Ragga #52 - E agora?

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REVISTA

e agora? O que vem na sequência de uma revolução pessoal ou coletiva

Laerte Coutinho:

“CANSEI DA MINHA PRÓPRIA VOZ”

#52 , AGOSTO , 11 , ANO 6

NÃO TEM PREÇO

Ele continua se vestindo de mulher, mas repensa seu discurso sobre isso

E mais: .Escalada no

Huyana Potosí .Sander Mecca e as desventuras de um ex-Twister

Graffiti pósPrimavera Árabe Seis meses depois de tomar as ruas do Cairo, os jovens chegam aos muros

Trincando o tabu: Fernando Grostein Andrade Ele filmou o debate de FHC sobre as drogas e quer continuar a discutir o assunto




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EDITORIAL

Alguns dias depois Depois de qualquer novidade, mudança, conquista ou desafio superado, sentimos aquela excitação, uma sensação boa de dever cumprido. Mas que, inevitavelmente, passadas algumas horas, dias ou anos, sempre vêm seguidas de uma sensação traduzida em duas palavras: “E agora?”. Não hesito em dizer com todas as letras que somos mesmo eternos insatisfeitos. E isso, à primeira vista, pode parecer algo negativo, um excesso de querer. Mas não acredito que seja nem de perto algo ruim, muito pelo contrário. Tenho a convicção de que é exatamente isso que faz a roda da vida girar, é o que nos motiva a saber, buscar e conquistar mais. Até um dia, quem sabe, podermos parar e dizer: pronto, está bom assim. É vital! Vivemos em busca de respostas, sensações, realizações e precisamos de novos “e agora?” para nos dar aquele empurrão a fim de calar as novas inquietudes. Nesta edição, nosso Perfil é Fernando Grostein Andrade, o diretor do documentário em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso discute a descriminalização da maconha. Juntos, eles levantaram o tema e jogaram a discussão nos mais altos níveis. E agora? Há um ano, o cartunista Laerte resolveu mudar radicalmente sua visão do mundo e aderiu a uma prática chamada crossdressing, passando a se vestir publicamente como uma mulher, na tentativa de iniciar um novo ciclo de vida em busca de liberdade. E agora? A mesma liberdade foi devolvida a Sander Mecca, ex-Twister — para quem não se lembra, era o nome da boy band da qual ele era o vocalista e arrepiava os nossos e o próprio cabelo nos domingos do Gugu. Cumpriu quase dois anos de pena por tráfico de drogas, mas já respira a liberdade e acaba de escrever um livro contando sua trajetória. Essas e muitas outras pautas foram as nossas inquietudes desde a ultima edição da Ragga e aí estão elas, impressas. E agora? Lucas Fonda — Diretor Geral lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br

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EL HUYANA POTOSÍ A conquista da primeira montanha, na Bolívia

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DEPOIS DA BOY BAND Sander Mecca, ex-Twister, fala sobre drogas, fama e ostracismo

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AINDA PRIMAVERA A revolução árabe estampa graffitis nos muros do Cairo

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ACIMA DOS GÊNEROS Laerte Coutinho fala do que veio depois do vestuário feminino

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MUITO POR FAZER Fernando Grostein Andrade sobre a própria carreira e a discussão sobre as drogas no país


BÚSSOLA

DESTRINCHANDO

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ESTILO , Tetê Vasconcelos QUEM É RAGGA

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ON THE ROAD , Amsterdã

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RAGGA GIRL , Fernanda Liberato EU QUERO , Meu pai quer

66

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MARINA TEIXEIRA

já é de casa


CAIXA DE ENTRADA < Cartas >

< Expediente >

Mericks Mendes @mericks // Via Twitter Acabei de ganhar a edição da @revistaragga deste mês aqui no serviço. Leitura bacana!

DIRETOR GERAL lucas fonda [lucasfonda.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING bruno dib [brunodib.mg@diariosassociados.com.br] DIRETOR FINANCEIRO josé a. toledo [antoniotoledo.mg@diariosassociados.com.br] ASSISTENTE FINANCEIRO nathalia wenchenck GERENTE DE COMERCIALIZAÇÃO E MARKETING rodrigo fonseca PROMOÇÃO E EVENTOS isabela daguer EDITORA sabrina abreu [sabrinaabreu.mg@diariosassociados.com.br] SUBEDITOR bruno mateus REPÓRTERES bernardo biagioni. flávia denise de magalhães JORNALISTA RESPONSÁVEL sabrina abreu – mg09852jp NÚCLEO WEB guilherme avila [guilhermeavila.mg@diariosassociados.com.br] damiany coelho DESIGNERS anne pattrice [annepattrice.mg@diariosassociados.com.br] bruno teodoro marina teixeira marcelo andrade FOTOGRAFIA ana slika. bruno senna carlos hauck. carol vargas. romerson araújo ILUSTRADOR CONVIDADO rodrigo grimer [flickr.com/grimer] ESTAGIÁRIOS DE REDAÇÃO diego suriadakis izabella figueiredo ARTICULISTA lucas machado COLUNISTAS alex capella. cristiana guerra. henrique portugal. kiko ferreira lucas buzatti. rafinha bastos COLABORADORES fábio gruppi. gabito nunes marcelo naddeo. victor motta RAGGA GIRL MODELO fernanda liberato FOTOS diego suriadakis CAPA marcelo naddeo REVISÃO DE TEXTO vigilantes do texto IMPRESSÃO rona editora REVISTA DIGITAL [www.revistaragga.com.br] RAGGA TV/QUEIJO ELÉTRICO cafa sorridente. cahue teixeira cláudio moreira. eduardo drummond fábio gruppi. felipe prado. igor marotti REDAÇÃO rua do ouro, 136/ 7º andar :: serra :: cep 30220-000 belo horizonte :: mg . [55 31 3225-4400]

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Cafa Sorridente ensina a fazer uma receita de grude e a colar o sticker da Ragga (pág. 46) em grande estilo. O clipe de Subterranean Homesick Blues, nossa referência para a foto do índice. Making of do Perfil desta edição (pág. 74).

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Frango defumado com cream cheese.

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ARTIGO

Ganhar ou perder, mas sempre com democracia por Lucas Machado ilustração Raquel Pinheiro

Slogan do documentário Ser campeão é detalhe, realizado por estudantes de midiologia da Unicamp e liderado pelo professor Adilson Ruiz

A ditadura militar é um acontecimento tão marcante na história do Brasil, na minha opinião, que a falta de apuração sobre os assassinatos e torturas cometidas pelo Estado naquele período é de indignar qualquer brasileiro que preze pela nação. Foi uma época em que não se podia sonhar, pensar e muito menos falar, deixando o povo brasileiro sedento por uma liberdade até então reprimida. Muitos civis desapareceram, outros foram deportados e presos, tudo isso debaixo de muita tortura e porrada. Em pleno regime militar, era difícil acreditar que a situação mudaria. Entretanto, não havia apenas conformistas em terras brasileiras. Em 1982, passaríamos a ter a primeira eleição direta para deputado: a luz no fim do túnel já pairava no ar. Foi quando, coincidentemente, o time do Corinthians enfrentava uma crise devido à péssima campanha no ano anterior. Foi aí que o novo presidente do clube, Waldemar Pires, pediu ao locutor esportivo Osmar Santos — aquele dos bordões “Ripa na chulipa” e “Pimba na gorduchinha” — para apresentá-lo ao publicitário Washington Olivetto, que, além de corintiano roxo, já colecionava diversos prêmios de publicidade. Waldemar queria convidá-lo para ser o vicediretor de marketing do clube. Ele disse sim, sob a seguinte condição: “Só aceito trabalhar para o meu time se for de graça”. A partir daí, o movimento, que ficou conhecido como Democracia Corinthiana, ganhou força. Washington articulou um conselho formado por grandes nomes amantes do clube, executivos da Rede Globo, a estilista Glória Kalil, a roqueira Rita Lee. As camisas do time em campo estampavam os dizeres “Democracia já”. Dias depois, foi marcado o primeiro debate público de renovação do time, e o movimento foi batizado com o nome sugerido pelo próprio publicitário. Como disse o jornalista Juca Kfouri: “Estamos tendo o privilégio de ver nascer a Democracia Corinthiana”. Faziam parte o presidente, toda a direção do clube e jogadores como Sócrates, Casagrande, Biro-Biro, Wladimir, Zenon, Zé Maria, entre outros.

O movimento tinha como condição básica a participação de todos, desde o roupeiro até o presidente. Tudo era decidido por votação, em todas as decisões importantes do Timão, como contratações, escalação do time, horários dos treinos, salários, esquemas táticos, viagens para fora da cidade e até o famoso “bicho”, premiação em dinheiro dada aos jogadores depois de conquistas de títulos e partidas. Depois de instaurada a Democracia Corinthiana, o clube ganhou os campeonatos paulistas em 1982 e 1983 e, segundo o craque do time e da Seleção Brasileira, Sócrates, pagou todas as dívidas, deixando ainda um saldo positivo no caixa. Foram anos de glória e conquistas para a democracia dentro e fora de campo. Até que alguns jogadores entraram para a poDepois de lítica, outros foram contratados instaurada a por outros clubes e o movimento teve seu fim em 1984, com a Democracia entrada de uma diretoria mais Corinthiana, conservadora e careta. São histórias e personao clube ganhou gens como esses que, de certa os campeonatos forma, fizeram com que, em paulistas em abril de 1984, o Congresso Nacional colocasse em votação a 1982 e 1983 e emenda do deputado Dante de pagou todas Oliveira, que finalmente daria as dívidas ao povo brasileiro a chance de eleger o presidente da República e outros cargos majoritários, como governadores e prefeitos, via voto direto. Infelizmente, não houve quórum suficiente e a emenda foi sepultada. Em manifestações pelas Diretas Já — que levavam multidões às ruas — no mesmo palanque subiram nomes como Sócrates, Casagrande, Tancredo Neves, Lula, Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Agora, vivemos uma outra realidade no país, mas esses guerreiros devem ser coroados e, mais do que isso, lembrados pela luta e pelas conquistas que hoje temos — uma das mais importantes é o poder de ir às urnas e eleger nossos candidatos. Hoje podemos votar e a nova geração tem que ter consciência da importância disso. Senão para nós mesmos, pelo menos em memória desses personagens aqui citados, que lutaram pela nossa liberdade de voto e expressão. A Democracia Corinthiana deixou uma mensagem para além dos campos de futebol: perdendo ou ganhando, temos o dever da democracia plena.

manifestações: articulista.mg@diariosassociados.com.br | Twitter: @lucasmachado1 | Comunidade do Orkut: Destrinchando ,12

J.C.



COLABORADORES Rodrigo Ortega é editor-assistente da revista Billboard e já colaborou várias vezes para a Ragga, na antiga seção Pílula Pop. Seu novo projeto em busca do estrelato musical, a dupla sertaneja Arctic & Monkeys, com versões da banda inglesa, será lançado assim que ele deixar de ter 27 anos — “é mais prudente”, explica. Ele assina a matéria com o Sander, ex-vocalista da boy band Twister. twitter.com/ortegopolis

FOTOS: arquivo pessoal

Graduado em economia e matemática pela King College, nos Estados Unidos, Victor Motta morou no Egito, na Alemanha, na Rússia e na China, nos últimos seis anos. De volta ao Brasil, cursa MBA de gestão em hotelaria de luxo, em São Paulo. É dele o Na Gringa sobre a aldeia chinesa de Yujiacun. mottavictor.blogspot.com

Vocalista da Tempo Plástico, pós-graduado em processos criativos em palavra e imagem, o também jornalista e poeta Fábio Gruppi faz seu tempo em produções do Queijo Elétrico, shows de sua banda e procurando um lugar para morar. É dele o making of do perfil para a Ragga TV. queijoeletrico.com.br

SCRAP por Alex Capella

SA

fale com ele: alexcapella.mg@diariosassociados.com.br *A coluna Scrap S/A foi fechada no dia 20 de julho. Sugestões e informações para a edição de setembro, favor entre em contato pelo e-mail da coluna.

/ Agora, em BH / Até o fim do ano, chega a BH uma das casas de maior prestígio em São Paulo, NA MATA CAFÉ. A casa vai operar em três formatos como acontece em SP: Bistrô/Bar e Club/Casa de Shows. Abrigados em um mesmo local, mas com ambientes diferentes. O endereço para a abertura da casa fica na praça Marília de Dirceu, no Bairro de Lourdes.

De 5 de setembro a 20 de novembro, a Pampulha receberá a segunda edição do Circuito Gastronômico. São 13 restaurantes que se uniram para promover a gastronomia da região. Quem almoçar ou jantar em um dos estabelecimentos participantes ganhará 100% de desconto no prato do seu acompanhante. Além da comida, o evento contará com atrações musicais, teatrais e exposições.

/ Galopando / O Grupo Germana (Chopp Germana, Alambique Cachaçaria, Butiquim Mineiro, Supper Eventos) investiu R$ 4 milhões na Galopeira, nova casa de shows de Belo Horizonte, voltada para a música sertaneja, pagode e axé. O empreendimento, que funcionará na antiga sede do Canecão Mineiro, no Prado, terá capacidade para 3 mil pessoas em seus 2.895m². Serão gerados 90 empregos diretos e a expectativa dos proprietários é atrair o público da classe C, carente de espaços desse porte na capital mineira.

IMAGENS: DIVULGAÇÃO

/ Pampulha à la carte /


ILUSTRADOR CONVIDADO

Rodrigo Grimer [flickr.com/grimer]

Graduado em design gráfico pela Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), em 2010, moro atualmente em Belo Horizonte. Tenho interesse crescente por grids, ilustração, grafitti tags, toy art e tipografia. Gosto do processo, do analógico, do desafio de cada projeto, quando, em muitos casos, o conceito é mais importante que o próprio produto.

Quer rabiscar a Ragga? Mande seu portfólio para annepattrice.mg@diariosassociados.com.br


COLUNA

,reflexões reflexivas do twitter

RENATO STOCKLER

COLÍRIOS, CANGAS E MAMONAS

< RAFINHA BASTOS >

RODRIGO GRIMER

é jornalista, ator de comédia stand-up e apresentador do programa CQC (Custe o Que Custar)

Canga é uma palavra em tupi-guarani que significa: eu adoro praia, mas tenho vergonha do meu rabo

Na boa, os Mamonas devem estar escondidos em algum lugar produzindo “imagens exclusivas”

Eu achava que era “Fernando EM Sorocaba”. Não entendia como o moço tinha tanta projeção fazendo show em só uma cidade.

Fazer “xixi no banho” é uma forma de economizar água? Não acho. Desde que aderi à causa, passei a tomar 9 banhos/dia.

O próximo ser humano que usar a palavra “vibe” numa frase terá 2 dedos da mão esquerda amputados. Valendo!

Maconha não é a porta de entrada p/ outras drogas, a burrice é. Meiguice cansa rápido..

Idoso com espírito jovem é legal de ver, mas isso tem limite.

Transar com ex não é fraquejo, é reciclagem. Não existe superioridade absoluta em esporte coletivo desde o Dream Team do M. Jordan. O futebol brasileiro é bom, e ponto. Chega de histeria. Vc não é ansiosa... vc é chata.

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fale com ele: rafinhabastos.mg@diariosassociados.com.br

Vou ali fazer uma chapinha, depilação, máscara facial, bronzeamento artificial e já volto.

Antes do advento do celular, apenas o fumante fazia luzinha no show de rock.

Alguém sabe se este colírio da Capricho é melhor que o Moura Brasil? Insônia? Não. Crack. Eu comeria a Lady Gaga. E depois tomaria um bom banhinho.



COLUNA

,provador

ELISA MENDES

SOBRE O IMPULSO E OUTROS PERIGOS

< CRIS GUERRA >

RODRIGO GRIMER

40 anos, é redatora publicitária, ex-consumidora compulsiva, ex-viúva, mãe (parafrancisco. blogspot.com) e modelo do seu próprio blogue de moda (hojevouassim.com.br)

O impulso cabe no raro momento em que a euforia supera o raciocínio

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De um ato impulsivo todo mundo já foi capaz um dia. Mas quando uma pessoa é chamada de impulsiva, isso está longe de ser um elogio. Admito: muitas vezes, não sem razão, meu nome vem acompanhado desse adjetivo. Acontece que refleti sobre os passos mais importantes da minha vida e, surpresa, descobri que a impulsividade é a chave para todos eles. Foi num impulso que comecei a escrever diário na adolescência — e acabei me tornando escrevinhadeira de profissão. Primeiro, como publicitária. Depois, graças a outro impulso, passei a escrever sobre coisas cotidianas. E, nesses impulsos de escrever, aprendo sobre mim. Demorei 40 anos para entender a importância dessa palavra. A demora tem menos a ver com a busca e mais a ver com a distração que me trouxe o insight. Impulsivos, acreditem, são capazes de pensar. Mas não o suficiente para ser paralisados pelo raciocínio. Quantas vezes nos prendemos a um pensamento obsessivo em busca de uma ideia, uma solução, uma escolha, e justamente quando nos distraímos é que nos vem a resposta? A sorte é que depois do insight costuma

fale com ela: crisguerra.mg@diariosassociados.com.br

vir o impulso, sem o qual desistimos da ideia no primeiro respiro de lucidez. O impulso cabe no raro momento em que a euforia supera o raciocínio, trazendo uma certeza irracional. É dele o empurrão para grandes atos que marcaram a história do mundo e para os que podem marcar a nossa. O que é ter um filho senão um impulso maravilhoso e desprovido de consciência? Se se ponderar ponto por ponto, não há criança que nasça. Filhos são passos certeiros para correr riscos diários e deliciosos. Em mim, impulsos sucedem lampejos de intuição que eu nunca desprezo e, afirmo: não costumam falhar. Mas vivemos no mundo da informação, da pesquisa, do pensamento e da discussão. Palavras que matam a intuição a pauladas, não deixando que ela sequer dê um último suspiro. Sem intuição, sem impulsos importantes, mas não necessariamente em paz, muitas pessoas caminham exatas, chatas, entediadas e terrivelmente controladas. Até que o destino, impulsivo, prove o contrário. Impulsos ajuizados, eu assim os chamaria, são perigos bem-vindos em nossas vidas. Rápidos como um piscar — não os conseguimos pegar com a mão —, nos levam a caminhos melhores e surpreendentes. Pronto, falei. Em mais um impulso de não-pensamento. Agora posso ir dormir.


Atitude Comportamento Estilo 24hs na sua TV por assinatura


ESPORTE ,montanhismo

NO TOPO A mais de 6.000 metros de altitude, relatos do nosso fotógrafo sobre o sacrifício e a glória de chegar ao cume do Huyana Potosí, na Bolívia texto e fotos Bruno Senna

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São 3h50, estou caminhando há 1h40 no escuro. A sensação térmica com o vento é de -15 °C. O que estou fazendo aqui? Recordo-me da pergunta: “Por que escalamos montanhas?”. É tanto sofrimento. Falta ar, minha barriga dói e o cume não chega nunca, nem ao menos consigo ver a montanha. Há menos de uma semana, estávamos em outra montanha, tentando alcançar o cume do Pequeño Alpamayo, na parte boliviana da Cordilheira Real, mas uma tempestade de neve nos pegou e tivemos que abortar. O medo de fracasso paira no ar. Tento pensar em outras coisas, definitivamente estou em um jogo psicológico — it’s a mind game. Essa frase está escrita na parede do abrigo e faz todo sentido agora. Tento buscar boas lembranças: belas mulheres que tive a honra de conhecer, lugares fantásticos que visitei, bons amigos que fiz, boas refeições que desfrutei, fotos que sempre levarei na lembrança. Tive uma vida boa até agora. O guia me pergunta como estou. Não me sinto forte, não estou bem, mas não vomitei e não estou com dor de cabeça. Consigo me manter em pé, não estou tão mal. A única opção é continuar. It’s a mind game — you win if you want to. São 4h20, penso nos meus pais, que se foram tão jovens e há tão pouco tempo. Este cume é para eles também. É uma prova de que posso sobreviver, de que vou dar conta. Uma hora depois, olhamos para cima e vemos a sombra do cume. Ele realmente existe! Vamos chegar, temos que chegar. Somos preenchidos por um novo ânimo que estranhamente nos põe de pé. São 6h, o sol nasce e estamos na crista do Huyana Potosí. A vista é indescritível, talvez a mais linda que meus olhos já testemunharam. Os ventos cortam a mais de 100km/h. Estamos engatinhando em uma aresta fina e qualquer deslize pode resultar em um acidente sério. Não é hora para vacilos. Vamos nos arrastando lentamente e nosso guia, Marco, não para de gritar um minuto: “Cuidado! Em frente! Seguro!”. Já consigo finalmente ver o cume.


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6h10: chegamos. Aquele lugar representa tantas coisas e chegar lá nos transforma em outras pessoas. Conquistamos our first mountain. São horas tão intensas vividas na montanha que você se sente em um universo paralelo, todas as suas referências mudam. É difícil explicar onde tudo isto começou. O Brasil não tem montanhas. E para o escalador brasileiro que ama subir paredes, esse desejo cresce no subconsciente. No começo, a vontade vem de forma tímida e receosa, mas, aos poucos, vai tomando força, até que um dia se transforma numa ideia, que, com a ajuda de amigos, apoiadores, opinadores e entusiastas, se torna um projeto. Assim nasceu o My first mountain, com o apoio da The North Face Brasil, Rokaz Escalada, Ragga e Red Bull. Cinco amigos escaladores que desejavam subir sua primeira montanha acima dos 6.000 metros. Com a criação de um blog (firstmountain.blogspot.com) e o uso de redes sociais, a expedição se propôs a registrar todos os passos até o cume.

No desespero vale tudo, até improvisar um óculos de rolo de papel higiênico para proteger a visão

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Se existe uma regra na vida é que, quando nos propomos a fazer algo pela primeira vez, cairemos em algumas roubadas, como quando não reservamos comida nos abrigos. Resultado: descascar batatas a 5.100 metros numa cozinha improvisada em uma barraca enquanto todos os outros montanhistas descansavam. Ou não levar remédios suficientes para dor de barriga — usar o banheiro externo do abrigo com altitude, vento e frio não é uma vivência nada agradável. Porém, a regra também diz, nas entrelinhas, que haverá novas experiências fantásticas e recompensas, como ver o sol nascendo a 6.088 metros, saber que você é capaz de superar limites que nem sonhava ter, tirar as fotos mais lindas da sua vida ou até mesmo sentir que sua casa é um hotel cinco estrelas depois de 17 dias na Bolívia. Certa vez, o montanhista George Mallory respondeu à pergunta: “Por que você escala montanhas?”. “Porque elas estão lá”, ele disse. Apesar de simplista, é uma afirmação real,


Em plena tempestade de neve no Pequeño Alpamayo

SÃO 6H, O SOL NASCE E ESTAMOS NA CRISTA DO HUYANA POTOSÍ. A VISTA É INDESCRITÍVEL, TALVEZ A MAIS LINDA QUE MEUS OLHOS JÁ TESTEMUNHARAM

Cardápio do almoço: lasanha de lhama


não existe uma grande explicação, é uma jornada que cada um se propõe, com desafios, sacrifícios e prêmios ao longo do caminho. Apenas aqueles que chegaram lá sabem o que é estar no cume, mas quem tem dentro de si a paixão pela aventura, o desejo de explorar, a vontade de ir além, sabe que é impossível ignorar aquele chamado interno que nos motiva. Quando estamos lá, no cume, na crista da onda, no topo da via, no fim da trilha, é quando a chama interna se acende, o coração bate mais rápido, temos aquele brilho nos olhos e nos sentimos vivos.

Na tentativa de ascensão ao Pequeño Alpamayo


Paisagens surreais e ilusþes de perspectiva no Salar de Uyuni

Leonardo Santiago, Thiago Garcia, Luiz Eduardo Persechini, Bruno Senna e Carlos Benfica: equipe My first mountain

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E AGORA?

Sombra do sucesso ,26


“Meu amor, nosso amor / Dá 40 graus de febre / Queima pra valer, queima pra valeeer...”. De cabelo espetadinho e um macacão laranja meio astronauta, meio gari do espaço, Sander se vê na telinha em câmera lenta. Ele e os outros três garotos, todos com a mesma roupa, fazem caras e bocas no estúdio e dublam os versos de Quarenta graus. O grupo logo emplacaria a música nas rádios, em 2000, e o videoclipe na MTV. Sucesso era tudo que o paulista Sander Mecca buscava desde criança. Finalmente, conseguiu com o Twister. Figurino nonsense, cenário bizarro, tudo aquilo parece fantástico para ele, aos 17 anos. Ainda mais junto com outra coisa que está na sua cabeça: ácido. Os outros músicos caretas e a equipe que os tratavam como bonecos — ninguém se importa ou percebe que ele está viajando de LSD o dia todo. Ele é só “o maluco do Twister”.

A falsidade colorida de uma boy band esconde desejos e dramas de pessoas reais. Sander Mecca, ex-Twister, conheceu a vida por trás da fama — e das grades por Rodrigo Ortega ilustração Rodrigo Grimer

Cinco anos depois, Sander canta a mesma música, sem direito a playback, em um cenário bem diferente. No pátio da penitenciária Belém II, em São Paulo, estão todos os presos enfileirados, só de cuecas. Sander é um deles. É dia de visita da Tropa de Choque da Polícia, que faz os bandidos mais perigosos tremerem. Sander está preso por porte de drogas e o Twister não existe mais. Mas às vezes as pessoas se lembram — naquele dia foi alguém da Tropa de Choque. O policial coloca a arma na sua cabeça. “Ah, você não é o cara do Twister, daquela música da febre? Canta ‘pro choque’!”, exige o sádico oficial. Sander não queria, mas de cócoras, com uma arma na cabeça, foi irrecusável: “Meu amor, nosso amor / Dá 40 graus de febre / Queima pra valer, queima pra valeeer...”. Sander Mecca achou que montar uma boy band seria o caminho mais rápido para fama, diversão e liberdade. Porém, o ex-Twister encontrou o oposto do que sonhou. Desde os oito anos, participava de programas de auditório e fez parte do grupo mirim Comando, uma tentativa de “novo Menudo” bancada pelo apresentador Gugu. “A minha infância foi uma coisa que eu buscava, mas foi um tanto quanto diferente dos meus amigos de escola, outras crianças que eu conhecia. Era TV, show, tinha roupa de show, tinha que ensaiar”, Sander conta à Ragga num bar em São Paulo. O músico carrega cópias do livro que editou no fim do ano passado, Inferno amarelo, sobre a dramática experiência na prisão.

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CHICO AUDI / DIVULGAÇÃO

ELE ACHOU QUE MONTAR UMA BOY BAND SERIA O CAMINHO MAIS RÁPIDO PARA FAMA, DIVERSÃO E LIBERDADE. MAS O EXTWISTER ENCONTROU O OPOSTO DO QUE SONHOU

Euforia sem liberdade Sander (no meio, de cabelo espetado) com o Twister

O livro aborda também sua carreira, que começou a deslanchar quando, aos 15 anos, já com a experiência do grupo Comando, começou a montar com um empresário o projeto que seria o Twister. No final dos anos 1990, auge do sucesso dos Backstreet Boys, N’Sync, Five e semelhantes, fazer uma adaptação brasileira dessa fórmula era uma óbvia oportunidade de negócio. Não era o objetivo final do garoto, segundo ele, fã de Pearl Jam, no entanto, esse parecia um bom caminho para ter dinheiro no bolso e o rosto na TV. ,Sucesso em troca de liberdade

O disco Twister, de 2000, embalado por Quarenta graus, vendeu 250 mil cópias no Brasil. Em 2001, eles gravaram um CD em espanhol e chegaram a abrir um show do ‘NSync para 100 mil pessoas no México. Mas Sander não imaginava duas coisas: 1) o sucesso vai embora tão fácil quanto chega — em janeiro de 2003, o grupo já estava sem gravadora e sem público; 2) a sua liberdade era o preço da carreira — o Twister era mantido praticamente em uma prisão. “Ficávamos confinados em uma mansão. Fazíamos cursos, tínhamos conforto, mas ninguém podia ter celular, namorada. O empresário dizia que o amor podia atrapalhar a carreira. Garota de programa podia, mas sem repetir, para não se apaixonar.” Sander, que fumava maconha desde os 15 anos, sentia cada vez mais vontade de escapar. Anos antes da experiência do músico em uma cadeia de verdade, o Twister chegou a viver uma cena digna de filme sobre presidiários. “A gente já não aguentava mais. Fugimos dessa casa de madrugada, enquanto ele dormia. Só tive tempo de pegar algumas roupas e CDs.” O grupo ainda lançou o CD Mochila e guitarra no avião, em 2002, mas não foi longe. “Fechou a gravadora [Abril Music], a gente tentou dar continuidade com outra, mas não rolou”, ,28

Sander resume o fim do Twister. Ironicamente, foi então que ele começou a vida de popstar. “Foi nessa época que fiquei mais despirocado. Morava sozinho, tinha uma graninha e nada na agenda”, lembra. “Eu não tive adolescência, fui viver depois todas as vontades que ficaram acumuladas. Comecei a ir para a balada direto, muita rave, ficava duas noites acordado. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll, pura promiscuidade. Tinha algumas namoradas que aceitavam eu estar com outras mulheres. Ia para uma rave, não adiantava tomar um ecstasy, tinha que tomar dois de uma vez. Acabava tomando oito na noite. Aproveitei intensamente. Até demais, tanto que tive consequências”, conta. As consequências tiveram início em um bar nos Jardins, em São Paulo, de onde Sander saiu para a delegacia, em outubro de 2003. “Eu sempre tinha drogas para mim e para quem quisesse. Quando o segurança do bar me abordou, eu estava cheirando no banheiro. Em uma cigarreira tinha 10 ácidos, 10 ecstasys e dois papelotes de pó, porque depois a gente ia para a rave. Eu podia ter jogado tudo na privada. Achei que iam no máximo me botar para fora do bar, não sabia que a polícia estava lá fora”, diz. “Quando cheguei na delegacia, eu tava ‘locaço’. O delegado falou: ‘Mas isso não pode ser tudo seu!’. ‘Quer ver como é meu?’, respondi, ‘se quiser tomo tudo de uma vez!’. E ele: ‘Você tá louco?’”. Pela quantidade, Sander foi preso como traficante.


LALO DE ALMEIDA / DIVULGAÇÃO

SANDER FOI PARAR NA MESMA CELA DOS IRMÃOS CRAVINHO, ACUSADOS PELO ASSASSINATO DOS PAIS DE SUZANE VON RICHTHOFEN, EM 2002, E UM OUTRO PRESO QUE TINHA APELIDO DE “TONY RAMOS”

Agora livre: “Nada vai trazer o que foi de volta”

,Casa dos artistas

“Só fui me ligar que fodeu mesmo depois de semanas, quando foram chegando advogados, audiências. Vi que ia ser mais sério”, diz. Ele foi condenado a quatro anos de prisão. “Minha família não sabia de nada. Foi uma tragédia, um pesadelo.” Ele foi para o seu “inferno amarelo”: a penitenciária de Belém II, na Zona Leste de São Paulo. Sander foi parar na mesma cela dos irmãos Cravinhos, acusados pelo assassinato dos pais de Suzane Von Richthofen, em 2002, e de um outro preso que tinha apelido de “Tony Ramos”. “Aí os caras fizeram uma plaquinha, desenharam e colaram lá na nossa cela: ‘Casa dos artistas’”, lembra. “Me chamavam de ‘Tuíste’. Eu tinha um violão e tocava para os outros presos. Muitos pediam para escrever carta, eu escrevia pra eles”, recorda. “Aí, Tuíste, num esquenta não, gruda ni mim, que eu não vô dexá você ser furado e morrê como porco”, ele ouviu de um companheiro. Sander conseguiu conviver bem, mas não foram momentos felizes. “Lá tá todo mundo na mesma merda, no extremo da desgraça”, define. Uma das lembranças mais terríveis é de “um cara que chegou e apanhou a ponto de desmaiar e chamarem a enfermeira para acordá-lo de novo e voltar a apanhar”. “Apanhou por dias, porque era acusado de matar o filho recém-nascido. Depois foram ver e ele não tinha matado — a mulher tinha armado para ele”, lembra, ainda chocado. Depois de cumprir 19 meses, com previsão de ainda mais um ano em regime fechado, Sander conseguiu transferência. “A nova prisão era bem melhor, tinha chuveiro quente, assistência

médica, tratavam [os presos] com dignidade, independentemente do que você fez.” Um mês depois, em junho de 2005, chegou a notícia inesperada. “A diretora me chamou na sala dela e falou: ‘Chegou sua apelação, você está livre’. Primeiro, achei que era piada. Depois ria e chorava ao mesmo tempo.” Cinco anos depois de ser absolvido da acusação de tráfico, ele poderia tentar uma compensação pelos meses na cadeia. “Eu poderia processar o Estado. Mas já era, nada vai trazer o que foi de volta.” Ele tenta achar o lado bom do que aconteceu: “Por mais que tenha tido consequências sérias e pesadas, fiz tudo o que queria fazer, quando eu queria. Prefiro pensar que foi boa [a prisão], que se não tivesse acontecido esse breque eu ia me foder mais, pelo tanto de drogas que estava usando”. Hoje, Sander toca em bares — rock e MPB, em vez de pop coreografado — e tem projetos em teatro, com poucas ambições comerciais, sobre os quais fala com animação. O cantor chegou a frequentar cultos evangélicos na cadeia, mas por pouco tempo. Ele acredita mais nas coisas como resultado de ações dos homens do que de Deus. “A vida é isto: o que você fizer vai levar às consequências certas. Ou erradas”.

A divulgação do livro é feita de forma independente. “Interessados no meu livro? Escrevam para livroinfernoamarelo@gmail.com. Esse foi seu último post no Twitter. @sandermecca ,29


NOITE ADENTRO

fotos Ana Slika


“Viaje o mundo sem tirar a tulipa da mesa”. Com esse slogan, o Alfândega Bar foi inaugurado em junho do ano passado, no Bairro São Pedro, Zona Sul de Belo Horizonte. A proposta da casa é apresentar aspectos da cultura internacional por meio da gastronomia, decoração exclusiva e programação cultural. Quem passa pelo Alfândega Bar é convidado a fazer uma viagem pelo mundo. No cardápio, pratos e petiscos inspirados em diferentes culturas e regiões. No menu de bebidas, especialíssimas cervejas nacionais e importadas, além de autênticos drinks artesanais, vinhos e uísques. Todos esses ingredientes são regados à música e apresentações culturais, de diversos gêneros e estilos.

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E AGORA?

Com causa Jovens aproveitam a recém-conquistada liberdade de expressão grafitando muros no Cairo texto e fotos Sabrina Abreu

“É proibido proibir”, alguém pichou, pela primeira vez, num muro de Paris em 1968. Aquele ano e lugar era o epicentro da década em que os jovens se tornaram atores principais das transformações políticas do mundo Ocidental. Eles catalisaram a vinda de liberdades há tanto sonhadas, na vida pública e particular: dos direitos das mulheres à liberação sexual. A revolta se espalhou pela Europa e pelas Américas. Na Espanha, protestos de estudantes derrubaram o ministro da educação. Na Polônia, jovens se mobilizaram contra o regime socialista e, em represália, o regime fechou a Universidade de Varsóvia por três dias. No Rio, a passeata dos 100 mil protestou contra os militares. Em Nova York, 60 mil exigiram o fim da guerra do Vietnã no Central Park. Mais de cinco décadas se passaram e os jovens estão de volta ao centro da política mundial. Desta vez, aquela outra parte do planeta, o Norte da África, o Oriente Médio. Em meio aos protestos do Marrocos à Síria, da Tunísia ao Egito, é esse último país que se tornou a principal inspiração para não deixar a Primavera Árabe morrer na praia. A multidão com menos de 30 anos que se apossou da Praça Tahir, em 25 de janeiro, e fez o ditador Hosni Mubarak ser deposto 18 dias mais tarde, agora quer mais. Completados seis meses da revolução, o anseio é pela democratização do país. Além das praças e das ruas, os jovens tomaram conta dos muros. O resultado se vê numa forma de expressão que ainda é nova para eles: grafittis que ilustram o momento presente, as cores da bandeira — da qual agora têm orgulho — e um agradecimento às redes sociais que ajudaram o movimento libertário a se concretizar.

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E AGORA?

UM HOMEM LIVRE Quase um ano depois de começar a se vestir com roupas femininas publicamente, da enxurrada de entrevistas e do assédio da mídia, Laerte questiona seu próprio discurso por Bruno Mateus fotos Marcelo Naddeo

Laerte está cansado de sua própria voz. Cartunista de sucesso, criador de personagens inesquecíveis, como o puxa-saco Fagundes, e integrante da trinca Los Três Amigos, juntamente com Glauco e Angeli, já era reconhecido pelo seu talento com as tirinhas. Mas, desde que, no segundo semestre do ano passado, começou a se travestir publicamente, jornais e revistas estamparam o homem sexagenário vestido com roupas femininas, atraindo olhares curiosos e mais atenção ainda da mídia, faminta em destrinchar os motivos que o fizeram se vestir daquele jeito — a prática se chama crossdressing, quando pessoas se vestem com objetos associados ,38

ao sexo oposto. Bissexual, ele afirma que os novos trajes em nada têm a ver com sua opção sexual, apenas atendeu a um desejo íntimo e antigo. Talvez seja por esse alarde todo que Laerte está farto de dar entrevistas. “Começo a duvidar do que falo, parece que sou outra pessoa. Tenho falado tanto por aí que cansei da minha própria voz, da minha própria argumentação. Começou a virar um discurso empedrado, entende? Não é tanto pelo tempo, é pelo excesso de discurso — meu. Sou eu que estou me engessando, não a entrevista”, explica. Em nossas conversas por telefone, a voz do cartunista só confirmou essa angústia, essa coisa de não querer ser um animal enjaulado à exposição. Um tanto decepcionado com os textos da imprensa escrita, Laerte prefere dar entrevistas por e-mail, “daí controlo (melhor) o que vai sair”. E foi assim que ele bateu um papo com a Ragga.


Como foi se olhar no espelho vestido de mulher pela primeira vez? Eu lembraria mais a primeira vez em que vi no espelho meu corpo totalmente depilado. Mais que vestir roupas femininas, foi esse despir simbólico da “roupa” de pelos que me foi impactante e revelador. Como se me visse pela primeira vez. As pessoas ainda têm muita dificuldade em aceitar o crossdressing? Qual foi a reação dos seus pais, filhos? Transgeneridade sempre foi um grande problema para muitas culturas. Fora de contextos muito específicos, como o carnaval, ou

de relações precisas, como as que envolvem troca sexual, é tabu. Desculpe pular fora da palavra crossdressing, que, para mim, é escorregadia. Ao mesmo tempo em que indica uma comunidade, camufla sua natureza classista e escapista. Meus próximos receberam a minha decisão com respeito e amor — nem sempre com conforto total. Também respeito o desconforto que possa existir. Já passou por algum momento constrangedor, algum xingamento? Ainda não. Pelo menos não senti constrangimento, nem ouvi insultos. Talvez algo assim possa ter ocorrido fora da minha área de percepção. Talvez a transgressão de gênero ainda esteja em “fase de introdução”, vamos dizer. Talvez o desconcerto provocado ainda seja maior do que a vontade de agredir. ,39


SINTO COISAS DIFÍCEIS DE EXPLICAR EM RELAÇÃO AO MEU TRABALHO – ALGUMAS DELAS SÃO PRÓXIMAS DE DESCONFORTO E IMPACIÊNCIA. AO MESMO TEMPO, NÃO ME VEJO FAZENDO OUTRA COISA QUE NÃO ESSAS HISTÓRIAS QUE FAÇO

Você abandonou personagens famosos, como o Overman e Os Piratas do Tietê. Por que isso aconteceu? Foi uma crise, ficou de saco cheio? Senti, por volta de 2003, que havia se completado um ciclo, um grande ciclo. Achei que não havia porque continuar naquele caminho, que, se é motivo de satisfação real, também parece pertencente ao meu passado criativo. O estranho é que, em busca de uma expressão mais representativa do momento em que vivia, acabei revisitando modos e procedimentos de um passado mais remoto ainda, da minha juventude — quando ainda não havia me profissionalizado. É estranho, mas não muito, para falar a verdade, revela o quanto, em nome da eficiência profissional, ,40

muitas vezes abandonamos nossa busca mais profunda. Pode-se dizer que você, vestindo-se de mulher, rechaça um personagem e assume outro? Não, não me vejo como personagem. Tento viver minha transgeneridade da forma mais sincera que posso. Em uma entrevista, você disse que queria ser como o Angeli, “que desenha com um amor imenso”, ou como o Paulo Caruso, “que desenha com uma facilidade assombrosa”. Você gosta do que faz? Sinto, em relação a esses dois queridos, admiração e inveja, mas sei que dificilmente vou atingir esse padrão. Sinto coisas difíceis de explicar em relação ao meu trabalho — algumas delas são próximas de desconforto e impaciência. Ao mesmo tempo, não me vejo fazendo outra coisa que não essas histórias que faço. Como é sua rotina de produção? Tento resolver de manhã as coisas mais urgentes, à tarde as menos urgentes. O tem-


po todo passa pela cabeça ideias, propostas, conceitos, que podem vir a ser histórias. Algumas delas eu anoto. Envelhecer o assusta? Envelhecer, nem tanto. Chegar perto da morte, sim. Não o tempo inteiro. O que é mais desconfortável no vestuário feminino? Nada, para falar a verdade. O que pode ser “desconfortável”, como se enfiar dentro de um corset, carrega em si tanto encanto que nem ligo. Acho que o desconfortável é quando a gente abre o armário e não encontra nada que nos represente em determinado momento. Isso acontece — os homens costumam zombar dizendo que o armário está lotado de roupa, identificando uma ideia de frivolidade e infantilismo de comportamento. É mais complicado, claro. Você já disse que “o crossdresser é um travesti de classe média”. Por quê? Como já comentei — e segundo minhas observações pessoais —, a palavra crossdresser veio do inglês, para identificar grupos que se travestiam, mas faziam questão de explicitar sua heterossexualidade. No Brasil, tal distinção se acomodou, no contexto da nossa cultura, a uma separação de classe. O que quero dizer é que, nos grupos brasileiros que se afirmam crossdressers, é possível encontrar heterossexuais, homossexuais, bissexuais e assexuais, bem como pessoas que praticam sexo na forma de programas ou que vivem seu travestismo como fetiche. O que concluí é que a diferença que se estabeleceu é em relação às travestis que vivem a realidade da pobreza, o que frequentemente inclui a prostituição, mas que, de um modo geral, as leva a uma assunção plena e cotidiana da sua condição de transgêneras. Na vida das assim chamadas crossdressers, isso é evitado, em nome da manutenção de uma imagem pública “respeitável”, “normal”. A transgeneridade é, com frequência, escondida não só no ambiente de trabalho e social, mas até de familiares próximos, cônjuges e filhos. É você mesmo quem compra suas roupas? Sim, claro. De outra forma eu estaria abrindo mão da minha busca. Apenas a própria pessoa pode fazer essa busca. Para quem tem receio de passar por humilhações em lojas, posso dizer que tenho sido sempre alvo de cortesia, quando não de calorosa festividade, da parte de atendentes, em quase todo lugar. No começo dá uma baita insegurança, é verdade — mas em pouco tempo a experiência mostra que o medo só está dentro da nossa cabeça. De que forma a morte do seu filho, em 2005, atingiu o seu trabalho como cartunista? Influenciou também no crossdressing? Prefiro não responder essa pergunta, tudo bem? Ainda é — e provavelmente sempre vai ser — uma questão muito complexa, frente à qual minhas tentativas de resposta têm soado invariavelmente reduções simplificadoras e análises superficiais. Continuo sentindo e refletindo, claro, mas não quero expor aquilo a que chego.


Há pouco tempo, você brincou: “Senta aqui, Bolsonaro!”. O que falaria para ele? Não sei. Naquela palestra, na Flip [Festa Literária Internacional de Paraty], usei esta imagem (que se revelou possuidora de um duplo sentido, depois) em nome do desentrincheiramento, da busca de trocas de ideias, em vez de troca de pedradas. Ainda defendo essa posição, mas existem momentos em que é preciso estabelecer o primado da cidadania, a defesa de direitos básicos e universais — um momento que supera o do debate. Quando grupos alegam defender a livre expressão ao “criticar” a homossexualidade, é preciso estabelecer que essa liberdade não é possível, da mesma forma que não é possível pregar a inferioridade racial ou o caráter maligno de determinada etnia. A suposta “crítica” que igrejas e grupos homofóbicos fazem à homossexualidade é apenas a negação de um direito humano, a negação da qualidade de humano a um imenso grupo de seres humanos. Não deve ser permitido, mesmo — não é objeto de debate. Ou então o debate deve ser outro: deve ser permitida a defesa do racismo? Do nazismo, da perseguição e eliminação de pessoas segundo determinadas etnias e ideologias? Da negação de direitos humanos e cidadania a grupos específicos da população? Afinal, vestir-se de mulher é uma forma de transgredir, de questionar preconceitos? A expressão “vestir-se de mulher” é meio discutível, na medida em que não pretendo iludir que eu seja verdadeiramente mulher. Uso roupas femininas, mas esse mesmo repertório também é discutível, na medida em que as mulheres já ultrapassaram há muito suas fronteiras e usam qualquer peça que lhes pareça cair bem. Então, penso que minha motivação é buscar essa mesma liberdade. Parece que sim — este é considerado um comportamento transgressor, que questiona preconceitos. Mas, para não ficar um papo muito rococó (“visto roupas consideradas do repertório assim dito feminino”), “vestir de mulher” até passa. ,42

MARCOS MENDES/DIVULGAÇÃO

TENHO FALADO TANTO POR AÍ QUE CANSEI DA MINHA PRÓPRIA VOZ, DA MINHA PRÓPRIA ARGUMENTAÇÃO. COMEÇOU A VIRAR UM DISCURSO EMPEDRADO, ENTENDE? SOU EU QUE ESTOU ME ENGESSANDO, NÃO A ENTREVISTA

CLEONES RIBEIRO / DIVULGAÇÃO

Laerte em duas versões: de 2000 (abaixo) a fevereiro deste ano, muita coisa mudou


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ESTILO

tetê vasconcelos por Lucas Machado fotos Carlos Hauck

< kit sobrevivência >

Criada nos anos 1960, a Cila, marca mineira de beachwear, conseguiu como poucas despontar no mercado nacional e internacional. Há quatro anos, ela vem ganhando uma versão mais glam. Uma das responsáveis por esse sucesso é Tetê Vasconcelos, uma mineira simpática e talentosa de 27 anos. Sucessora da Cila, Tetê aproveitou sua paixão por viajar e fez cursos de moda na escola La Sapienza, em Roma, e na London College Fashion, na capital britânica. “Desde pequena, trabalhei em todos as áreas da Cila, minha mãe sempre me incentivou. Passei a viajar muito e a trazer ideias soltas e aleatórias. Fomos implementando esses novos conceitos e o resultado foi muito positivo”, conta. Um dos seus ídolos do rock é o cantor e compositor Cazuza, mas ela também adora música eletrônica. Seus filmes prediletos são À deriva, “pela despretensão de se morar em uma praia”, e Cisne negro, com o qual se identifica pelo perfeccionismo. Quem não acompanha o trabalho de estilo da Tetê verá em suas coleções sua habilidade em condensar sensualidade, leveza, cores hypadas e looks descontraídos. Mostrando que, nos raios de sol, podemos enriquecer no verão também as brisas do mar.

< Tetê usa > Vestido corpete H&M Relógio Toy Wash Anel Coeh Pulseiras Brechó Cinto Brechó

livro Earth From above, Yann Arthus-Bertrand biquíni Cila câmera fotográfica Lomo Actionsampler

óculos Brechó bolsa Martiela

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J.C.


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RECORTE AQUI


COLE ESTA IDEIA Recorte a marca da Ragga e cole por aí, em qualquer bairro de qualquer cidade. No revistaragga.com.br, também é possível imprimir e participar desse movimento. Para completar, tire uma foto e mande pra gente: conectadosragga@gmail.com

FAÇA SUA COLA LAMBE-LAMBE Aqueça 150ml de água (equivalente a uma xícara de chá).

Em outro recipiente, misture três colheres de sopa de farinha de trigo e água fria.

Derrame a água quente sobre a massa de farinha. Misture até engrossar e deixe esfriar.

Para ficar mais resistente, adicione uma colher de sopa de açúcar depois que a cola já tiver engrossado.



QUEM É fotos Ana Slika e Romerson Araújo

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NA GRINGA ,china

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NO MEIO DO CAMINHO...

Yujiacun, aldeia chinesa feita de pedras, traz consigo uma história de meio século e muitos segredos texto e fotos Victor Motta

O que você pensa quando escuta, vê, lê ou pensa sobre a China? Alguns pensam em crescimento econômico quase desenfreado, capitalismo, oportunidades de negócios, produtos de qualidade contestável, BRIC, acrônimo usado para se referir aos quatro mercados emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China. Para outras pessoas, palavras como comunismo, exploração dos direitos humanos, mão de obra barata, revolução e ditadura. Enquanto uns associam a China com as Olimpíadas de 2008 ou desastres ambientais, outros já ouviram falar do filósofo Confúcio ou de Mao Tsé-Tung, líder revolucionário que ficou marcado principalmente pela Revolução Cultural de 1966, quando chineses universitários foram mandados ao campo, sendo reeducados seguindo uma doutrina comunista alinhada com os valores do regime da antiga União Soviética. ,53


Depois que pedi para tirar esta foto, conversamos muito sobre as várias faces da China, desde a história de suas dinastias, até a Revolução Cultural

Em Yujiacun, todas as casas têm mensagens escritas nas portas para dar as boas vindas aos convidados, proteger de pensamentos negativos ou simplesmente desejar prosperidade na chegada de mais um ano

AQUI, LONGE DOS HOLOFOTES MUNDIAIS, CRIAM-SE OVELHAS, PLANTA-SE O QUE VAI COMER E FALASE ABERTAMENTE DE ASSUNTOS CONSIDERADOS DELICADOS ,54


Para mim, a China é tudo isso e mais um pouco. Também considero seus 56 grupos étnicos, com suas próprias línguas, culturas diferentes, uma história milenar e dinástica e muitas realidades sobre a qual pouco conhecemos ou queremos conhecer. Pensando sobre os vários pontos de vista que a China representa, decidi morar lá por cinco meses e ver com meus próprios olhos essas realidades de que tanto se fala e pouco se sabe, começar a aprender essa língua de difícil compreensão, me comunicar, e tentar entender um pouco mais, nesse breve período de tempo, essa China da qual ninguém fala a respeito. Depois que passei a me comunicar em mandarim, comecei a viajar, ver e sentir o diferente. Foi nessa viagem que encontrei a aldeia de Yujiacun. Na fronteira entre as províncias de Hebei e Shanxi, e perto das montanhas Taihang, Yujiacun é uma aldeia pouco comum entre as milhões de aldeias chinesas. Feita totalmente de pedras durante a dinastia Ming, há mais de 500 anos, essa aldeia está longe de ser considerada uma atração turística, pelo menos para nós, estrangeiros. Conversando com um morador, um fato bem peculiar me chamou a atenção: 90% da população tem o mesmo sobrenome, Yu. Ele me explicou que Yu Qian, político considerado herói nacional durante a dinastia Ming, cansado de toda a corrupção de uma dinastia marcada pelo progresso econômico, científico, literário e artístico, mudou-se com seu neto, Yu Youdao, para um pouco mais longe de Pequim, entre as montanhas, em 1468. Lá, os dois começaram a construir uma casa de pedras para morar. Yu Youdao conheceu uma camponesa daquela região, tiveram cinco filhos e seus descendentes continuam morando na aldeia, 24 gerações depois. No tempo em que fiquei em Yujiacun, me hospedei na casa de pedra de Yu Chai, um jovem de 94 anos que me mostrou Qingliang, uma torre sem fundação nenhuma construída, em 1581, com pedras de tamanhos diferentes e bem assimétricas, por uma pessoa que queria uma torre alta o suficiente para que Pequim pudesse ser vista. A torre, inacabada, foi construída ao longo de 25 anos. Yu Chai me mostrou, também, costumes e tradições locais que chineses desconhecem, me ensinou um pouco mais da história desse local que, mesmo depois da Revolução Cultural, continua o mesmo. As pedras, que contam uma história de mais de 500 anos, ainda estão lá. Nessa China que não aparece na televisão, o aprendizado é contínuo e a longo prazo. Ainda existem crianças e adolescentes que respeitam os mais velhos e os valores ainda são considerados universais, não dependendo de onde viemos, de nossas crenças, sexo e pre-

ferências sexuais, política, religião, raça ou status econômico. Valores vêm da família. Ali, longe dos holofotes mundiais, criam-se ovelhas, plantase o que vai comer, fala-se abertamente de assuntos considerados delicados, desde aos ensinamentos de Confúcio, da tomada de poder de Mao Tsé-Tung, em 1949, até Deng Xiao Ping e sua “política de portas abertas” de 1979, abrindo o país ao mundo (ou as portas do mundo à China). Aqui, nessa aldeia de 15 quilômetros quadrados, seus visitantes, de qualquer uma das 56 etnias presentes no país ou de qualquer um dos 202 países, procuram algo simples, que as grandes cidades não podem oferecer: ar puro, silêncio, paz na alma e na mente, sorrisos sinceros, respeito, tranquilidade, conversas e o mais importante: tempo. Naquela aldeia de mil habitantes, conheci várias pessoas como Yu Chai, que me ajudaram a entender um pouco mais sobre a China e suas perspectivas, atitude de ajudar sempre e compartilhar as experiências. Essa é mais uma parte do quebra-cabeça que os próprios chineses também tentam entender.

Esse é o futuro da China que a gente não conhece. Ou melhor, que é bem parecida com a nossa: acesso à educação muito limitado no interior

Vista de Yujiacun do alto, às 5h. O único barulho que se escuta é do vento e do trabalho no campo

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ON THE ROAD ,amsterdã

Amsterdamaged

no bosque

Cruzou a linha, agora não tem mais volta. Toda pessoa sã deveria se manter a 30 quilômetros de Amsterdã por Bernardo Biagioni fotos Gregório Kuwada

Bom dia, Holanda. Chove, mas os astros continuam colidindo


Sem direção e sem sentido. E agora o que somos senão mais meia dúzia de almas em encanto profundo vagando pela Terra, seis almas encantadas pedalando bicicletas rosas roubadas abaixo do Vondelpark verde e ensolarado, seis sombras que sopram fumaça acelerando a vida a trinta e sete quilômetros por hora, sem caminho e sem destino, atravessando o tempo conforme o vento sopra a vela do barco que corre correnteza acima. É o primeiro verão de dois mil e onze e hoje nós acordamos vendo os astros colidindo em centelhas de luzes coloridas, como se estivessem aqui, e agora, todas as respostas que estivemos procurando em noites atravessadas em bares de letreiros acesos e bebidas baratas nas últimas três ou quatro semanas de frio. É verão e agora estamos hospedados para além do Amsterdam Bos, a 30 quilômetros da capital holandesa, de onde se vê o ponto em que se cruza a linha, a margem entre a sobriedade e a loucura, entre a razão e emoção pura e desvairada; aquele momento especial em que começa a fazer sentido alugar uma casa de campo no meio de um bosque holandês imenso e pouco frequentado, onde moram algumas das fábulas locais de monstros, fadas, unicórnios e outros animais encantados. A partir daí não tem mais volta, desculpa ou justificativa que acerte as suas pendências na conta do céu. “Comprou o bilhete, cumpra o percurso”, disse o professor. Tomamos a aula e enrolamos uma palhinha antes de começar o relato. Estou vivendo em uma floresta na Holanda. ,Passeio no bosque

Acontece que as reservas deveriam ser feitas antes. Hotel, passeios elegantes e passagens para fugir a qualquer instante. Seria bem mais seguro — e saudável — acatar a ideia de planejar tudo com antecedência e criar aí um plano de estadia mais estável: um albergue barato com localização razoável, um passeio de barco pelo canal no segundo dia, visitar o museu do Van Gogh na terceira tarde, uma noite para visitar um ou outro coffee shop e até dar ali um rolé rápido pelo Red Light District, cheio de bandidas polonesas quentes e gostosas prontas para roubar corações e grandes notas de euro. Mas o tempo passou rápido demais — e a vida é insignificante quando se planeja suas histórias — então, pela matemática improvável da minha inconsciência, acabei partindo de Belo Horizonte, sentido Amsterdã, com apenas uma possibilidade de hospedagem em vista: Bostel Amsterdamse Bos, pequenos chalés simples e modernos instalados em Amstelveen — uma das cidades satélites da capital —, onde se oferece passeios de caiaque, caminhadas na selva holandesa, passeios no bosque, cavalgadas por caminhos medievais e longos campos coloridos e floridos para contemplação profunda. Não era uma má ideia, sobretudo levando em conta as companhias que se dispuseram a dividir pedaços desta história comigo: cinco poetas meticulosos deste novo tempo, to-

dos dispostos a irem até o final da jornada só para verem se conseguiam escancarar de vez as portas que um dia ousaram tentar abrir. E eles estavam dispostos a tudo, desde provar fungos típicos e dançar pelado na chuva, até enrolar seguidos cones para tentar enxergar a aura das pessoas que costumam caminhar de bobeira na rua. ,Impressionismo holandês

Por isso essa história da casa de campo fez sentido desde o começo. Longe do Centro, das luzes vermelhas, do efeito do álcool em ingleses e de baladas pesadas, a gente poderia agora cultivar as nossas loucuras particulares enfiados no meio do campo, em diálogo mútuo com as pontes, os rios e a natureza, como se fossemos todos partes de um quadro impressionista francês — as aves sobrevoando o campo, os lunáticos cortando pétalas de algodão, todo mundo viajando em plantações monstruosas de girassóis meticulosamente imaginados por um pintor louco. Não que isso seja a visão do paraíso. Para dizer a verdade, esta sensação de estarmos presos em uma pintura de Monet por alguns instantes só deixou as coisas mais selvagens, tensas e preocupantes. Afinal, qual é o limite do tempo quando a realidade é subvertida por uma ilusão passageira de sermos possíveis Personagens de uma estória que se constrói no inconsciente de toda uma humanidade? Há tempos o homem nega uma verdade lógica: “a realidade não passa de um ponto de vista”. ,Seja gentil. Ou vá embora

Poderíamos ter ido um pouco mais longe se Rolland Straat não tivesse controlando toda a Situação. Rolland é um holandês clássico, que cresceu no campo pescando, caçando e matando. Tem cabelo bem cortado, barba, e os olhos azuis escuros e furtivos — um segundo encarando-os e você já tem a sensação que ali do outro lado está um animal selvagem bem periculoso. Fala inglês, alemão, espanhol, francês, italiano e português. E enxerga cada um dos movimentos óbvios que se desencontram na entrada do aposento pequeno e apertado da recepção do camping. Ele é o dono desta parada toda aqui — uns 50 chalés bem confortáveis e uma extensa ,57


ON THE ROAD ,amsterdã

Bernardo lê as notícias do dia no jornal local. E finge que entende alguma coisa

área para barracas — e cuida de tudo como se fosse fácil manter as coisas em ordem em uma cidade onde a droga e o sexo são legalmente aceitos pela sociedade. Não fosse por ele, é bem possível que o Bostel Amsterdamse não existisse por décadas na história da Holanda. Rolland é um humano que faz toda uma ordem cósmica funcionar nas imediações da área do camping. Sua voz grossa e firme garante que maconheiros sequelados e escoteiros em primeira viagem de fungos não se percam em passeios de canoagem por canais fluviais com cascatas fluorescentes. Rolland está em todos os lugares, em todos os momentos. Porém, como todo humano, uma hora da noite ele precisa adormecer. Bem, é aí que o pau quebra. De noite, ninguém é de ninguém no Amsterdamse. O que pela internet parecia ser um lugar tranquilo e silencioso para pescar e ler Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe,

Dia bonito em um parque bonito

se transforma em um caldeirão de sentimentos quentes, desencontrados, perigosos e intensos. Espanholas nuas cantam em garrafas de vinho vazias. Noruegueses te encaram como se você fosse um elfo brilhante. E colegiais começam a roletar de cabana em cabana atrás de qualquer coisa que lhes tire da consciência sã do mundo. Perto de três horas da madrugada, você já se prometeu quatro vezes que está de mudança para a Holanda. ,A casa cai

Mas no fundo você sabe que tudo isso não passa de uma ilusão enfeitiçada, um conto encantado de utopias modernas e temporárias. A vida é devagar e boa enquanto se pedala uma bicicleta rosa roubada soltando fumaça pela lateral da boca. Mas ninguém quer ser parte de um quadro para sempre. Mesmo que nesse quadro tudo esteja derretendo, se desfazendo, com todo mundo entrando em órbita ouvindo

É O PRIMEIRO VERÃO DE DOIS MIL E ONZE E HOJE NÓS ACORDAMOS VENDO OS ASTROS COLIDINDO EM CENTELHAS DE LUZES COLORIDAS

Recepção do Bostel Amsterdamse Bos. Lá dentro está Roland Straat, tentando controlar a loucura generalizada


Jornada pela arte impressionista no bosque Amsterdam Bos

canções folks sobre chegadas e partidas. Tipo Dalí. Tipo Dylan. Vai saber. É difícil superar Amsterdã. É como se te dessem tudo — liberdade, liberdade e liberdade — e então de repente pedissem um pedaço de volta. Ninguém espera que o tempo faça isso com os nossos sonhos, as nossas buscas e angústias. Pouco importa o caminho. Mas pelo menos é bom que nos deixem caminhar pelas ruas e esquinas como se só o vento fosse dono dos nossos desencontros previamente calculados por esta ordem divina que rege todo o bem que há no mundo. Sorte que há luz no fim do bosque. E Rolland sabe. E nós seis agora sabemos. Amsterdã é um gole cheio para quem está atrás das respostas que viajam sortidas entre uma tempestade e outra. Mas o Amsterdam Bos é o trago completo, o percurso do começo ao final, sem segunda chance, sem direito ao bilhete de volta. Agora que você está aqui, não procure por saídas. Ou, conforme diz a única regra do camping: “Seja gentil. Ou vá embora”. E assim vamos sobrevivendo, pois. Estou morando na floresta e aqui vejo o mundo pegar fogo. Meu barco desce a correnteza da vida como as rodas dessas nossas bicicletas rodando agora pelo trilho — estamos pedalando até o Centro só para ir buscar mais uma safra de sucos de laranja. A vida hoje é pura, dócil e linda. Só tem sido difícil saber se tudo isso conspira com a realidade. Ou se estamos, enfim, presos e plenos entre os versos de uma poesia.

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Ragga Fernanda Liberato fotos Diego Suriadakis

Fernanda saiu de casa. Fernanda está atrasada. Por onde anda Fernanda ninguém sabe. Fernanda passa rápido feito tarde de domingo. Frames, flashes. Domingo nublado. Pra que tanta luz. Fernanda vai surgindo. Desenho. Lápis. Primeiro os olhos. Texto. ,61



Chego. Entro. Lugares fechados, falta de ar. Levanto. Não paro. Gosto de janela, dessas para o mundo. Vou longe, atravesso. Becos, ruas, noites, luas. Binóculos, lentes, câmeras, armas. Seria um gato. Adoro clássicos. Músicas, filmes, roupas, carros, pérolas, por que não. Não preciso de senhores. Raul Seixas muda vidas. Adoro óculos escuros. Uso. Não vai chover. Gotas de chuva me perecem peixes num mergulho. Passa um fio de sol entre nuvens. Não pertenço. Como é bom viajar sem rumo. Danço. Sou o mundo. Ah Bahia, uma casa minha. Nunca fui ao Acre. Voto Marina. Segredo. Animais perdidos me seguem. Paro. Mudo.


Mais de uma loira aqui. À máquina. Escrevo. Elas. O jeito que gosto. Rostos. Beatles. Guns. Rosas. Couro. Tenho sede. Vinho. Falo mais. E mais. Calo-me. O vento. Ele me leva. Ouço ritmo, música, melodia. Corpo. Sentimentos confusos, profanos. Tá quente. Como Led. Whole lotta love ardente. Forno. Cheiro surgindo. Doce. Corto. Corto-me. Corto o meu cabelo. Fases da lua. Horóscopo. Diário. Sonho coisas loucas. Várias de mim. Se animar algo, liga. Não suporto gente que.


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CONSUMO

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

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meu pai quer

ANA SLIKA

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Sinônimo de proteção, de lembranças de alguém que segurava um neném de um jeito meio torto, mas, ao mesmo tempo, do jeito certo. Talvez esse neném seja você mesmo, um irmão/irmã mais novo. Talvez a memória seja clara, ligada a uma tarde tão específica ou borrada, nos tons de uma fotografia que se viu vezes suficientes para fazer pensar que se recorda de um certo momento. O Dia dos Pais é uma data comercial, mas não deixa de ser uma boa ocasião para homenagear, falar que ama e dar um presente — de preferência, um que os dois possam curtir juntos.


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ANA SLIKA

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5 1. < Para ver junto > Remake do clássico dirigido por Giuseppe Tornatore, Estamos todos bem (EUA, Itália — 2009), com Robert de Niro e Drew Barrymore no elenco, não agradou à crítica tanto quanto o original, de 1989. Mas provou que, 20 anos depois, a história do viúvo que viaja por diferentes cidades tentando retomar a relação com os filhos é atemporal. E emociona. US$ 17,50 amazon.com 2. < Vitrola > Não está certo deixar aqueles vinis empoeirados. Faça um favor ao seu pai — e a você mesmo —, colocando o som antigo para tocar. Portátil, a Vitrola Numark PT-01 também tem entrada USB. Se ele elogiar, dizendo que é “modernex” ou “bacaninha”, não estrague o momento fazendo cara feia. R$ 439 trapemix.com.br

3. < Para celebrar > No dia do seu nascimento, ele fumou umcharuto para comemorar. O segundo domingo de agosto é boa oportunidade para — contrariando advertências do Ministério da Saúde —, umas décadas mais tarde, vocês fumarem juntos. E com estilo: o Kit Fumoir (charuto Cohiba Robusto, isqueiro Honest e cortadores Apex e Jô Soares) é para iniciados e iniciantes na arte das tragadas. A Tabacaria (31) 3287 4270 Preços sob consulta

4. < Para redimir > Depois de anos e mais anos presenteando-o com gravatinhas de papel crepom feitas na escola, chegou a hora de se redimir com uma Jacquard de pura seda. R$ 167 Brooksfield Pátio Savassi (31) 3288 3771

5. < Testosterona > Uma caixa de ferramentas é injeção de orgulho em todo ser portador do cromossomo Y. Pode ser para o velho usar todo o fim de semana ou para ele guardar no fundo de um armário, esperando a ocasião de utilizá-la — sem nunca fazer isso de fato. E, vai saber, um dia até você pode precisar de uma chave Philips. Esta é da Tramontina e tem 30 peças. R$ 282,53 supremeinox.com.br ,67


COLUNA

,frente digital: o programa dos artistas independentes

DIVULGAÇÃO

#FALANAFRENTE

< HENRIQUE PORTUGAL >

produtor e tecladista da banda Skank twitter.com/ programafrente

De BH para São Paulo. Como surgiu a proposta de ir morar e trabalhar na capital paulista? Em 2009, tivemos uma reunião com [Rick] Bonadio [produtor da banda] e ele nos aconselhou a vir morar em São Paulo, pois o cenário do rock underground era bem mais favorável às bandas novas. Já pensávamos nessa hipótese. Em BH, enfrentávamos certa dificuldade para mostrar nossa música na noite — que era voltada para o cover. Foi o empurrão que faltava. Depois de lançado um EP, vocês se preparam para lançar um CD. Ele será uma extensão do primeiro trabalho? Sim e não. Sim porque provavelmente alguma música do EP estará neste projeto. E não porque ele terá uma cara um pouco diferente da do EP. Diferente, mas com uma coerência ao trabalho anterior.

Vocês assinaram com a Midas Music, do Rick Bonadio, que produzirá o novo trabalho de vocês. Como foi a aproximação entre banda e gravadora? Em 2006, no início da banda, o procuramos. Ele ouviu e gostou, mas disse que estávamos muito crus, que precisávamos rodar mais. Assim fizemos. Três anos depois, voltamos a procurá-lo. Ele ouviu nosso material, gostou do que tínhamos e então deu a ideia de virmos para São Paulo, onde ele poderia nos ajudar. Viemos e logo depois assinamos com ele. A experiência tem sido ótima. É muito bom entrar e sair pela porta da frente de uma das maiores gravadoras do país. Aprende-se muito por lá.

DICAS DE CDS

QUAL É A DA MÚSICA

Artista: Felter Disco: Passo a passo

Música: Herói trancado Composição: Ortinho Cantor: Ortinho Disco: Herói trancado

Selo: Independente

Artista: The Folsoms Disco: Outlaw Country Selo: 53HC

DICA DE LIVRO Mulheres Autor: Charles Bukowski Editora: L&PM 320 páginas

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fale com ele: contato@frentedigital.com.br

Herói trancado surgiu do título de um filme de Simeão Martiniano, cineasta pernambucano. Tinha visto esse filme, Herói trancado, e passei alguns anos com o título na cabeça, querendo fazer algo com ele. Pensei em um personagem que passou a vida toda nas ruas, mas sem liberdade, preso a algo ou alguém. Então, desenvolvi a letra a partir desse tema, preso do lado de fora, trancado do lado de fora. Depois, fui eu e meu suor quem terminamos a canção.

Fiquei trancado do lado de fora Deixando você livre para eu ir embora Agora vou aproveitar a minha vida preso pelo mundo afora Não tô a fim de receber visitas Tô me sentindo livre feito um turista Tem muita gente que divide esse mundo comigo Alguns até são meus amigos Espero com sinceridade que estejas bem Que tenha ocupado meu lugar com outro alguém Que a sua casa esteja alegre e colorida Fui condenado a viver sem você o resto da minha vida Condenado eu sei Condenado pelo que você me fez Condenado e não tão culpado Deixe suas penas que sou eu que pago CECÍLIA SILVEIRAFRED JORDÃO

WÉBER PÁDUA

O underground do rock e também do pop. Falando com o Frente, Thiago Rabello, frontman da banda mineira — radicada em São Paulo — In Box.

Vocês lançaram primeiro um DVD e só agora lançarão um CD, caminho oposto à prática de mercado. Como foi essa ideia? A ideia do DVD era encerrar o ciclo do EP, mas já mostrando a cara do que estaria por vir. No repertório, colocamos músicas antigas, mais as quatro do EP e duas novas, sendo uma delas inédita. Por isso, o nome do DVD: Passado, presente e futuro.


COLUNA

A MÚSICA E O TEMA REVOLUÇÃO SEM TV por Kiko Ferreira

SONY / DIVULGAÇÃO

DIVULGAÇÃO

Em seu último álbum, Scott-Heron gravou Me and the Devil, clássico do bluseiro Robert Johnson (abaixo)

Quando saiu da escola, aos 19 anos, para escrever seu primeiro livro, o americano Gil Scott-Heron não sabia que seria apontado como o primeiro culpado pela forma de música pop mais prestigiada no terceiro milênio, o rap. Da literatura à música, o caminho foi curto. Em 1970, no primeiro LP, Small talk at 125th and Lenox, ele já mesclava fala e música, buscando rachaduras no sonho americano, temperando com ironia, ódio e sarcasmo às críticas à sociedade consumista, à indústria do entretenimento e aos hábitos burgueses do americano médio. Em sua música mais famosa, The revolution will not be televised (A revolução não será televisionada), ele pode ter previsto o atual momento político do planeta, em que as redes sociais começam a mobilizar a juventude sem influência direta dos meios de comunicação tradicionais — televisão incluída. Nascido em abril de 1949 e morto agora, em maio deste ano, poucos meses depois de fazer uma inédita e instigante fusão de sua poesia falada com a eletrônica do produtor Richard Russell, do selo inglês XL, Scott-Heron parece ter investido toda a vida neste momento histórico que ele, infelizmente, não vai acompanhar ao vivo. Filho de um jogador de futebol jamaicano e de uma professora de inglês e bibliotecária, ele foi integrante do grupo Last Poets, nos anos 1960 e 1970. Inspirador de Chuck D, do Public Enemy, e de nomes recentes, como Kanye West, ele não devolvia as homenagens e, bem em seu estilo, dizia que deixava o hip hop para os filhos e que não podia “ter a culpa” pelo rap. Ele preferia se classificar como um “bluesologista” e sintonizava nas rádios de jazz de Nova York, onde morava. A história do CD — I’m new here, que acaba de sair no Brasil, aliás, é sintomática. Em 2006, Scott-Heron cumpria pena de um ano e meio na maior prisão da Big Apple, Riker Island, quando recebeu carta do inglês Richard Russell, pedindo para fazer uma visita, com uma proposta de parceria. Russell, fã e conhecedor da obra do detento famoso, propôs um

diálogo da música antológica com as sonoridades atuais que ele ajuda a definir, com seu selo XL, o mesmo de MIA e Dizzee Rascal. Levou um punhado de efeitos, levadas, grooves e sugestões. E começaram a gravar, no ano seguinte, o disco que só seria lançado em 2010, eleito um dos melhores do ano pela maioria das revistas especializadas da Europa e dos Estados Unidos. A integração foi perfeita. Com uma sonoridade que chega a lembrar grupos fundamentais na definição das sonoridades atuais, como Massive Attack, LCD Soundsystem e até Radiohead, o disco tem como faixa-título um cover de Smog e cria pontes sonoras históricas, ao reler um clássico como Me and the Devil, do bluesman Robert Johnson, com ares de 2010. Entre vinhetas, efeitos e levadas, esse foi outro tipo de revolução, pois põe conteúdo poético e literário na música num momento em que o hip hop traz letras cada vez mais banais e redundantes. No clássico The revolution will not be televised, Gil Scott-Heron usa referências da época, falando de artistas, programas de TV e outros ícones consumidos pela classe média americana. Mas, se trocarmos os nomes pela seleção de figurinhas carimbadas da mais recente revista de fofocas, o conteúdo continua valendo. A letra começa profética: “Você não será capaz de ficar em casa, irmão. Você não será capaz de ligar, desligar e se rebelar. (...) Sair fora para uma cerveja durante os comerciais. Porque a revolução não será televisionada”. E elenca artistas, políticos, patrocinadores e símbolos “dos sistema”, como se dizia na época, que não levariam a revolução para a casa do cidadão. A revolução, seguindo o poeta, não terá replay, câmera lenta ou pausa, nem deixará ninguém mais magro. E, depois de desancar músicos, jornalistas e filtros que poderiam levar a revolução ao conforto do lar de cada um, volta ao mote inicial: “A revolução não vai ser televisionada. A revolução não vai ter retorno, irmãos. A revolução será ao vivo”.

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livra RADA

UM DIA

VINTE ANOS, DUAS PESSOAS, David Nicholls (Editora Intrínseca)

Alta fidelidade, Nick Hornby (Rocco)

Pai e filho, Tony Parsons (Sextante)

Se o assunto é literatura britânica contemporânea, impossível não falar de Nick Hornby. Desde seu primeiro romance, Alta fidelidade, ele se firmou como mestre na arte de misturar elementos de cultura pop à vida de personagens bem construídos – e em crise. O livro narra a vida de Rob Fleming, dono de uma decadente loja de vinis e vida sentimental idem. Aficionado por listas, ele tenta descobrir como lidar com decepções, ao som de música de primeira.

Constantemente comparado a Nick Hornby, Tony Parsons diz não se importar com isso. Nem deveria. Jornalista punk no início de carreira, ele se firmou como um dos escritores mais conhecidos de sua geração. O best-seller Pai e filho, baseado em experiências autobiográficas, narra a história de um homem abandonado pela esposa que, a partir disso, desenvolve um relacionamento com seu filho. Quanto a Hornby, ele chama, carinhosamente, o outro autor de “vizinho” — e, de fato, os dois vivem próximos, no Norte londrino.

Igor Marotti / divulgação

imagens: DIVULGAÇÃO

LITERATURA BRITÂNICA CONTEMPORÂNEA E CULTURA POP

Garoto conhece garota e a história rende um best-seller. Pode parecer literatura barata, mas não é nada disso. Considerado imediatamente um título cult, em 2009, ano de seu lançamento na Inglaterra, Um dia, de David Nicholls, tem sido, desde então, aclamado pelos leitores e pela crítica. Chegou ao Brasil há dois meses, com capa, contracapa e página dupla recheadas de elogios de jornalistas especializados e escritores renomados. A razão do sucesso repousa sobre Emma e Dexter, personagens profundos, muitas vezes apaixonantes — noutras tantas, irritantes. Espremidos numa cama de solteiro, após a formatura da faculdade, num dia 15 de julho, eles conversam sobre o futuro. Nos capítulos seguintes, Nicholls apresenta o que ocorreu com os dois nos 20 anos seguintes, sempre se restringindo ao aniversário de quando se conheceram. Um romance sobre o tempo, como tantos críticos disseram, e sobre como o passar dos dias muda quase tudo — embora algumas coisas consigam permanecer as mesmas. Neste mês, o filme homônimo estreia nos EUA, com Anne Hathaway no papel de Emma. Imperdível.

PRATA CASA

da

por Lucas Buzatti

FADAROBOCOPTUBARÃO Olha isto: fadarobocoptubarao.com myspace.com/fadarobocoptubarao Saia da garagem! Convença-nos de que vale a pena gastar papel e tinta com sua banda. Envie um e-mail para redacaoragga.mg@diariosassociados.com.br com fotos, músicas em MP3 e a sua história.

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Não se engane pelo nome esdrúxulo. Apesar de se chamar Fadarobocoptubarão, a proposta desse inspirado power trio instrumental é séria. Com vocação para o “roque paulera”, Porquinho (guitarra), Batista (baixo) e Chico (bateria) fazem um som sem frescura, que passeia por diversas vertentes da música pesada. Mas se é para rotular, goste você ou não, o FRT é, sim, stoner rock – e dos melhores. Dúvidas? Escute porradas como Jogos de verão ou Meu primeiro elefantinho, do EP Facul

de Puta (2011), que dá sequência à demo do trio, Força Dobermman (2009). Você verá que, apesar de instrumental, o FRT não é nada virtuoso. “Estamos muito mais para uma banda de metal do que para um grupo de música erudita”, pontua Batista. Essa particularidade tem levado o trio aos palcos de BH e de festivais em outros estados, como o Bananada, em Goiânia, no ano passado. E não para por aí . Em setembro, eles entram em estúdio para gravar um novo disco. Que venha mais “paulera”!



PERFIL

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é tudo verdade

Sempre atento ao que acontece ao seu redor, Fernando Grostein Andrade, diretor do filme Quebrando o tabu, não se contenta em documentar o que vê — ele quer mudar a realidade por Sabrina Abreu fotos Marcelo Naddeo Num país em que o esquema “casa grande e senzala” costuma conectar o hábito de trabalhar desde cedo a uma realidade familiar desfavorável, Fernando Grostein Andrade começou sua carreira numa agência de publicidade, aos 15 anos — porque queria muito, não por necessidade. Hoje, aos 30, é diretor de cinema, dono de uma produtora com 25 funcionários e de um currículo que une grandes clientes de filmes publicitários a trabalhos autorais, além de um rosto que faz duvidar de sua idade — certeza que não tem 20 e poucos anos? Os frutos mais famosos de seu trabalho são dois documentários. O mais recente, Quebrando o tabu, em cartaz desde junho e ancorado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mostra a ineficácia da guerra às drogas, levantando um debate a favor da prevenção ao uso e da descriminalização. Os depoimentos de personalidades de renome internacional, como os ex-presidentes americanos Bill Clinton e Jimmy Carter, renderam ampla cobertura da mídia e já provocam uma sutil mudança de opiniões importantes, como a do psiquiatra e especialista em dependência química Arthur Guerra de Andrade, professor da Universidade de São Paulo [no programa Marília Gabriela Entrevista, do dia 31 de julho]: “Essas pessoas que começam a ter uma outra visão diferente da minha devem ter alguma coisa interessante para falar. Eles não estão brincando, isso não é um teatro”. Fernando também assinou Coração vagabundo (2009), aquele que mostra Caetano Veloso nu. Diretor e cantor viajaram juntos durante a turnê do álbum A foreign sound

por São Paulo, Quioto, Osaka, Tóquio e Nova York, entre momentos íntimos, de brincadeiras à melancolia, que fizeram o próprio Caetano se estranhar na tela. É nesse filme que uma das principais características do olhar de Fernando se revela: a “intenção de mergulhar na alma humana”. Planejando deixar o lado documentarista, seus próximos projetos são uma ficção sobre a coexistência entre árabes e judeus e uma história baseada na experiência verídica de uma vítima de sequestro. Sim, ele vai continuar flertando com os fatos reais. Herança do pai, o jornalista Mário Escobar de Andrade, editor da Playboy entre as décadas de 1970 e 1990, que morreu há 20 anos. Os laços familiares apontam para outra influência: Luciano Huck é meio-irmão do diretor (ambos são filhos da arquiteta Marta Dora Grostein) e um dos produtores de Quebrando o tabu. Fernando não esconde o fato de a boa rede de contatos ter acabado por abrir portas. “Mas, uma vez que a porta está aberta, é com você para ficar lá dentro.” Em sua produtora, em São Paulo, onde chega pedalando, diariamente, ele conversou com a equipe da Ragga sobre cinema, religião, maconha e injustiças sociais. Ao que parece, para o diretor não basta documentar o que vê. Fernando quer contribuir para modificar a realidade. QUAL É O SEU SENTIMENTO EM RELAÇÃO A QUEBRANDO O TABU, DEPOIS DE O DOCUMENTÁRIO SER EXIBIDO, REPERCUTIDO, DE VOCÊ DAR TANTAS ENTREVISTAS SOBRE ELE? FICO FELIZ de ver que a gente criou uns trincos no tabu, acho que ele ainda não foi quebrado, é uma coisa de muitos anos. Mas, em breve, a gente tem planos de lançar o filme em DVD, na internet e, além disso, lançar uma série de pensamentos curtos, de três minutos, sobre o assunto, captados pelo mundo durante a produção do documentário. Como a gente teve muita história interessante, mas não teve a possibilidade de colocar tudo no filme, a ideia é, paulatinamente, ir colocando. A gente tem uma página no Facebook com quase 100 mil usuários ativos e 50 mil “likes”. A ideia é desenvolver essa comunidade, tratar o tema e discutir a questão. ,75


ALGUMA REAÇÃO ESPECÍFICA CHAMOU MAIS A SUA ATENÇÃO, O COMENTÁRIO DE ALGUÉM QUE TENHA VISTO O FILME? TEVE UMA COISA QUE ACHEI ENGRAÇADA. Tem uma amiga minha que fuma muito maconha e ela levou a mãe para assistir o filme. A mãe adorou, mudou um pouco de opinião a respeito e perguntou: “Filha, mas você já fumou maconha?”. Ela respondeu que sim. E a mãe dela completou: “Mas só uma vez, né?” [risos]. Fico feliz porque muita gente assiste o filme e fala: “Nunca imaginei que o assunto fosse tão complicado e tivesse outro lado”. Porque o impulso natural é imaginar que a repressão, descer a porrada, vai resolver. É legal ver que, com informação, a pessoa adquire uma opinião mais madura. Às vezes, essa opinião não vai ser como a minha ou a do presidente Fernando Henrique, mas vai ser embasada, não preconceituosa. Diferente do que considero uma grande sacanagem: desrespeitar aqueles que acham que a guerra às drogas é um fracasso, tachando-os de apologistas. Esse tabu, sim, foi quebrado. Quem questiona a guerra às drogas não está fazendo apologia, não está defendendo o uso de drogas, está dizendo: “Será que não têm formas mais inteligentes e humanas de lidar com isso?”. JÁ QUE VOCÊ DISSE QUE NÃO É USUÁRIO DE MACONHA, NÃO PODE SER ACUSADO DE ESTAR LEGISLANDO EM CAUSA PRÓPRIA. CERTO?

MAS ESTOU legislando em causa própria, no sentido de que esse é um problema que afeta todo mundo que fuma ou não maconha. E mais do que isso, não quero morar num mundo e não quero que meus filhos morem num mundo em que se entre na cadeia e veja que 80% dos detentos foram presos por questões relacionadas às drogas, e desses, 90% ou 95% são pobres e 80% afrodescendentes. Não é um fenômeno só do Brasil, ocorre na Colômbia, nos Estados Unidos. Quem está preso por crimes de drogas são os menos favorecidos na estrutura social. Num morro carioca onde eu estava filmando, vi um menino de 5 anos subindo e cantando a música do Comando Vermelho, como se isso fosse o grande valor de segurança e admiração para ele. Vi meninas de 12 anos loucas para ficar com quem carrega armas, vi um menino de 16, soldado do tráfico, com seis filhos, que me recebeu com uma granada e uma pistola e que morreu antes de eu conseguir fazer a entrevista. Esse tipo de tragédia é inadmissível. Uma pessoa que nasce numa favela ser obrigada a cozinhar e almoçar ao cheiro de esgoto — porque a maioria das favelas ,76

ESTE TABU, SIM, FOI QUEBRADO: QUEM QUESTIONA A GUERRA ÀS DROGAS NÃO ESTÁ FAZENDO APOLOGIA, NÃO ESTÁ DEFENDENDO O USO DE DROGAS, ESTÁ DIZENDO “SERÁ QUE NÃO TÊM FORMAS MAIS INTELIGENTES E HUMANAS DE LIDAR COM ISSO?” não têm saneamento básico – e, ainda assim, ter a ilusão de que a melhor forma de uma pessoa se dar bem na vida é se envolvendo com o tráfico, é uma coisa que a gente não pode admitir. Acho que a sociedade tem que ficar alerta para o fato de que estão vendendo uma falácia há 50 anos. E ELA BENEFICIA ALGUÉM OU ALGUM GRUPO.

EXATAMENTE. Acho que tem aqueles que, sim, defendem a falácia, porque acreditam nela, e outros que a defendem de forma cínica. Enquanto a falácia fica aí, tem muita gente lucrando, como a indústria de armas. O filme mostra o depósito de armas [apreendidas] do Exército do Rio de Janeiro, 100 mil armas, a maior parte delas servia ao tráfico. Não sei se você notou um detalhe interessante: elas são quase todas velhas, as tranqueiras foram apreendidas. As novas estão por aí. VOCÊ TEM ALGUM VÍCIO?

VÁRIOS. Sou um pouco viciado em endorfina. No meio do Quebrando o tabu, corri tanto, que quebrei meu calcanhar. Não corro mais depois disso, estou de bike. Outro vício que tenho é cinema. Adoro ir quando estou com algum problema. E trabalho além da conta em alguns momentos — as pessoas que trabalham comigo sabem disso. EM CORAÇÃO VAGABUNDO, O CAETANO FALA QUE A MELHOR MÚSICA DO MUNDO É A AMERICANA, COMENTÁRIO QUE GERA POLÊMICA. VOCÊ TEM UM RANKING EM RELAÇÃO A FILMES? QUAL É O MELHOR?

TENHO, mas acho que se falar, vou apanhar do meio. AH, FALA...

O CINEMA AMERICANO. Deixando bem claro que não sou um estudioso nem nada, não sou crítico, conhecedor, longe disso. Trato cinema como uma coisa que gosto, não como objeto de estudo, porque estudar para o vestibular acabou com meu tesão de ler tanta coisa, pensei: “Não vou sair vendo filme porque falam que tenho que ver, vou assistir na medida do meu prazer”. A maior parte da indústria americana não acha que ou você faz um filme de qualidade artística, ou comercial. Tem exemplos e mais exemplos de filmes americanos que conseguem aliar as duas coisas: Todos os filmes do [Stanley] Kubrick, Pulp fiction (1994), Up (2009), Ratatouille (2007) e Wall-e (2008), da Pixar. Sou apaixonado pelo trabalho da Pixar. Uma das coisas mais difíceis do cinema eles conseguem fazer: 20 minutos de filme sem uma única fala, tarefa de mestre de roteiro. Acho que o cinema americano, pela própria natureza dos Estados Unidos como superpotência e a forma de


eles encararem o cinema como forma de dominação política, já quebrou esse tabu há muito tempo: dá para fazer filme bom do ponto de vista artístico e comercial. Tropa de elite (2007) também é um ótimo exemplo: conteúdo artístico primoroso e resultado comercial primoroso também; Dois filhos de Francisco (2005), a mesma coisa. TEM CONTATO COM O CAETANO VELOSO AINDA?

TENHO, é um grande amigo. VOCÊ DISSE QUE APRENDEU MUITAS COISAS COM ELE. QUAIS FORAM?

TER UMA CABEÇA ABERTA. Ele é aberto às pessoas, à natureza, fala com um taxista, com o presidente de uma empresa ou um artista do mesmo jeito, sempre olhando para o que aquela pessoa tem de bacana e com certo interesse sociológico. Ele é uma das pessoas mais queridas da minha vida. E O QUE APRENDEU COM O FHC?

FOI UMA continuação disso. Ele me deu uma grande lição de humildade. Tem infinitos títulos acadêmicos, infinitas conquistas, lutou pela democracia, foi um dos responsáveis por controlar a inflação no Brasil, uma biografia extraordinária. Um cara desses, aos 80 anos, topar enfiar a mão num angu desses, a pedido de um

outro, 50 anos mais jovem e, mais do que isso, aceitar conversar com presidiárias do Carandiru presas por traficar droga na vagina e aprender com elas, acho muito legal. Supergesto de humildade, independente daquilo que você já aprendeu. COMO FOI O PRIMEIRO CONTATO COM O ELE?

LÁ ATRÁS, quando eu estava na época do clipe do Caetano, a Flora Gil me chamou para fazer o clipe de uma banda que o Gilberto Gil estava produzindo, que se chama Pur’Amizade, grupo de pagode da Rocinha. Vê como a gente não pode ter preconceito nesta vida: muita gente não gosta de pagode, eu gosto, fui. Lá, conheci muitos meninos da minha idade e outros mais jovens engajados no tráfico, portando armas de guerra, vendendo várias drogas, entre elas a maconha. Então, me lembrei de quando tinha 18 anos, fui para Amsterdã de mochilão e me perguntei: “Por que num canto do mundo se vende maconha como se fosse num bar e noutro canto do mundo se vende maconha com tanta gente matando e morrendo, especialmente, jovens afrodescendentes pobres?”. Só que cada vez que colocava essa pergunta para as pessoas, elas me olhavam como se eu estivesse fazendo apologia, fosse um sem-vergonha. Então, o que ficou de mais forte para mim foi que não tinha condição de viabilizar este projeto. Passaram oito anos, ou coisa assim, vi o Fernando Henrique na te,77


FAZER CINEMA NÃO É SÓ FICAR DISCUTINDO QUESTÕES DO MUNDO OU DA ALMA HUMANA, MAS, PARA MIM, É IRRESISTÍVEL

levisão com o William Bonner anunciando a criação da Comissão Latino-Americana de Drogas e Democracia. A comissão falava que queria tirar o foco da repressão e focar em prevenção, em vez de tentar erradicar a oferta, reduzir a demanda por prevenção e tratamento. Achei extremamente inteligente e corajoso. Falei: “Está aí uma pessoa para conduzir a questão com credibilidade sem ninguém o chamar de apologista”. Tive sorte porque minha mãe é professora de urbanismo na FAU [Faculdade de arquitetura e urbanismo, da USP], em conjunto com a Regina Meyer, elas dão aula em dupla. A Regina era uma das grandes amigas da Dona Ruth [Cardoso] e conseguiu uma reunião comigo e o Fernando Henrique. Ele me recebeu na casa dele e topou. Dois anos e meio depois, o filme está pronto. SUA MÃE DAVA AULA COM UMA PESSOA QUE AGILIZOU O PROCESSO ATÉ O FERNANDO HENRIQUE. VÁRIAS ENTREVISTAS SOBRE O DOCUMENTÁRIO CITAM O FATO DE VOCÊ TER ACESSOS, POR CAUSA DA SUA FAMÍLIA. NUMA DELAS, LI UMA FRASE SUA DIZENDO QUE: “TEM GENTE QUE TEVE OPORTUNIDADE E NÃO SE DEU BEM NA VIDA OU QUE NÃO TEVE OPORTUNIDADE E SE DEU BEM. NÃO EXISTE UMA REGRA”. FOI ASSIM MESMO QUE VOCÊ FALOU?

NA VERDADE, o que quis dizer é que acho que você ter possibilidades ajuda a abrir portas. Mas uma vez que a porta está aberta, é com você para ficar lá dentro. O Fernando Henrique deve ter outras 355 mil pessoas que ele conhece e que devem ter um projeto para fazer com ele. Certamente, se topou fazer este, é porque acredita nele. O que acontece é que, às vezes, tem alguns jornalistas que precisam diminuir o trabalho dos outros por invejas pessoais. Sem citar nomes, um dos jornalistas que me entrevistou colocou essa questão, ela entrou no fluxo das entrevistas que eu dei. FICA INCOMODADO?

VOU CONFESSAR que, no começo, ficava meio chateado. Tenho 30 anos, 15 anos de carreira, perdi meu pai aos 10, sou um cara sério, tenho uma empresa, funcionários, dou meu sangue para fazer um trabalho direito. Daí, de repente, tudo fica diminuído para pintar uma imagem de filhinho de papai. Mas isso, sim, é uma coisa que aprendi com o Fernando Henrique. Que é — desculpe o termo — cagar para as coisas que escrevem, porque, se não, você vira refém. Claro que uma boa matéria ajuda a abrir portas para trabalhos, mas se for se pautar só por aquilo que escrevem, seria como dirigir um carro olhando pelo retrovisor. A gente tem que olhar para a frente, em vez de olhar para trás. ,78

TEM MAIS ALGUM PERSONAGEM VIVO QUE VOCÊ PENSE: “QUERIA TANTO FAZER ALGUMA COISA COM ESSE CARA”?

ESTOU PARANDO com documentário, partindo para a ficção. Mas tem uma lista imensa de pessoas com quem eu gostaria de trabalhar. Noutro dia, estava pensando — não vou nem propor, não é o caso — que sou fã do trabalho do Ingo Maurer, que é um designer. AOS 15 ANOS, VOCÊ TRABALHOU NA DM9. ERA O ESTÁGIO DOS SONHOS DE MUITO ESTUDANTE DO OITAVO PERÍODO DE FACULDADE. COMO CONSEGUIU ISSO?

SEMPRE ADMIREI muito o trabalho da DM9, tinha a propaganda da pipoca e guaraná, lembra? Os mamíferos, o cara da Honda, de pijamas, cantando. Sempre admirei muito, sempre quis trabalhar com comunicação, não sabia como. Meu irmão [Luciano Huck] era amigo do Affonso Serra [Jr., então sócio da agência]. Eu tinha um quadriciclo na casa de praia, o Affonso pegou emprestado, capotou com ele e me devolveu todo torto, com um “me desculpa”. Eu disse: “Desculpa, não. Quero um estágio na DM9” [risos]. Foi assim que comecei. Depois comecei a trabalhar no grêmio da minha escola [Colégio Santa Cruz], fiz festas, primeiro para 13 pessoas, depois para 5 mil. Fiz uma revista na escola, impressa em gráficas, entrevistamos o José Serra, o Supla, os Sobrinhos do Ataíde, fizemos um ensaio sensual com as meninas da escola, com fotógrafo da Trip [risos], também aos 15 anos. Depois disso, estagiei na Jovem Pan. Fui DJ, promoter, iluminador, trabalhei na juventude do PSDB, fui voluntário do [Instituto] Sou da Paz. E CURSOU ADMINISTRAÇÃO. NÃO PENSOU EM FAZER COMUNICAÇÃO?

NÃO PENSEI, porque, na época, não sabia se queria ser empresário, político, jornalista ou DJ. Ser cineasta não passava pela minha cabeça ainda. Então pensei: “Vou escolher uma coisa que vai me servir na vida, independentemente do caminho que decidir seguir depois”. Estudei muito para entrar na FGV [Fundação Getúlio Vargas], que é um vestibular muito concorrido. Não entrei na primeira, entrei na segunda em 23º lugar. Mas, na primeira semana de aulas, pensei: “Meu Deus do céu, o que fiz?”. Não era nada disso que eu queria. Aí, bolei um site de curtas-metragem interativo, estava tendo aquele boom de internet no Brasil, há uns 10 anos. Mostrei o projeto para um amigo que trabalhava com internet e ele falou: “Muito legal, mas o que você está querendo fazer só vai ter tecnologia para fazer daqui a 10 anos. Quem sabe seu barato não é contar histórias?”. Aí, vi que toda vez que eu fi-


cava deprimido e triste, o que me dava prazer era ir ao cinema ver um filme ou ir à locadora tirar um filme para assistir. Ele falou: “Vai fazer um curso de cinema, vê se é isso que você quer”. Fiz um curso junto com a faculdade, na USC [University of Southern California], em Los Angeles, e me apaixonei. Um outro cineasta, Francisco Ramalho, que foi produtor-executivo do Beijo da Mulher-Aranha (1985), tinha sido professor da minha mãe no cursinho e começou a me dar aula na casa dele, por prazer. Então, estudava na FGV, mas montei um currículo voltado para o cinema. O curso tinha um currículo flexível, então, foquei em estratégia, marketing, sociologia, psicologia, filosofia, coisas assim, e ia estudando técnicas de cinema. No último ano, que tinha que fazer o trabalho de conclusão de curso, fiz um sobre a produção de um curta-metragem no Brasil, que eu mesmo dirigi. O curta chamava De morango (2003), o primeiro em HD do país, e é a história de um menino que tinha uma namorada com a fantasia de transar numa banheira com geleia de morango. Ele achou muito estranho isso e discutia com o analista, que falava: “Todo mundo tem seus desejos, fantasias, não se preocupe, tem que aceitar”. Ele engata o namoro com a menina, vai jantar na casa dos pais dela. Quando chega na casa, o analista dele é o pai dela. E é legal falar que foi lançado antes daquele outro filme americano com a Meryl Streep [Terapia do amor, 2005]. Eu tinha feito esse argumento semelhante, antes. Me formei, meu trabalho de conclusão de curso nada mais era do que minha prestação de contas ao Ministério da Cultura. O CURTA ACABOU LEVANDO ATÉ O CAETANO.

MANDEI ESSE CURTA para vários produtores de cinema no Brasil e a única pessoa que me respondeu foi a Paula Lavigne, que me chamou para fazer o clipe do filme Lisbela e o prisioneiro [da música Você não me ensinou a te esquecer]. Com o clipe na mão, muitas produtoras me chamaram para fazer publicidade e passei a fazer isso. A produtora onde eu trabalhava, Cine, ia fazer 10 anos e propus a eles de se juntarem à Natasha, produtora do Caetano, para produzir um filme musical em que a Cine comemorasse o aniversário e a Paula fizesse o DVD musical do Caetano. Todo mundo adorou a ideia, a Paula me chamou para fazer o DVD musical do Caetano, que era o A foreign sound. Mas, conforme o making of era feito, ele se sobressaiu e virou o produto principal, que é o Coração vagabundo. VOCÊ VAI RODAR UM FILME SOBRE A COEXISTÊNCIA ENTRE ÁRABES E JUDEUS. EM QUE PÉ ESTÁ?

NO ROTEIRO. Infelizmente, o roteirista com quem eu estava trabalhando morreu, logo no início do processo, um americano chamado Blake Snyder. Estou escrevendo o roteiro em conjunto com outro roteirista americano, que foi um dos 15 roteiristas do Rei Leão. Mas acho que ainda é um processo que vai demorar um pouco para amadurecer. É uma história original e é sempre muito mais complicado e desafiador fazer uma história original do que uma adaptação. É SEU PRÓXIMO PROJETO?

Acredito que sim. Estou entre esse e outra história que comprei os direitos. Essa, sim, uma adaptação. Um menino — não quero revelar o nome dele — que foi sequestrado, matou o sequestrador no cativeiro. Quando saiu na rua com os outros rendidos, a polícia achou que fosse o bandido e ele foi preso. ,79


NÃO, é a história que aconteceu com um menino, mesmo, de 21 anos. VOCÊ ESTÁ MIGRANDO PARA A FICÇÃO, MAS OS NOVOS PROJETOS PARECEM RECHEADOS DE REALIDADE. POR QUE ISSO?

spray filmes / DIVULGAÇÃO

É UM LIVRO ISSO?

Meu pai era jornalista, editor da Playboy, quando era chamada “A revista do homem”, na época da ditadura, quando não podia chamar “Playboy”. Então, sempre cresci em meio a jornalistas e pessoas da área da comunicação, também sempre gostei de política, desde criança. Com 8 anos, assistia horário político e sentava para conversar com os adultos, achando que estava falando de igual para igual. Sempre fui muito ligado nas questões do mundo. Acho que até atrapalha um pouco, porque fazer cinema não é só ficar discutindo questões do mundo ou da alma humana, mas, para mim, é irresistível. Sou muito ligado nessas duas coisas. Se você pegar o De morango, meu primeiro trabalho, eu já estava discutindo uma dita normalidade o quanto é fácil para um analista dizer “aceita, uma coisa da vida”, mas quando é com a filha dele, muda. Inclusive, tive a ideia quando liguei para o meu analista e a filha dele atendeu. E ela tinha uma voz bonita. FAZ ANÁLISE?

MINHA MÃE É JUDIA e meu pai era católico, agnóstico. Tanto eu quanto minha mãe respeitamos muito a cultura e a tradição judaica, em especial porque meus avós são imigrantes que fugiram da Rússia e da Polônia, por causa da Segunda Guerra. Minha tia-avó presenciou todos os amigos sendo trancados numa sinagoga e serem queimados vivos. Então, para a gente, cada festa de família é uma celebração da luta dos meus avós. A gente tem muito respeito. Quando meu pai morreu, eu estava muito envergonhado. Achava, na minha cabeça de 10 anos de idade, que seria vítima de gozação na escola por não ter pai. Então, lembro que o [rabino Henry] Sobel me falou que “a casa de ninguém tem quatro paredes, se você olhar pela parede que está faltando na sua casa, vai ver que a casa do vizinho também não tem quatro paredes ou pode ser que você não veja, porque está virada para o outro lado”. Falei: “Tá, mas sinto muitas saudades do meu pai”. E ele disse: “A vida é como se fosse um barco que cruza a linha do horizonte, você não está mais vendo o barco, mas sabe que ele está lá. Você não está vendo seu pai, mas pode ter certeza que sempre vai poder perguntar para você mesmo o que seu pai diria e vai saber”. Então, foram palavras de um rabino que me guiaram espiritualmente ao longo da minha vida. A luta dos meus avós também. Li um livro do Joseph Campbell sobre a metáfora religiosa [Tu és isso – Transformando a metáfora religiosa] que finalmente me fez entender o significado da religião. Ele conta que, apesar de sempre ter sido um estudioso da religião, nunca tinha a compreendido, até que estava no leito de morte e viu um crucifixo na parede. Aquilo trouxe conforto, paz, tranquilidade para ele sentir aqueles últimos momentos da vida dele. E diz uma coisa que é como enxergo a religião: se você pensála como metáfora, ela vira uma ferramenta poderosa. Por ,80

ARQUIVO PESSOAL

VOCÊ É RELIGIOSO?

DIVULGAÇÃO

HÁ 15 ANOS, duas vezes por semana.


dência da República]. E na campanha do Mário Covas participei de uma carreata com ele, no Jardim Ângela, um bairro bem perigoso de São Paulo. AO PENSAR NAS SUAS PROFISSÕES, CONSIDEROU A POSSIBILIDADE DE SER POLÍTICO. ISSO É RARO.

MAS DESISTI RÁPIDO. Acho que é uma profissão muito injustiçada, porque falar que é político ou prostituta, no Brasil, é o mesmo grau de desrespeito — eu não desrespeito nenhuma das profissões. Acho muito fácil nego falar que todo político é ladrão, sem ter envolvimento político com a história do país e não acompanha. Acho que, justamente, esse tipo de pensamento possibilita a existência de maus políticos. Quando você não se envolve, não sabe o que está acontecendo, tudo é uma merda, nada presta, abre espaço para a política ser dominada pelos maus elementos. Se ninguém está nem aí. OS PRÓXIMOS TRABALHOS DE FICÇÃO DEVEM PASSAR PELA POLÍTICA?

PARA MIM, VAI SER UM DESAFIO FUGIR DISSO, é o que prefiro. Sou muito apaixonado por esse assunto, então, tem sempre esse risco. Mas minha intenção agora é mergulhar mais na alma humana e menos na política. Tentar — vou tentar — mergulhar mais na alma humana.

Na página ao lado, Fernando e Fernando: O diretor e o ex-presidente discutem a relação entre a guerra às drogas e a criminalidade, num morro carioca. Com Caetano Veloso, em Osaka: retrato intimista Abaixo: Com o pai, o jornalista Mário de Andrade e com o irmão Luciano Huck

ALGUÉM PEGA NO SEU PÉ POR TER SIDO DA JUVENTUDE DO PSDB?

NÃO, deve ser porque nunca falei disso em nenhuma entrevista [risos]. AINDA É FILIADO AO PARTIDO?

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

exemplo: Terra prometida. Se você pensar nisso como um pedaço de terra, vai ser preciso estar lá, ou sua existência não vai valer a pena. Você vai matar ou morrer por isso. Mas se você enxerga terra prometida como um espaço metafísico, não um espaço, mas uma ideia, vai pensar: “Tenho que me tornar uma pessoa melhor ao longo da minha vida para alcançar isso”. Acredito em Deus, acredito muito nesse olhar metafórico da religião, adoro visitar igrejas, adoro ver rituais de todas as religiões, sempre quis conhecer uma mesquita em algum país árabe — ainda não fui. Enxergo a religião desse lado. Quando vem um líder religioso de qualquer religião dizer o que um cara pode ou não pode fazer, desconfio, rejeito, não gosto e acho uma sacanagem tremenda. Ao mesmo tempo, acredito em Deus, mas não acredito muito naqueles que falam em nome de Deus para dominar a vida dos outros.

NA VERDADE, nunca fui. Trabalhei na Juventude do PSDB para elaborar o plano plurianual de propostas do governo do Fernando Henrique para o segundo mandato [à presi,81


CRÔNICO Gabito Nunes

Gaúcho de Porto Alegre, Gabito Nunes, de 29 anos, é escritor. Autor dos livros A manhã seguinte sempre chega (2010) e O tudo que sobrou (2011), e do site literário carascomoeu.com.br, onde publica sua prosa romântica desde 2008.

Na contramão do senso folclórico comum, os gays não veem a hora de se casarem. O que você acha disto? Eu também. O caso é que hoje em dia somos intimados a depor sobre isso e aquilo, escolher um lado sobre tudo. Porque, com o posicionamento militante da mídia geral e a ebulição da internet e sua pista opinativa livre, não omitir qualquer muxoxo é uma afronta – como se todos nós fôssemos do tipo assexuado que antes de dormir abraça o seu Jean Jacques Rousseau sobre o peito e medita quinze minutos sobre o Brasil. Acho legítima a manifestação das minorias, entretanto, não formei opinião sobre o calvário homossexual. Porque ele em nada me afeta, ao contrário das crianças famintas da minha esquina. Mas não estou discriminando ninguém com essa falta de juízo, também não sei nada sobre a morte da Amy

Como ser legal

Winehouse, a “Liberdade” de Franzen, o novo comercial da Pepsi ou mulheres que usam estampas de oncinha. Sou pobre de opinião, tenho poucas, por esta razão as guardo junto de mim. O importante é que, não interessa sobre o quê, as pessoas querem expressar suas crenças, não querem ficar de fora, não custa nada — é o open bar das ideias. Lá no fundo, as pessoas querem sublocar-se em algum grupo, posicionar-se em alguma alameda da trincheira, querem ser legais. Querem ventilar sua bondade ficando ao lado de quem não come vaca, auferir com sua personalidade se opondo aos que veneram os Beatles. Politicamente correto ou polêmico, o que vale é ser amado por suas predileções, o que importa é ser legal. Há quem tenha opinião sobre isso de não ter opinião. O debate é essencial, sem ele não chegaremos a lugar nenhum, dizem. Com ele, chegaremos a lugar-comum — o embate —, eu digo. Porque azar dos argumentos, ninguém vai matutar a respeito do que você acha por mais de uma fração de segundo. Se você está com os comunistas, está contra mim. Se está a favor do comandante da Seleção Brasileira estou contra você. Se você carrega a bandeira da volta do penteado Pigmaleão, você está contra todos. E todos concordam que a agressividade é o linguajar padrão. Até que um comentarista o chama de “débil mental” porque você acha Kosovo um território lindo e maravilhoso, e que o Rio de Janeiro, esse sim, não merece o título. Fuzil por fuzil, temos praia, calor e gente bonita. Eles paisagens balcânicas, cenários amados por Kurt Vonnegut e um povo unido. E finaliza a alegação apelidando seu opositor de “pulha” por desfazer-se da sua preferência, por fazê-lo duvidar da sua convicção íntima, por deixá-lo inseguro de que realmente você e Kosovo são legais. Então você precisa escoar sua irritação, não pode deixar seu estilo desaparecer no córrego. Um crítico, seja literário, gastronômico ou jurado de concursos de beleza canina é, em tese, um conhecedor daquilo que põe defeito. Ele leu os livros, provou dos sabores, conhece o pedigree, ele tem uma opinião decisiva. Você também quer ser legal e criticar. Com o passaporte Twitter, encontra acesso aos alvos e voz retumbante. Você quer, pode, então você faz. Você é legal, tem personalidade, não é como aquela gente vazia, aqueles conservadores hidrófobos, omissos ambulantes. Aqueles que assistem tudo em 3D, de cima do muro, com visão privilegiada.

AS PESSOAS QUEREM POSICIONAR-SE EM ALGUMA ALAMEDA DA TRINCHEIRA, VENTILAR SUA BONDADE FICANDO AO LADO DE QUEM NÃO COME VACA, AUFERIR COM SUA PERSONALIDADE SE OPONDO AOS QUE VENERAM OS BEATLES ,82


Professores com experiência, garantia de aprendizado e aumento da empregabilidade. É uma instituição que tem um nome forte no mercado. Lincoln Wu

Coordenador de Logística na Fiat Automóveis Professor da Pós-Graduação UniBH

• Módulo Gestão de Carreiras

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