Desenvolvimento e empreendedorismo afro-brasileiro

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relativamente elevados, observou-se de imediato um afrouxamento das normas de trabalho. Podendo satisfazer seus gastos de subsistência com dois ou três dias de trabalho por semana, ao antigo escravo parecia muito mais atrativo ´comprar´ o ócio que seguir trabalhando quando já tinha o suficiente ´para viver´[...]. Dessa forma, uma das consequências diretas da abolição nas regiões de mais rápido desenvolvimento, foi reduzir-se o grau de utilização da força de trabalho. Esse problema terá repercussões sociais amplas que não compete aqui refletir. Cabe tão somente lembrar que o reduzido desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a segregação parcial desta após a abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país. Por toda a primeira metade do século XX, a grande massa dos descendentes da antiga população escrava continuará vivendo dentro de seu limitado sistema de necessidades, cabendo-lhe um papel puramente passivo nas transformações econômicas do país. (FURTADO, 1989, p. 140, grifo nosso).

Mesmo se considerássemos apenas o estado da arte do conhecimento sobre economia da época, saltam aos olhos de observadores mais atentos as profundas impropriedades do conteúdo da citação anterior. Se admitirmos, como base para nossa avaliação, tudo o mais que fora produzido de lá para cá no campo das ciências econômicas e das demais ciências sociais, poderíamos sugerir que os capítulos em que Furtado trata da questão da mão de obra em seu livro mais conhecido jamais deveriam ter sido escritos, posto que suas assertivas devam ter concorrido para o fortalecimento de um dos maiores estigmas impostos aos seres humanos – e seus descendentes – submetidos à escravidão no Brasil: a “falta de 147


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