onde tudo reveste a forma de mercadoria. O fenômeno da alienação será demonstrado por Marx no inicio de “O Capital” (livro I, cap.1, item 4), onde aborda “o fetichismo da mercadoria”. Com um pouco de paciência pode-se verificar que a critica da alienação está presente em todo O CAPITAL, em todo seu sistema categorial de Marx: Dinheiro, Capital, Salário, Lucro, Renda fundiária,Juro, etc. A alienação do trabalho no capitalismo subsume e amplia anteriores dominações, tornando-se totalitária ou ampliada a todos os aspectos econômicos, políticos e éticos. Em razão disso, o sistema capitalista somente conhece (e reconhece) o trabalhador como força de trabalho mercantilizada, como simples, “recurso” ou “fator” produtivo, utilizado (consumido) no trabalho, mas reproduzido fora do trabalho, conforme as exigências da sua própria reprodução. Condição necessária desta reprodução é a existência de exército assalariado flexível (de ativos e reservistas) ou “classe em si” que apresenta TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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três dimensões, analisadas com auxilio de três conceitos: Exploração, Dominação e Alienação. 1. O trabalhador assalariado é explorado, ou seja, extorquido do “trabalho excedente,”

e

do

“produto

excedente”,

através

de

diferentes

procedimentos que se traduzem na mais-valia (processo analisado por Marx, no Capital, livro I, capítulos 5-16). 2. O trabalhador está dominado, subsumido no capital, privado, portanto, de capacidade de decisão na práxis social, nas mediações sociais fundamentais: repartição do produto social; comunicação social, produção simbólica e todo tipo de poder de decisão social, poder usurpado pelo bloco político das classes dominantes. 3. O trabalhador assalariado é alienado, o que significa que o principal produtor da base material da vida social, perde qualquer controle sobre a sua obra que se transforma em poder estranho que o esmaga e despoja da sua humanidade, através das diferentes formas e graus de miséria física e social (moral e intelectual) que o capitalismo impõe a “classe em si”. No capitalismo contemporâneo há que considerar especialmente a pressão crescente do desemprego e da precarização institucionalizada, resultado disso é que os trabalhadores encontram-se alienados, não apenas como

trabalhadores

em

ativo

(empregados),

mas

igualmente

como

desempregados, vistos (pelos “ativos”) como concorrentes que ameaçam sua precária estabilidade. Essa ameaça permanente de perder o emprego, num contexto geral de precarização e degradação social (“marginalização”), longe de servir para radicalizar as lutas políticas por direitos coletivos (em particular pela transformação das relações de produção), parecem ter consolidado a subordinação do trabalho ao capital. Uma das consequências dramáticas dessa iniquidade (terrorismo legitimado) é a crescente desconfiança nos sindicatos e partidos que se atribuem a representação dos trabalhadores; desconfiança incentivada pelos "managers" (gestores) empresariais e seus aparatos ideológicos. Tudo isso contribui a queda da qualidade dos empregos e a erosão da sociabilidade e das solidariedades de classe. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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O desejo do trabalhador desempregado de recuperar um emprego (precarizado), que percebe como parte da sua humanidade, consolida um sistema que desumaniza tanto aos empregados como aos desempregados. Em outras palavras reforça a alienação. O estigma do desemprego é interiorizado pelo sujeito que supervaloriza o que lhe falta e menospreza o que tem (as capacidades físicas e intelectuais próprias de todo ser humano). O tempo de vida disponibilizado pelo desemprego é vivido como privação, como excedente penoso da ausência de tempo de trabalho. Na cultura do trabalho assalariado (alienado), o trabalhador ativo e o trabalhador desempregado estão subsumidos (presos) pela centralidade do trabalho como dimensão identitaria. Do mesmo modo que os desempregados se sentem expropriados da sua “humanidade” que associam ao trabalho, os trabalhadores empregados não deixam de sentir-se negados a si mesmos no processo de trabalho alienado. Assim, se os primeiros sentem um déficit de identidade, os segundos sentem excesso de frustração. Por conta disso, verificamos que não há apenas problemas de desemprego, mas também de subemprego e hiper-trabalho, pois em todas essas situações observamos divergências mais o menos profundas entre o trabalho e as necessidades vitais. Por sua vez, os trabalhadores classificados como “qualificados” (profissionais ou intelectuais) também estão estranhados e até contrapostos a aqueles mais desvalidos, reduzidos ao “trabalho manual”, cuja qualificação sempre existe ainda que não seja reconhecida. (Reconhecimento este que é uma arma de uso exclusivo do empregador). Outro aspecto marcadamente discriminador é o dos trabalhos chamados “do lar” (trabalhos domésticos), necessários para alimentar, vestir, cuidar da higiene, da educação e da saúde de crianças, doentes ou idosos, exercidos sem remuneração, representando

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uma sobrecarga de trabalho, principalmente para as mulheres sujeitas além do mais a prejuízos patriarcais e machistas9. 3. Sobre publicidade, consumo e tecnologísmos como espaços de alienação É amplamente conhecido e reconhecido o crescente poder dos meios de persuasão e comunicação massiva (baseados nas TIC) para formatar opinião pública (o que justifica a identificação entre “opinião pública” e “opinião publicada”). Esse poder consolidou-se especialmente nas últimas três décadas (a partir dos anos de 1980), coincidindo com a instauração do neoliberalismo, nova fase da dominação capitalista demolidora dos direitos sócias dos trabalhadores. A concentração do capital e a centralização do poder num número reduzido de grandes corporações transnacionais interligadas 10, junto ao desenvolvimento tecnológico das comunicações que cobrem o globo terrestre com uma densa rede de sistemas informáticos, controlados e operados por um reduzido numero de transnacionais da “informação” e do “entretenimento”. Através desta rede, os poderes hegemônicos impõem ao mundo sua cosmovisão, a qual funciona como uma poderosa arma de domesticação e alienação das grandes maiorias. Trata-se de um sistema de persuasão e domínio totalitário que faz com que os dominados, os subalternos pensem e vejam o mundo com os olhos dos dominadores. O que hoje nos tentam impor sob o ambíguo rótulo de mercado é a submissão inapelável, a ideia da impossível organização e resistência frontal do mundo do trabalho. Essa pretensão fatalista tem a ver com a fragmentação social. Se a primeira conquista e condição de implementação do capitalismo foi a 9

Sugestões bibliográficas: Silvia Federici (entrevista) “Ni el Estado ni el mercado contribuyen a la reproducción” http://www.vientosur.info/spip.php?article8855 e (da mesma autora) “Uma crise reprodutiva permanente”. <http://www.vientosur.info. junio de 2013 10 A máquina da iniquidade transfigura todo o planeta. Os 63.000 indivíduos (18.000 em Ásia, 17.000 em EE.UU.e 14.000 em Europa) com patrimônio superior a 100 milhões de dólares, totalizam uma fortuna de 39,9 trilhões de dólares. Para ter idéia do que isso representa cabe reparar que em 2011 o PIB mundial foi de 70 trilhões de dólares (cf. Serge Halimi. “Inegalités, démocratie, souveranite”. Le Monde Diplomatique. Mai 2013, p.8).

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expropriação dos meios de produção e de vida dos camponeses e artesões e sua transformação em mercadoria força de trabalho, a segunda conquista está sendo a individualização extrema, a imposição de formas de vida tão mercantilizadas (coisificadas) que naturalizam a alienação e invisibilizam a barbárie capitalista. Como salienta Marx, as estruturas de exploração e alienação somente são perceptíveis desde uma ótica coletiva, desde uma visão da totalidade social (econômica e política). 4. Algumas questões para debate De que forma os meios de persuasão ou mídia contribuem para a reprodução ampliada da alienação dos indivíduos e grupos sociais? Podemos considerar a publicidade como a primeira forma que, inundando o espaço visual, auditivo e cibernético, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX, formata a visão de mundo e/ou narcotiza as maiorias subalternas?. Gostaríamos de lembrar alguns fatos históricos. A mais de meio século que o norte-americano Vance Packard11 dissertou, através de uma serie de ensaios

publicitários,

sobre

as

estruturas

funcionais

da

publicidade

(“estratégias de persuasão oculta”, “domínio do público pelo subconsciente”, “sugestão subliminar" etc.), assim como sobre as estratégias de promoção do consumo desmedido. Nas

décadas

seguintes,

outros

autores

desenvolveram

essas

reflexões12. Por exemplo, Guy Debord, em seu livro A sociedade do espetáculo, introduziu a noção a produção imaterial13 na teoria da alienação, retomando a tese de Max Horkheimer e Theodor Adorno, exposta na sua Dialética do Iluminismo, segundo a qual o capitalismo moderno também subsume o divertimento (lazer) na esfera da produção de consenso. Debord afirma que no capitalismo desenvolvido o operário “é tratado, aparentemente, como verdadeira pessoa, com cortesia, porque a economia política objetiva colonizar o lazer e a humanidade do trabalhador”. 11

Vance Packard. Nova técnica de convencer e A sociedade nua (Editora Ibrasa). Guy Debord. (1967) A sociedade do espetáculo; Jean Braudrillard (1970) A sociedade de consumo. 13 Antecipando-se, portanto, a André Gorz e Toni Negri. 12

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Daí a denominação “Sociedade do espetáculo”. “Na sociedade atual – escreve Debord - o espetáculo corresponde a uma fabricação concreta da alienação”, alienação que segundo ele é aceita com prazer pelos indivíduos que enganchados ao novo ópio do povo (o consumo)" e “identificados com as imagens dominantes”, renunciam cada vez mais a construir seus desejos e existências livres. Jean Braudrillard também utiliza o conceito de alienação para definir as mudanças sociais ocorridas no capitalismo tardio, identificando o consumo como esfera principal da sociedade moderna. A era da expansão do consumo, quando a publicidade e as enquetes geram necessidades fictícias, ter-se-ia transformado, segundo Braudillard, “na era da alienação radical quando a lógica da mercadoria se universaliza”. De tal modo que não apenas regula os processos de trabalho e de produção material, se não também toda a cultura, a sexualidade e todas as relações humanas. Tudo é vendido como espetáculo, como evocação, provocação, orquestração de imagens, de símbolos e modelos consumíveis. Estas reflexões tem o defeito de reduzir a alienação a um fenômeno individual; inerente ao ser humano individual e não as relações sociais radicalmente mercantilizadas. Enfatizam a propensão dos indivíduos à se adaptar à ordem existente, subestimando, ao mesmo tempo, as ações coletivas de resistência e a procura de transformação social. Em outras palavras, as mencionadas interpretações acabam por marginar e omitir os fatores histórico-sociais, determinantes da alienação, optando por uma espécie de hiper-psicologização da analise do conceito alienação, presente numa serie de interpretações sociológicas e psicológicas. Face ao elitismo de muitos discursos intelectualistas que associam a inocultável regressão social do “mundo do trabalho” a fenômenos de massificação e “empoderamento” dos subalternos, cabe insistir na analise das numerosas evidencias empíricas que demonstram que essa regressão (“mutação antropológica”14) decorre da ação direta das oligarquias políticoempresariais ou seja, das relações de dominação existentes.

14

Joaquim Miras. Sujeto de la historia y desastre cultural..La transformación antropologica; http://www.rebelion.org/noticia.php?id=91211. Idem: noiticia.php?id=91211>

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São essas oligarquias que decidem a vida das grandes maiorias em proveito próprio. Elas comandam o espetáculo (“passem circenses”) da chamada sociedade de consumo, impondo seu credo ideológico através de aparelhos de persuasão e repressão adequados à correlação da luta de classes. Com a particularidade de que os produtos culturais e de lazer, unidos aos artefatos de moda que configuram a sociedade de consumo, não apenas divertem e adormecem, senão que incentivam desejos e procura de lucros e, com isso, um individualismo egoísta, associado a uma ideologia econômica servil e um espírito cego de competitividade impiedosa. Um exemplo, muito atual e massivo, é o dos “proprietários” de imóveis mediante hipotecas que nos países centrais e periféricos golpeados pelo crise atual com o desemprego e precarização generalizada. Hoje afundados no desespero e frustrados no seu sonho de “ascensão social” e incorporação à classe dos proprietários. Partindo de este exemplo parece oportuno repensar (ou divagar) sobre o sentido atual das noções de Marx-Engels “classe em si”, “classe para si” ou “classe contra si” [advertindo que esta ultima noção está mais próxima do estilo sarcástico de Charles Chaplin ou de Gruncho Marx]. O predomínio do atual discurso economicista é tão absoluto e reducionista que aniquila a possibilidade de reconsiderar as prioridades da sociedade e, portanto a sua transformação, contribuindo para o desarme político e ideológico dos dominados. Em definitivo, o grande embuste de nossa época consiste em fazer acreditar que as atuais democracias de fachada trabalham a favor de uma sociedade de indivíduos livres e iguais, quando na realidade promovem valores e relações sociais cujo resultado é totalmente oposto a isso. São justamente os falsos valores mercantis, as relações opressoras e o terrorismo

do

mercado

globalizado,

as

causas

determinantes

dos

comportamentos passivos e da alienação ignorada. O medo a perder o emprego, de descer de status ou de ser discriminado é o que gera em muitos indivíduos isolados autoinculpação e autoalienação, sem necessidade de repressões explicitas. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Para terminar, pensemos na função mistificadora de noções como “empregabilidade”, “modelo de competências”, “gestão por metas", "avaliações” e outras engenhocas das chamadas ciências gerenciais15. Referências Bibliográficas Braudrillard, J. A sociedade de consumo. Lisboa, Edições 70, 1970. Debord,

G.

A

sociedade

do

espetáculo.

Disponível

em

http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/socespetaculo.pdf, acesso agosto de 2016 Dejours, C. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 2007 ________. O fator humano. Rio de Janeiro, FGV, 2005 Dejours C, Bègue F. Suicídio e trabalho: o que fazer? Brasília: Paralelo 15; 2010 Enguita, F. Trabajo, escuela e ideología. Marx y la crítica de la educación. Madrid: Akal, 1985 Federici, S. (entrevista) “Ni el Estado ni el mercado contribuyen a la reproducción”. Disponível em: http://www.vientosur.info/spip.php?article8855, acesso agosto de 2016. ________.

Uma

crise

reprodutiva

permanente”.

Disponível

em:

<http://www.vientosur.info>. junio de 2013, acesso agosto de 2016 Feuerbach, L. La esencia del cristianismo. Salamanca: Sígueme, 1975 Halimi, S. Inegalités, démocratie, souveranite. Le Monde Diplomatique. Mai 2013 Marx. K. Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. (texto inédito recuperado em 1932) O Capital: Livro 1 - O processo de produção do Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1985. Miras, Joaquim. Sujeto de la historia y desastre cultural. La transformación antropologica;

http://www.rebelion.org/noticia.php?id=91211.

Idem:

noiticia.php?id=91211>, acesso em agosto de 2016

15

Vide Christophe Dejours. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 2007. Do mesmo autor: O fator humano. Rio de Janeiro, FGV, 2005 e Suicídio e trabalho: o que fazer? Dejours C, Bègue F. Brasília: Paralelo 15; 2010.

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Packard, V. Nova técnica de convencer. SP, IBRASA, 1959 ________. A sociedade nua (Editora Ibrasa). São Paulo, Ibrasa, 1966

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A FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES NO ESPAÇO DE TRABALHO

Acacia Zeneida Kuenzer1 RESUMO Este artigo trata dos processos de formação amplamente pedagógicos, em duas dimensões – a técnica e a subjetiva, com base na categoria disciplinamento, retomado Gramsci quando afirma que a pedagogia vem da fábrica, e que toda relação hegemônica é uma relação pedagógica. Assim é que, no regime de acumulação flexível, o capital enfrenta, entre outros desafios, o de desenvolver novas subjetividades, flexíveis, que se submetam às novas formas de exploração do trabalho, agora predominantemente intelectualizado, para o que mobiliza novas formas de disciplinamento mediante processos ampla e especificamente pedagógicos, também denominados flexíveis. Com base nesses pressupostos, são apresentadas algumas das aprendizagens que os processos pedagógicos que integram as relações sociais e de trabalho, promovem. Essas aprendizagens derivam-se da negação da práxis como possibilidade de transformação, princípio que fundamenta as teorias pós-modernas: o pragmatismo utilitarista, o presentismo, a competitividade, a individualização, a fragmentação, a homogeneização das identidades, a redução do real ao virtual, a redução da ética à estética, a banalização da violência, a banalização do esforço, a passividade cognitiva e a naturalização da perda dos direitos trabalhistas. Palavras-chave: formação de subjetividades flexíveis; educação de trabalhadores na pós-modernidade; trabalho e educação na acumulação flexível. ABSTRACT This article addresses wide-ranging teacher training processes in two dimensions, the technical and the subjective, based on the disciplinary category, resorting to Gramsci when he claimed that pedagogy comes from the factory, and that all hegemonic relationships are pedagogical relationships. Therefore, in a regime of flexible accumulation, capital faces, in addition to other challenges, the challenge of developing new flexible subjectivities that are submitted to new forms of exploitation of labor, which has now been predominantly intellectualized, to mobilize new forms of discipline through broad and specific pedagogical processes that are also referred to as flexible. Based on these assumptions, some of the learning that pedagogical processes that integrate social and labor relations promote. This learning is derived from the denial of praxis, as a possibility for transformation, the principle on which post-modern theories are founded. These theories includeutilitarian pragmatism, presentism, competitiveness, 1

Doutora em Educação pela PUC/SP, Pesquisadora 1A do Cnpq, Professora Titular aposentada da UFPR; Professora Titular da Universidade Feevale.

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individualization, fragmentation, homogenization of identities, the reduction of the real to the virtual, the reduction of the ethical to the esthetic, the trivialization of violence, the trivialization of effort, cognitive passivity and the naturalization of the loss of labor rights. Key words: formation of flexible subjectivities; education of workers in the postmodern era; work and education in flexible accumulation

1. Introdução O ponto de partida para a análise da formação dos trabalhadores no espaço de trabalho é a afirmação de Marx e Engels na Ideologia Alemã, posteriormente retomada por Marx no Capital, que tomei como pressuposto na Pedagogia da Fábrica, em 1985: o homem se educa, se faz homem, na produção e nas relações de produção, através de um processo contraditório em que estão sempre presentes e em confronto, momentos de educação e de deseducação, de qualificação

e

de

desqualificação

e,

portanto,

de

humanização

e

de

desumanização. (Kuenzer, 1985, p.11) Tomando como pressuposto que o conhecimento não se produz apenas nas situações escolares, mas nas relações sociais em seu conjunto, torna-se necessário diferenciar dois tipos de processo pedagógico, que se articulam mas guardam especificidades: os amplamente pedagógicos e os especificamente pedagógicos. Os processos amplamente pedagógicos são constituídos pelas dimensões educativas presentes em todas as experiências de vida social e laboral. Estas são assistemáticas, não intencionais, mas nem por isso, pouco relevantes do ponto de vista da produção do conhecimento. Nestes processos amplamente pedagógicos inserem-se o conjunto das relações vividas no trabalho, a partir das formas de organização e gestão dos processos produtivos, que contém um projeto educativo que, embora nem sempre explícito, desempenha relevante papel de disciplinamento e de desenvolvimento intelectual e técnico dos profissionais. Assim é que os trabalhadores, no cotidiano do trabalho, aprendem e ensinam, a partir das relações que estabelecem com outros trabalhadores, com as chefias e com os profissionais que atuam nas diferentes áreas da empresa, TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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como a saúde, a gestão de pessoas, o planejamento estratégico, a área financeira, e assim por diante. Estas relações serão mais ricas de aprendizagem quanto mais as experiências e conhecimentos sejam compartilhados, na perspectiva da democratização dos saberes. Ao contrário, serão limitadas quando as relações de trabalho são excessivamente hierarquizadas e autoritárias. (Kuenzer, 2007) Os processos especificamente pedagógicos são os intencional e sistematicamente desenvolvidos com o objetivo de possibilitar o acesso a conhecimentos, técnicas, ou dimensões culturais, produzidos pela sociedade em seu processo de desenvolvimento histórico. Estes processos têm por finalidade possibilitar a transição do senso comum e dos saberes tácitos originados das experiências empíricas para o conhecimento científico, de natureza sóciohistórica, cultural e tecnológica, o que supõe o domínio do método científico. Eles incluem a formação escolar geral e profissional e os cursos de capacitação ofertados pelas instituições específicas e pelas empresas. Neste

texto

trataremos

dos

processos de

formação

amplamente

pedagógicos, em duas dimensões – a técnica e a subjetiva, com base na categoria disciplinamento, retomado Gramsci quando afirma que a pedagogia vem

da

fábrica,

e

que

toda

relação

hegemônica

é

uma

relação

pedagógica.(Gramsci,1978 ) A partir de seus estudos sobre o americanismo e o fordismo, o autor demonstra a eficiência dos processos educativos na valorização do capital, à medida em que as novas formas de organização do trabalho e as relações de produção que elas geram, veiculam novas concepções e modos de vida, comportamentos, atitudes, valores. O novo tipo de produção racionalizada demandava um novo tipo de homem, capaz de ajustar-se aos novos métodos da produção, para cuja educação eram insuficientes os mecanismos de coerção social; tratava-se de articular novas competências a novos modos de viver, pensar e sentir, adequados aos novos métodos de trabalho caracterizados pela automação, ou seja, pela ausência de mobilização de energias intelectuais e criativas no desempenho do trabalho. O novo tipo de trabalho exigia uma nova concepção de mundo que fornecesse ao trabalhador uma justificativa para a sua crescente alienação e ao mesmo tempo suprisse as necessidades do capital com um homem cujos comportamentos e atitudes respondessem às suas demandas TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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de valorização.“É neste sentido que a hegemonia, além de expressar uma reforma econômica, assume as feições de uma reforma intelectual e moral” ( Gramsci, 1978; Kuenzer, 1985, p. 52 ) 2. Ampliar a escolaridade e apropriar-se da ciência do trabalho: o que os trabalhadores aprendem a partir da base microeletrônica O processo de internacionalização da economia e a reestruturação produtiva em curso, enquanto macro-estratégias responsáveis pelo novo padrão de acumulação capitalista, transformam radicalmente a forma de organização da produção, imprimindo vertiginosa dinamicidade às mudanças que ocorrem no processo produtivo, a partir da crescente incorporação de ciência e tecnologia, em busca de competitividade. A descoberta de novos princípios científicos permite a criação de novos materiais e equipamentos; os processos de trabalho de base rígida vão sendo substituídos pelos de base flexível; a eletromecânica, com suas alternativas de solução bem definidas, cedeu lugar à microeletrônica, que assegura amplo espectro de soluções possíveis desde que a ciência e a tecnologia, antes incorporadas aos equipamentos, passem a ser domínio dos trabalhadores; os sistemas de comunicação interligam o mundo da produção. Inaugura-se um novo regime de acumulação que têm na flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo (Harvey, 1992), uma de suas mais importantes expressões, do que decorrem novas demandas de desenvolvimento profissional para os trabalhadores, nas dimensões técnica, cognitiva complexa e comportamental. Ao invés de profissionais rígidos, competentes nos fazeres que se repetem através da memorização, há que formar profissionais flexíveis, que acompanhem as mudanças tecnológicas decorrentes da dinamicidade da produção científicotecnológica contemporânea. Talvez a mais importante mudança trazida pelas novas bases materiais de produção seja a mudança de eixo na relação entre trabalho e educação, que deixa de priorizar os modos de fazer para contemplar a articulação entre as diferentes formas e intensidades de conhecimento, tácito e científico com foco no enfrentamento de situações não previstas. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Com base em Zarifian (2001), pode-se afirmar que esta mudança de eixo, a partir da mediação da base microeletrônica com seus impactos nas formas de organizar o trabalho, se evidencia a partir da mudança na própria natureza do trabalho, que deixa de significar fazeres, para passar a significar intervenção quando os equipamentos ou sistemas apresentam funcionamento anormal que exige atuação qualificada do trabalhador. Como afirma o autor, o trabalho passa a significar enfrentar eventos, o que desloca o eixo da competência de memorizar procedimentos a serem repetidos para a competência de enfrentar situações anormais, com maior ou menor grau de previsibilidade. No limite, competência passa a ser a capacidade para resolver situações não previstas, até mesmo desconhecidas, para o que se articulam conhecimentos tácitos e científicos adquiridos ao logo da história de vida, através das experiências de formação escolar e profissional e da experiência laboral. Mais do que à memorização, esta nova forma de conceber a competência remete à criatividade, à capacidade comunicativa, à educação continuada. A partir destas mudanças se estabelece uma aparente contradição: quanto mais se simplificam as tarefas, mais se exige conhecimento do trabalhador, e não apenas tácito. Ao contrário, a crescente complexificação dos instrumentos de produção, informação e controle, nos quais a base eletromecânica é substituída pela base microeletrônica, passam a exigir o desenvolvimento de competências cognitivas complexas e de relacionamento, tais como análise, síntese, estabelecimento de relações, criação de soluções inovadoras, rapidez de resposta, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos para atingir metas, trabalhar com prioridades, avaliar, lidar com as diferenças, enfrentar os desafios das mudanças permanentes, resistir a pressões, desenvolver o raciocínio

lógico-formal

aliado

à

intuição

criadora,

buscar

aprender

permanentemente, e assim por diante.(Kuenzer, 1999) Mesmo quando o trabalho é simplificado, o elevado custo de um investimento tecnologicamente sofisticado e as demandas de competitividade exigem trabalhadores potencialmente capazes de intervir critica e criativamente quando necessário, não só assegurando índices razoáveis de produtividade, através da observação de normas de segurança e da obtenção de índices TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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mínimos de desperdício, de paradas, de re-trabalho e de riscos, mas também otimizando o sistema. Se

para

o

desenvolvimento

de

competências

nas

formas

tayloristas/fordistas de organização e gestão do trabalho bastava a prática, agora passa a ser estratégico o desenvolvimento das competências cognitivas complexas, que exige relação com o conhecimento sistematizado através do trabalho intelectual, de modo a desenvolver o raciocínio lógico formal, as capacidades comunicativas e a criatividade; ou seja, ampliação da escolaridade. Esta é a primeira significativa aprendizagem dos trabalhadores nas relações de trabalho: o conhecimento tácito não é mais suficiente. Há necessidade de educação básica e profissional sistematizada, com o que passam a ser valorizados e buscados os processos especificamente pedagógicos. Ao contrário do que ocorria nos processos tayloristas fordistas, já não é suficiente a experiência do trabalho. É importante destacar, contudo, que no regime de acumulação flexível não desaparece a relevância do conhecimento tácito em nome da supremacia do conhecimento científico, mas sim se reestabelece a dialética entre teoria e prática, passando a competência a assumir dimensão práxica. Como têm mostrado as pesquisas que vêm sendo realizadas pela autora, passou-se a conceber competência comoa capacidade de agir, em situações previstas e não previstas, com rapidez e eficiência, articulando conhecimentos tácitos e científicos a experiências de vida e laborais vivenciadas ao longo das histórias de vida. Esta concepção de competência vincula-se à ideia de solucionar problemas, mobilizando conhecimentos de forma transdisciplinar a comportamentos e habilidades psicofísicas, e transferindo-os para novas situações; supõe, portanto, a capacidade de atuar mobilizando conhecimentos”. (Kuenzer, 2002) Esta forma de conceber competência a partir das novas demandas do mundo do trabalho traz várias consequências para a discussão das relações entre setor produtivo e as instituições responsáveis pela educação profissional. A primeira delas diz respeito ao deslocamento da centralidade do conhecimento tácito, estruturante da concepção de competência no taylorismo/fordismo, para a centralidade do trabalho intelectual, com suas consequências relativas ao domínio dos processos de comunicação através da apropriação das diferentes linguagens. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Assim, restam superados os processos de educação profissional que tinham como eixo o aprendizado de modos de fazer, desvinculados do domínio da teoria que fundamenta os processos de trabalho que se constituem em objeto dos cursos; ao mesmo tempo, a educação profissional passa a se articular de forma cada vez mais intensa à educação básica, que passam a buscá-la de forma intensiva. Do ponto de vista da formação profissional, as necessidades de qualificação são deslocadas do plano individual para o plano institucional, uma vez que o desenvolvimento de competências passa a ser uma dimensão estratégica para a competitividade. E, respondendo às novas características da organização e gestão das plantas produtivas, em particular no que tange à produção puxada pela demanda, a exigir uma organização flexível, e neste sentido, peculiar, as empresas passam a buscar programas pedagógicos customizados. Ao passar a integrar as estratégias de competitividade, a formação profissional passa a ser um ponto de articulação entre os interesses dos trabalhadores e as demandas de acumulação do capital; as pesquisas evidenciam que os trabalhadores passam a buscar o domínio das teorias que regem os processos de trabalho que executam, justificado pela necessidade de cumprimento das metas de produtividade, a ser viabilizada por um maior domínio sobre as novas tecnologias na perspectiva da permanência no emprego, mas também de trabalho com segurança e confiabilidade. Do ponto de vista da vida social e familiar, defendem o direito a ter acesso ao conhecimento como forma de participação mais efetiva nas relações sociais e na educação dos filhos. Já as empresas reconhecem que os imperativos de competitividade passam a exigir cada vez mais o desenvolvimento de competências cognitivas complexas

que

articulam

conhecimentos

científicos

e

tácitos,

cujo

desenvolvimento implica em processos educativos que integrem os espaços formativos às práticas laborais. Solidamente fundamentada sobre a educação básica, a competência não repousa mais sobre a aquisição de modos de fazer, deixando de ser concebida, como o faz o taylorismo/fordismo, como conjunto de atributos individuais, predominantemente psicofísicos, centrados nos modos de fazer típicos do posto de trabalho. Ao contrário, passa a ter reconhecida a sua dimensão social e ser TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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concebida como resultante da articulação de diferentes elementos, através da mediação das relações que ocorrem no trabalho coletivo, resultando de vários determinantes subjetivos e objetivos, como a natureza das relações sociais vividas e suas articulações, escolaridade, acesso a informações, domínio do método científico, riqueza, duração e profundidade das experiências vivenciadas, tanto laborais quanto sociais, acesso a espaços, saberes, manifestações científicas e culturais, possibilidade de exercer autonomia e criatividade, de participar da definição das normas e das decisões que afetam as atividades, e assim por diante. (Machado, 1996) A essa dimensão positiva agrega-se a sua contradição: a par da necessidade de expansão da escolaridade e da integração entre conhecimento tácito e científico nas trajetórias de vida e de trabalho, no campo do capital a demanda pelo desenvolvimento de modelos de gestão e de desenvolvimento que conduzam, através de novas formas de disciplinamento, à conformação de novas subjetividades, flexíveis, polivalentes e permanentemente educáveis como forma de resposta à instabilidade derivada do caráter dinâmico da produção do conhecimento na contemporaneidade, sem perder o controle sobre as formas de reprodução ampliada, onde a extração de mais-valia, agora derivada da exploração combinada de diferentes formas de trabalho, continua determinante. O que o discurso da pedagogia da acumulação flexível não revela é que, ao destruírem-se os vínculos entre capacitação e trabalho pela utilização das novas tecnologias, que banaliza as competências, tornando-as bastante parecidas e com uma base comum de conhecimentos de automação industrial, a par da estratégia toyotista de definir a produção pela demanda, o mercado de trabalho passa a reger-se pela lógica dos arranjos flexíveis de competências diferenciadas. (Kuenzer, 2007) Diferentemente

do

que

ocorria

no

taylorismo/fordismo,

onde

as

competências eram desenvolvidas com foco em ocupações previamente definidas e relativamente estáveis, a integração produtiva se alimenta do consumo flexível de competências diferenciadas, que se articulam ao longo das cadeias produtivas. Estas combinações não seguem modelos pré-estabelecidos, sendo definidas e redefinidas segundo as estratégias de contratação e subcontratação que são mobilizadas para atender à produção puxada pela demanda do mercado. São combinações que ora incluem, ora excluem trabalhadores com TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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diferentes qualificações, de modo a constituir corpos coletivos de trabalho dinâmicos, por meio de uma rede que integra diferentes formas

de

subcontratação e trabalho temporário e que, ao combinar diferentes estratégias de extração de mais-valia, asseguram a realização da lógica mercantil. Se há combinação entre trabalhos desiguais e diferenciados ao longo das cadeias produtivas, há também demandas diferenciadas, e desiguais, de qualificação dos trabalhadores, que podem ser rapidamente atendidas pelas estratégias de aprendizagem flexível, o que permite que as contratações sejam definidas a partir de um perfil de trabalhador com aportes de educação geral e capacidade para aprender novos processos, e não a partir da qualificação. Daí o caráter “flexível” da força de trabalho; importa menos a qualificação prévia do que a adaptabilidade, que inclui tanto as competências anteriormente desenvolvidas, cognitivas, práticas ou comportamentais, quanto a competência para aprender e para submeter-se ao novo, o que supõe subjetividades disciplinadas que lidem adequadamente com a dinamicidade, com a instabilidade, com a fluidez. O discurso da necessidade de elevação dos níveis de conhecimento e da capacidade de trabalhar intelectualmente, quando adequadamente analisado a partir da lógica da acumulação flexível, mostra seu caráter concreto: a necessidade de ter disponível para consumo, nas cadeias produtivas, força de trabalho com qualificações desiguais e diferenciadas que, combinadas em células, equipes, ou mesmo linhas, atendendo a diferentes formas de contratação, subcontratação e outros acordos precários, assegurem os níveis desejados de produtividade, por meio de processos de extração de mais-valia que combinam as dimensões relativa e absoluta. Esta forma de consumo da força de trabalho ao longo das cadeias produtivas aprofunda a distribuição desigual do conhecimento, onde, para alguns, dependendo de onde e por quanto tempo estejam integrados nas cadeias produtivas, se reserva o direito de exercer o trabalho intelectual integrado às atividades práticas, a partir de extensa e qualificada trajetória de escolarização; o mesmo não ocorre com a maioria dos trabalhadores, que desenvolvem conhecimentos tácitos pouco sofisticados, em atividades laborais de natureza simples e desqualificada e são precariamente qualificados por processos rápidos de treinamento, com apoio nas novas tecnologias e com os princípios da TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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aprendizagem flexível. Em resumo, a pedagogia da acumulação flexível tem como finalidade a formação de trabalhadores com subjetividades flexíveis, tanto do ponto de vista cognitivo quanto ético, por meio de educação geral complementada com capacitações profissionais disponibilizadas de forma diferenciada por origem de classe, que os levem a exercer, e aceitar, de forma natural, as múltiplas tarefas no mercado flexibilizado. Ser multitarefa, neste caso, implica exercer trabalhos disponibilizados pelo mercado, para os quais seja suficiente um rápido treinamento, a partir da educação geral, seja no nível básico, técnico ou superior. Para a maioria dos trabalhadores, significará exercer trabalhos temporários simplificados, repetitivos e fragmentados. 3. A formação de subjetividades flexíveis Além das novas aprendizagens promovidas pela dinamicidade do desenvolvimento científico-tecnológico que resultou na nova base técnica de natureza microeletrônica, o capital tem como desafio desenvolver novas subjetividades, flexíveis, que se submetam às novas formas de exploração do trabalho, agora predominantemente intelectualizado, para o que mobiliza novas formas de disciplinamento mediante processos ampla e especificamente pedagógicos, também denominados flexíveis. A seguir, serão apresentadas algumas das aprendizagens que os processos pedagógicos que integram as relações sociais e de trabalho, promovem. Essas aprendizagens derivam-se da negação da práxis como possibilidade de transformação, princípio que fundamenta as teorias pós-modernas. Do ponto de vista dessas teorias, o conhecimento é uma impossibilidade histórica, uma vez que ao pensamento humano é impossível apreender a realidade, porque está demarcado por diversidades culturais; assim, as interpretações são diversas, sendo verdadeiras apenas no contexto cultural que lhe deu origem. O que há são interpretações, narrativas atreladas à prática cotidiana, reduzindo-se o conhecimento à linguagem, do que decorre que a teoria se constrói mediante o embate de discursos intersubjetivos, ao nível da superestrutura; ou seja, pelo confronto de discursos, e não pelo confronto entre pensamento e materialidade. Essa afirmação, ao negar que o conhecimento TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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resulta da relação entre teoria e prática, entre trabalho intelectual e atividade, põe por terra a concepção de práxis. A partir dessa concepção, definem-se os contornos da subjetividade flexível, objeto dos processos pedagógicos de formação que visam a reprodução ampliada do capital; assim, no cotidiano das relações que os trabalhadores vivem no trabalho e na sociedade, vão se consolidando as novas aprendizagens que configuram o princípio educativo do trabalho na acumulação flexível. Sem a pretensão de esgotar a discussão, são apresentadas algumas dentre as que mais têm se destacado na nova pedagogia do trabalho. -

A relação com o conhecimento fundada no pragmatismo utilitarista: em que pese a acumulação flexível demandar a ampliação da escolaridade e a apropriação do conhecimento científico-tecnológico necessário à operação de processos e sistemas de base microeletrônica, essa relação se dá a partir da epistemologia da prática: só merece ser conhecido o que é útil, o que tem aplicabilidade imediata, fortalecendo-se uma relação meramente interessada com o conhecimento e com a cultura; o processo cognitivo plasma-se no interior de limites que se definem pela eficácia, pela manipulação do tópico e do imediato. O conhecimento limita-se à prática imediata e reduz-se à experiência sensível, aos limites do empírico enquanto fim em si mesmo, e não enquanto ponto de partida e ponto de chegada da produção do conhecimento na perspectiva da transformação. (Moraes, 2003);

-

O presentismo e a individualização: a negação da praxis enquanto possibilidade de transformação anula os projetos, as possibilidades, e a historicidade: o que vale é o presente. A experiência histórica é substituída pela experiência do momento; as organizações históricas e suas experiências acumuladas são substituídas pelo ativismo, onde a sensação do ineditismo nas ações voluntaristas torna-se a referência maior das escolhas das posturas e das posições políticas. (Debord, 2013); se não há história, não há valores, nem princípios ou fundamentos e não há futuro; só o presente, que deve ser vivido em sua completude; reforça-se o individualismo, reduzindo-se a sociedade à interação entre indivíduos e as relações sociais são reduzidas ao plano individual, a escolhas pessoais; consequentemente, não há teorias sociais, pois estas são ilusões que TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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disfarçam interesses particulares; em que pese o discurso sobre a complexidade, a totalidade passa a ser um recurso metodológico impossível, pois não há como estabelecer relações causais entre fenômenos sociais; -

A totalidade é substituída pela fragmentação: a relação com o

conhecimento mediada pelas novas tecnologias se caracteriza pela fragmentação caleidoscópica

propiciada

pelos

avanços

tecnológicos,

amplamente

disponibilizados em equipamentos de todos os tipos e preços; ao navegar no hipertexto, perde-se o foco e esquece-se do objetivo inicial com facilidade; desta forma, as informações, muitas de qualidade discutível tanto do ponto de vista científico quanto ético, se sucedem rapidamente; perde-se a capacidade de reflexão e de crítica, em nome do espetáculo; -

A homogeinização das identidades, resultante das novas formas de

controle exercidas pelo capital: o controle das massas se exerce pelo poder concentrado que impõe, pelas novas tecnologias de informação e comunicação, um padrão de valores que regulam toda a sociedade pela conformação de uma única identidade; assim, os valores são criados pelo poder (do capital), que apresenta como universal seus interesses particulares; induz-se a uma falsa liberdade de escolha pela superprodução de mercadorias cada vez mais tecnologicamente sofisticadas, cujo consumo também responde a padrões de comportamento favoráveis ao processo de acumulação; sob o discurso da heterogeneidade, do respeito às diferenças, esconde-se o processo de homogeneização cultural ( Debord, 2013); - A redução do real ao virtual, com a consequente redução da ética à estética, que conduz à banalização da violência: a integração de todos os tipos de mensagens em um padrão cognitivo comum, reduz a distância mental entre as várias fontes de envolvimento cognitivo e sensorial: “diferentes modos de comunicação tendem a trocar códigos entre si, criando um contexto semântico multifacetado composto de uma mistura aleatória de vários sentidos, programas educativos parecem videogames; noticiários são construídos como espetáculos audiovisuais, julgamentos parecem novelas (Castels, p. 394); o que a mídia reproduz é a verdade; os ídolos midiáticos definem formas de linguagem, posturas e padrões de consumo; a ética é substituída pela estética e o que atrai e motiva é a conjugação de movimentos, cores, formas e sons, integrados pelas TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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mídias de forma cada vez mais espetacular; a estetização da violência e a banalização das injustiça fazem parte da sociedade do espetáculo (Debors, 2013); - A banalização do esforço, a passividade cognitiva, a perda de interesse pela leitura, características cada vez mais presentes entre participantes de todos os níveis e modalidades educativas; aprender depressa e sem esforço, é o desejo permanentemente manifesto; para atendê-lo, desenvolve-se uma pedagogia mercantilizada que oferece opções de curta duração, baixo custo e reduzida qualidade, presenciais e à distância, onde o pouco esforço intelectual é recompensado com um certificado tão vazio de significado quanto incapaz de facilitar a inclusão; - A competitividade e o individualismo em substituição à solidariedade e ao trabalho coletivo: com a diminuição das possibilidades de acesso a ocupações qualificadas e formalizadas no mundo do trabalho a partir do caráter estruturalmente desempregador do regime de acumulação flexível, a par da precarização e da intensificação do trabalho submetido à lógica produtivista, a competitividade passou a ser uma das características definidoras da subjetividade flexível, em contraposição aos laços de solidariedade que marcavam as relações de trabalho na modernidade; junto com a competitividade, a crescente individualização do trabalho, com severos impactos no sofrimento do trabalho que levam, desde as mais leves patologias, ao crescimento dos índices de suicídio no espaço de trabalho; ao mesmo tempo, aumentam os índices de assédio moral, sempre em nome da produtividade; esse esgarçamento das relações de trabalho, segundo Dejour, resulta das novas formas de organização e gestão do trabalho segundo o paradigma toyotista, cujo objetivo é o aumento da produtividade a qualquer preço, como forma de assegurar a acumulação do capital; -

A naturalização da perda dos direitos trabalhistas a partir da

flexibilização da legislação trabalhista, que passa a reconhecer novas formas de acordo; no caso brasileiro, essas novas formas se objetivam na proposta de lei sobre a terceirização, em tramitação no Senado Federal, que poderá incluir as atividades-fim e que institucionaliza a precarização do trabalho, e à flexibilização da CLT em curso, que possibilita as negociações coletivas para tratar de temas como salário e extensão da jornada dos trabalhadores; com essas medidas, TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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fragiliza-se a dimensão protetiva e mediadora da Justiça do Trabalho, tornando os trabalhadores mais vulneráveis à exploração do trabalho; a ampliação da vulnerabilidade estimula a competitividade e a degradação da ética no trabalho, a resistência à intensificação do trabalho, à pressão e ao estresse; cada vez mais a vida pessoal se confunde com a profissional; ampliam-se os índices de adoecimento,inclusive pela negação dos sintomas pelo trabalhador, que teme ser demitido ao manifestar necessidade de tratamento; ou seja, a conformação da subjetividade flexível reforça, pelo trabalhador, a dimensão de artífice da própria exploração. 4. Para a reflexão: ainda existem espaços e processos formativos contra-hegemônicos? As novas aprendizagens que o trabalhador tem feito no trabalho, no âmbito do projeto pedagógico da acumulação flexível, trazem à tona a questão dos espaços formativos comprometidos com a crítica que objetive, a partir do desvelar da ideologia, a construção de um projeto contra-hegemônico, que aponte para a emancipação dos que vivem do trabalho. A dimensão que mais se evidencia nesse debate é que o trabalhador, cada vez mais precisará ter um amplo domínio sobre a ciência, sobre o trabalho e sobre a cultura, agora mediados por novas e diferentes formas de linguagem que se integram segundo os interesses da acumulação capitalista; esse domínio é necessário para que o trabalhador possa exercer a diferenciação crítica sobre seus usos e finalidades não explicitadas, assim como autonomia para trabalhar intelectual e eticamente, tarefa complexificada pelas formas desiguais de acesso ao conhecimento, à cultura e ao desenvolvimento de competências cognitivas complexas. A questão que se coloca é em que espaços essa formação poderá ocorrer. A primeira instância superestrutural responsável por essa tarefa é a escola; contudo, desnecessário se faz uma análise mais profunda para demonstrar a crescente invasão das escolas públicas pela lógica mercantil, orquestrada pelos setores empresariais com a anuência do Estado. Em decorrência, as diretrizes curriculares, em particular as do ensino médio e do ensino superior, têm passado por processos de flexibilização, tal como os processos de aprendizagem, apesar TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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dos acirrados enfrentamentos das entidades e movimentos comprometidos com os trabalhadores. (Kuenzer, 2016) Um bom exemplo dessa afirmação é a proposta de reforma de ensino médio, constante do PL 6840/2013, recentemente imposto à sociedade por Medida Provisória, com o apoio do MEC, das empresas e do Conselho de Secretários de Educação. A função formativa dos partidos de esquerda ficou praticamente neutralizada pelos problemas internos derivados de esquemas de corrupção, ampliados pelo interesse de desmobilização pelos partidos conservadores. Dentre os sindicatos mais aguerridos, muitos foram cooptados pelo projeto burguês, por razões que vão das necessidades de sobrevivência aos interesses individuais, econômicos e políticos, de seus dirigentes. Como agregar esforços e construir estratégias eficientes para enfrentar essa nova, e dura realidade, construindo novos espaços formativos orientados pelos interesses dos trabalhadores, é a questão que nos mobiliza, neste momento histórico. Referências Bibliográficas CASTELS, M. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo, 2013, eBooksBrasil.com HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1992, p. 135-140. KUENZER. A.A Pedagogia da Fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador. São Paulo, Cortez, 1985. _________. Educação profissional: novas categorias para uma pedagogia do trabalho. Boletim Técnico de Senac, Rio de Janeiro, v.25, n.2, maio/ago, 1999. _________. Conhecimento e competências no trabalho e na escola. Rio de Janeiro, Boletim Técnico do SENAC, v. 28, n.2, maio/ago., 2002, p. 8. _________. Competência como Práxis: os dilemas da relação entre teoria e prática na educação dos trabalhadores. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v.29, n.1, jan/abr., 2003. ________. Da dualidade assumida à dualidade negada; o discurso da flexibilização justifica a inclusão excludente. Educação e Sociedade, v28, p.11531178, 2007. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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KUENZER, A. Z; ABREU, C; GOMES, C. A articulação entre conhecimento tácito e inovação tecnológica: a função mediadora da educação. Revista Brasileira de Educação. Revista Brasileira de Educação, v. 12, p. 1-16, 2007. GRAMSCI, A. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978. MACHADO, Lucília. Qualificação do trabalho e relações sociais. In: Gestão do trabalho e formação do trabalhador. Belo Horizonte, MCM, 1996. MARX e ENGELS. A ideologia alemã. Portugal, Martins Fontes, s.d. MORAES. M. C. M. M. (org.) Iluminismo às Avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo, Atlas, 2001, p.41

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A FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES NA ESCOLA: ONDE ESTÁ O CENTRO DA DISPUTA? Eveline Algebaile1 Resumo Partindo da compreensão de que a formação dos trabalhadores na escola é um fenômeno mais amplo e complexo que a formação escolar dos trabalhadores, em sentido restrito, o artigo dá ênfase à necessidade de se tomar as relações escolares como objeto de conhecimento e ação. Nesse sentido, são discutidos, inicialmente, aspectos gerais da produção histórica da escola capitalista que determinam limitações estruturais para a formação dos trabalhadores, mesmo nos quadros nacionais em que as instituições escolares adquiriram material, funcional e pedagogicamente condições de realização mais favoráveis. Em seguida, são abordadas as especificidades da questão educacional no Brasil, em face de sua posição historicamente subordinada nas relações capitalistas, e são problematizadas as implicações dessas especificidades em termos da formação dos trabalhadores na escola. Por fim, são discutidos aspectos entendidos como decisivos para o entendimento e a disputa da formação humana e social que se dá na escala das relações escolares, formação que não diz respeito apenas aos filhos dos trabalhadores, mas a todos os segmentos de trabalhadores que participam da produção cotidiana da escola. Palavras-chave: Educação brasileira; formação escolar; classe trabalhadora. The formation of workers at school: where is the dispute center? Abstract Considering the comprehension that the formation of workers at school is a broader and more complex phenomenon than the school education of them, in restrict sense, the article emphasizes the necessity of take the school relations as object of knowledge and action. In this sense, it is discussed, initially, general aspects of the historical production of capitalistic school that determine structural limitations to the workers development/formation, even on the national scenarios where school institutions acquired material, functional and pedagogically, more favorable achievement ways. Afterwards, it is addressed the specificities of the educational issue in Brazil, in face of its position historically subordinate on capitalistic relations, and it is problematized the implications of these specificities in terms of the workers formation at school. At the end, it is discussed aspects that are considered decisive for the understanding and the dispute of the human and social formation which occurs in scale of the school relations, formation that does not concerns only to the 1

Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do Grupo THESE - Projetos Integrados de Pesquisas sobre Trabalho, História, Educação e Saúde – UERJ-UFF-EPSJV/Fiocruz. Procientista UERJ e Bolsista do Programa Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ.

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sons of workers, but to all the segments of workers that participate of the daily school production. Keywords: Brazilian education; school education; working class.

Introdução:

Formação

escolar

dos

trabalhadores

e

formação

dos

trabalhadores na escola: uma distinção necessária É possível que, em seu uso corrente, o termo “formação dos trabalhadores na escola” seja entendido como “formação escolar dos trabalhadores e de seus filhos”, implicando delimitações conceituais e empíricas que dão maior destaque a aspectos mais diretamente relacionados à efetividade do plano formativo da escola, e deixando parcialmente ocultos ou secundarizados aspectos cruciais para a apreensão da escola como um âmbito de realização cotidiana de relações cuja incidência formativa excede, em muito, a aprendizagem prevista e planejada. Esses dois termos, porém, designam objetos significativamente distintos, e o debate sobre as relações entre a formação dos trabalhadores e a escola requer que essa distinção fique minimamente clara desde o início. Assim, proponho que, nos limites deste artigo, o termo formação escolar seja entendido como aquele que designa principalmente o processo de formação sistemática planejado e realizado pela escola, envolvendo tanto a apreensão de conteúdos, práticas, comportamentos e habilidades previstos no plano formativo escolar, quanto a progressão escolar coadunada com essa apreensão. Definido deste modo, o termo não necessariamente deixa fora da discussão as condições materiais e funcionais da escola, ou os demais processos e relações que nela ocorrem; mas esses aspectos tendem a ser considerados a partir de seus nexos mais diretos com as atividades-fim da instituição escolar. Em sentido diverso, proponho que o termo formação na escola nos remeta a um plano mais amplo de abordagem das condições, relações e processos que, apesar de apresentarem nexos com o plano de ação formativa escolar, não se restringem a ele, fazendo da escola um âmbito vivo de relações que nos formam, por incidirem em nossos modos de ser, de sentir, de pensar e de agir no mundo, concorrendo, deste modo, para “sermos o que somos”. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Certamente, os dois termos, segundo as definições acima propostas, podem ser abordados em uma perspectiva crítica. O segundo, porém, de meu ponto de vista, é obrigatoriamente mais amplo e, no que diz respeito à dinâmica de produção histórico-social da escola e à sua compreensão e análise, precede o primeiro, ou seja, é histórica e estruturalmente precedente. É importante também observar que esses termos, assim compreendidos, delineiam dois ângulos válidos e importantes de abordagem da escola e dos processos formativos a ela vinculados, ângulos aos quais correspondem certos aspectos específicos que é preciso conhecer e problematizar. O que os diferencia fundamentalmente, porém, não é a suposta exclusividade de aspectos que seriam específicos de cada ângulo, mas as posições e os pesos que os variados aspectos tendem a ter nas análises realizadas num ou noutro caso, de modo que, no primeiro caso (formação escolar), tende-se a enfatizar o que é mais correntemente entendido como “próprio da escola”, enquanto que, no segundo caso (formação na escola), a atenção também se projeta, e com grande destaque, para aquilo que, não sendo formalmente “próprio da escola”, ou não constituindo imediatamente o que se considera ser seu núcleo de ações fundamentais, insiste em habitá-la, tornando-a “o que de fato é”, e não o que é formalmente previsto e definido sobre seu suposto “ser”. Como entendo que, na discussão sobre a formação dos trabalhadores, essas diferentes delimitações alteram significativamente o peso e a posição (de centralidade e de precedência) do que me parece ser crucial considerar, escolho não discutir a formação escolar, assumindo o risco de traduzir o tema da formação do trabalhador na escola em uma escala analítica mais ampla e, portanto, mais difusa. Essa escolha, por sua vez, obriga-me a orientar o tema para um quadro de apreensão da realidade no qual o termo formação precisa ser relacionado ao processo amplo ao longo do qual vamos nos tornando o que somos, um tornar-se que, como nos alerta Thompson (2002a, 2002b e 2004), tem também um irredutível componente de fazer-se. Isto não significa secundarizar a formação escolar nesse processo formativo; significa reconhecer que a escola participa da formação dos sujeitos para além, muito além, do plano formativo escolar, em sentido restrito, que ocorre sistemática e cotidianamente com o seu funcionamento. Significa TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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reconhecer, portanto, que o próprio plano formativo escolar tem sua forma real definida a partir das relações por meio das quais a escola se realiza. Assim, a escola que, nessa delimitação mais ampla, aparece como espaço de convívio cotidiano, revela-se como o lugar de uma experiência2 que participa de forma ampliada da nossa formação humana e social. E se queremos discutir “a formação do trabalhador na escola”, circunscrever nossas indagações à escala da formação escolar em sentido restrito é insuficiente; precisamos projetá-las na escala larga dessa experiência. Partindo dessas definições preliminares, busco discutir inicialmente, neste artigo, aspectos gerais da produção histórica da escola capitalista que determinam limitações estruturais para a formação dos trabalhadores, mesmo nos quadros nacionais em que as instituições escolares adquiriram material, funcional e pedagogicamente as mais favoráveis condições de desenvolvimento. Prossigo nessa discussão considerando as especificidades da questão educacional no Brasil, em face de sua posição historicamente subordinada nas relações capitalistas, e as implicações dessas especificidades em termos da formação dos trabalhadores na escola. Na sequência, problematizo aspectos que me parecem decisivos para avançarmos no entendimento e nas disputas dessa escala de formação, ou seja, a formação humana e social que se dá na escala das relações escolares e que não diz respeito apenas aos alunos, mas a todos os segmentos de trabalhadores que participam da produção cotidiana da escola. A escola e a formação dos trabalhadores no capitalismo: um acerto de contas com as ilusões Como mostram, por diferentes vias, as formulações de autores de perspectivas diversas, como Gramsci (2000a), Castel (1998), Donzelot (2001), Petitat (1994) e Varela (1991), a escola moderna não nasce como direito, mas como recurso estratégico de um Estado em constituição que, para firmar-se como instituição política em uma nova escala (a escala dos Estados nacionais) e segundo

2

Tomamos aqui o termo experiência conforme as formulações de Thompson, que a entende como uma categoria “que compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento” (Thompson, 1981, p.15).

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novas formas de legitimação do exercício de poder (fundadas em pressupostos racionais-legais), precisa desenvolver instituições que realizem com efetividade novas e mais complexas funções de dominação e controle da população e do território. Os sentidos de direito surgem gradualmente, conforme os diferentes segmentos sociais vão percebendo as incidências da escolarização sobre as condições individuais e coletivas de participação econômica, política e social, envolvendo alterações importantes nos modos de se apreender as mediações da escola não apenas em relação aos nexos entre o presente e o futuro, mas também em relação aos critérios e processos de diferenciação social. A emergência dos sentidos de direito não chega a transformar o caráter geral da escola capitalista, que segue historicamente consolidando suas funções de classificação e hierarquização social. Mas essa emergência instaura no próprio processo de produção da escola um núcleo de tensões extremamente importantes para os desdobramentos seguintes dessa instituição. A partir de então, e conforme o sentido de direito em relação à educação escolar se torna mais presente e elaborado, as funções propriamente capitalistas das instituições escolares não podem mais se realizar sem levar em conta as demais expectativas e suas condições de disputarem o próprio caráter geral da escola. De outro lado, se é verdade que, nesse processo, as funções tipicamente capitalistas da escola podem ser relativamente abaladas, é igualmente verdade que as tensões entre propósitos de dominação e sentidos de direito não se dão na forma de uma disputa binária entre duas forças homogêneas e completamente opostas. Ou seja, parte das estratégias de afirmação da hegemonia das funções de dominação sobre os sentidos de direito se dá exatamente a partir de formas de incorporação, transformismo e conversão das próprias noções de direito à educação, de modo a atenuar sua potência disruptiva e reforçar a manutenção da ordem de dominação. Assim, no curso da consolidação da escola como instituição social especializada nas sociedades capitalistas, a noção de direito à educação vem sendo historicamente incorporada e convertida, ainda que parcialmente e com oscilações e

contradições,

em um recurso

estratégico de legitimação,

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mascaramento, reabilitação e fortalecimento das funções de dominação e controle, de modo que as disputas pelo caráter da escola não se dão numa linha de guerra clara entre dominação e direito, mas num terreno difuso e pantanoso em que a própria noção de direito é incisivamente tensionada, distorcida e disputada de modo a fortalecer a supremacia da dominação. Um exemplo disto, do meu ponto de vista, pode ser percebido no uso persistente de uma noção positivada de universalização da escola nas lutas e debates relacionados ao direito à educação. As experiências de seguidas gerações e diversas formulações críticas clássicas – como as de Gramsci (2000a), sobre a “marca de classe” da escola, e as de Bourdieu (1998), sobre suas formas de reproduzir diferenças sociais – mostraram à exaustão que os processos de expansão escolar no modo de produção capitalista envolvem seguidamente os mais variados mecanismos de diferenciação por meio dos quais a propalada universalização da escola não se realiza como garantia do mesmo tipo de escola para todos. A análise da expansão da oferta escolar, nestes casos, mostra o quanto o nexo constitutivo entre universalização e diferenciação possibilita conjugar a expansão da escola com a manutenção de suas funções classificatórias. Malgrado a força esclarecedora desses estudos, uma concepção genérica de universalização – que não dá suficiente evidência aos componentes ideológicos que ajudam esse constructo a anunciar igualdade onde e quando desigualdades estão sendo recriadas – segue dominando os modos contemporâneos de apresentar os desafios e as conquistas fundamentais em relação à educação escolar. A frequência com que desigualdades escolares são tratadas como meras diferenças ou entendidas como algo decisivamente em vias de superação, fazendo parecer que toda e qualquer expansão da escola conta a favor da sua disseminação como direito, são um exemplo de enunciações da educação como direito vinculadas à incompreensão das funções hegemônicas reais não só da universalização como ideologia e da diferenciação como fato de estrutura, mas principalmente da relação de mútua constituição entre universalização e diferenciação, no capitalismo. Pois bem, o que essas enunciações domesticadas de educação como direito tendem a ocultar? Elas ocultam que não é o propósito real de plena universalização TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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(as mesmas possibilidades formativas escolares radicalmente para todos) o que move a história da expansão da escola. Ocultam que a diferenciação da escolarização não é um momento no processo de sua produção que tende a ser superado por meio de um automatismo do desenvolvimento histórico. Que o nexo constitutivo profundo, dialético, entre universalização (como ideologia e como fato, no que diz respeito à escolarização – diferenciada – de todos) e diferenciação (como a forma real de realização histórica da expansão e da cobertura territorial e populacional da escola) é o que constitui hegemonicamente o processo de disseminação da escola, como instituição social especializada, e da escolarização, como processo de institucionalização dos indivíduos, grupos e classes, sob o capitalismo. Essa ocultação é o que em parte viabiliza, por pelo menos um século, nos países capitalistas, mesmo no caso das nações econômica e politicamente periféricas, que a escola chegue a todos (ou tenda decisivamente nessa direção) sem que seja abalada sua capacidade de alocar diferenciadamente, na vida econômica, política e social, as classes, frações de classes, grupos e sujeitos.3 Portanto, ainda que a plena cobertura populacional e territorial da escola prossiga, em países como o Brasil, como um problema concreto central para a configuração da educação como direito, não há dúvida de que a questão educacional – ou seja, o modo como uma sociedade se interroga a respeito da educação como direito – precisa ser decisivamente relacionada ao desafio da unitariedade das condições de realização da escola e da escolarização, unitariedade de condições que não deve ser vista apenas como propósito objetivo de políticas, mas, antes, como uma espécie de critério de análise das condições atuais de realização da escola que nos possibilita problematizar o mais radicalmente possível as relações cotidianas vigentes na escola que temos. Retornarei a essa questão, adiante, ainda que sem a profundidade e clareza desejada, para indicar aspectos de sua discussão e prática que me parecem centrais no debate sobre a formação dos trabalhadores na escola, hoje. Voltando, por ora, à questão dos nexos constitutivos entre universalização e diferenciação, retomo a observação de que a compreensão dos sentidos profundos do movimento hegemônico de produção da escola, e das suas incidências sobre a 3

Uma discussão mais detalhada sobre o modo particular como a diferenciação formativa persiste e se renova como meio por excelência de realização da universalização da escolarização, no Brasil, pode ser encontrada em Rummert, Algebaile e Ventura (2012).

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formação do trabalhador, requer a percepção de que parte de sua efetividade depende de que a diferenciação não seja percebida segundo seu peso, posição e funções hegemônicas reais nesse processo. Evidentemente, a forma como se realiza a diferenciação ao longo da história e as feições por ela assumidas variam conforme as condições de formação de cada sociedade. Por exemplo, ela tende a formas sutis de diferenciação da formação escolar, na França, e a formas aberrantes de diferenciação da escola e da escolarização 4 no Brasil. E, como um desdobramento inevitável disto, a percepção da diferenciação e do seu caráter na produção geral da escola também varia de sociedade a sociedade, sendo igualmente variadas as formas de sua dissimulação. Em casos como o da França, a não percepção da diferenciação formativa efetivamente realizada pela escola, evidenciada por autores como Bourdieu (1998) e Sirota (1993), dependeu de uma impressionante padronização da oferta escolar e da escola como instituição, envolvendo todos os seus elementos materiais, funcionais e pedagógicos, inclusive o trabalho docente, o regime de trabalho e a remuneração

do

professor.

Assim,

a

diferenciação

formativa

se

deu

fundamentalmente no interior do próprio sistema, das redes de escolas, dos programas formativos etc., mas em elementos sutis por meio dos quais os nexos entre a escola e as relações sociais dominantes são renovados e aprofundados, como os reforços ou desestímulos quase subliminares dos professores em relação ao uso da palavra em sala de aula por parte de crianças de famílias vinculadas a diferentes categorias sócio-profissionais dos pais (SIROTA, 1993), ou como os desencorajamentos em relação aos caminhos de prosseguimento nos estudos, ocultos ao ponto de serem percebidos como escolha do destino pelos próprios sujeitos (Bourdieu, 1998). Em sentido contrário, no Brasil, como podemos ver em estudos clássicos como os de Beisiegel (1974) e Frigotto (2001), e como buscamos mostrar em trabalhos anteriores (Algebaile, 2009 e 2013), a diferenciação das condições materiais e funcionais das escolas, bem como das vias formativas que compõem concretamente a escolarização, envolvendo incisivamente os mais variados

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Com evidentes desdobramentos em termos de diferenciação da formação escolar. Mas me parece fundamental identificar que, neste caso, as variações nas condições materiais e funcionais das escolas, bem como nas vias formativas que compõem a oferta de escolarização, são aspectos precedentes (histórica e estruturalmente) com peso decisivo.

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aspectos objetivos e subjetivos, foi mantida com impressionante centralidade e segundo uma dinâmica de permanente renovação, acompanhando um processo simultâneo de intensificação e diversificação da diferenciação social. E é fundamental destacarmos aqui que essa forma de diferenciação – que tem como elemento histórico e estrutural precedente a brutal desigualdade dos prédios, dos recursos materiais, do financiamento, dos cursos, das jornadas escolares, das possibilidades de prosseguimento nos estudos, das formas de composição das equipes de trabalho, da remuneração profissional, dentre uma infinidade de aspectos que acabam por constituir as condições objetivas e subjetivas de realização da escola – não tem repercussões problemáticas apenas na formação escolar, em sentido restrito. Tem um efeito formativo igualmente problemático sobre todos aqueles que participam regularmente da realização da escola: profissionais, alunos, familiares, representantes comunitários, etc., pois tende a atingir as possibilidades de compreensão, formulação e atuação coletiva sobre os problemas materiais, funcionais, pedagógicos e políticos da escola, fomentando individualismo e concorrência onde e quando deveriam prevalecer noções e orientações compartilhadas; defesas corporativas onde e quando deveriam prevalecer projetos de agregação em torno de objetivos comuns; hierarquização onde e quando deveria predominar ao menos a tentativa de alguma horizontalidade. Esse quadro decisivamente não unitário de realização da escola, portanto, cria dificuldades correspondentes de compreensão sobre as incidências da experiência escolar na formação da classe trabalhadora, com evidentes repercussões sobre os projetos e as ações comprometidas com transformações. Assim, não é por acaso que as proposições de reforma educacional focadas na “correção” do professor e nas mudanças curriculares são as medidas de primeira hora propostas por inúmeros governos. Também não é por acaso que a atuação de parte dos sujeitos da escola tenda a discrepar, às vezes fortemente, com aquilo que eles pensam ou dizem pensar sobre as formas adequadas de ação. Isto ocorre porque as condições problemáticas e desiguais de realização da escola erodem cotidianamente as possibilidades de produção dos acúmulos coletivos necessários para que os diversos segmentos que atuam cotidianamente na realização da escola consigam pensar estrategicamente o que são, o que querem e como devem TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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proceder para consegui-lo, e, na ausência de análises e programas próprios bem consolidados, as interpretações e programas que se projetam sobre a superfície dos problemas pautam com maior facilidade o debate a ação. Não são poucas nem frágeis as formulações críticas que perceberam a centralidade desse problema. Mas creio ser suficiente trazer aqui um pouco das observações de Florestan Fernandes feitas a partir de sua intensa participação nos processos de elaboração e discussão de duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do capítulo sobre educação na Constituição Federal de 1988, observações empenhadas em mostrar que nossas expectativas de mudança não deveriam se circunscrever às conquistas jurídicas ou às ações governamentais. O importante, hoje, não é o que a nova lei poderá fazer para acabar com os vestígios de uma pedagogia às avessas, pervertida. É o que ela poderá ser para gerar, a partir de nossos dias, uma educação escolarizada fincada na escola e nucleada na sala de aula. Não basta remover os “excessos” de centralização, que substituem a relação pedagógica pela relação de poder. É preciso construir uma escola auto-suficiente e autônoma, capaz de crescer por seus próprios dinamismos. Conferir à sala de aula a capacidade de operar como o experimentum crucis da prática escolar humanizada, de liberação do oprimido, de descolonização das mentes e corações dos professores e alunos, de integração de todos nas correntes críticas de vitalização da comunidade escolar e de transformação do meio social ambiente. (Fernandes, 1989, p.23)

Não é nada fácil “construir uma escola auto-suficiente e autônoma, capaz de crescer por seus próprios dinamismos”. Uma das dificuldades centrais, neste caso, reside no próprio fato de que a diferenciação intensa nas condições de sua realização produz distâncias importantes entre os e no interior dos diferentes segmentos (profissionais, alunos, responsáveis etc.) presentes no campo ampliado das relações (inevitavelmente formativas) que tecem a experiência escolar, posicionando-os em ângulos e momentos diferentes no que diz respeito às suas expectativas em relação às políticas educacionais, à escola, ao trabalho e à formação escolar. E nesse quadro, em que as diferenças de condições objetivas e subjetivas são tão variadas e intensas, torna-se muito difícil discernir quais são os elementos

fundamentais

das

lutas,

em

que

medida

eles

podem

ser

estrategicamente hierarquizados, quais podem efetivamente constituir o núcleo de

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questões comuns capazes de agregar sujeitos em torno da constituição de lutas coletivas. Daí a necessidade de tomarmos essas diferenciações, na sua multiplicidade, como o fundamental objeto de estudo e intervenção em relação à formação dos trabalhadores, entendendo que a diferenciação da escola e a diferenciação da formação escolar que dela resulta não são um “estado” exterior aos sujeitos que possa ser superado por meio de políticas pontuais; são, antes, um fato de estrutura que incide sobre os sujeitos, formando-os como força social (constituída por fracionamentos relevantes) e, desse modo, condicionando suas possibilidades reais de se constituírem como uma força política capaz de se sobrepor aos fracionamentos que fragilizam suas possibilidades de atuação. Nos quadros histórico e atual de realização da escola, no Brasil, os segmentos acima identificados – profissionais, alunos, familiares, grupos comunitários – podem conseguir se tornar uma força política orientada para a disputa das grandes questões do campo educacional, como verificamos no movimento histórico da constituição dos sindicatos docentes e nas lutas dos trabalhadores por escola e por educação, incluindo-se aqui obrigatoriamente com destaque o movimento estudantil que, dentre outras lutas, vem nos brindando mais recentemente com o surpreendente e avassalador movimento de ocupação das escolas. Mas, como claramente mostra Gramsci (2000b e 2002) em suas discussões sobre as forças sociais e políticas e seus processos de constituição, a persistência e intensificação das lutas de cada uma dessas forças, ao ponto delas produzirem em si próprias sucessivas modificações, depende de que elas não se mantenham como forças específicas, mais mobilizadas por questões de provisão ou por problemas corporativos do que pelas questões de grande política, obrigatórias para que haja efetiva disputa dos rumos da escola. Portanto, o aspecto fundamental na discussão sobre a relação entre a diferenciação da escola e a formação dos trabalhadores na escola não diz respeito apenas aos seus efeitos em termos de formação escolar. O aspecto fundamental é que a diferenciação é, em si, um mecanismo de formação, em sentido ampliado, que incide sobre nós de variados modos: plantando ilusões que atenuam e domesticam nossas lutas, fazendo-nos aceitar, reivindicar ou até mesmo propor (!) projetos mais coadunados do que percebemos com a escola estruturalmente TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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desigual; dispersando-nos em problemas corporativos e dificultando as formas de agregação sem as quais professores, alunos, pais de alunos, demais profissionais etc. não desenvolvem como acúmulo coletivo as condições objetivas e subjetivas necessárias para disporem sobre a produção de um novo tipo de escola, de trabalho escolar, de formação escolar, intervindo de forma decisiva nessa produção. Sobre as possibilidades de uma formação de novo tipo na escola Se aceitarmos como válido o quadro de problematização até aqui apresentado, a questão das posições dos sujeitos nas relações escolares se coloca como central em qualquer discussão sobre a formação dos trabalhadores na escola, e isto tem implicações importantes para as pautas de estudo, de lutas e de ação desses sujeitos. De fato, se a diferenciação escolar produz, para além de pontos de chegada desiguais, posições desiguais e dispersões que, desde o presente, impedem que os sujeitos mais diretamente vinculados à realização cotidiana da escola possam sobre ela dispor, um ponto de partida fundamental para o enfrentamento dessa condição desigual situa-se estruturalmente antes da formação escolar, em sentido restrito, ou seja, situa-se na formação mútua e em escala ampliada dos sujeitos que atuam na realização cotidiana da escola. E esse é um âmbito de formação que só pode sinalizar possibilidades transformadoras se forem instauradas experiências coletivas que, contrariando o fracionamento e hierarquização dos sujeitos, favoreçam a identificação e construção de aproximações, de objetivos comuns e de solidariedades capazes de fazer fermentar, por seus próprios dinamismos, projetos contra-hegemônicos de escola. Tudo o que foi observado até aqui reforça, assim, a ideia de que lutas decisivas por uma formação escolar de novo tipo para os trabalhadores não se situam, imediatamente, no próprio plano da formação escolar, em sentido restrito. O núcleo de difusão dessas lutas se situa num âmbito bem mais complexo, no qual a escola se realiza cotidianamente como espaço de formação coletiva ampliada. Não quero, com esta proposição, negligenciar ou desqualificar a discussão mais propriamente pedagógica relativa ao trabalho formativo da escola, mas TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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defender que esta tende a se manter como uma questão de superfície se não enfrentamos com maior radicalidade a questão das relações por meio das quais a escola se realiza cotidianamente como um âmbito de formação ampliada de todos que dela participam. Como alerta Thompson (2004, p. 10), “não podemos ter amor sem amantes”, o que significa dizer que não há mudança fundamental na formação escolar que prescinda da formação daqueles sujeitos coletivos capazes de fomentá-la, definila, conduzi-la e, desse modo, realizá-la. E, assim como não há amor realizado por quem está fora da relação amorosa, o único sujeito coletivo capaz de realizar essa escola de novo tipo é aquele constituído pelos segmentos que efetivamente participam de sua feitura cotidiana, como os alunos, os responsáveis, os profissionais e os representantes comunitários. Isto faz com que as condições atuais de realização da escola sejam um objeto primordial de estudo e de ação política, de modo a fomentarmos formas de relações que possam contrariar aquilo que nos tornamos ao sermos expostos à escola fragmentada e desigual. Parece fundamental, neste caso, ampliar e coletivizar os estudos sobre as cisões internas da escola que parecem resultar dos atravessamentos entre nossa histórica diferenciação e as desagregações mais recentes (promovidas pela nossa ordem

social

desigual

e

por

políticas

educacionais

que

intensificam

fracionamentos) entre os alunos e suas famílias e os profissionais da educação, entre estes e os demais profissionais atuantes hoje na escola, e entre esses diversos segmentos, uns em relação aos outros. De outro lado, parece igualmente fundamental ampliar o debate sobre as formas mais recentes de resistência e luta que vêm afirmando a emergência de sujeitos políticos de novo tipo, capazes de colocar a luta por escola e por educação em um novo patamar histórico. Refiro-me aqui mais diretamente ao movimento de ocupação das escolas, ao longo do ano de 2016, que, de meu ponto de vista, está se constituindo como um dos principais movimentos, em nossa história, de abordagem da questão educacional como questão de grande política. Não tenho como tratar de forma aprofundada esta questão nos limites deste artigo, mas creio ser fundamental registrar a importância política e formativa desse movimento, no atual contexto. Observe-se, neste caso, o quanto esse movimento representa TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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inovações e potências que, apesar de ainda não poderem ser avaliadas em termos de seus impactos e desdobramentos, podem e devem ser reconhecidas tanto por sua forma original (um movimento por educação fincado na escola e efetivamente protagonizado pelos sujeitos de direitos, com destaque para o peso decisivo dos alunos da educação básica) quanto por sua escala de realização (já que se realiza em escala nacional). É preciso disputar incisivamente as possibilidades de conversar sistemática e regularmente sobre isto na escola e em todos os demais espaços de discussão sobre políticas públicas, conquistando o maior número possível de pessoas para essa conversa e apostando na constituição de práticas que ajudem a nos deslocar das posições fracionadas e hierarquizadas em que fomos colocados e que não raramente são por nós naturalizadas ou reforçadas. Conversas e práticas que nos coloquem de novos modos em relação à desagregação da experiência escolar de alunos e pais de alunos, promovida pelas políticas de aceleração de aprendizagem, pelos programas diversificados de formação que acontecem por dentro e por fora da escola, pelos novos fracionamentos entre formação geral e formação profissional, dentre outras medidas. Que nos coloquem de novos modos em relação à desagregação dos profissionais da educação devido às políticas de responsabilização, às variadas medidas que concorrem para a diferenciação de posições profissionais, salários e regimes de contratação dentro de uma mesma escola, bem como às práticas de não consagração do tempo de trabalho escolar ao trabalho coletivo. É preciso conversar sobre o “repovoamento” profissional da escola no contexto de difusão de políticas e programas sociais vinculados à escolarização, identificando as novas hierarquias e intervenções na escola feitas por essa via, mas também nossas dificuldades em ressignificar isto, indagando sobre as possibilidades de apreendermos a nova configuração dos quadros profissionais vinculados à escola como oportunidade de uma experiência interdisciplinar que altere o ponto de partida de cada profissão isolada, que abale seus corporativismos e invista os diferentes segmentos da tarefa de experimentar, fortalecer e fazer contar a favor da escola essa oportunidade contraditória de um olhar reconstruído pela experiência compartilhada.

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Quem sabe daí consigamos discutir sobre o que fazemos e o que podemos fazer em relação às frações do tempo escolar possíveis de serem fecundadas pelo trabalho associado. O maior desafio de pensamento e ação em relação à formação dos trabalhadores na escola se situa no plano das relações reais entre os diferentes segmentos que atuam cotidianamente na produção da escola. Sem a conversa e a prática sistemática e regular sobre isto – sobre o que nos tornamos sob as condições de trabalho e estudo que nos legaram, e sobre o que podemos nos tornar quando interferimos cotidianamente nessa realidade, disputando sua forma, seu conteúdo e seus sentidos –, não desenvolveremos formas mais claras de entender, falar e dispor coletivamente sobre essa realidade escolar que nos assola e assujeita, fazendo com que, mesmo capazes de discutir brilhantemente a escola, mantenhamo-nos incapazes de tocá-la. A rigor, uma escola capaz de “crescer por seus próprios dinamismos” jamais surgirá como resultado direto de uma política estatal. Ela só poderá crescer desse modo se, nela, a classe trabalhadora estiver, como lembra Thompson (2004), “presente em sua própria formação”. E isto implica produzir, de algum modo, certamente contra a correnteza, as possibilidades de que a escola e a sala de aula operem como um “experimentum crucis” em todos os segmentos envolvidos com a sua feitura cotidiana, aproximando o que está disperso e hierarquizado, coletivizando o que está segmentado, construindo pontos comuns capazes de confrontar as relações concorrenciais a todo dia replantadas. Por isso, a formação dos trabalhadores na escola é, para nós, profissionais da educação, um dos mais espinhosos e, no entanto, um dos mais fundamentais desafios. Porque, na escola, a formação dos trabalhadores, a cada dia e por longos anos para todos nós, ocorre como uma experiência simultânea de formação escolar, de “formação no trabalho” e de “formação nos movimentos sociais”. Este lugar – a escola – é isto, e é por essa sua condição que o centro de sua disputa não está apenas na sua especialidade, mas, antes, nesse ponto ímpar de atravessamento, simultaneidade e mútua produção de experiências formativas. Ou nos damos conta disto e nos jogamos de corpo e alma nesse âmbito de formação coletiva a partir do qual a escola se define, ou passaremos mais 100, 200, 500 anos discutindo e tentando intervir na formação escolar enquanto ela nos escapa. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO: UMA RELAÇÃO FECUNDA1 Social Movements and Education: A Prolific Relation Sandra Luciana Dalmagro2 Resumo O artigo versa sobre a formação humana gerada nos Movimentos Sociais, em particular no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, tendo por base revisão de literatura sobre o tema, bem como estudos anteriores e experiências da autora junto a Movimentos Sociais. Parte-se do entendimento de que a educação não se descola da base material e do conjunto social no qual se encontra, e que, portanto, mudar a educação é mudar a realidade mesma. Os Movimentos Sociais são expressão das contradições sociais ao mesmo tempo em que são portadores de futuro. Neste sentido, dão base à educação que se distancia da perspectiva burguesa, tateando em seu interior novas relações. Na atualidade vê-se a crescente concentração da riqueza e do poder, mas também a pulverização de lutas, coletivos e movimentos que de diferentes formas questionam as estruturas sociais e educacionais vigentes, lançando esperança em tempos sombrios. O MST é um importante Movimento Social para pensar a atualidade pois questiona a propriedade privada dos meios de produção, ensaiando novas formas de produzir a vida em seu interior, abrigando uma multiplicidade de temas, processo este formador da consciência social. O MST e os coletivos em emergência na atualidade indicam que os Movimentos Sociais e a educação são tão históricos quanto as sociedades e relações que os engendram. Palavras-chave: Movimentos Sociais; Trabalho; Educação; Lutas Sociais; MST. Abstract This article is about the human formation generated from the Social Movements, specially the one on the Landless Workers Movement. This article has literature review about the subject as well as previous researches and experiences from the author together to Social Movements. The article comes from the understanding that education doesn´t occur apart from the material basis and from society in wich is in. Therefore changing the education is to 1

Texto escrito a propósito da mesa intitulada “A formação dos trabalhadores no espaço de trabalho, de moradia, na escola e nos Movimentos Sociais”, realizada no III INTERCRÍTICA – Intercâmbio Nacional dos Grupos de Pesquisa em Trabalho e Educação da ANPED, Curitiba, setembro de 2016. 2 Professora do Centro de Ciências da Educação da UFSC. sandradalmagro@yahoo.com.br

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change the reality itself. The Social Moviments are the the expressions of social contradictions and at the same time bringing a new time.They give the basis to a education which gets far from the dominant perspective, building new relationships. Nowadays its touchable the increasing wealthy concentration and Power, but also the social struggle`s pulverization, collective and movements that from different formats questionate the educational and social structures in force, giving some hope in dark times. MST is an important social moviment to think the the present moment due to its questionings about private property in the production ways, reharsing many forms to produce life in itself, covering a range of topics. This process is responsable for social conciousness. MST and the collectives in emergency presently show that Social Moviments and the education are so historical as the societies and the relationships that engender themselves. Key–Words: Social Movements; Work; Education; Social Struggles; Landless Workers Movement.

Introdução Pensar a formação dos trabalhadores e em particular a formação gerada nos Movimentos Sociais é pensar a realidade mesma, uma vez que a base na qual nos educamos coincide com aquela em que provemos nossa existência. Este texto pretende sustentar a tese de que nossa educação provém do meio em que vivemos, das relações que estabelecemos e que, portanto, mudar a educação é mudar a realidade social. Os Movimentos Sociais são expressão dos limites e das contradições da sociedade atual e são, portanto, profundamente educativos uma vez que por sua atuação simultaneamente questionam as estruturas sociais e a educação delas proveniente, oferecendo pistas para novas formas de organização da vida social e da educação. O texto começa com alguns apontamentos breves acerca da realidade atual para então pensar a questão educacional tendo por base o materialismo histórico dialético. Na sequência, refletimos a questão educacional tendo por referência um movimento social específico, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Por fim agregamos elementos dos protestos, movimentos e coletivos que emergiram nos anos recentes, considerando que estes não apenas apontam as contradições do presente bem como contém indicações sobre o futuro.

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Não é o propósito deste texto realizar uma análise da estrutura social na qual nos encontramos ou uma análise da conjuntura nesta fase imperialista do capital (FONTES, 2010, HARVEY, 2014), porém não podemos nos furtar de aí enraizar nossa análise acerca da formação humana e do sentido dos Movimentos Sociais pois este é o meio que os gera, para ou contra o qual se dirigem e onde reside portanto a possibilidade de melhor explicá-los. Faremos portanto, brevemente alguns apontamentos. Segundo dados da FAO3, em 2010 ultrapassamos a marca de um bilhão de famintos no globo, o que entra em franca contradição com o desenvolvimento de poderosas formas produtivas. As condições de moradia e saneamento de imensas parcelas da população mundial são igualmente graves. Segundo Davies (2006), em países pobres como Bangladesh, Etiópia e Sudão a porcentagem da população vivendo em favelas ultrapassa a 80%; no Brasil são 51,7 milhões de pessoas, 36,6% dos brasileiros. O desemprego é fenômeno estrutural e global, a atingir países ricos ou pobres, cidade e campo. As populações indígenas e tradicionais são continuamente expulsas de suas terras ou impossibilitadas de nelas subsistir. Segundos da CPT (2015) só em 2015 no Brasil foram registrados 1.227 conflitos por terra, água e relações degradantes de trabalho no campo envolvendo mais de 800 mil pessoas. Em âmbito internacional guerras são promovidas submetendo países inteiros a esta lógica, produzindo milhares de famintos, despatriados, vítimas da violência, gerando uma das maiores migrações em massas em pleno século XXI. Mulheres, jovens, crianças, negros e idosos são força de trabalho ainda mais barata e precarizada, além de vítimas mais freqüentes de todo tipo de violência. Os agrotóxicos envenenam a comida dos humanos e o meio ambiente, mas engordam as receitas das empresas que os produzem. Tornase mercadoria a educação, a saúde, a água, as sementes, o conhecimento. Nada parece escapar à lógica do mercado, como já anunciara Marx (1999). No caso brasileiro, a precarização da escola pública e a propriedade dos meios de comunicação de massa entre as elites são condições indispensáveis para manutenção deste sistema, uma das sociedades mais desiguais do mundo. Com tantas e tamanhas contradições, o controle ideológico e da informação são cada vez mais necessários, o que não dispensa, claro, o uso 3

Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

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da força. Nos dois casos temos muitos exemplos como o Projeto de Lei “Escola Sem Partido”, a condenação jurídica das greves e a violência policial aos que denunciam e se manifestam contra esta situação. O capitalismo mundializou-se, a riqueza e o poder se encontram concentradas em cada vez menor número de pessoas ou corporações, enquanto a população de todos os continentes e países vai sendo submetida a esta lógica. 1% da população mundial concentra tanta riqueza quanto os 99% restantes4, o que fora o principal mote dos protestos conhecidos como Ocuppy iniciado em Wall Street em 2011 e que se espalharam por boa parte do mundo. Como conseqüência desta centralização temos estabelecido, ainda que sem reconhecimento oficial, mas na prática, um “governo do mundo”, comandado pelos que controlam a economia global e articulam-se em torno dos grandes bancos e agências internacionais. Para Harvey (2014), a espoliação dos recursos naturais de nações e povos torna-se imprescindível para continuar a acumulação de capital, impondo aos países e às suas populações suas regras e leis, as quais cada vez mais se colocam em direção contrária aos interesses soberanos das nações e às necessidades de sobrevivência digna de sua população. Neste sentido, é cada vez mais transparente que vivemos em um mundo que opõe os interesses de um seleto grupo de super ricos contra o conjunto da população mundial. A concentração da riqueza que já fora tão admirada e desejada inclusive pelos que não a tinham, tem passado a ser denunciada e condenada moralmente, como atestam o crescimento dos protestos contra o sistema do capital ao redor do globo. Se o capital possui enorme poder de controle sobre o mundo, numa demonstração de sua força, eis que aí também se encontra sua fraqueza. Expressão das contradições, talvez como em nenhuma outra época existam tantas mobilizações, coletivos e organizações os quais atuam nos mais variados temas e lugares (HARVEY et all, 2012; MARICATO el all, 2013; CAROS AMIGOS, 2016). Ambientais e alimentares, por moradia e transporte, na comunicação e jornalismo, nas artes e na cultura, sem terra e sem teto, por 4

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160118_riqueza_estudo_oxfam_fn. Acesso em 9/9/2016 as 10:51. O site afirma ainda que 62 pessoas mais ricas do mundo acumulam o equivalente à riqueza dos 50% mais pobres da população mundial, indicando uma concentração de riqueza impressionante e galopante considerando que em 2010, o equivalente à riqueza da metade mais pobre da população global estava na mão de 388 indivíduos.

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creche, escola e saúde pública, de mulheres, negros e de orientação sexual, na música e na internet, de estudantes e operários. A pulverização de temáticas que parece não comportar unidade, não teria por base uma mesma realidade social cada vez mais controlada, homogeneizada e mercantilizada? A luta pela diversidade não seria expressão de que vivemos num mundo cada vez mais homogêneo?

(JAMESON,

2006).

A defesa

do

direto

de

expressão,

comunicação e informação independentes não indica a concentração dos mesmos? Defendemos os direitos de trabalhadores, mulheres, negros, homossexuais e migrantes, enfim, os direitos humanos porque estes se encontram ameaçados? A realidade social desenrola-se contraditoriamente. O capitalismo gera o seu contrário, a luta por sua superação. A outra face da concentração da riqueza e do poder, e sua conseqüente padronização cultural é, neste momento da história, o sem número de lutas, organizações, coletivos e movimentos dos mais variados tipos, formas de organização e ação. A variedade de propósitos, formas de articulação, mobilização e táticas de ação torna a expressão Movimento Social imprecisa. Para evitar a indefinição, tomamos a indicação de Kula (1977), para quem Movimentos Sociais são aqueles que fazem a contestação da sociedade vigente, portanto, aqueles que lutam por transformação nas estruturas sociais. O termo movimentos sociais foi criado nos anos 1840 por Von Stein, sociólogo e economista alemão, para analisar o mundo urbano-industrial e refere-se às ações coletivas de um determinado grupo organizado que visa alcançar mudanças na sociedade. Neste sentido pensamos que os movimentos captam o sensível da sociedade, expressam seus limites, suas necessidades de mudança, dão pistas do futuro, portanto, também são férteis para pensar a educação. Formação humana: de onde vem nossa educação? Nascemos da espécie homo sapiens sapiens, mas precisamos aprender a ser homens (Figueira, 1985). Aprendemos no meio em que vivemos, nas relações que estabelecemos. A educação não se descola da vida real, ela se processa na vida real e esta tem por fundamento a produção da existência, o trabalho. Para Marx (1987), o determinante ou a centralidade da formação do TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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homem e de seu processo de conhecimento encontra-se na atividade humana, no trabalho, na práxis. Diferentemente de idealistas e empiristas para quem o homem aprende pela razão ou pelos sentidos, Marx joga a centralidade para o terreno da história, para a atividade humana que molda a razão e os sentidos. Para Suchodolski (1976), Marx se opôs às correntes idealistas que compreendiam o homem como dotado de uma essência inata e imutável, mas também criticou o empirismo, ainda que o considerasse um avanço em relação à teoria metafísica tradicional da essência, uma vez que, para aquele, não se poderia atribuir nenhum apriorismo ao homem, este era uma tábua rasa. Para o empirismo, o ser do homem advém do ambiente cujos sentidos humanos são capazes de captar. Marx critica essa perspectiva, considerando-a de caráter antissocial e metafísica. Para Suchodolski, não se trata de modo nenhum de uma ponte secreta que através dos sentidos ponha em comunicação dois mundos opostos – o mundo dos homens e o mundo das coisas. Tratase de uma relação de mútuo contacto e de mútuo condicionamento, de uma relação de criação e transformação recíproca (1976, p. 16).

Marx demonstra nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos (1987) que a formação dos sentidos humanos é trabalho de sucessivas gerações. Os órgãos humanos possuem a capacidade de ver, ouvir, falar, sentir, mas o que vêem, ouvem, falam e sentem é produto social e histórico Os sentidos humanos ensinam sobre o mundo objetivo, mas são formados por este mundo. As correntes pedagógicas sensualistas destacam o papel do ambiente na educação, mas ignoram o papel da ação humana nesse ambiente, assim, a mudança pela educação do ambiente se torna impossível. Lukács (1967) indica que autores burgueses, já no início do século XX, pretendiam salvar a integridade da pessoa humana, contra a retaliação sofrida no processo de trabalho, sem, no entanto, alterar esse processo. Incorrem assim numa crítica moral, abstrata ou na utopia. Esta última, para Mészáros (2006) é “inerente a todas as tentativas que oferecem remédios puramente parciais para problemas globais” (p. 270). Resulta deste processo que se deviam transformar, não as relações sociais, mas a maneira de conceber a existência individual e o ideal, causas destas contradições (SUCHODOLSKI, 2002, p. 98).

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Ressalta-se portanto, a indissocialibilidade entre vida e educação. Viver é o mesmo processo de educar-se, ao produzir a vida produz-se a educação do homem, a forma como produz sua existência diz do processo educativo. A educação é inerentemente social e fundamental à existência humana e “não um processo mais ou menos inútil do qual a sociedade possa prescindir” (FIGUEIRA, 1985). Para este autor, o processo educativo consiste, em última instância, em transformar os indivíduos de um determinado grupo social em participantes de tal sociedade, isto é, comungando o modo de vida, os valores e as relações socialmente vigentes. O objetivo da educação é a inserção social, não de uma forma qualquer, mas de uma forma social, histórica. Precisamos aprender a viver numa sociedade determinada. A educação não é, desta forma, uma abstração, mas produto de relações concretas. Há portanto, para cada época histórica “aquilo que é mais apropriado para se aprender e para se ensinar. Uma época determinada não ensina uma qualquer coisa, um corpo qualquer de saber. Ensina aquilo que pode e deve ensinar” (FIGUEIRA, 1985, p.13). O ensinar nasce, portanto, “com as relações reais dos indivíduos” (idem p. 14). Mészáros (2005, p. 25), ao apontar os vínculos dos processos educativos com os processos de reprodução social, conclui que o sistema educacional só pode sofrer mudanças profundas com uma transformação correspondente no interior de um quadro social em que tais práticas educacionais se inserem. Para Manacorda (2007), o homem plenamente desenvolvido está situado em Marx, num quadro em que a totalidade das forças produtivas é dominada pela totalidade dos indivíduos livremente associados, possibilitando a cada indivíduo se apropriar do acúmulo histórico da humanidade. É subjacente aos escritos de Marx a descrença de que por meio da educação seria possível superar a divisão do trabalho ou das classes sociais ou mesmo promover a formação omnilateral. É a supressão da propriedade privada dos meios de produção, com o consequente fim das classes e da divisão destas em formas distintas de trabalho que dá bases para o desenvolvimento omnilateral. O enraizamento da educação nas relações sociais, na base material, possibilita o questionamento da visão idealista de que a mudança do mundo adviria de uma mudança em nossa educação. Poderíamos nos educar de um modo diverso mantendo a mesma base social, sem alterar as relações que nos TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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formam? Pensamos que não. Mudar a educação é mudar a realidade mesma. Mas como mudar a realidade se somos educados por ela? A resposta reside, a nosso ver, na compreensão da realidade como totalidade contraditória, em movimento. Esta questão já fora posta por Marx: “por um lado, é necessário modificar as condições sociais para criar um novo sistema de ensino; por outro, falta um sistema de ensino novo para poder modificar as condições sociais. Consequentemente, é necessário partir da situação atual” (MARX e ENGELS, 2004, p. 107). A situação atual, como apontamos, comporta agudas contradições cada vez mais explosivas. São os limites postos em cada atualidade que empurram às lutas, aos protestos e aos movimentos; são os limites e contradições para produção da vida que exigem a mudança das circunstâncias. Os antagonismos sociais geram interesses opostos. Projetos sociais distintos necessitam de projetos formativos diferentes. As classes em luta originam projetos sociais e educacionais antagônicos, ou ao menos diferentes. Eis a base material sobre a qual uma nova educação ou a consciência de classe se ancora: as lutas, a organização coletiva, a teoria revolucionária, a experiência de classe (THOMPSON, 1987). Os movimentos sociais geram uma pressão - inclusive educacional sobre a sociedade vigente. A constituição, trajetória e luta dos movimentos, dos partidos, dos grupos, enfim, da classe, são educativos, educam pela ação e organização coletiva. Neste sentido e em perspectiva dialética, é importante observar que, se a educação é originada na base material, na ação humana, portanto ela também age ou retroage sobre esta base, a educação, determinada pelo real, também o determina. Como afirmamos, ela não é um apêndice inútil, ela é essencial para qualquer sociedade ou projeto social. É importante esta observação para não esterilizar o papel da educação, para compreender a práxis humana como prática sensível, como afirma Marx (1989) nas Teses sobre Feuerbach. Os movimentos sociais são portanto educativos, mais precisamente, ao questionarem as estruturas sociais por meio de suas ações, lutas, organização coletiva. Ao colocarem as pessoas em movimento, em outras circunstâncias e relações, possibilitam alterar a direção da educação. Neste sentido parece correto pensar que quanto mais radical (no sentido de ir à raiz dos problemas TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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sociais), quanto mais atinge as causas estruturais do sistema, e isto na prática social e não apenas no âmbito do discurso, maior o potencial de transformação radical da educação. A “educação virada para o futuro” (SUCHODOLSKI, 2002) não aceita o atual estado de coisas, ultrapassa o horizonte burguês. É somente através da participação na luta para criar um mundo humano que a geração jovem pode verdadeiramente se formar, afirma Suchodolski. É nesse quadro que a educação pode ajudar efetivamente na transformação do mundo. Se referindo à educação escolar afirma: “O ensino só pode atualmente servir o futuro quando vai unido à prática revolucionária que cria este futuro”. A vinculação da educação com a prática revolucionária é que resolve a questão do que deve mudar primeiro, se as circunstâncias ou os homens. “Este é o caminho pela qual a educação pode ajudar realmente e não utopicamente a fazer o futuro” (1976, p.178). A teoria de Marx da vinculação do ensino dos homens que se transformam transformando as circunstâncias constitui-se um princípio diretivo fundamental e inesgotável. Antes de passarmos à próxima parte é importante dizer algo sobre a formação teórica, pois o que afirmamos até o momento pode parecer a alguns que apenas a prática educa e portanto haveria um menosprezo à teoria, o que seria um equívoco. Evitamos a dissociação teoria e prática; a teoria decorre e se articula à prática, a ilumina, dá sentido e coerência. Pensamos com Lênin que sem teoria revolucionária não há prática revolucionária, e que o inverso também é verdadeiro. Os movimentos e organizações que alcançaram maior poder de transformação social não deixaram a elaboração e formação teórica de lado, antes a combinam com a formação originada das lutas. A formação teórica sem atuação concreta, sem enraizamento prático é tão impotente quanto uma prática esvaziada de teoria. Formação humana e formação da classe no MST O MST é fruto da histórica concentração da terra no Brasil, a qual por sua vez, não é desarticulada do desenvolvimento econômico, social e político do país (FERNANDES, 2006, IANNI, 2004). É produto de um momento histórico do capitalismo em âmbito mundial, em sua fase madura, ou imperialista. De TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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outro lado, o MST também é produto da organização e luta dos sem terra, de sua capacidade organizativa, de seu contraponto ao capitalismo no campo, enfim, como constituinte da classe trabalhadora, cujas formas de luta e organização adquirem dinâmicas próprias possibilitadas e forjadas em cada contexto. O Movimento é uma forma de reação dos trabalhadores e desempregados (do campo e da cidade) para o combate ao capital e para a necessidade de construção de formas de vida para além deste. O MST, por sua atuação, indica que a luta de classes não deixou de existir, mas que ela assume outros contornos, se transfigura dialeticamente em sintonia com as mudanças operadas na totalidade do modo de produção do capital. Entendemos o MST como um movimento que aglutina alguns dos milhares de pessoas que não encontram na forma de organização social vigente as condições para produzir sua existência. Muitos dos sem terra que vão ao MST encontram-se despidos de qualquer forma de propriedade: a terra, a moradia e mesmo sua força de trabalho não consegue mais encontrar comprador. São milhares de famílias que vivem à beira das estradas, em barracos, ou nas favelas, vivendo de favor na casa de parentes, agregados e assalariados rurais que quando dispensados de seu trabalho não têm para onde ir. Assim, o MST é um espaço onde milhares de seres humanos buscam uma forma de produção da vida, de inserção social. Vendramini (2004) considera que no MST uma “massa totalmente destituída de propriedade” constitui um sujeito social coletivo, “uma identidade social que se refere à sua natureza de classe”. Num tempo em que a propriedade está altamente concentrada e toda sorte de misérias atinge amplas massas, o movimento social organizado “é capaz de dar condução política à revolta e ao desespero” (VENDRAMINI, 2004, p. 18). O sem terra vai ao MST não porque deseja transformar a sociedade, mas porque precisa sobreviver; busca uma possibilidade de incluir-se socialmente. Pode até considerar essa forma de sociedade injusta, excludente, da qual ele é vítima, mas a preocupação fundamental é sua sobrevivência e de sua família. Manter-se vivo é condição fundamental e pressuposto para poder fazer a história.5 Tomada nesse sentido, a luta de muitos sem terra individualmente é a 5

“As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, ação e suas condições materiais de

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busca pela inserção na sociedade, que acaba por contribuir na reprodução e “reciclamento” da produção de capital. É preciso ter presente que a dimensão corporativa nos limites do capital é real na luta concreta operada pelos semterra organizados no MST, mas não é (não tem sido) única. Na busca por melhores condições de vida dentro da ordem do capital, ou no caso dos sem terra por sua inserção na dinâmica do modo de produção burguês, surge a possibilidade através da atuação, neste caso do movimento social, de superação da luta particular para adentrar a esfera da luta coletiva, de interesses universais dos trabalhadores. É o amadurecimento da luta política dos trabalhadores que permite a ampliação da luta pela sobrevivência individual para chegar à luta pela transformação social. A passagem de um nível a outro, ou a aquisição da consciência de classe se torna possível por meio da “ligação estrutural da experiência do trabalho e das experiências políticas, sociais e educativas” que são gestadas no Movimento Sem Terra (VENDRAMINI, 2000). O MST é então o produto mais acabado do capital, que expressa suas contradições, a máxima capacidade produtiva com a mínima capacidade de socialização da riqueza, é expressão da degeneração dessa sociedade que coloca aos homens a necessidade de sua superação dessa forma de vida social. A principal forma de luta utilizada pelo MST são as ocupações de latifúndios e os acampamentos nele instalados, cuja presença de centenas ou mesmo milhares de famílias exerce grande pressão por sua desapropriação. A ocupação e os acampamentos são ações de grande radicalidade pois questionam a propriedade privada da terra. Por isso são tão combatidos pela classe dominante e seus aparatos, que buscam inviabilizá-los das mais diversas formas. As marchas e as ocupações de prédios públicos são outras formas importantes de luta utilizadas que também visam pressionar para a realização de suas reivindicações, promover o debate público e a politização. As principais formas de luta são também as principais formadoras da consciência. A luta coletiva contém um potencial educativo ou formativo existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Essas bases são pois verificáveis por via puramente empírica. A primeira condição de toda história humana é, naturalmente, a existência de seres humanos vivos. A primeira situação a constatar é, portanto, as relações que ele gera entre eles e o restante da natureza” (MARX E ENGELS, 1989, p. 37).

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enorme, pois possibilita ou fomenta o questionamento das bases de sustentação da sociedade que são também as bases sob as quais a consciência ou a educação se constituem. O sem terra compreende sua condição de oprimido na ocupação e no acampamento, quando identifica que esta condição não é individual, mas coletiva. A ocupação é um momento de formação ou despertar da consciência ao questionar a propriedade privada da terra, ao colocar massas humanas destituídas de propriedade no confronto com o capitalista e o Estado. A ocupação é uma ação radical; somente é possível pela ação coletiva, organizada, planejada, consciente. Por detrás da ocupação há um trabalho de formação, um trabalho que contém a solidariedade de classe, empurrada pelas condições degradantes de vida, um processo coletivo e individual, pois cada participante da ocupação também precisa tomar a decisão de nela estar. Está dada então a possibilidade de articular sua condição objetiva e pessoal à organização coletiva e comum. O período de acampamento, mais duradouro do que a ocupação, também é fértil e fundamental para a promoção de outro tipo de educação, pois nele o conflito entre sem terras e o capitalista permanece visível, assim como o papel da polícia, do judiciário, da mídia e dos poderes locais. No acampamento se constitui um coletivo dos destituídos de propriedade que se reconhecem enquanto tal, que se identificam em suas histórias, que constroem uma identidade coletiva e que pode tornar-se uma identidade de classe. É um período em que o sem terra se defronta com novas relações, com novas experiências de vida em sociedade, as decisões são tomadas coletivamente em assembléias, o alimento e as roupas são distribuídos equitativamente, os núcleos são a organização de base na qual todos fazem parte, espaço de informação, discussão e decisão. É preciso aprender a viver em coletivo e de modo mais igualitário, muitas vezes em direção contrária à educação já consolidada. Aprender novas relações exige atenção, exercício e algum tempo. Não é uma aprendizagem espontânea nem puramente discursiva. Os acampamentos se destacam ainda pela pluralidade de questões que fazem emergir; a família toda esta na luta em tempo integral, emergem então questões ligadas à infância, às mulheres, ao alcoolismo, à fome, ao analfabetismo, à saúde, ao trabalho, ao meio ambiente... Enfim, toda a complexidade da vida humana emerge no acampamento e coletivamente TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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passa a ser gerida, as pessoas são educadas nestas relações que tentam se constituir como novas.

Encontramos ações no MST que dizem respeito à

organização da moradia, às relações de gênero e entre filhos e pais, à educação escolar e à formação humana, à produção agropecuária para subsistência, para o comércio e na dimensão ecológica, à arte e ao lúdico, à sexualidade, apenas para citar algumas. Essas dimensões incorporadas pelo movimento social acreditamos representar um avanço significativo em relação à esquerda tradicional, limitada aos aspectos corporativos e econômicos, vinculada ao trabalhador empregado e com dificuldades de abarcar em sua luta os desempregados. No MST, a gestação de novas experiências de organização da vida humana em sua totalidade representam um desafio ao se ter em frente a superação do velho modo capitalista de produzir a vida. Desafio urgente pois, mesmo com a destruição das forças produtivas (MESZAROS, 2002) e a recriação permanente de trabalho, milhares de pessoas não conseguem produzir sua existência no capitalismo, apontando o limite desta forma de sociedade dar conta das necessidade de vida e desenvolvimento humano. São estes limites que empurram as pessoas aos protestos e movimentos sociais onde dão vazão à suas demandas. Coletivos e movimentos podem tatear no presente relações que no futuro podem se consolidar, neste sentido são portadores de futuro. As relações e embates vividos no acampamento e sentido da luta do MST necessitam, para serem eficazes, de formação teórico-política e de educação escolar como elementos indispensáveis para uma visão mais ampla e articulada de mundo e para o aprofundamento do entendimento da realidade e das estratégias de ação. Educação formal, ainda que contraditoriamente, e formação política autônoma, promovida pela organização da classe, são indispensáveis na luta social. A formação advinda da teoria e da prática podem se enlaçar e quando isto acontece, a consciência social encontra-se melhor sustentada. O estudo sistemático do real, a articulação entre formação teórica e a de base empírica se encontram presentes para que um Movimento Social da envergadura do MST possa existir, perpassa a preparação da ocupação, permite orientar o tenso e longo período de acampamento e depois abre-se em um leque de temas nos assentamentos. Nestes, além da formação política, em TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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sentido estrito, se faz necessária também a formação para o trabalho, a cooperação, a agroecologia, a educação escolar entre outros aspectos já citados. No que se refere à educação escolar identificamos que no MST esta é uma questão presente desde os primeiros acampamentos e atravessa toda a trajetória do MST numa interessante articulação entre a luta por escola e o conjunto das lutas do MST (DALMAGRO, 2010). Neste vasto trabalho com escolas destacamos a tentativa do MST em transformar esta instituição para colocá-la em melhor sintonia com as demandas de suas lutas, o que não se constitui como empreendido fácil, mas demonstra que as possibilidades de transformação da escola andam juntas com as lutas por transformação social, como apontou Suchodolski (1976). Nossas pesquisas identificaram ainda uma crescente importância atribuída pelo MST à escolarização, inclusive na expectativa da formação da consciência política, o que por um lado revela a importância da escolarização (no sentido de acesso a conhecimentos sistematizados, capacidade de leitura, escrita e noção das diferentes ciências) como base necessária à formação política, de outro preocupa ao atribuir à escola um papel que esta não consegue sozinha responder. Observamos que a formação política atribuída à escola neste aspecto parece crescer, porém ocorre num momento em que a luta do MST reflui (DALMAGRO, 2010). Pensamos que a formação de militantes ou da consciência de classe pressupõe o enraizamento concreto nas lutas da classe, ainda que a escolarização seja um aspecto indispensável, ela ganha potencialidade quando articulada às lutas e à organização coletiva. São estas que podem promover transformações na escola e que permitem articulá-la a outro projeto educativo e de sociedade. A formação adquirida na ocupação e no período de acampamento pode continuar a se desenvolver no assentamento, a depender da organização e das lutas que ali se desenvolvem. Porém, a produção coletiva da vida tende a ser mais avançada nos acampamentos do que nos assentamentos onde a propriedade privada dos meios de produção e a lógica do mercado volta a se impor (GRADE, 2000). Os acampamentos são espaços mais livres das amarras do capital, por outro, não são de todo livres destas amarras, em particular quando os acampados precisam vender sua força de trabalho nas TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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fazendas e cidades vizinhas para sobreviver (SAPELLI, 2013). Particularmente fazer germinar novas relações produtivas é algo que o MST buscou ensaiar em alguns assentamentos coletivos e cooperativas, mas é aí onde o limite do MST - e da humanidade neste momento histórico - aparece pois, como estabelecer novas relações de trabalho e produção imersos no sistema capitalista? Se o capitalismo não oferece condições dignas de vida para grande parte da humanidade, esta humanidade ainda não foi capaz de criar uma forma de existência que torne o capitalismo obsoleto. Este limite que se faz sentir nas áreas conquistadas pelo MST é o desafio do conjunto dos que sentem os limites desta forma de vida social. Pinassi assim sintetiza a questão que se coloca ao MST passados 30 anos de sua existência: A contradição da reforma agrária de mercado bateu às portas do movimento, exigindo a incômoda definição entre atender às contingências do mercado, com camponeses-empreendedores integrados ao capitalismo agrário, fomentar uma indigesta luta de classes em seu interior ou perseverar na formação de trabalhadores conscientes de seu papel histórico na construção do socialismo. Eis a sua [do MST] mais profunda tensão interna: pôr em memória as conquistas do passado, defender sua “vocação camponesa”, apostar no empreendedorismo de alguns assentamentos, refluir nas lutas e institucionalizar-se; ou denunciar os limites cada vez mais estreitos que o capital, através de instrumentos privados e estatais, impõe a sua existência como alternativa societária – quase sempre problemática – no interior da ordem. Mais, enfrentar, com a positividade que a luta de classes exige, a proletarização de sua base social, convertida num enorme celeiro de força de trabalho disponível para o capital no campo e na cidade. Os caminhos da “revolução na ordem” se esgotaram. As condições atuais da realidade objetiva se definem por um padrão de acumulação essencialmente destrutivo, o que impõe severa crítica a toda e qualquer via de desenvolvimento – incluindo aí o neodesenvolvimentismo – que se venha formular para a reprodução do sistema sócio-metabólico do capital. (PINASSI, 2014, s/p, grifos no original).

Considerações finais Para concluirmos queremos retomar o ponto pelo qual iniciamos, a situação atual, mas agora sob o ângulo das mobilizações e protestos ocorridos nos últimos anos no Brasil e no mundo. Para Carneiro, em 2011 há uma eclosão simultânea e contagiosa de movimentos sociais de protestos em diversas partes do globo. No norte da África contra ditaduras, na Grécia e TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Espanha com greves e ocupações, em Londres nos subúrbios, no Chile na mobilização dos estudantes por educação pública; nos EUA contra os bancos e corporações. O que há em comum nestas lutas é o desemprego e a carestia, a recusa dos espaços institucionais tradicionais, além da ausência de canais reconhecidos de representação e protesto. Tratou-se de uma “catarse política protagonizada especialmente pelas novas gerações” (CARNEIRO, 2012, p. 9). Para Zizek (2013), manifestações como o Occupy, a Primavera Àrabe, e Junho de 2013 no Brasil, apesar de cada uma ter motivos específicos ligados ao contexto de cada país, elas tem em comum a reação contra as múltiplas facetas da globalização capitalista, um sentimento de desconforto e descontentamento generalizado com o sistema como um todo e não apenas com um ou outro se seus aspectos. Para Alves (2012) trata-se de uma “globalização

dos

de

baixo”,

cuja

enorme

diversidade

exprime

a

universalização da condição de proletarização. O Movimento Occupy em Wall Street em 2011 traz para o centro dos protestos o sistema social vigente, notadamente a concentração da riqueza e do poder, condensados no centro financeiro de Nova York, o que ficou evidente no lema “somos 99% contra o 1%”. Sentido similar pensamos ter sido a mensagem das ruas em 2013 no Brasil - apesar das elites tentarem reduzir e manipular seu significado, de parte da esquerda ter ficado confusa e das múltiplas temáticas e perspectivas simultaneamente presentes - o que vimos foi um profundo descontentamento com o instituído, a desigualdade social, a reivindicação por mais e melhores serviços públicos. Para Rolnik as mobilizações de Junho de 2013 não surgiram no nada, mas do acúmulo de movimentos urbanos como o passe livre, os sem teto e o movimento

estudantil.

Para

Maricato

(2013)

e

Harvey

(2013)

estas

mobilizações repuseram na pauta a questão urbana e o direito à cidade, pois estas se tornaram um grande negócio com a especulação imobiliária, agravada pelas obras da Copa e Olimpíadas. Moradia, transporte e serviços públicos transformados em mercadoria tornam as cidades lugares de segregação social, mas também cenário e o objeto das lutas por moradia, livre circulação, direito ao trabalho, educação e saúde. Mas o que podemos aprender com estas mobilizações e com a experiência do MST? Como assinalamos anteriormente, são as contradições e TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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os limites do presente que movem a luta social e suas organizações. Elas nos ensinam que a luta de classes não acabou pois é a divisão do trabalho e da riqueza em classes que está na base da sociedade e dos conflitos sociais. Ensinam-nos ainda que as formas de luta e organização da classe são dinâmicas. A descoberta de novos produtos e regiões do planeta pelo capital é também a entrada das lutas sociais em novas regiões e temas, pois para onde vai o capital o conflito vai atrás (SILVER, 2005). As formas de lutas, de mobilização e organização da classe, ainda que com muitas limitações, respondem

às

metamorfoses

do

capital.

Por

exemplo,

a

educação

transformada em mercadoria6 – o que não é apenas sua privatização direta, tem feito emergir um conjunto de movimentos e mobilizações ao redor do globo que não cabem na estrutura sindical, mas criam novas formas de luta e protestos como as ocupações de escolas iniciadas em São Paulo e neste momento espalhadas em todo o Brasil, a articulação de professores no México, as mobilizações estudantis no Chile. Mas também dão nova força às formas clássicas de luta, como as greves de professores no Brasil em anos recentes. As mobilizações de massa e os novos coletivos a emergiram também indicam os limites da luta institucional e uma enorme crise de representação política no Estado e mesmo nas organizações de esquerda (HARVEY et all, 2012; MARICATO el all, 2013; CAROS AMIGOS, 2016). Quanto ao Estado, penso que vai se tornando transparente sua condição de classe e a submissão dos governos e parlamentos a poderosos interesses internacionais e locais, interesses estes que cada vez mais contrariam as necessidades e perspectivas da população que os elege. Guardo um otimismo proveniente desta constatação, pois se esta informação não é nova, o novo é que esta verdade vai se tornando evidente para as multidões, assim como a origem imoral e ilegal da acumulação da riqueza e a necessária pobreza econômica e cultural daí gerada, além do papel do Estado neste processo. Parece-me possível identificar uma dupla direção dos movimentos contemporâneos quanto ao Estado, de um lado uma “negação do Estado”, de sua incapacidade de resolver os problemas da população, levando a auto-organização para sanar os problemas e a busca pela construção de alternativas; de outro, uma “afirmação

6

Sobre isto ver Freitas, 2014.

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do Estado”, a pressão para que se volte aos serviços públicos, aos direitos e políticas sociais e ao destino público dos recursos públicos. Quanto à crise de representação dentro da própria esquerda, se destaca o

questionamento

à

institucionalização

das

estratégias

de

luta,

à

hierarquização e concentração de poder, à burocratização sindical, fazendo emergirem coletivos que buscam exercer relações horizontais (CAROS AMIGOS, 2016), os quais identificam a política e as relações de poder em todos os locais, porém nem sempre devidamente articulados às estruturas centrais de poder ou à macro estrutura social. A esquerda não morreu, mas os jovens nas ruas e suas novas formas de luta e política indicam que esta condenada

ao

fracasso

a

esquerda

institucionalizada,

burocratizada,

fortemente hierarquizada e já sem diálogo com suas bases. Em tempos difíceis e complexos como o atual, os movimentos juvenis revigoram os ânimos da luta social, apontam para a necessidade da esquerda se renovar, questionam as estruturas sociais e seus parâmetros de educação. Entre os movimentos juvenis se exercita hoje um pouco da liberdade que se deseja ampliar. É um lugar onde velhos e jovens radicais (IANNI, 1968) podem se encontrar. O MST é um movimento social importante para a reflexão aqui proposta pois ele possui uma atualidade impressionante ao emergir da contradição central da sociedade: a propriedade privada dos meios de produção e com ela a necessária produção de uma massa que jamais será chamada à produção. Um movimento social que articula a luta econômica e institucional (MÉSZÁROS, 2002). A ocupação e o acampamento são questionamentos à propriedade privada e ao individualismo burguês, além de aglutinarem temas atuais como gênero, saúde, educação, meio ambiente, trazendo à tona a totalidade social, a articulação das partes no todo. Porém, a base material que se segue aos acampamentos, os assentamentos, não superam a lógica capitalista, mas contraditoriamente a repõe. A construção de relações humanas e de produção para além do capitalismo é o desafio não apenas do MST mas de toda humanidade. Está reposta então a clássica questão do primado da base material sobre a consciência. É preciso produzir a existência de um modo radicalmente novo para que a educação emerja diferente. Construir novas formas de produção da vida, para além da forma burguesa, é um desafio tão complexo quanto necessário.

Além da

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incorporação pelo capital dos elementos que buscam constituírem-se como novos, não haveria aspectos que lhe escapam? A forma social superior a capitalista não estaria a emergir nos movimentos juvenis e culturais, nas periferias urbanas e no campo, nos ensaios de produção da vida para além do capital? Como na “Parada do Velho Novo” de Brecht (1987), o novo nasce e entremeia-se ao velho, ora se destaca, ora se confunde. Não seríamos nós que ainda precisamos aprender a ver e ajudá-lo a nascer? O MST e diversos movimentos recentes indicam que a formação humana se processa tendo por base a realidade objetiva, as condições de vida, as relações que estabelecemos. Neste sentido a educação não é um processo individual, mas coletivo, e é na organização coletiva para superação da sociedade atual que pode emergir um novo sentido à educação. A formação para uma nova sociedade só pode ser dar na luta pela contestação do estabelecido, tendo por base as contradições sociais e a tentativa de construção de novas formas de vida social. A consciência de classe é produto das lutas da classe, portanto da prática social. O discurso e a fala tem poder educativo desde que sintonizados com o real. A educação formal também pode contribuir neste processo quando ocupada e articulada às lutas. Os movimentos sociais educam para o novo na medida em que apontam concretamente para este novo. É a luta radical que permite abrir novos horizontes para o futuro da sociedade e também para a educação.

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31 ANOS DO NEDDATE – O resgate da memória “para não apagar o futuro”1

Maria Ciavatta2 Gaudêncio Figotto3 Apresentação Solicitada a coordenar esta sessão comemorativa, inicio a apresentação dos 31 anos do Neddate (Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação) da Universidade Federal Fluminense, com uma presença que nos é cara, como amigo e como intelectual destacado da área de pesquisa Trabalho e Educação, o Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto4, para uma conferência sobre a gênese e o desenvolvimento deste núcleo de pesquisa. Professor Titular de Economia Política da Educação desta Universidade, é, atualmente, Professor Adjunto do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Pesquisador do CNPq, autor de muitos artigos e livros na área, interlocutor de grupos de pesquisa em educação e sociedade no Brasil e no exterior. O Prof. Gaudêncio dispensa maior apresentação por ter sido professor desta casa, ligado à história da Faculdade de Educação e do Neddate, com o qual participei de sua criação. Participou ativamente no Curso de Graduação em Pedagogia (Niterói e Angra dos Reis), do Programa de Pós-graduação lato sensu, do Curso de especialização em Educação Brasileira e Movimentos 1

Este documento recupera e amplia a participação dos Profs. Drs. Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta na sessão comemorativa dos 31 anos do Neddate. 2 Licenciada em Filosofia, Doutora em Ciências Humanas (Educação- PUC-RJ), Professora Titular de Trabalho e Educação da Universidade Federal Fluminense, Ex-coordenadora e atual Docente do Programa de Pós-graduação em Educação desta Universidade, Ex-professora Visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisadora do CNPq, Coordenadora do Grupo These ´Projetos Integrados de Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Saúde (UFF-UERJ-EPSJV-Fiocruz). 3 . Licenciado em Filosofia, Doutor em Ciências Humanas (Educação-PUC-SP), Professor Titular de Economia Política da Educação da Universidade Federal Fluminense, ExCoordenadordo Programa de Pós-graduação em Educação desta Universidade, Professor no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Pesquisador do CNPq, Coordenador do Grupo These ´Projetos Integrados de Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Saúde (UFF-UERJ-EPSJVFiocruz).

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Sindicais e do Programa de Pós-graduação em Educação, Mestrado e Doutorado. Meu sentimento é também de agradecimento a Gaudêncio que, de certa forma, expressa os avanços que conseguimos pelas análises que ele sempre fez, na forma de congregar e ajudar a crescer, generosamente, professores e alunos, na vida acadêmica de muitos anos. É importante destacar que a pesquisa, que está no início de nossas atividades comuns neste Núcleo, sempre foi um trabalho coletivo, com o sentimento de confiança e de sinceridade mútuas. Mas faço esta apresentação, também, com a emoção sofrida deste dia, 12 de maio de 2016, quando o Brasil presencia e se rebela contra um novo momento de autoritarismo, o Golpe parlamentar, midiático e jurídico que estamos vivendo, com o afastamento em curso, da Presidente da República, Dilma Rousseff, eleita com os votos de mais de 54 milhões de brasileiros. Esta é uma festa de comemoração e de congraçamento, mas compartilho o reconhecimento e a valorização, neste momento grave da vida nacional, da democracia na organização política, na expressão do pensamento, na produção do conhecimento, na condução das ações. Juntos, nesta oportunidade, recuperamos a memória da conjuntura política e dos fatos que cercam a criação deste núcleo de pesquisas, “para não apagar o futuro”. Lutando para manter um incipiente regime democrático, encontrarmos forças para que não se repita a Ditadura Civil-militar (1964-1985) que muitos de nós vivemos. Porque é a memória que permite a projeção do futuro. Não para repeti-lo, mas para entender o presente e projetar o que desejamos ser, corrigir os erros, reconhecer os valores da dignidade humana na vida social e orientar as novas ações. É a memória de tempos passados que se projeta no tempo presente, que permite escrever a história. O historiador alemão Jorn Rusen5, distingue os dois processos de preservação escrita ou oral da vida humana: a memória é o registro da subjetividade social de cada um; a história é a reflexão e o relato, os significados sobre a memória, a explicação dos fatos e suas interpretações. Nosso trabalho, nesta comemoração, não é um trabalho sistemático de história 5

RUSEN, Jorn. Como dar sentido ao passado: questões relevantes da meta-história. História da Historiografia, n. 2, p. 164-209, março, 2009.

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do Neddate, mas, sim, um exercício de memória, onde apenas alguns aspectos são destacados sobre as transformações da sociedade, da política e da educação no Brasil, a articulação da docência com a pesquisa, a documentação e as publicações produzidas pelos docentes pertencentes ao Núcleo. Dedico, especialmente, esta apresentação às colegas Dora Henrique da Costa, Marly Vianna e Zuleide Faria de Melo. Elas e outros familiares e companheiros, entre os quais, José Salles, arriscaram sua juventude e sua vida para salvar, das garras da Ditadura, pessoas e documentos que registram a memória das lutas dos trabalhadores do início do século XX, em defesa da regulamentação de seus mais elementares direitos. Essa memória foi preservada no Arquivo de Astrogildo Pereira (jornais operários, panfletos, cartas, fotografias etc.) que hoje constitui o Arquivo Social da Memória Operária Brasileira (ASMOB).6 Os depoimentos públicos sobre as ações do salvamento heroico dessa importante documentação foram realizados em diferentes momentos, nos anos 2001, 2007 e 2014, nesta Faculdade de Educação, sob minha coordenação e com o apoio do Neddate, tal como constam do livro Luta e Memória.7 Além desta breve introdução, o Prof. Gaudêncio Frigotto apresenta a gênese e o desenvolvimento do Neddate e eu farei uma sucinta exposição sobre a pesquisa no Neddate, seu acervo de documentação e principais publicações.8 1. A gênese e o desenvolvimento do Neddate Ao resgatar a memória da gênese e desenvolvimento do NEDDATE ao longo de três décadas cabe, inicialmente, duas pequenas notas, uma de

6

Os originais estão sob a guarda do Centro de Memória e Documentação (CEDEM), da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), na cidade de São Paulo. Há cópias em vários arquivos de documentação sobre a memória dos trabalhadores, entre os quais, o Neddate. 7 Ciavatta, Maria (coord.), depoimentos de Costa, Dora Henrique da; Dora, Vianna, Marly; Melo, Zuleide Faria de; Luta e memória. O resgate da memória nacional de pessoas e documentos das garras das garras da ditadura. Rio de Janeiro: Revan, 2015. 8 Agradeço aos Profs. José Luiz Antunes e Lia Tiriba, Coordenadores do Neddate, informações adicionais sobre a produção científica do Núcleo, utilizadas nesta versão revista da fala original.

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ordem metodológica e outra, articulada a esta, referente aos embates políticos na sociedade e na educação em três conjunturas distintas De Antônio Gramsci retiramos a visão de que uma adequada análise conjuntural implica uma relação cuidadosa do movimento do tempo presente com as ligações no que é a estrutura na sociedade que analisamos. É de Karel Kosik a compreensão de que nesta análise entre o estrutural e o conjuntural devemos averiguar as mudanças nos embates entre as classes e grupos sociais na alteração da realidade e distinguir aquelas mudanças que conservam a estrutura de desigualdade e exploração, daquelas que concorrem para a sua superação. Superação esta, ainda que possa ser parcial, mas que concorre para o horizonte de superação das relações sociais marcadas pela exploração da classe detentora do capital, para uma sociedade socialista. Ao longo dos trinta e um anos de atividades científicas e de embates políticos mediados pelas primeiras, convivemos com três conjunturas distintas e, agora, uma quarta conjuntura que ao rever este texto para a publicação já estava consumado o golpe de estado empresarial, parlamentar, jurídico, midiático e hoje claramente repressivo policial. Destas três conjunturas duas, mesmo com contradições e limites, foram propositivas no campo social, econômico, cultural e educacional e uma marcada pela resistência ativa ao golpe neoliberal na década de 1990 e que retorna agora com maior poder e violência com o atual golpe de Estado. Com efeito, em 1985, a ditadura empresarial militar, por suas contradições e pela luta de movimentos sociais, setores sindicais e políticos e instituições científicas encerrava o brutal ciclo de 21 anos. O Neddate surgiu na década de 1980, no contexto dos debates das Conferências Brasileiras de Educação, do esforço de redemocratização do Estado nos estritos limites de nossa cultura política patrimonialista, início dos debates da Constituinte. A IV Conferência Brasileira de Educação, realizada em Goiânia em setembro de 1986, ao seu final publicou a Carta de Goiânia com 21 recomendações para o tema da educação na Constituinte. Também foi o período de expansão da pós-graduação da área da Educação. Dois programas de pós-graduação em educação tiveram influência direta na concepção e trabalho de pesquisa do Neddate. No plano da concepção teórica e metodológica, o Programa de Pós-Graduação da PUC de TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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São Paulo, área de Filosofia, sob a coordenação do professor Dermeval Saviani. Foi nesta área que os estudos sistemáticos do Marxismo, mormente pelo debate das obras de Marx, Engels, Gramsci e Lenin, formou quadros que se apropriaram da concepção marxista de realidade social e do método dialético materialista histórico de conhecimento materialista. Também o pensamento crítico marxista na área de educação tinha uma referência em Leandro Konder, professor do Departamento de História da UFF, depois do Departamento de Educação da PUC-RJ, pesquisador que orientou a tese de doutorado de Maria Ciavatta. No plano da concepção do trabalho de organização, debate e orientação coletiva na pesquisa, a influência vem de dupla experiência. Do programa da PUC/SP e do Instituto de Estudos Avançados em Educação (IESAE) da Fundação Getúlio Vargas/RJ. Aqui a professora Maria Ciavatta, principal idealizadora do NEDDATE, no início, Programa de Pesquisas em Trabalho e Educação, e eu que chegava na Universidade Federal

Fluminense como

professor Visitante, pudemos nos confrontar com a escola empirista positivista de pesquisa no Programa ECIEL

(Estudios Conjuntos de Integración

Económica em Latinoamérica), sob a coordenação

de Cláudio de Moura

Castro. Para ambos foi uma experiência de constante embate de referências e neste sentido um ganho para poder perceber na teoria e empreender na prática um trabalho empirista e positivista rigoroso. Também, a despeito de visões de mundo e de conhecimento, diametralmente opostas ou mesmo antagônicas, reconhecemos que Castro não tolhia o debate, ao contrário estimulava a polêmica. Daquele período, até o presente, o NEDDATE teve presença ativa na Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED) e na criação do GT Trabalho e Educação, sendo que em diferentes momentos o mesmo foi coordenado por membros do NEDDATE.9 Foi uma conjuntura curta, mas que colimou com a Constituição de 1988, debates acalorados na primeira eleição direta à Presidência da República e o encaminhamento dos debates na nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e no Plano Nacional de Educação. 9

. Dos anos 1980 aos anos 2010, em diversas gestões, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Eunice Trein, Sonia Maria Rummert.

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A eleição de Collor de Mello demarca uma nova conjuntura, esta de retrocesso e de esfacelamento dos avanços conquistados na Constituição. A conjuntura que vai de 1990 a 2003, em especial os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, marcam a introdução na economia e na educação do ideário neoliberal. Uma década de venda fraudulenta do patrimônio público, de longo postergar da LDB produzida no debate democrático e com o desfecho de um substitutivo do Senador Darcy Ribeiro que deu, como lembrou Florestan Fernandes, ao governo o texto que lhe interessava. Uma LDB minimalista, como a definiu Dermeval Saviani, e que apenas assegurava o que já tinha sido feito por decretos e portarias. O NEDDATE participou ativamente da resistência ativa na produção acadêmica e nos grandes debates nacionais com destaque nos CONEDs. Internamente, no programa de Pós-graduação em Educação da UFF, a introdução das disciplinas Teoria e Educação I e Teoria e Educação II teve grande participação de membros do NEDDATE, assim como na concepção das disciplinas “Economia da Educação” e de “Trabalho e Educação”, estas últimas também na graduação. Foi nesta década, paradoxalmente que coletivamente aprofundamos o entendimento coletivo, tanto dos pressupostos fundamentais da concepção materialista histórica da realidade, quanto do método materialista dialético de apreendê-la. Os pressupostos que foram se consolidando são: a) Qualquer que seja o método de conhecimento, o mesmo tem de forma explicita ou implícita, uma determinada concepção de natureza humana e de sociedade e de acordo com esta concepção o sentido de sua ação prática ou de sua práxis. Portanto, a dimensão ontológica do ser social antecede e define a natureza das concepções epistemológicas e da orientação da ação política ou da práxis. Deste primeiro pressuposto deriva o que Karel Kosik (1986) denominou de monismo materialista em contraposição ao pluralismo metodológico na compreensão da realidade socio-histórica. O monismo materialista, que concebe a realidade como complexo construído e formado pela estrutura econômica, e, portanto, por um conjunto de relações sociais que os homens estabelecem na produção e no relacionamento com os meios de produção, pode constituir a base de uma coerente teoria TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


96 das classes e ser o critério objetivo para a distinção entre mutações estruturais – que modificam o caráter da ordem social – e mutações derivadas, secundárias, que modificam a ordem social, sem, porém, mudar essencialmente seu caráter (KOSIK, 1976, p.105)10

É este autor amplamente utilizado nos curos de formação e nos debates por membros do NEDDATE que nos dá uma síntese da visão materialista do ser social e a encontramos em Karel Kosik quando indica que na produção e reprodução de si mesmo os seres humanos produzem: a) os bens materiais, o mundo materialmente sensível, cujo fundamento é o trabalho; b) as relações e as instituições, o complexo das condições sociais; c) e sobre a base disto, as ideias, as concepções, as emoções, as qualidades humanas e os sentidos correspondentes. Sem o sujeito, estes produtos sociais do homem ficam privados de sentido, quanto o sujeito sem os pressupostos materiais é uma miragem vazia. A essência do homem é a unidade de objetividade e subjetividade. (KOSIK, op. cit. p.113).

b) O segundo pressuposto, derivado deste primeiro, é de que nas sociedades de classe as teorias e métodos de análise não se somam, mas são disputas sobre a compreensão de como a realidade humana, em todas as suas dimensões, é socialmente produzida.

Isto não elide o fato de que

determinadas descobertas feitas por outros referenciais não possam ser incorporadas de forma subordinada.

Marx foi um exemplo em relação à

filosofia alemã, empirismo inglês e socialismo utópico francês. c) Por fim, um terceiro pressuposto, é de que, como sublinha Fredric Jameson (1994)11, o materialismo histórico dialético não é o único referencial teórico e metodológico que faz a crítica ao capitalismo, mas o único que tem como objeto o sistema capitalista e busca desvelar, pela raiz, seu metabolismo social na perspectiva, da sua superação. Um método que postula que suas descobertas não parem na descoberta, mas atuem praticamente no seio das relações sociais capitalistas na busca de sua superação.

10

Kosik, Karela. A dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. Jameson, Fredric. Espaço e imagem. Teorias do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro. Editora das UERJ, 1994. 11

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Não só a produção, nesta conjuntura, dos membros do NEDDATE, incluindo docentes pesquisadores, doutorandos, mestrandos e graduandos, mas a organização do I Intercrítica com nove Grupos Trabalho e Educação revelaram tanto o aprofundamento da compreensão dos pressupostos acima no trabalho prático de produção do conhecimento, quanto o necessário engajamento na luta política na sociedade e na educação. Foi na resistência ativa nesta conjuntura que se formou uma ampla e diversa base social para a eleição à Presidência da República de um exoperário, Luiz Inácio Lula da Silva. Uma base social que tinha como expectativa um governo que assumisse reformas estruturais apoiado nesta mesma base. Os balanços críticos são diversos e nem sempre concordantes no pensamento crítico, inclusive no interior do NEDDATE. Não cabe aqui retomá-los. O grupo THESE12, podemos dizer, cuja origem é o NEDDATE, que hoje reúne pesquisadores do mesmo, vinculados ou não ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional em Saúde, tem feito este balanço. Podemos assumir que a visão dominante é de que, nos dois mandatos de Lula da Silva e um mandado de Dilma Rousseff, o diferencial em relação ao governo de Fernando Henrique Cardoso foi a retomado da ideia e incentivo ao desenvolvimento; a criação de 18 novas Universidades públicas, demanda de regiões e de movimentos sociais; a criação de centenas de Institutos Federais de

Educação, Ciência e Tecnologia; política de distribuição de renda via

ganhos reais do salário mínimo e amplas políticas de transferência de renda através de programas sociais; uma política externa de unidade latino-americana e de

fortalecimento da

não alinhamento automático com o império

Norte-americano; e a participação ativa na criação do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que redefiniu a geopolítica mundial. Mas é fundamental dizer que isto tudo não se deu mediante a definição de um projeto de sociedade e de educação que rompesse com as estruturas dominantes de poder econômico, político, jurídico e midiático, tendo como sustentação a base que os elegeu. O bloco dominante do PT (Partido dos 12

Grupo de Projetos Integrados de Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Saúde (UFFUERJ-EPSJV-Fiocruz).

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Trabalhadores) e do governo optou por um projeto de poder com um pacto com as forças que sempre resistiram e, quando ameaçadas, não se pejam, como sublinha o escritor Luiz Fernando Verissimo, em deflagrar golpes de Estado: “Está no DNA da classe dominante brasileira, que historicamente derruba pelas armas se for preciso, toda ameaça ao seu domínio, seja qual for sua sigla”

13

.

A falta de um projeto de sociedade e de educação permitiu que o inimigo se organizasse dentro do aparelho do Estado com a anuência do governo. Enquanto a economia crescia, com o PIB chegando a mais de 7% ao ano, o aumento real do salário mínimo, as diferentes políticas de transferência de renda às frações mais pobres da classe trabalhadora, a expansão de universidades públicas e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia com inclusão de índios, quilombolas etc., não incomodavam. Com a mais grave crise do sistema capital em nível planetário em 2008 e seus reflexos no Brasil, com PIB negativo e vendo que, para manter as políticas públicas em curso, o risco era de perdas em seus ganhos, construiu-se a opinião púbica para um novo golpe de Estado. O fato novo é que a unidade orgânica da classe dominante brasileira, no seu pluralismo de interesses, pode fazer o golpe sem o apelar para as forças armadas, mas agora com o papel ativo da mídia empresarial, do parlamento, de parte do judiciário, mormente do Ministério Público, e a presença ativa da Polícia Federal. Nova é, também, a estratégia de criminalizar antes de qualquer julgamento dentro dos trâmites do Estado de direito.

Para tanto, usa-se a

deleção premiada de empresários e políticos presos que, a partir de seus depoimentos, muitos apenas parciais ou de acordo com determinados interesses, filtra-se o que interessa e alardeia-se em espetáculos midiáticos e com as expressões de organização criminosa, quadrilha etc. e, por outro porte, uma autonomia nunca vista à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal14.

13

Ver a crônica de Luiz Fernando Verissimo. Ódio, O Globo, caderno de Opinião de 25/06/2015. Retirado de http://oglobo.globo.com/opiniao/odio-165465330, em 14 de novembro de 2016. 14 Para uma maior compreensão do sentido grave desta novidade no âmbito jurídico e policial, ver a análise de Giorgio Agamben (2015) sobre o papel soberano da polícia e a natureza da delação premiada mediante a categoria religiosa do arrependimento. Em relação ao papel da polícia ver texto de Antônio Cândido sobre O caráter da repressão, publicado em 1972 pelo Jornal Opinião e recuperado pelo portal Outras Palavras em 8 setembro de 2016.

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Somos interpelados a um duplo desafio: de, à luz do materialismo histórico, apreender a especificidade e virulência e, ao mesmo tempo não ficar apenas na batalha das ideias, mas ampliar todas as formas possíveis a resistência ativa no plano da ação política. Trata-se, uma vez mais, de uma luta para renascer das cinzas. 2. Pesquisa em Trabalho e Educação no Neddate Agradeço, em nome do Neddate, ao Prof. Gaudêncio, sua presença e valiosa contribuição nesta comemoração. Minha fala aqui tem a ver com a pesquisa, porque foi a pesquisa que deu origem a este Núcleo e ao grupo que foi se formando em diferentes momentos, ao longo de mais de três décadas (1985-2016). Sempre temos a visão do presente, mas o presente tem um passado de um coletivo de muitas pessoas que foram contribuindo ao longo do tempo. O campo Trabalho e Educação, como área teórico-empírica de pesquisas e como escola de pensamento, através da pesquisa, do ensino e da extensão nesta Faculdade, no Neddate, estuda os diversos aspectos da vida social: a relação capital e trabalho, suas consequências para a vida das populações, em nível nacional e internacional; a educação e a organização dos trabalhadores em sindicatos, em escolas sindicais e nos movimentos sociais; o ensino médio, a educação de jovens e adultos, a educação profissional, técnica e tecnológica; a produção associada e a cultura do trabalho; a

pesquisa

histórica do trabalho e da educação, as fontes alternativas do mundo do trabalho e da educação, como a história oral e a fotografia. Além das questões teóricas que dão sustentação ao campo Trabalho e Educação, as questões foram emergindo das políticas educacionais levadas adiante pelo Estado, através do Ministério da Educação (MEC), das Secretarias Estaduais de Educação (SEEs), dos organismos internacionais, das reivindicações dos diversos grupos, classes e setores da sociedade brasileira e latino-americana. Através da pesquisa e da orientação de jovens estudantes da pósgraduação e da graduação, no início da redemocratização do país, em 1985, começamos a trabalhar juntos, Gaudêncio e eu, em projetos de pesquisa e de orientação coletiva de dissertações de mestrado. Esta história singela nos seus TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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objetivos iniciais, adquiriu, ao longo do tempo, maior complexidade e relevância, com nossa participação com colegas de outras universidades na criação e crescimento do “Grupo Trabalho e Educação” da Associação de Pósgraduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Em 1985, quando começamos o trabalho conjunto que viria se tornar o Neddate, denominávamos, apenas, Programa de Pesquisas em Trabalho e Educação. A Faculdade de Educação funcionava ainda no prédio antigo, na Rua Dr. Celestino, onde tudo era muito apertado. A partir do início dos anos 1990, a mudança para o Campus do Gragoatá foi a glória com o amplo espaço do novo prédio e do campus, um lugar muito bonito e agradável. Ao logo dos anos 1990 e 2000, foi expressiva a afirmação do Neddate com a entrada de novos professores e de mais alunos para o Campo de Confluência Trabalho e Educação (hoje Linha de Pesquisa Trabalho e Educação) e com a criação do Curso de Doutorado em Educação em 1994/95. Foi a pesquisa que motivou e deu coesão a nosso grupo inicial em 1985. Pautamos a organização do Núcleo com base na teoria, na empiria e na documentação da pesquisa dos professores e na preservação de fontes primárias e secundárias – daí incluirmos “documentação e dados” no nome do Neddate. Também foi importante para a afirmação do Núcleo, o trabalho coletivo de coordenação do Núcleo. Dos primeiros anos de 1990 até o início dos anos 2000, a Sala 525 do Bloco D, que conquistamos na mudança da Faculdade de Educação para o Campus do Gragoatá, era muito frequentada por nossos bolsistas e orientandos. Em uma época em que ainda não dispúnhamos de acervos digitais de documentos, nem do Banco de Teses da CAPES. O acervo de dissertações e teses de Trabalho e Educação, impressas, da UFF e de outras universidades, de cujas bancas de defesa, nós, professores participávamos, era um espaço aberto aos alunos e bolsistas para o desenvolvimento de seus trabalhos acadêmicos. Não obstante o peso intelectual do Neddate na pesquisa nacional, os equipamentos (mesas, cadeiras, armários, computadores) eram mínimos, até que, com apoio da Reitoria e da Faculdade, a habilidade de alguns coordenadores e recursos de projetos de apoio à pesquisa, a sala conquistou bons móveis, computadores, impressoras, obtidos, especialmente, por Sonia TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Rummert, José Rodrigues, Ronaldo Rosas no início dos anos 2000; Gaudêncio Frigotto, Eveline Algebaile, Maria Ciavatta, Lia Tiriba, pelo Grupo These / Projeto Faperj, nos anos 2012. O cuidado de José Luiz Antunes e Lia Tiriba com o ambiente do Neddate e com o acervo de documentação, os pôsteres e cartazes expostos nas paredes e nos armários, lembram a história acadêmicocientífica do Núcleo. Do ponto de vista teórico, partimos da crítica ao positivismo, aos estudos funcionalistas de base estatística, para as análises políticas da sociedade e da educação. “Diferente do campo da história, da sociologia e, em um sentido dominantemente economicista, da economia, as pesquisas sobre Trabalho e Educação e sua relação com as práticas educativas, eram bastante recentes”15nos anos 1980 e 1990. A crítica marxista, que pôde ser feita após o fim do regime ditatorial, nos anos 1980, ensina que o mundo é relacionado, e que a escola não existe sozinha. Não existe o professor, o aluno, a escola, separadamente. Existem o professor, o aluno, a escola, os cursos, os currículos, em relação uns com os outros, em um certo espaço-tempo. O mundo não é uma simples quantidade de aspectos; os aspectos ganham sentido e significado a partir das relações que se estabelecem entre eles. Ontologicamente, a sociedade começou a existir e a escola e a sociedade começaram a se educar em situação de reciprocidade. De início, esta área de pesquisa, na ANPED, como Grupo de Trabalho, autodenominava-se Educação e Trabalho.

Foi o estudo de Marx, do

materialismo histórico, e a compreensão da educação como parte da sociedade e de suas práticas sociais, valores, ideologias etc., a história como produção social da existência, que levaram à inversão da relação, dando centralidade ao trabalho, e o Grupo passou a chamar-se Trabalho e Educação. Esta mudança tem muito a ver com a forma como se constituem outros objetos, fenômenos, sujeitos sociais. Esta é uma questão muito importante porque nos dá força de argumentação. Nossos temas estão cheios de laços, de relações - o que é uma dificuldade para a pesquisa, não é uma facilidade. Mas são importantes porque são eles que constituem a totalidade social e as 15

NÚCLEO de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação (NEDDATE). Niterói / Rio de Janeiro: UFF-NEDDATE, 19 de setembro de 1996, impresso, p. 3.

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mediações que permitem reconstruir, historicamente, nossos objetos de pesquisa. Nesta forma de ver, a sociedade que estudamos e onde vivemos não é uma sociedade qualquer, é uma sociedade com características próprias, uma sociedade capitalista. Os sujeitos sociais estabelecem relações múltiplas em seus espaços-tempos para a produção da vida, com desdobramentos na cultura, na educação, na ética, na política. Mas não é um conhecimento teórico, acabado, é também a exigência da práxis, da ação política que dá sentido à vida e ao trabalho; A pesquisa no Neddate – A crítica marxista da produção do conhecimento começa com a crítica da economia política que é o aspecto decisivo da sociedade na relação entre o trabalho e a educação e os sistemas de ensino. Esta análise crítica se completa com a concepção de história que, na obra de Marx, não aparece sistematizada como a análise do capital, mas se expressa em todos seus escritos. Estes são apoiados em farta documentação, localizados no espaço e no tempo dos acontecimentos analisados e na concepção clara de história, presente na Ideologia Alemã.16 É a concepção da história como produção social da existência, segundo a qual, os seres humanos precisam comer, vestir-se, precisam se abrigar para fazer história. Esta concepção foi uma revolução não reconhecida ou não admitida por todos os historiadores. Para mim foi o maior descobrimento na pesquisa social, em trabalho e educação. Foi o início de minha pesquisa neste Núcleo. Foi a pesquisa histórica, que comecei antes de vir para esta Universidade, mas que aprofundei aqui, que me deu uma consciência diferente daquilo que estudei quando era mais jovem. A história não é apenas um conjunto de fatos, de grandes nomes, das ações de homens ilustres (reis, duques, generais). A história é a vida de todos nós. Se vai para os livros ou não, depende de sua importância para o coletivo, e do poder de quem seleciona os fatos para a escrita da história. Mas a história é também a nossa história, daquilo que somos, nossa história profissional, a história de nossa família, da cidade de origem, da região. É esta visão de

16

Marx Engels. A ideologia alemã (Feuerbach). 11ª. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

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história que não é reconhecida por muitos historiadores, e da qual nem mesmo os estudiosos do marxismo se dão conta. Além de Marx, foram importantes, para o aprofundamento estudos de história que desenvolvi no Programa de Pós-graduação e no Neddate, Adam Schaff, Hobsbawn, Thompson, Ciro Flamarion Cardoso, Fernand Braudel, Benjamin. Foi o entendimento de que os trabalhadores não apenas trabalham, eles vivem em sociedade, têm grupos de pertencimento, clubes, igrejas, coligações políticas. Admitir os trabalhadores com essas características não desmerece seu estudo como força de trabalho, antes amplia a sua concepção como classe social. Como diz a música dos Titãs: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Mesmo os trabalhadores mais subalternos na divisão social do trabalho, precisam de arte, de beleza, de afeto, de conhecimento. Mas a investigação social não é uma atividade etérea, precisa de espaço, precisa de um mínimo de livros, de organização. No encaminhamento das discussões teóricas no coletivo e na organização do espaço, atuaram as várias duplas de coordenadores e vice-coordenadores do Neddate: Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta, Eunice Trein, Sonia Maria Rummert, José Rodrigues, Ronaldo Rosas, Angela Siqueira, Lia Tiriba, José Luiz Antunes, Jaqueline Ventura, Francisco José Silveira Lobo, Maria Inês Bonfim, Rosilda Benácchio, além da presença e apoio dos professores, Dora Henrique da Costa, Lea Calvão, Luciana Requião, Sandra Moraes, Zuleide da Silveira, Cláudio Fernandes e nossos bolsistas, mestrandos e doutorandos.17 O Neddate é um grupo institucional da Faculdade de Educação, coordenado, neste ano, por José Luiz Antunes e Lia Tiriba. Como tal, abriga outros grupos de pesquisa: “Trabalho e Educação – Neddate” sob a coordenação da Profa. Lia Tiriba e Jaqueline Pereira Ventura; o “Grupo THESE – Projetos Integrados de Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Saúde (UFF-UERJ-EPSJV-Fiocruz)” sob a coordenação dos Profs. Maria Ciavatta, Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos, Eveline Algebaile e Júlio César França 17

Os nomes das dezenas de estudantes que colaboraram com o Neddate e se formaram como graduandos e pós-graduandos, estão citados nos Boletins do Neddate e, mais recentemente, nos registros elaborados por Lia Tiriba e José Luiz Antunes. V. site do Neddate:http:/neddate.uff.br/

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Lima; “Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores (EJATRAB)”, sob a coordenação da Profa. Sonia Maria Rummert e Jaqueline Pereira Ventura. Importantes, também, ao longo dos anos, desde sua criação, nos anos 1980, foram os intercâmbios com grupos de pesquisa, entre os quais, o “GT Trabalho e Educação” da ANPEd, o “Núcleo de Estudos Trabalho e Educação (NETE-UFMG)”, o “Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Trabalho e Educação (GEPTE – UFPa)”, o “Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho, Educação e Tecnologia” (GETET-UFTPr); e outras instituições internacionais, tais como o “Programa

Alternativas

Pedagógicas

na

América

Latina”

(APPEAL,

Universidade de Buenos Aires – Argentina), “Asociación de Educadores de Latinoamérica y el Caribe” (Cuba, Argentina, Peru, Venezuela, Colômbia), “Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO)”; Universidad Pedagógica Nacional (México), Universidade de Lisboa (Portugal) Acervo de documentação - Na teoria, na empiria e na documentação de fontes primárias e secundárias, a preservação das fontes sempre foi objeto de muita dificuldade na sistematização e continuidade dos trabalhos empreendidos. Nunca tivemos um funcionário técnico para manutenção do espaço do Neddate e para o trabalho específico de arquivo e documentação. No acervo de relatórios e fontes primárias ou secundárias de difícil acesso, consta a documentação de projetos concluídos dos pesquisadores do Núcleo e seus bolsistas, orientandos, mestrandos e doutorandos. O acervo conta também com os livros publicados pelos professores do Núcleo, textos clássicos básicos para o estudo da relação trabalho e educação. Continua hoje, em lento processo de organização por bolsistas com a supervisão de professores. Alguns documentos internos que registram a relação dos projetos e a produção científica dos professores podem ser acessados em Núcleo (op.cit.,

1996)

18

e

nos

documentos

(TIRIBA,;

BENÁCCHIO,

PORTIFÓLIO, 2011; PRODUÇÃO, 2011; CIAVATTA et al., 2016)

2011; 19

que

constam do site do Neddate http://www.neddate.uff.br/

18

Op. cit., p. 5-6. Tiriba, Lia; Benácchio, Rosilda. NEDDATE e seus trabalhos necessários. TrabalhoNecessário, ano 9, n. 13, Número especial, 2011; Portifólio – NEDDATE, 2011; Produção científica dos pesquisadores do NEDDATE, 2011; Ciavatta, Maria et al. Projetos de pesquisa dos professores do NEDDATE, 1984-2016. 19

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Publicações – As publicações foram sempre uma contribuição substantiva para a imagem e reconhecimento acadêmico-científico do Neddate na área Trabalho e Educação. De forma não exaustiva, recuperamos aqui, publicações periódicas do Núcleo e livros coletivos e individuais elaborados a partir das pesquisas realizadas. A primeira publicação periódica foi o Boletim do Neddate, impresso artesanalmente, com a coordenação de diferentes professores do Núcleo, nos anos 1990 e início de 2000. Neles estão presentes os temas mais expressivos em termos de políticas educacionais, do inovador Curso de Pedagogia de Angra dos Reis e de discussões teórico-metodológicas da pesquisa. A Série Estudos Neddate, pretendia ser uma divulgação interna de aspectos de pesquisas em andamento. Teve poucos números e pouca adesão dos pesquisadores do Neddate, mas registrou etapas da pesquisa sobre imagens fotográficas de Maria Ciavatta e os depoimentos públicos das protagonistas do salvamento do Arquivo Astrogildo Pereira no tempo Ditadura. Um passo importante foi a revista eletrônica “TrabalhoNecessário;” publicada a partir dos anos 2000, sob a direção de Ronaldo Rosas por cerca de uma década e, a seguir, por Sonia Maria Rummert e Jaqueline Ventura. A revista foi criada on line, com qualidade e recursos para abrigar um número grande de artigos, resenhas etc.. Fez parte da política de publicação e socialização ampliada do Núcleo. Os Boletins são transformados em Informativos Neddate, de curta duração. A Revista foi a concretização da ideia que vinha há muito tempo sendo gerada. Os artigos20e livros são, talvez, o legado mais importante do Núcleo para a área Trabalho e Educação, pela riqueza de pesquisa e de divulgação, por diferentes periódicos e editoras nacionais e estrangeiros. Podendo omitir alguns títulos e autores por não ter podido realizar uma pesquisa sistemática, citamos os seguintes:   

A produtividade da escola improdutiva (1984), de Gaudêncio Frigotto; O ensino de 2º. Grau: Trabalho e Educação em Debate(1988), de Maria Aparecida Ciavatta Franco e Maria Laura B. Franco (orgs.); Estudos comparados de educação na América Latina (1992), de Maria Ciavatta (org.);

20

V. a extensa lista de artigos em “Produção científica dos pesquisadores do NEDDATE”, 2011,http://www.neddate.uff.br/

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                 

   

Educação e crise do capitalismo real (1995), de Gaudêncio Frigotto; Educação e Identidade dos trabalhadores. As concepções do capital e do trabalho (2000), de Sonia Maria Rummert; A experiência do trabalho e a educação básica (2000), de Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (orgs.) – primeiro livro coletivo do Neddate; Economia popular e cultura do trabalho – Pedagogia(s) da produção associada (2001), de Lia Tiriba; Teoria e Educação no labirinto do capital (2001), de Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (orgs.); O mundo do trabalho em imagens. A fotografia como fonte histórica (Rio de Janeiro, 1900-1930), (2002), de Maria Ciavatta; Trabalho e Educação. Arquitetos, abelhas e outros tecelões da economia popular e solidária (2004), de Iracy Picanço e Lia Tiriba (orgs.) A leitura de imagens na pesquisa social (2004), de Maria Ciavatta e Nilda Alves (orgs.); Ensino Médio Integrado. Concepção e contradições (2005), de Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos (orgs.); A formação do cidadão produtivo. A cultura de mercado no ensino médio técnico (2006), de Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta (orgs.); O Músico-Professor de Luciana Requião, 2006; O Pensamento Pedagógico Empresarial no Brasil, de José dos Santos Rodrigues(2006-2007) Memória e temporalidades do trabalho e da educação (2007), de Maria Ciavatta (coord.); Políticas de formação de jovens e adultos no Brasil e em Portugal (2009), de Sonia Maria Rummert e Gaudêncio Frigotto (orgs.); Mediações históricas de trabalho e educação. Gênese e disputas na formação dos trabalhadores (Rio de Janeiro, 1930-1960), (2009), de Maria Ciavatta; A pesquisa histórica em Trabalho e Educação (2010), de Maria Ciavatta e Ronaldo Rosas Reis (orgs.); Celso Suckow da Fonseca (2010), de Maria Ciavatta e Zuleide Simas da Silveira; Contradições entre capital e trabalho: concepções de educação tecnológica na reforma do ensino médio e técnico, de Zuleide Simas da Silveira, 2010 Trabalho e Educação de jovens e adultos (2011), de Lia Tiriba e Maria Ciavatta (orgs.); Gaudêncio Frigotto. Um intelectual crítico nos pequenos e nos grandes embates (2012), de Maria Ciavatta (org.); O trabalho docente e os caminhos do conhecimento (2015), de Maria Ciavatta; Luta e Memória. A preservação da memória histórica do Brasil e o resgate de pessoas e documentos das garras de Ditadura (2015), de Dora Henrique da Costa, Marly Vianna, Zuleide Faria de Melo e Maria Ciavatta (coord.); Trabalho e Educação. Análises críticas sobre a escola básica (2015), de Jaqueline Ventura e Sonia Maria Rummert (orgs.), o segundo livro coletivo do Neddate. TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Finalizando, para além da memória, história, documentações e publicações do Núcleo, que procuramos resgatar, mais recentemente, cabe destacar a forma como o Neddate vem se organizando e sendo gerido, sempre com base no trabalho coletivo. A criação de uma Coordenação Colegiada foi um dos passos que permite ao Núcleo dar materialidade às diferentes políticas em seu meio, através das diversas Linhas de Ação. Temos muitos motivos para comemorar estes 31 anos. Vamos ao debate e aos livros que estão sendo lançados hoje ... 21 Niterói, 12 de maio de 2016

21

Ventura; Jaqueline; Rummert, Sonia Maria. Trabalho e Educação. Análises críticas sobre a escola básica. Campinas: Mercado das Letras, 2015; Ciavatta, Maria. O trabalho docente e os caminhos do conhecimento – A historicidade da educação profissional. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015; Ciavatta, Maria (coord.), depoimentos de Dora Henrique da Costa; Marly Vianna; Zuleide Faria de Melo. Luta e memória. A preservação da memória histórica do Brasil e o resgate de pessoas e documentos das garras de Ditadura. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

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GRUPOS DE PESQUISA DOS PARTICIPANTES INSCRITOS NO III INTERCRÍTICA1 GRUPO

UNIVERSIDADE

1.

Centro de Estudos do Trabalho e Ontologia do Ser Social – CETROS

2.

Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES

3.

Centro de Memória da Educação Faculdade de Educação

4.

Lutas Sociais, Trabalho e Educação – LUTE

5.

Ecologia & Desenvolvimento – UTFPR

6.

Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores – EJATRAB

7.

Educação, Desenvolvimento e Tecnologias

8.

Formação e Produção Científica em Educação Profissional Integrada à EJA – EPIEJA

9.

Gênero, Trabalho e Educação – GTE

10.

Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Gestão, Trabalho e Educação – GEPGETE

11.

Grupo de Estudos e Pesquisa em Ontologia Crítica – GEPOC

12.

Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Educação – GEPTE

13.

Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Educação e Tecnologia – GETET

14.

Grupo de Estudos e Pesquisa Sobre Trabalho e Educação – GEPTE

Universidade Estadual do Ceará (UECE) Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Universidade de São Paulo (USP) Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR Universidade Federal Fluminense - UFF Universidade Vale do Rio do Sinos UNISINOS Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) Universidade Federal do Amazonas (UFAM) Universidade do Estado do Pará (UEPA). Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Universidade Federal do Pará (UFPA)

Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Trabalho, Estado, Sociedade e Educação – GP-TESE Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Marxismo (GEPEM)

15. 16. 17.

Grupo de Estudos Etno-culturais - Etno Cultural

18.

Grupo de Estudos Marxistas – GEM

19.

Grupo de Estudos Marxistas Piauiense – GEMPI (UESPI-UFPI)

20.

Grupo de Estudos Sobre Política Educacional e Trabalho – GEPETO

21.

Grupo de Pesquisa em Formação e Qualificação 1

Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Universidade Estadual do Piauí (UESPI) Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste Universidade Federal do Ceará (UFC) Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e Universidade Federal do Piauí (UFPI) Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC Centro Federal de

SÍTIO http://cetros.blogspot.com.br/ http://www.cedes.unicamp.br / http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/Centro_de_ Mem/index.html http://dgp.cnpq.br/dgp/espel hogrupo/8112760204456378

http://dgp.cnpq.br/dgp/espel hogrupo/6748472324709177

http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/EPIEJA/ind ex.html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GTE/index. html

http://gepoc.paginas.ufsc.br/ http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GEPTE/ind ex.html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GETET/inde x.html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GEPTEPA/i ndex.htm http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GPTESE/in dex.html http://gepempiripiri2012.blog spot.com.br http://www.unioeste.br/projet os/etnoculturais/ http://gemgrupodeestudosm arxistasfilosofia.blogspot.co m.br/

http://gempiphb.wix.com/site

http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GEPETO/in dex.html http://www.ufpa.br/ce/gepte/

Dados coletados a partir das fichas de inscrição dos participantes do III INTERCRÍTICA.

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GRUPO

UNIVERSIDADE

SÍTIO

Profissional – FORQUAP

mapa_do_brasil/FORQUAP/i ndex.html

25.

Grupo de Pesquisa Sobre Trabalho, Política e Sociedade – GTPS

26.

Grupo de Pesquisa Trabalho e Educação

27.

Grupo de Pesquisa Trabalho e Educação – GPTE

28.

Grupo de Pesquisa Trabalho Educação e Conhecimento – GPTEC

29.

Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Políticas Educacionais

Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET/MG) Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) Universidade Federal do Maranhão (UFMA Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Universidade de São Paulo (USP) Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) Universidade TUIUTÍ do Paraná – UTP

30.

Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Políticas Educacionais – TEPE

Universidade TUIUTÍ do Paraná – UTP

31.

Grupo De Pesquisas E Estudos Sobre Trabalho, Educação E Políticas Públicas – KAIRÓS

32.

Grupo THESE – Projetos Integrados de Pesquisas em Trabalho, História, Educação e Saúde

Universidade Federal de Santa Maria - UFSM Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz)

22. 23. 24.

Grupo de Pesquisa em Trabalho-Educação e Educação Ambiental – GPTEEA Grupo de Pesquisa Políticas de Educação Básica do PPGE Grupo de Pesquisa Qualificação Profissional e Relações Entre Trabalho e Educação h

http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GPTEEA/in dex.html http://www.educacao.ufma.b r/site/paginas/view/12 http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GPQPRTE/i ndex.htm http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GTPS/index .html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/Grupo_de_ Pesquisa_Trab/index.html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GPTE/index .html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/GPTEC/ind ex.html http://dgp.cnpq.br/dgp/espel hogrupo/1606609764021693 http://www.tepeutp.com.br/#! defesa-de-tese-dacris/zoom/mainPage/dataIte m-ioznnijz http://w3.ufsm.br/kairos/?pag e_id=15

dgp.cnpq.br/dgp/espelhogru po/1099043532614780

33.

Laboratório de Estudos e Qualificação Profissional – LABOR

Universidade Federal do Ceará (UFC)

http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/LABOR/ind ex.html Site: http://www.labor.ufc.br/ Blog: http://laborestudos.blogspot. com.br/

34.

Laboratório Universitário de Educação Popular, Trabalho e Movimentos Sociais – LUTEMOS

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

http://lutemos.blogspot.com. br/

35.

LAGEBES

Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

36.

LAGEBES - Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo

Instituto Federal de Educação do Espírito Santo IFES

37.

Núcleo de Estudos Sobre as Transformações no Mundo do Trabalho – TMT

38.

Núcleo de Estudo Sobre Trabalho e Educação – NETE

39. 40.

Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação e Trabalho – NEPET Núcleo de Estudos em Educação Profissional e

Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG Universidade de Brasília (UNB) Instituto Federal de

http://www.ce.ufes.br/laborat %C3%B3rio-degest%C3%A3o-daeduca%C3%A7%C3%A3ob%C3%A1sica-doesp%C3%ADrito-santolagebes http://www.ce.ufes.br/laborat %C3%B3rio-degest%C3%A3o-daeduca%C3%A7%C3%A3ob%C3%A1sica-doesp%C3%ADrito-santolagebes http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/TMT/index. html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/NETE/index .htm http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/NEPET/inde x.html http://201.55.32.168/nets/NE

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110

GRUPO

UNIVERSIDADE

SÍTIO

Tecnológica

Santa Catarina – IFSC Universidade Federal De Minas Gerais – UFMG Universidade Federal Fluminense (UFF) Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC Instituto Federal do Paraná - IFPR Campus Curtiba Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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41.

Núcleo De Estudos Trabalho E Educação – FaE

42.

Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação – NEDATTE

43.

Núcleo de Pesquisa em Educação – NUPED

44.

Núcleo de Pesquisas Sobre Educação Profissional – NUPEP

45.

Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Trabalho e Educação - NIETE/UNESC

46.

Políticas Públicas – PET

47.

Trabalho e Conhecimento na Educação Superior – TRACES

48.

Trabalho, Educação e Tecnologia Social

49.

Trabalho, Movimentos Sociais, Educação – TRAMSE

http://www.fae.ufmg.br/nete/ http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/NEDATTE/i ndex.htm http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/NUPED/ind ex.html http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/NUPEP/ind ex.htm http://dgp.cnpq.br/dgp/espel hogrupo/2656112896259855 http://petpp.utfpr.edu.br/?pag e_id=55 http://www.ufpa.br/ce/gepte/ mapa_do_brasil/TRACES/in dex.htm dgp.cnpq.br/dgp/espelhogru po/9105237321932100 http://www.ufpa.br/ce/gepte/mapa _do_brasil/TRAMSE/index.htm

TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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Programação do III INTERCRÍTICA Curitiba, 28 a 30 de setembro de 2016

TrabalhoNecessario – www.uff.br/trabalhonecessario; Ano 14, Nº 25/2016


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